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Destituição de função comissionada: sanção "revogada"

INTRODUÇÃO

Na publicação da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, foi prevista a sanção disciplinar de destituição de função comissionada no inciso VI de seu art. 127.

Entretanto, não restaram naquele Diploma Legal determinadas as condutas que, quando verificadas, pudessem resultar na aplicação dessa penalidade.

Hoje já existem trabalhos respeitados demonstrando a inaplicabilidade desse dispositivo desde a publicação da Lei nº 8.112, de 1990.

Pesquisadores administrativistas vêm, há tempos, demonstrando que, para a aplicação de sanções administrativas, deve haver a previsão das respectivas condutas.

Cobra relevo salientar que a tipicidade está presente na seara administrativa tanto quanto é imanente à esfera penal.

Alguns autores procuram mitigar essa influência, alegando uma indefinição do conteúdo de determinadas condutas infracionais previstas na Lei nº 8.112, de 1990.

Mesmo diante dessas situações, é importante frisar, a limitação da discricionariedade do administrador, o controle interno e o controle judicial permitem que se chegue sempre à constatação exata da conduta, bem como, se for o caso, com a regular tipificação e à correspondente penalidade.


DESENVOLVIMENTO

No texto da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, revogada pela mencionada Lei nº 8.112, de 1990, havia a previsão da penalidade de destituição de função, que poderia ser aplicada caso houvesse falta de exação no cumprimento do dever.

A Lei nº 8.112, de 1990, que revogou o Diploma retromencionado, trouxe a penalidade de destituição de cargo em comissão no inciso V do citado art. 127. Nesse caso, houve, claramente, a previsão das hipóteses em que esta poderia ser aplicada, como no § 6º de seu art. 133, bem como no caput e no parágrafo único do art. 135.

Um ponto essencial neste exame está na previsão de aplicação dessa penalidade de destituição de cargo em comissão apenas para pessoas que não ocupem, simultaneamente, cargo efetivo. Não há, repita-se, previsão de aplicação de destituição de cargo em comissão para pessoas que ocupem cargo efetivo.

A função comissionada é ocupada após regular designação. Para o exercício de um cargo em comissão, já se faz necessária a nomeação. A função comissionada é desocupada com a dispensa. Já o cargo em comissão é, normalmente, desocupado por meio de exoneração.

O mencionado art. 127 da Lei nº 8.112, de 1990, estipula um rol de penalidades disciplinares exaustivo, contendo a advertência, a suspensão, a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a destituição de cargo em comissão e a destituição de função comissionada.

No exame detalhado da Lei nº 8.112, de 1990, vê-se que a advertência, conforme o art. 129, será aplicada caso constatada violação de proibição indicada no art. 117, incisos I a VIII e XIX, e inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, o qual não justifique aplicação de sanção mais grave.

Prosseguindo-se nos demais dispositivos desse Regime Jurídico, encontram-se as previsões de condutas que, se observadas, culminam na aplicação das penalidades disciplinares de suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e de destituição de cargo em comissão, esta, repise-se, apenas para pessoas que não ocupem cargos efetivos.

Registre-se que, para cada uma das penalidades ali elencadas, exceto a de destituição de função comissionada, as correspondentes condutas são expressamente indicadas. Com exceção da referida destituição, há, no caso de todas as outras sanções, ampla possibilidade de o servidor ter ciência prévia e irrestrita quanto aos atos que pode ou não praticar.

A partir das questões levantadas, reitere-se, por oportuno, que os cargos em comissão podem ser preenchidos por pessoa não ocupante de cargo efetivo.

Desse modo, a previsão de uma penalidade que, de certo modo, é análoga à demissão do cargo efetivo, revela-se pertinente e, até mesmo, necessária.

A função comissionada, consoante informado alhures, é preenchida por meio de designação e desocupada com a dispensa.

O cargo em comissão, preenchido por nomeação, pode ser desocupado com a exoneração, também em certa medida análoga à dispensa citada, e ainda por meio da destituição de cargo em comissão, sendo esta uma penalidade administrativa.

Se a pessoa ocupante de um cargo em comissão, sem nenhum outro vínculo com a Administração Pública, comete uma infração que corresponda à penalidade disciplinar de suspensão ou de demissão do cargo efetivo, nada mais justo do que se proceda à sua penalização, com a extinção desse único vínculo, por meio da aplicação de uma sanção disciplinar, a qual é a destituição, pois, notoriamente, sua ligação à Administração é mais precária e bem menos solene do que a dos servidores ocupantes de cargo efetivo.

No que tange à função comissionada, essa necessidade já não se verifica.

Com a vigência da redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, ao inciso V do art. 37 da Magna Carta, surgiu expressamente no ordenamento jurídico brasileiro a vedação constitucional para a ocupação de funções comissionadas por pessoas que não sejam, também, simultaneamente, detentoras de cargo efetivo. Se um desses servidores pratica uma conduta correspondente à demissão do cargo efetivo, sua dispensa da função comissionada deve ocorrer obrigatoriamente, visto que, sem o aludido cargo, é impossível a manutenção dessa pessoa na referida função.

Na redação original do inciso V do art. 37 da Constituição Federal havia a regra de que os cargos em comissão e as funções de confiança seriam exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargos da carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei.

Com a redação dada pela Emenda apontada, o inciso V do art. 37 em questão passou a ser o seguinte:

as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

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O § 2º do art. 19 do ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS também demonstra que não havia impedimento constitucional para a ocupação das funções de confiança, anteriormente à vigência da citada Emenda 19, por pessoas sem vínculo com a Administração, consoante se vê a seguir:

O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de servidor. (grifos do original)

Pereira Junior (1999, p. 89/90) confirma a posição de que funções de confiança, anteriormente à vigência da aludida Emenda 19, podiam ser exercidas por pessoas não ocupantes de cargo efetivo, ao afirmar que:

Além de cargos, a operatividade da organização administrativa carece de funções que atendam a necessidades episódicas ou específicas, não compreendidas nas atribuições dos cargos, efetivos ou em comissão. São as funções de confiança, ou funções gratificadas, que a lei cria ou extingue segundo aquelas necessidades contingentes. E aqui reside a principal diferença entre cargos e funções: os primeiros são permanentes; as segundas, transitórias. Bem entendido: os cargos em comissão são permanentes; transitórios são a sua ocupação e o seu exercício. As funções de confiança são, elas próprias, transitórias. A transitoriedade do exercício do cargo e a transitoriedade da existência da função explicam a atribuição de remuneração especial aos cargos em comissão e funções gratificadas, para que se tornem atraentes aos profissionais que as desempenharão, sabendo que por prazo limitado e duração incerta. As vantagens da remuneração, se convenientes de um lado, podem tornar-se causa de desvios, de outro. O mais comum dos quais é a destinação desses cargos e funções para pessoas cujo único mérito é o do relacionamento de amizade com as autoridades competentes para as respectivas nomeações e designações. Relega-se a plano inferior a importância que o proficiente exercício de uns e outras tem para o correto funcionamento da máquina administrativa estatal.

Na mesma obra retromencionada (1999, p. 91), consta que:

Observa-se, nada obstante, um avanço – a CF/88, mercê da Emenda 19, garante, agora, não apenas preferência. O servidor titular de cargo efetivo ganhou duas reservas, que são mais do que a preferência indeterminada do texto modificado, a saber: (a) reserva absoluta e exclusiva para o exercício das funções em confiança, isto é, para 100% dessas funções somente poderão ser designados servidores dos quadros permanentes da Administração, titulares de cargos efetivos...

Ainda nesse mesmo trabalho doutrinário retroindicado (1999, p. 92), há o arremate seguinte:

No concernente às funções de confiança, compreenda-se a redundância da Emenda 19, ao destiná-las, com exclusividade, a servidores ocupantes de cargos efetivos. Em sede doutrinária e estatutária, sempre foi este o conceito ("atividade desempenhada pelo funcionário como extensão das atribuições próprias a seu cargo e carreira ...; importância que o funcionário recebia, além do vencimento, variando o seu quantum de acordo com a classe do cargo do funcionário que a ocupava ..., constituindo vantagem acessória de vencimento ..." – CRETELLA JUNIOR, op. cit. pág. 260). De há muito corrompeu-se o conceito e as funções gratificadas espalharam-se por todos os níveis da Administração, distribuídas sem critério entre servidores e não-servidores. Mais a estes do que àqueles. Até empregados de empresas contratadas para a prestação de serviços contínuos terceirizados (limpeza, manutenção, segurança, entre outros), que são empregados da empresa e, não, da Administração (o que esta contrata é o serviço, e não as pessoas físicas que os executam, sob as ordens da prestadora), têm sido aquinhoados com funções de confiança. Daí o corretivo que a Emenda 19 intenta. (grifos do original)

Registre-se que, mesmo que a conduta tipificada provoque penalidade disciplinar menos grave, a autoridade competente pode dispensar o servidor da função comissionada, se entender que a pessoa não mais preenche os requisitos necessários para ocupar posição de reconhecida importância na Administração Pública.

Apenas para melhor elucidação, por qual motivo a Lei nº 8.112, de 1990, não previu destituição de cargo em comissão para servidores ocupantes de cargo efetivo e preveria destituição de função comissionada para esses mesmos servidores. A relevância de uma função comissionada é reconhecidamente menor do que a de um cargo em comissão para a Administração Pública. Resta claro que não se verifica muita coerência nessa hipótese ora aventada. Seria uma verdadeira inversão de valores.

Como a função comissionada somente pode ser exercida, na atualidade, exclusivamente por servidor ocupante de cargo efetivo, não há, como visto, mais necessidade da própria existência da penalidade disciplinar de destituição de função comissionada.

Seria, no mínimo, admitir serviço redundante, demitir um servidor e, concomitantemente, haver a sua destituição de eventual função comissionada exercida. O Estatuto dos servidores estaria prevendo a realização de um trabalho reconhecidamente árduo, que demandaria tempo e trabalho especializado de apuração, sem qualquer justificativa para o serviço público, já tão combalido pelo irrisório número de servidores no Brasil.

Na própria Lei nº 8.112, de 1990, já são previstas hipóteses em que deve haver um agravamento da situação em que se encontrará a pessoa, ocupante de cargo efetivo, concomitantemente ou não com função comissionada, que sofra a penalidade de demissão, como se vê no disposto em seus arts. 136 e 137, que cuidam de indisponibilidade de bens e de ressarcimento ao erário (sem prejuízo de eventual ação penal), incompatibilização temporária para nova investidura em cargo público federal e impedimento de retorno ao serviço público federal. Consta, também, do art. 125 desse Estatuto, a previsão expressa de cumulação de sanções civis, penais e administrativas, havendo independência entre elas.

Da obra do saudoso Meirelles (2009, p. 423) pode-se extrair a lição de que "a EC 19 restringe o exercício das funções de confiança apenas para o titular de cargo efetivo, vale dizer, o concursado". (grifos do original)

Alexandrino e Paulo (2007, p. 189/190) alegam, sobre esse mesmo tema, que, "no caso de função de confiança, a designação para seu exercício (não há "nomeação" para função de confiança) deve recair, obrigatoriamente, sobre servidor ocupante de cargo efetivo, regra introduzida pela EC nº 19/1998".

Já o Douto Carvalho Filho (2006, p. 506), por sua vez, consigna que:

O texto constitucional anterior estabelecia que os cargos em comissão e as funções de confiança deveriam ser exercidos preferencialmente por servidores ocupantes de cargos de carreira técnica ou profissional. A EC nº 19/98, da reforma do Estado, todavia, alterando o inciso V do art. 37, restringiu essa investidura, limitando o exercício de funções de confiança a servidores ocupantes de cargo efetivo... (grifos do original)

Quando a Lei nº 8.112, de 1990, foi publicada, não havia vedação constitucional coibindo a ocupação de funções comissionadas por pessoas não titulares de cargo efetivo.

Existia, então, essa razão para a existência da penalidade de destituição de função comissionada, a ser destinada a pessoas sem outro vínculo com a Administração Pública que não fosse a própria ocupação de função de confiança. Entretanto, não foram previstas, como exposto, as condutas que, quando observadas, ensejariam sua regular aplicação, após o procedimento administrativo disciplinar cabível.

Rigolin (2007, p. 419), no estudo do § 2º do art. 243 da Lei nº 8.112, de 1990, aduz de forma brilhante, ratificando o posicionamento retro, que:

... o 2º deste artigo transformou em cargo em comissão qualquer anterior função de confiança que viesse sendo exercida por pessoa não integrante de tabela permanente do órgão ou entidade a que pertencesse. A exceção a essa transformação é a manutenção da forma antiga enquanto não for implantado o plano de cargos dos órgãos ou entidades respectivas, na forma da lei. Permanece, portanto, na categoria de função de confiança, qualquer posto de trabalho, ou atribuição excepcional confiada a alguma pessoa, que nem sequer se pode afirmar com segurança servidor público...

Reafirmando, assim, o que já foi minuciosamente abordado, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, a função comissionada passou a ser exercida de forma exclusiva por ocupantes de cargo efetivo.

Deixou de haver, a partir de então, a necessidade da sanção de destituição de função comissionada no texto da Lei nº 8.112, de 1990, porquanto essa penalidade era destinada apenas a pessoas sem vínculo com a Administração Pública, a exemplo da destituição de cargo em comissão.

Se não há mais necessidade da penalidade de destituição de função comissionada, quanto mais da previsão das correspondentes condutas.


CONCLUSÃO

Por tudo o que foi examinado neste trabalho, dessume-se que, na realidade, o inciso VI do art. 127 do estatuto dos servidores públicos civis federais já se encontra é terminantemente revogado pela Emenda Constitucional 19, de 1998, desde a publicação desta última, por ausência de recepção.

Referido dispositivo legal, que cuidava da destituição de função comissionada, perdeu, a partir da data daquela publicação indicada, qualquer razão que lhe permitisse continuar em vigor, visto que era destinado apenas a pessoas sem qualquer vínculo com a Administração Pública.

De acordo com a Constituição Federal, não há mais como uma pessoa ocupar uma função comissionada sem ser titular de cargo efetivo.

Não se consegue vislumbrar, consigne-se novamente, de forma lógica, nem mesmo necessidade de, em caso de demissão de servidor, haver concomitantemente aplicação de uma penalidade de destituição de função comissionada, pois ele já deve ser, obrigatoriamente, por força constitucional, dispensado dessa função.

Posto isso, em sintonia com todas as considerações expendidas neste estudo, pode-se chegar à conclusão inexorável de que o inciso VI do art. 127 da Lei nº 8.112, de 1990, nunca teve como, de fato, ser aplicado. Enquanto esteve em vigor, não havia a previsão das condutas para tanto. Após a publicação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, consoante cabalmente demonstrado, ele foi revogado, por inexistência de recepção.


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Sobre os autores
Cyntia Bernardes de Sousa Arroyo

Advogada; Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás

Gil César Costa de Paula

Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região;Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás; Doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás

Sérgio de Azevedo Caetano Bicalho

Técnico Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás; Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARROYO, Cyntia Bernardes Sousa; PAULA, Gil César Costa et al. Destituição de função comissionada: sanção "revogada". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2492, 28 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14774. Acesso em: 19 dez. 2024.

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