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A interpretação do Direito em Eros Grau.

Repensando o paradigma

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SUMÁRIO: Introdução. 1. A interpretação do direito. 2. A interpretação constitucional. 3. Considerações finais.

Resumo: o presente texto se propõe a analisar a evolução da interpretação do direito e a necessidade de estabelecimento de um novo paradigma interpretativo, que corresponda à realidade sócio-cultural contemporânea, marcada pela atuação ativa do Poder Judiciário na efetivação de valores democráticos e fundamentais. Esse paradigma toma por base doutrinária parte da obra do Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor Eros Roberto Grau.

Palavras-chave: Direito – Interpretação – Paradigma.

Abstract: the present text considers to analyze the evolution of the interpretation of the right and the necessity of establishment a new interpretative paradigm, that corresponds to the partner-cultural reality contemporary, marked for the active performance of the Judiciary Power in the efetivation of democratic and basic values. This paradigm takes for doctrinal base part of the workmanship of the Minister of the Supreme Federal Court and Teacher Eros Robert Grau.

Keywords: Right - Interpretation - Paradigm.


INTRODUÇÃO

O texto presente é dedicado à análise da evolução interpretativa do direito a partir da ideias iluministas propagadas por Beccaria, Voltaire e Montesquieu, e busca contribuir para o estabelecimento de um paradigma interpretativo conforme com o perfil constitucional adotado atualmente no Brasil, qual seja, o de Estado Democrático de Direito, no qual prevalecem como marco teórico a constitucionalização do direito e a jurisdição constitucional.

Ao tratar desse novo paradigma, o ensaio toma como marco doutrinário a obra do Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor Eros Roberto Grau, intitulada "Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito".


1.A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Insurgindo-se contra a tradição jurídica e a legislação penal de seu tempo (século XVIII), Beccaria asseverou, quanto à interpretação da lei: "O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for obrigado a elaborar um raciocínio a mais, ou se o fizer por sua conta, tudo se torna incerto e obscuro". [01]

No mesmo norte, ponderou Montesquieu, ao defender o ideário liberal-positivista, fundado no pensamento de limitação estatal e divisão de poderes e na prevalência da legislação, oriunda da atividade legislativa: "o juiz é a boca que pronuncia as palavras da lei".

Voltaire também se manifestou no mesmo sentido, afirmando que "o Juiz deve ser o primeiro escravo da lei".

Esse método interpretativo, correspondente ao que Kelsen denominou teoria tradicional da interpretação, na qual a função jurisdicional possui caráter declarativo, na verdade buscou nos seus primórdios combater o absolutismo, se apresentando como "reação contra a magistratura exercida de forma parcial e abstrata pela nobreza do antigo regime". [02]

Naquela quadra histórica, o legislador criava a norma, e o juiz a aplicava ao caso concreto, numa perfeita subsunção fato/norma.

Contudo, se é certo que o momento histórico de então exigia uma interpretação conforme mencionada, certo é também que o direito é um produto cultural, que experimenta vagarosas modificações. [03] Ao tratar do direito processual civil como produto cultural, afirmam Oliveira & Mitidiero que o fenômeno jurídico

É produto da atividade humana, pertence à cultura, não sendo, portanto, encontrável in rerum natura. Sendo fenômeno cultural – e não meramente técnico –, o direito processual civil permite e mesmo exige aproximações históricas a fim de que se possa compreendê-lo de forma mais adequada. [04]

Apesar de mencionar o direito processual civil, a assertiva se presta a qualquer ramo do ordenamento jurídico.

Como produto da cultura de um povo, o direito deve acompanhar suas mudanças, para que possa atender ao seu mister regulador da vida social.

Considerando o perfil constitucional acolhido pela Constituição Brasileira de outubro de 1988, temos que a consolidação do Estado Democrático de Direito demanda a atuação do poder judiciário, de forma a dar à constituição força jurídica e não apenas política, devendo o texto constitucional ocupar o centro do ordenamento jurídico, por força da constitucionalização do direito, movimento que apresenta como marco histórico a formação do Estado Constitucional de Direito e como marco teórico a jurisdição constitucional. [05]

Ao nosso sentir, as ideias de Grau calham com a quadra histórica atual, pois buscam dar ao direito, e à lei consequentemente, interpretação que atende aos parâmetros político-conceituais agregados pela Constituição de 1988.

Com efeito, defende Grau existir norma jurídica e norma de decisão. A primeira decorre da interpretação do texto normativo, enquanto a outra decorre da formulação de uma decisão judicial. [06]

Assim, temos:

1.Um texto normativo, o ordenamento em potência;

2.Do texto normativo o juiz extrai a norma jurídica;

3.A partir da norma jurídica, o juiz profere uma decisão, considerando não somente os elementos que se desprendem do texto, mas também baseado em elementos da realidade. Na verdade, o juiz constitui o direito. [07]

Em síntese, quem interpreta o texto normativo cria a norma jurídica, que se concretiza na norma de decisão, advinda do intérprete autêntico, [08] o juiz.

A constituição do direito pelo intérprete autêntico se dá, segundo Grau, porque ele completa o trabalho do autor do texto normativo. [09]

Essa produção do direito pelo intérprete autêntico se mostra indispensável na atual conjuntura constitucional pátria, que prima pelos direitos fundamentais e pela democracia, cuja consolidação requer a participação popular na interpretação do texto constitucional. Nesse sentido, ao extrair do texto a norma jurídica e aplicá-la ao caso concreto considerando também a realidade, o intérprete autêntico agrega a sua decisão elementos hermenêuticos exteriores, que não foram levados em conta no momento de elaboração do texto. Tais elementos, sobretudo em razão das regras abertas, proporcionam uma adequada interpretação/aplicação do direito.

Essa conjugação texto normativo/norma jurídica/realidade/norma de decisão legitima a atividade jurisdicional. A propósito, adverte Häberle:

Se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da Law in public action (personalização, pluralização da interpretação constitucional). (...) Seria errôneo reconhecer as influências, as expectativas, as obrigações sociais a que estão submetidos os juízes apenas sob o aspecto de uma ameaça a sua independência. Essas influências contêm também uma parte de legitimação. [10]

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Considerando existir a participação de outros operadores do direito no processo interpretativo, no que guarda relação com o ideário Häberliano, Grau distingue essa participação daquela expressada na decisão judicial, pois sobre essa recai a autenticidade interpretativa de cunho definitivo. [11]

Temos, assim, que a democratização do processo interpretativo torna impensável uma hermenêutica da Constituição sem a participação do cidadão ativo e da esfera pública pluralista. Se a Jurisdição Constitucional permanece com a responsabilidade de dar a última palavra sobre a interpretação da Constituição, suas decisões devem ser alvo constante dos olhares atentos e críticos da sociedade aberta.

Isto porque não apenas os juízes interpretam o direito. Todo aquele que vive a Constituição é também seu legítimo intérprete.

Não obstante, a atividade interpretativa produzida pelos órgãos judiciais (intérpretes autênticos) difere-se daquela realizada pelos demais intérpretes (intérpretes não autênticos – particulares e cientistas do direito). [12] Grau afirma que a interpretação não autêntica jamais vinculará os demais órgãos, pois, apesar de produzir norma, não cria direito.

Quando os indivíduos querem observar uma norma que regule sua conduta, devem fazer uma escolha, mas essa escolha não é autêntica, isto é, não cria direito – não é vinculante para o órgão que aplica essa norma jurídica. [13]

Os particulares precisam interpretar as normas para que possam segui-las e assim evitar as sanções previstas no ordenamento. [14] Já a interpretação jurídico-científica procura extrair dos textos significados linguísticos, conferindo-lhes sentido a partir da realidade vivenciada.

No entanto, nem a interpretação realizada pelos particulares, nem a produzida pela ciência jurídica, encerram ato de vontade; há, em ambas, pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, de descrição da realidade; não há criação jurídica.

Ao estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica, o intérprete não autêntico encerra sua atividade interpretativa.

A fase seguinte, de escolha da decisão mais acertada (norma de decisão), é exercida apenas pelo órgão jurisdicional legitimado. Mas a norma de decisão produzida é certa apenas para aquele caso concreto; não é nem a única, nem, abstratamente, a mais correta; apenas a certa para aquele caso. [15] "Cada lei existe, no fim, tal qual interpretada". [16]

Daí a importância da fundamentação jurídica. Se os textos nada dizem (dizem o que os intérpretes dizem que eles dizem, ao produzir as normas), a tarefa atribuída ao órgão legitimado deve seguir parâmetros que não subvertam a ordem jurídica e promovam a segurança das relações. As decisões deverão respeitar sempre as fronteiras procedimentais e substantivas do Direito: racionalidade, motivação, correção e justiça. [17]

A democracia pressupõe uma legitimidade das decisões que afetam a coletividade, a qual pode ser obtida, no caso das decisões judiciais, pela possibilidade de alguma forma de controle das mesmas por parte dos jurisdicionados. Perelman [18] já sustentava que, uma vez que o juiz é detentor de um poder, o regime democrático exige que preste contas de como o exerce. Isto ocorre através da motivação das decisões judiciais.


2.A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Em relação à interpretação constitucional, Grau introduz as expressões texto constitucional/norma constitucional/programa normativo/ domínio normativo/normatividade constitucional. Expressões novas, mas com significados semelhantes aos acima referidos (texto normativo/norma jurídica/realidade/norma de decisão). Vejamos:

1.Texto constitucional, o ordenamento constitucional em potência;

2.Do texto constitucional, o intérprete autêntico extrai a Norma Constitucional. A norma constitucional é resultado da atribuição de significado ao programa normativo (enunciados linguísticos contidos no texto constitucional) e ao domínio normativo (dados da realidade);

3.A norma constitucional aplicada ao caso concreto produz o efeito normativo, ou seja, a normatividade constitucional.

A obtenção da norma constitucional, portanto, ainda não é suficiente para completar a atividade interpretativa realizada pelo intérprete autêntico. A concretização do direito somente ocorrerá quando referida norma for aplicada aos problemas carecedores de solução.

A norma de decisão é a norma jurídica constitucional (ainda abstrata) aplicada ao caso concreto. No mesmo sentido, Konrad Hesse afirma não haver interpretação constitucional independentemente de problemas concretos.

O modelo de interpretação constitucional ora exposto e defendido por Grau, contudo, não será seguido na ação direta de inconstitucionalidade. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal declarará a inconstitucionalidade apenas do texto, retirando do ordenamento determinado artigo de uma lei ou de medida provisória, por exemplo. Ou seja, haverá interpretação do direito, mas não sua aplicação. [19]

Diferentemente, se o controle for difuso, será apurada a inconstitucionalidade da norma (texto+fatos) e o juiz interpretará e aplicará o direito, em um processo unitário.

Esse processo constante de construção e reconstrução da norma jurídica constitucional de acordo com a realidade vivenciada é que confere natureza constitutiva à interpretação constitucional. Para além da compreensão dos textos e dos fatos, imprescindível é a sua aplicação a um caso concreto. Mas não apenas isso, pois:

[...] nesta interpretação se fazem valer as exigências e as convicções do intérprete. Assim como aquela condenação moral que, todavia, não se ergue eticamente contra a norma, negando-a, mas se concretiza interpretando-a e plamando-a; [...] e, assim, adequando-a a um sempre mutável equilíbrio de contrastantes forças e valorações [20].

A proposta de Eros Grau deixa o campo das ideias e ganha contornos práticos em muitos aspectos, mas especialmente no que se refere à possibilidade de mudança tácita da Constituição por obra dos intérpretes autênticos, a chamada mutação constitucional.

Na mutação constitucional temos a possibilidade de alteração da Constituição de 1988, rígida quanto à estabilidade, através de métodos informais de reforma. Mediante uma nova interpretação é possível extrair da norma constitucional uma nova interpretação mesmo sem revisão formal do texto constitucional vigente.

Nesse moderno método interpretativo, o papel do intérprete autêntico assume relevância maior, pois a ele atribui-se a tarefa de interpretar a Constituição de forma ampla, através de métodos mais maleáveis e flexíveis. A finalidade: fazer possível uma perfeita acomodação do texto constitucional às exigências do meio político, social e moral, dispensando-se a intervenção legislativa para a reforma constitucional.

Através da mutação constitucional, definitivamente, abandona-se o constitucionalismo tradicional e o silogismo interpretativo. Com isso,

"[...]logram-se surpreendentes resultados de alteração de sentido das regras constitucionais sem que todavia se faça mister modificar-lhe o respectivo teor. De sorte que aí se combina a preservação da Constituição com o deferimento das mais prementes e sentidas exigências da realidade social" [21].

A via hermenêutica é sem sombra de dúvidas a mais desimpedida de obstáculos à preservação da ordem constitucional.

Kelsen pretendia construir uma ciência autônoma do direito, que não precisasse de conteúdo. A teoria do direito deveria ser universal, formalista e normalista. O papel do cientista do direito nesse caso seria estudar os fundamentos da validade formal da norma. A prudência é uma virtude do pensamento, que é uma condição da virtude. Na Antiguidade Clássica e na Idade Média, era considerada uma das quatro virtudes cardinais, a par da justiça, da temperança e da coragem. Não cabe à prudência a eleição das finalidades, mas apenas a escolha dos meios adequados para atingir as finalidades. É a virtude da boa deliberação. Enquanto a virtude moral assegura a retidão do fim que perseguimos, a prudência trata dos meios para alcançar esse fim.

Aristóteles diferenciou a prudência de outras virtudes do pensamento, visto ser entendida como a virtude da boa deliberação, a qual constitui uma espécie de inquérito. Ao contrário dos estoicos, que viam na prudência a ciência das coisas a fazer e a evitar, Aristóteles não concordava com a identificação da prudência com uma forma de conhecimento científico, uma vez que só existe ciência do necessário, e a prudência trata apenas do contingente.

A hermenêutica, [22] segundo Saldanha, [23] corresponde a "teoria dos fundamentos do interpretar", ou seja, se exterioriza como sendo o processo coordenador que ampara e fornece os trilhos de atuação da atividade da interpretação técnica, que, por sua vez, consiste na busca prática e investigativa da verdadeira essência de cada texto que lhe é apresentado, de modo que seja possível retirar o correto entendimento, conteúdo e significado da norma analisada. Esta nova hermenêutica tem por objetivo a concretização da norma. O pensamento de Peter Häberle, a respeito da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, bem como as diretrizes do método hermenêutico concretizante que ganham força em Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho, constituem importante instrumento para fortalecer uma nova compreensão sobre a interpretação, alicerçada em conceitos de possível ampliação do rol de intérpretes, além da união dos métodos tradicionais com elementos de pré-compreensão e referências ao âmbito normativo.

Isto porque a nova hermenêutica propõe uma ampliação do círculo dos intérpretes da Constituição para incluir outros agentes sociais, até o momento excluídos do processo interpretativo, o que favorece a consolidação de um Estado Democrático de Direito, esteio de uma ordem social preocupada com a garantia dos direitos fundamentais.

Outra significativa contribuição do método concretizante para a interpretação dos direitos fundamentais consiste na identificação das pré-compreensões do intérprete, o que possibilita um desvio de uma visão viciada sobre determinadas demandas e pode, inclusive, abrir espaço para a criatividade interpretativa, fugindo um pouco do esquema de reiteração das decisões, embora não escapando da moldura dada pelo texto legal que lhe serve de limite. Esta abertura criativa do intérprete possibilita inovações que, se bem articuladas, podem provocar arejamento e renovação na interpretação dos direitos fundamentais.

A interpretação configura, atualmente, um dos problemas centrais da ciência do direito. [24]

Crítico do positivismo jurídico, Gadamer prestigia a interpretação judicial e destaca a necessidade de uma pré-compreensão como parte integrante do fenômeno da compreensão, noção que será acolhida por Esser. [25]A aplicação do direito passa a ser vista como um processo criativo do intérprete que implica uma anterior pré-compreensão [26] que deve ter em conta as condições individuais e sociais que penetram no compreender jurídico, vale dizer, no processo de concreção do direito.

O autor aborda, portanto, o problema da interpretação na aplicação do direito, ao tempo em que possibilita uma reavaliação da questão metodológica privilegiando o aspecto prático. Neste sentido, a obra de Josef Esser coloca em evidência dois pontos nevrálgicos: um deles refere-se ao reconhecimento da atividade judicial como fonte criadora do direito; o outro, diz respeito aos limites que devem ser colocados à atividade criativa do intérprete.

Inegável, portanto, a importância da perspectiva esseriana para a análise da problemática da interpretação na cultura jurídica contemporânea. Também, aqui, o desenvolvimento do tema compreenderá dois momentos: a interpretação como problema central (A) e o papel do intérprete (B).

A interpretação [27]/ [28] - aplicação do direito - é um dos temas centrais da doutrina esseriana. A feição deste último permite a utilização dos instrumentos jurídicos antes mencionados, afastando-se dos esquemas formalistas. [29]vem respondida na possibilidade de clareza e de racionalidade do processo de aplicação do direito. [30]

É, sem dúvida, por meio da atividade jurisdicional que a interpretação é operada.

Pode-se dizer, então, que a função do intérprete consiste na tarefa de realizar a aplicação do direito com base na correta apreciação da situação concreta posta sub judice.

A interpretação do direito encaminha a atualização do direito, esta afirmativa nos leva crer que o direito poderá ser interpretado de várias formas dependendo do que o intérprete está analisando, cada momento, situação e maneiras distintas e novas.

Há que se insistir, portanto, no fato de que a interpretação (autêntica) do direito há muito deixou de ser meramente declarativa. É dizer, o juiz não é mero espectador, ou mero ator subordinado à atividade legislativa. Não lhe cabe, no exercício da atividade jurisdicional, meramente "dizer o direito aplicável ao caso concreto", como outrora proposto por Liebman.

Este entendimento, o qual se encontra ultrapassado no atual paradigma constitucional, guarda sintonia com uma das ideologias trazidas por Wróblewski (apud Grau), segundo a qual ao intérprete não cabe qualquer função criativa e modificativa da vontade do legislador. Sob o prisma desta denominada ideologia estática da interpretação jurídica, os valores básicos são a certeza, a estabilidade e a predizibilidade das normas jurídicas, as quais se perfazem imutáveis no ordenamento.

Em contraposição a este entendimento, a ideologia dinâmica da interpretação jurídica busca a conformação da norma à realidade, por meio de uma exegese contextualizada, espacial e temporalmente. Ou seja, por este âmbito, partindo preferencialmente da metodologia funcional e sistêmica, deve o intérprete adaptar o direito à realidade subjacente ao caso posto sob seu exame. Assim, a decisão do intérprete partirá não da descoberta, ou da declaração da voluntas legislatoris, mas da análise da situação concreta, tomando por base tanto as necessidades das partes, quanto as aspirações sociais que fundamentam a existência do Estado Constitucional de Direito.

Pela primeira "ideologia", a vontade do legislador adquiriria o status de verdade incontestável, fato que conferiria ao intérprete somente a tarefa de declarar e dizer, passivamente, qual norma solucionaria determinado conflito de interesses. Este modo de interpretação era utilizado, compreensivelmente, sob a égide do pensamento da Escola da Exegese, para a qual a palavra escrita sob a forma de lei funcionava como garantia do arbítrio judicial [31].

No entanto, atualmente este modus exegético se acha superado pela ascensão institucional do Poder Judiciário que, ao contrário de outros tempos, assume, cada vez mais, um papel ativo na interpretação das normas. Na atual quadra dos tempos, o processo de elaboração das leis não se exaure, por completo, com a sua publicação. Esta fase, ainda que mais complexa, porquanto a lei é ato complexo, configura parcialmente o seu processo de criação que, em verdade, é finalizado em virtude da norma extraída para reger determinada situação da vida concreta.

Neste sentido, Grau [32] propugna que o "direito é um dinamismo", afirmando, em decorrência, a insuficiência da ideologia estática da interpretação jurídica e do pensamento voltado à "vontade do legislador". O direito é dinâmico e por isso mesmo deve se adequar às transformações sociais, em um contínuo processo de adaptação de seus textos normativos.

Se acaso fosse intenção dos textos normativos se manterem estáticos no tempo, haver-se-ia a necessidade de se produzirem leis periodicamente, à medida que os anseios sociais fundamentassem a elaboração das mesmas ou as normas fossem tidas como ultrapassadas em determinada sociedade. Em outros termos, o direito estático, observado abstratamente, é incapaz de reger o contínuo processo de transformação pelo qual passa a sociedade. Um ordenamento deste tipo brevemente se tornaria ineficaz ou, melhor dizendo, desprovido de efetividade.

Há normas, porém, que traçam comandos prospectivos, isto é, definem programas a serem cumpridos pelo Estado. Neste patamar, Grau situa as "normas-objetivo", as quais assumem certa conotação política, deixando a roupagem própria das normas tradicionalmente jurídica, como, por exemplo, as normas de conduta e as de organização, figurando como um meio de operacionalizar determinadas diretrizes (Dworkin).

As normas-objetivo se prestam, portanto, a evitar que as tendência neoliberais as tenham como de menor importância. A sua positivação no texto constitucional (exemplificativamente, art. 3º, CR/88) atribui, conforme preceituado por Moncada [33], a um tribunal fiscalizador da constitucionalidade das normas averiguar o seu cumprimento. Assim, um assunto que deveria ficar ao livre jogo das forças político-econômicas passa a figurar como objetivo de interpretação e aplicação pelo Poder Judiciário, o qual passa a contribuir, em consequência, para a concretização do Estado Democrático de Direito.

Ainda que as normas-objetivo recebam este rótulo, que, à primeira vista, pode traduzir certa programaticidade, Grau sustenta que "tanto a aplicabilidade imediata das normas-objetivo, enquanto tais, quanto a força que assumiram, como princípios jurídicos positivados, são suficientes para impedir que um mero enredo classificatório comprometa a prestabilidade de sua consideração". [34]

Não é isso que se espera do direito, mormente quando o analisamos como um instrumento de transformação social. Neste sentido é que Grau propõe conceber o direito como política pública, salientando a necessidade de se aderir à ideologia dinâmica na interpretação e na visualização do direito como meio de mudança social.

Todavia, para que se possa efetivamente compreender o direito como meio de transformação social, partindo de uma exegese dinâmica, é necessário que o intérprete apreenda o conteúdo de todo o ordenamento jurídico. Deste modo, o "direito" não deve ser "interpretado em tiras" [35], mas em consonância com todo o ordenamento, principalmente conformado à Constituição.

Sobre os autores
Adriana Monteiro Ramos

Mestranda em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade Metropolitana de Manaus (FAMETRO). Defensora Pública no Estado do Amazonas.

Andréa Maria Pontes Silva

Mestranda pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Pós-graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professora de Direito Empresarial I e II e Direito Processual Civil III e IV da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas). Advogada empresarialista.

Nivalda de Lima Silva

Mestranda em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Professora no curso de graduação em Direito da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas).

Renato Faloni de Andrade

Defensor Público do Estado de Minas Gerais. Professor do curso de graduação da Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS. Mestrando em Direito na Universidade de Ribeirão Preto (SP) - UNAERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Adriana Monteiro; SILVA, Andréa Maria Pontes et al. A interpretação do Direito em Eros Grau.: Repensando o paradigma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2505, 11 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14826. Acesso em: 28 dez. 2024.

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