Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A requisição de auxílio policial pelos agentes do Fisco

Agenda 07/04/2010 às 00:00

As Administrações Tributárias da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para o exercício de suas competências tributárias fixadas constitucionalmente, lançam mão de seu dever-poder de fiscalizar. A fiscalização é atividade que emana da supremacia do interesse público e decorre da Teoria dos Poderes Implícitos. Nesse sentido, vejamos o abalizado magistério de Paulo Bonavides:

"Os poderes implícitos foram aliás objeto de algumas ponderações clássicas de Marshall emitidas no aresto da Suprema Corte ao ensejo da demanda Mc Culloch versus Maryland. Disse o insigne jurista: Pode-se com assaz de razão sustentar que um governo, ao qual se cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos), para cuja execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão vital, deve dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de seu interesse, nem tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e dificultar a execução, negando para tanto os mais adequados meios".

Não é outro o entendimento de José Eduardo Soares de Melo quando afirma:

"A competência constitucional outorgada às pessoas de Direito Público para instituir tributos implica, necessariamente, a competência para proceder ao exercício da respectiva fiscalização junto aos sujeitos passivos e todos aqueles que com eles mantenham algum tipo de vinculação. Considerando que a Constituição confere os fins – direito ao recebimento dos tributos -, deve também propiciar os respectivos meios para sua efetivação."

Cabe aqui ressaltar que a atividade de fiscalização somente pode ser exercida pelos agentes das pessoas jurídicas de direito público e somente pode ser delegada a outra, mas nunca a uma pessoa jurídica de direito privado, pois a função de fiscalizar é expressão da competência tributária, sendo um dos vetores pelos quais a Administração Pública verifica e assegura o pagamento dos tributos e o cumprimento das obrigações acessórias, em prol do interesse público, não podendo ser confiado à iniciativa privada, sob pena de usurpação da coisa pública.

Na esteira desse pensamento se encaixa a norma lapidada no art. 200, do Código Tributário Nacional, segundo a qual as autoridades administrativas podem requisitar força policial quando forem vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando isso for necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção.

Malgrado a polêmica gerada pelo citado dispositivo, mormente quando envolve local abrangido pelo conceito de "casa" tido constitucionalmente como "asilo inviolável", é pacífico na doutrina que a requisição, quando cabível, é feita diretamente pela autoridade administrativa, independentemente de intervenção judicial, conforme atesta Hugo de Brito Machado.

Assim, consoante o ilustre mestre cearense, a autorização de requisição da força pública diretamente pela autoridade administrativa fica restrita às hipóteses nas quais o mesmo pode ser validamente aplicado. Entre elas, para garantir a fiscalização do transporte de mercadorias, a apreensão de mercadoria em trânsito desacompanhada da documentação legal necessária, ou em depósito clandestino.

Assim, alinhavando o alcance do preceito normativo sub examine, não se configura embaraço à fiscalização a recusa na entrega dos livros comerciais entre outros documentos. A justificativa é porque a autoridade fiscal pode utilizar o procedimento de arbitramento dos tributos devidos, utilizando de outras fontes de informações.

É claro, dependendo da intenção, o contribuinte poderá incidir no crime de desobediência, previsto no art. 330, do Código Penal, do que o Ministério Público será noticiado através da lavratura de representação fiscal para fins penais. Outra consequência a que estará sujeito o contribuinte será a autuação por descumprimento da obrigação acessória de apresentar documentos quando solicitado.

Entretanto, suspeitando da possível instauração de inquérito policial a fim de investigar a ocorrência de crime contra a ordem tributária, o contribuinte também não estaria obrigado a apresentar provas contra si mesmo, consoante o princípio nemo tenetur se detegere, disposto no art. 5º, LXIII, não podendo sua recusa em apresentar documentos ser utilizada como pretexto para condenação, muito menos para que a polícia, afirmando auxílio à fiscalização, adentre no recinto da empresa para se apoderar de documentos que incriminariam o contribuinte.

E é isso que muitas vezes ocorria, até que o Supremo Tribunal Federal passou a não mais pactuar com esse tipo de arbitrariedade. A polícia, impossibilitada de adentrar na empresa e sem autorização judicial, convidava os agentes fiscais para, em operações conjuntas, entrarem à força no estabelecimento, pretendendo verem-se acobertados pela norma esculpida no art. 200, do CTN.

Insta consignar que o fisco, embora tenha livre acesso à empresa, no que tange ao escritório, só pode adentrá-lo com autorização de seu responsável legal. Em caso de recusa, não podem os agentes simplesmente requerer auxílio de força policial, eis que, forte na garantia da inviolabilidade do domicílio, oponível também ao Fisco, a medida dependerá de autorização judicial.

Por isso, o escritório da empresa está protegido pela inviolabilidade de domicílio e o ingresso no mesmo pela Receita, sem autorização judicial, depende do consentimento do morador. Nesse sentido, vejamos o decidido pela 1ª Turma, do STF, no AgReg no RE 331.303-7, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em fevereiro de 2004:

"EMENTA: Prova: alegação de ilicitude da prova obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritório de empresa - compreendido no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação das provas daquela derivadas: tese substancialmente correta, prejudicada no caso, entretanto, pela ausência de demonstração concreta de que os fiscais não estavam autorizados a entrar ou permanecer no escritório da empresa, o que não se extrai do acórdão recorrido.

1. Conforme o art. 5º, XI, da Constituição - afora as exceções nele taxativamente previstas ("em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro") só a "determinação judicial" autoriza, e durante o dia, a entrada de alguém - autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador.

2. Em conseqüência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade, condicionado, pois, o ingresso dos agentes fiscais em dependência domiciliar do contribuinte, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a depender de autorização judicial prévia.

3. Mas, é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a ausência da autorização judicial, só a entrada invito domino a ofende."

Assim, por construção pretoriana, o escritório da empresa se subsume ao conceito constitucional de "casa", para fim de atribuir aos demais agentes públicos as mesmas restrições exigidas para o ingresso da polícia no domicílio quando não há o consentimento do responsável legal. Em convergência com o que aqui explanado, encontra-se a ementa redigida no HC 93.050, julgado em 10/06/2008, cujo relator foi o eminente Ministro Celso de Mello, in verbis:

"E M E N T A: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI) - SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE "CASA" - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR – PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.

ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.

- Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.

- A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo.

É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado.

A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO ABERTOS AO PÚBLICO, ONDE ALGUÉM EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL: NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI).

- Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, "embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita" (NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes.

- Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes específicos, em tema de fiscalização tributária, a propósito de escritórios de contabilidade (STF).

- O atributo da auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão concretizadora do "privilège du preálable", não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária. Doutrina.

Precedentes.

ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

- A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal.

- A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes.

- A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular.

- Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros.

A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO.

- Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária.

- A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes.

- A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.

- Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos.

- Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.

- A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)", v.g." (grifo nosso)

Entretanto, diversa é a situação quando o responsável legal autoriza a entrada dos agentes fiscais no escritório, caso em que a busca e apreensão de documentos da empresa não configuram violação de domicílio, pois o simples "medo do poder público" (metus publicae potestatis), não pode servir, mais tarde, de alegação no sentido da ocorrência de violação de domicílio, mormente quando não há nenhum esboço de resistência à atividade dos agentes fiscais no âmbito do estabelecimento comercial, conforme os seguintes arestos do STF:

EMENTA: Prova: alegação de ilicitude da obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritórios de empresa - compreendidos no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação das provas daquela derivadas: tese substancialmente correta, prejudicada no caso, entretanto, pela ausência de qualquer prova de resistência dos acusados ou de seus prepostos ao ingresso dos fiscais nas dependências da empresa ou sequer de protesto imediato contra a diligência. 1. Conforme o art. 5º, XI, da Constituição - afora as exceções nele taxativamente previstas ("em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro") só a "determinação judicial" autoriza, e durante o dia, a entrada de alguém - autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador. 1.1. Em conseqüência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade. 1.2. Daí não se extrai, de logo, a inconstitucionalidade superveniente ou a revogação dos preceitos infraconstitucionais de regimes precedentes que autorizam a agentes fiscais de tributos a proceder à busca domiciliar e à apreensão de papéis; essa legislação, contudo, que, sob a Carta precedente, continha em si a autorização à entrada forçada no domicílio do contribuinte, reduz-se, sob a Constituição vigente, a uma simples norma de competência para, uma vez no interior da dependência domiciliar, efetivar as diligências legalmente permitidas: o ingresso, porém, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a depender de autorização judicial prévia. 1.3. Mas, é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a ausência da autorização judicial, só a entrada invito domino a ofende, seja o dissenso presumido, tácito ou expresso, seja a penetração ou a indevida permanência, clandestina, astuciosa ou franca. 1.4. Não supre ausência de prova da falta de autorização ao ingresso dos fiscais nas dependência da empresa o apelo à presunção de a tolerância à entrada ou à permanência dos agentes do Fisco ser fruto do metus publicae potestatis, ao menos nas circunstância do caso, em que não se trata das famigeradas "batidas" policiais no domicílio de indefesos favelados, nem sequer se demonstra a existência de protesto imediato. 2. Objeção de princípio - em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal - à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou - em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal - pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte - salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável - a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência. HC 79512 / RJ - RIO DE JANEIRO

HABEAS CORPUS Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 16/12/1999 Órgão Julgador: Tribunal Pleno." (grifo nosso)

"EMENTA: 1. Prova: alegação de ilicitude da obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritórios de empresa - compreendidos no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação daquelas derivadas:

tese substancialmente correta, mas, dependente de demonstração concreta de que os fiscais não estavam autorizados a entrar ou permanecer no escritório da empresa, o que demanda reexame de fatos e provas, vedado recurso no extraordinário (Súmula 279). Precedente (HC 79.512, Pertence, DJ 16.5.2003).

2. Contraditório e devido processo legal: perícia extrajudicial, realizada na fase do inquérito policial: é da jurisprudência da Corte que "a perícia não é um simples indício e sim prova técnica e, por isso, pode ser considerada pelo julgador na sentença, sem que caracterize cerceamento de defesa, pois o acusado, ciente da sua juntada ao inquérito policial que instruiu a ação penal, poderia pugnar por elidi-la" (v.g. HC 73.647, 2ª T., Maurício Corrêa, DJ 6.9.96).

3. Individualização da pena: alegação de que houve,desproporcionalidade entre o número de delitos e o aumento imposto,pela continuidade delitiva: pretendida ofensa à Constituição que, se, houvesse, seria reflexa ou indireta, pressupondo o reexame de,legislação infraconstitucional e da prova, inviável no RE.

4.,Recurso extraordinário, requisitos específicos e habeas-corpus de,ofício.

Em recurso extraordinário criminal, perde relevo a,inadmissibilidade do RE da defesa, por falta de prequestionamento e,outros vícios formais, se, não obstante - evidenciando-se a lesão ou, a ameaça à liberdade de locomoção - seja possível a concessão de,habeas-corpus de ofício (v.g. RE 273.363, 1ª T., Sepúlveda Pertence,, DJ 20.10.2000).

5. Crime material contra a ordem tributária (L.,8.137/90, art. 1º):lançamento do tributo pendente de decisão,definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada,a sua propositura pela falta do lançamento definitivo: precedente,(HC 81.611, Pleno, 10.12.2003, Pertence, Inf.STF 333). RE 230.020 UF: SP - SÃO PAULO Origem: STF - Supremo Tribunal Federal . Rel. Sepúlveda Pertence. Unânime. 1ª Turma, julg. 06/04/2004." (grifo nosso)

Enfim, na atual ordem constitucional, em que pese a vigência da norma disposta no art. 200, do CTN, cabe emprestar a este dispositivo interpretação que se coadune com toda a carga protetiva dos direitos fundamentais da pessoa humana, pois o conflito entre o princípio da supremacia do interesse público em face da inviolabilidade do domicílio e o da não autoincriminação, todos gozando de status constitucional, deve se resolver, sempre, num Estado Democrático de Direito, a favor dos dois últimos, de acordo com o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, sopesando-se adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que são corolários do princípio-mor da dignidade da pessoa humana, consagrado pela Carta Política.

Por isso, não se configurando evidente embaraço à atuação da fiscalização, não cabe requisição de força policial, que, utilizada de forma indevida, pode findar por inviabilizar as atividades rotineiras do contribuinte, como no caso da jurisprudência selecionada a seguir, incidindo em verdadeiro e inadmissível abuso de autoridade, possível de ser combatido por mandado de segurança.

"(...) vem sofrendo vários constrangimentos ocasionados agora pela atuação da autoridade fiscal (...), que a pretexto de efetuar a fiscalização das mercadorias comercializadas, vem causando um sem-número de embaraços ao regular exercício de suas atividades, tais como, a manutenção de soldados da Polícia Militar de plantão em frente ao único portão de acesso ao seu estabelecimento comercial, com o objetivo de impedir a livre circulação de bens e pessoas fora do horário em que os fiscais não estão presentes; (...)" (Ag-SP 97.03.089474-7/TRF 3ª Região. Publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, n. 31, São Paulo: Dialética, 1998, pp. 187-188)"

Portanto, a entrada da fiscalização fazendária, com o auxílio da polícia, quando existente embaraço à sua atividade, deve atender os mesmos requisitos exigidos para a entrada de qualquer pessoa em local cujas características se subsumam ao conceito de "casa" estabelecido pela Constituição Federal, verbi gratia, o escritório da empresa.

Destarte, nesses casos, há a necessidade de ordem judicial especificando nitidamente o alcance e objeto da busca e apreensão, que deve ocorrer durante o dia e atendendo aos princípios que regem toda atividade administrativa.

Advirta-se, entretanto, que nos demais casos, tais como a necessidade de garantir à fiscalização o transporte de mercadorias, a apreensão de mercadoria em trânsito desacompanhada de documentação legal necessária, ou em depósito clandestino, o socorro à força policial é plenamente possível, independentemente de ordem judicial, desde que não ofendam o direito do cidadão a não autoincriminar-se.

Poder-se-ia argumentar que tantas restrições à atividade da fiscalização poderia findar no aviltamento do interesse público. Contudo, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, são discerníveis o interesse público e o interesse meramente das pessoas estatais (ora coincidentes, ora antagônicos), os autores italianos fazem acepção, como dantes se disse (ns 16 a 19), entre interesse público propriamente dito, também denominado interesse primário, e interesse secundário.

E continua, interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarna-se pelo simples fato de ser pessoa.

Nesta senda, podemos afirmar que, quando o interesse da fiscalização é meramente arrecadatório, sem objetivar a segurança dos cidadãos ou a economia popular, como ocorreria se o alvo fosse apreender produtos pirateados, por exemplo, não poderá prevalecer em face dos direitos fundamentais da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª Ed. Ed. Malheiros, São Paulo, 2002.

- MELO, José Eduardo de. Curso de direito tributário – 7ª Ed. rev. e atual. – São Paulo: Dialética, 2007.

- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27ª Ed. rev. atualiz. e ampl. Ed. Malheiros. São Paulo. 2006.

- PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 9. ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2007.

- Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Ed. Malheiros – São Paulo. 2007.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª Ed. Ed. Malheiros, São Paulo, 2002. Pag. 431.

MELO, José Eduardo de. Curso de direito tributário – 7ª Ed. rev. e atual. – São Paulo: Dialética, 2007. Pág. 393

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27ª Ed. rev. atualiz. e ampl. Ed. Malheiros. São Paulo. 2006, pág. 268.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 9. ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2007. Pág. 1.189, 2ª nota.

Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Ed. Malheiros – São Paulo. 2007. Pág. 89/90.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Robson Carreiro. A requisição de auxílio policial pelos agentes do Fisco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2471, 7 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14642. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!