5. CASO PRÁTICO
A fim de arrematar o que fora exposto até aqui, passa-se ao exame de um caso prático:
Em janeiro de 2005, o sapateiro João Malaquias, retornando de uma pescaria, envolve-se gravemente em um acidente de trânsito, que o inabilita ao exercício de qualquer atividade laborativa.
Sem condições de se manter, dirigiu-se ao INSS, em abril do mesmo ano, pleiteando "os seus direitos", onde fora informado da possibilidade de ser-lhe concedido o benefício de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença, de acordo com a incapacidade constatada por perícia médica.
Realizada a perícia na data aprazada, a autarquia previdenciária indeferiu o requerimento de ambos os benefícios, em razão do perito ter dado parecer no sentido da capacidade para o labor.
Inconformado, o segurado recorrera ao Juizado Especial Federal, em busca de justiça. Ajuizara ação pleiteando o benefício de aposentadoria por invalidez ou, subsidiariamente, auxílio-doença, com pedido de tutela antecipada (tendo em vista a impossibilidade de sustentar-se).
Independentemente de quais provas foram juntadas aos autos pelo segurado, o juiz não tem como saber se a incapacidade ocorrera e, principalmente, se ainda persiste sem que determine a realização de perícia médica por perito de sua confiança.
Destarte, fora agendada nova perícia médica, a ser realizada pelo perito judicial em trinta dias, a contar do ajuizamento da ação.
O ilustre auxiliar da justiça deu pela incapacidade total e permanente, o que, em conjunto às provas com que o segurado instruíra os autos acerca da qualidade de segurado e do cumprimento do período de carência, preenchera o requisito do fumus boni iuris, permitindo ao juiz, incontinenti, deferir a antecipação da tutela.
É inegável que será concedido ao INSS o direito de produzir as provas que entender pertinentes para contrapor as alegações do autor, todavia, até que isso ocorra e que o juiz firme a sua convicção, o benefício já estará implantado (provisoriamente) e a pretensão do segurado estará resguardada em face do periculum in mora a ela inerente. Simultaneamente, é protegido o interesse do INSS, que somente será privado do bem havendo provas verossímeis das alegações do autor (fumus boni iuris). Note, portanto, quão grande é a importância da tutela antecipada no caso concreto.
Conferido ao segurado o indispensável sustento, torna-se ele capaz de aguardar o resultado final do feito, que se dá em maio de 2007.
Transcorrido in albis o prazo de dez dias para que a autarquia previdenciária interponha eventual recurso inominado (Art. 41/Lei 9.099-95), a sentença transita em julgado no dia 22 de maio de 2007.
Já em gozo do benefício de aposentadoria por invalidez em razão da tutela antecipada, o que era provisório se torna definitivo, restando apenas o recebimento dos valores atrasados, o que poderá ser feito a partir da data acima referida.
Nesse intento, João Malaquias dirige-se ao Juizado e requere a expedição de requisição de pequeno valor, o que culmina no recebimento do quantum em prazo não superior a sessenta dias (Art. 17/Lei 10.259-01),
Assim, tem-se a integral satisfação de sua pretensão previdenciária em menos de dois anos e meio, a contar do surgimento desta, o que é nada menos que louvável em comparação às demais prestações juridicionais hodiernas.
6. CONCLUSÃO
No decorrer do presente artigo, fora analisado qual o procedimento a que se submete o segurado quando adentra o Judiciário (item 2 – Juizado Especial Federal), o que ele poderá fazer no curso do processo, a fim de resguardar a sua pretensão (item 3 – Tutela antecipada) e como promoverá a satisfação desta após o término do procedimento jurisdicional (item 4 – Requisição de pequeno valor), explanações estas que foram enfeixadas em um só todo no item 5, com a apresentação de um caso prático.
Buscou-se demonstrar a relevância da conjugação desses institutos para a concessão, ao requerente, de uma tutela jurisdicional que chegasse a tempo, que reformasse a decisão da Previdência Social antes que se agravasse a doença ou que o indivíduo passasse por necessidades, no mais das vezes, fatais para o seu estado, tendo em vista o periculum in mora inerente a essas situações.
Previdência Social vem de pré-vidência, isto é, ver com antecedência. O indivíduo contribui para o INSS pensando que um dia ele envelhecerá e, não tendo mais forças para trabalhar, que pleiteará uma aposentadoria por idade; contribui, ainda, pensando que pode ocorrer algo sério com ele, que o obrigue a ficar meses de cama ou, mais grave, que o torne inválido, necessitando de um auxílio. É ele, portanto, previdente.
Pois bem, quando esse futuro que ele teme e para o qual se acautela chega, necessita ele do benefício já "para ontem"! Indeferido administrativamente, o Judiciário tem de agir de pronto, para que ele receba o benefício de maneira tempestiva, principalmente em virtude dos bens que se encontram em jogo: a vida e saúde do segurado. Se o Direito não protege quem dorme, a contrario sensu, e com muito mais propriedade, o Direito tem de proteger quem desde sempre se acautelou.
Como já dizia Rui Barbosa, "justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIM, Eduardo Fortunato; MAIDAME, Márcio Manoel. Restrições ao poder geral de cautela e derrotabilidade. RePro 175. São Paulo: Ed. RT, ago. 2009.
BRASIL. Secretaria de Reforma do Judiciário. Ministério da Justiça. Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília, 2007. p. 27. Disponível em: <http://www.direitogv.com.br/subportais/Direito GV/Relatório de pesquisa - Cartórios Judiciais.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2010.
DIDIER JR., Fredie et ali. Curso de direito processual civil: execução. v.5. Salvador: JusPodivm, 2009.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Reflexos do tempo no direito processual civil (anotações sobre a qualidade temporal do processo civil brasileiro e europeu). RePro 153. São Paulo: Ed. RT, nov. 2007.
SÃO PAULO. Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Portal dos Precatórios. Disponível em: <http://www.precatorios.pge.sp.gov.br/>. Acesso em: 23 jan. 2010.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
VAZ, Paulo Afonso Brum. Antecipação da tutela em matéria previdenciária. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 1, no 1. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=158> Acesso em: 20 jan. 2010.
Notas
- Prestação jurisdicional eficaz deve ser entendida como aquela que satisfaça a pretensão do postulante de maneira tempestiva. Caso assim não fosse, de que adiantaria conceder o benefício previdenciário somente após longos anos de tramitação de um processo judicial, sendo que aquele que o requere não tem condições de sobreviver sequer poucos meses sem o referido benefício? Seria algo não só injusto, mas ilógico.
- Consiste este nos "danos decorrentes da demora natural do processo". (BIM, Eduardo Fortunato; MAIDAME, Márcio Manoel. Restrições ao poder geral de cautela e derrotabilidade. RePro 175/80. São Paulo: Ed. RT, ago. 2009)
- Art. 5º, LXXVIII/CF – "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."
- Um artigo que data de 1998, elaborado por um juiz federal do TRF 4ª Região, traz como era a realidade das causas previdenciárias antes da implantação dos Juizados Especiais Federais: "Nunca menos de cinco anos são consumidos até que possam usufruir dos efeitos pecuniários da benesse previdenciária". (VAZ, Paulo Afonso Brum. Antecipação da tutela em matéria previdenciária. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 1, no 1. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=158> Acesso em: 20 jan. 2010). Uma pesquisa feita pela Secretaria de Reforma do Judiciário (Ministério da Justiça) apontou que a situação acima relatada, fora dos Juizados Especiais, não se alterou sobremaneira, uma vez que um processo na vara comum demora, em média, de 700 a 1000 dias tão-só em primeiro grau. Quanto mais se dirá até o trânsito e julgamento na instância recursal. (BRASIL. Secretaria de Reforma do Judiciário. Ministério Da Justiça. Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília, 2007. p. 27. Disponível em: <http://www.direitogv.com.br/subportais/Direito GV/Relatório de pesquisa - Cartórios Judiciais.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2010). Mais nesse sentido em: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Reflexos do tempo no direito processual civil (anotações sobre a qualidade temporal do processo civil brasileiro e europeu). RePro 153/102. São Paulo: Ed. RT, nov. 2007.
- Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 412.
- No que a Lei dos Juizados Especiais Federais for omissa, aplicar-se-ão subsidiariamente as disposições da Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cível e Criminal Estaduais.
- Se aos Juizados Especiais Federais aplica-se subsidiariamente a Lei 9.099/95, a esta aplica-se no que couber o Código de Processo Civil. Logo, o CPC também é aplicado subsidiariamente ao JEF.
- Pode-se citar como exemplo as diversas formas de intervenção de terceiros. Os Juizados Especiais Federais não os admitem nas causas que tramitarem sob o seu manto, vez que consistem em incidentes que atuariam como árduos obstáculos ao bom andamento da marcha processual, atentando, assim, contra os princípios informadores já enunciados.
- THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 415.
- A antecipação da tutela também é possível quando há manifesto intuito protelatório do réu. É a hipótese do inciso II, que não fora citado e que não será aqui tratado em razão de fugir ao tema proposto por este trabalho.
- O Art. 273/CPC faz remissão ao Art. 588, que disciplinava a execução provisória. Este dispositivo fora revogado pelo Art. 475-O/CPC, do qual se extrai o inciso I: "corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;"
- "AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 83 DA SÚMULA DESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. 1. É firme o constructo doutrinário e jurisprudencial no sentido de que os benefícios previdenciários têm natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis. [...]" (STJ, 6ªT., REsp 1.004.037/RS, j. 26.02.2008, DJe, 04.08.2008)
- DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 64.
- A Lei 8.213/91 determina que para os benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença exige-se carência (Art. 25, I) e a manutenção da qualidade de segurado (Art. 15).
- O Supremo Tribunal Federal colocou fim à questão de sua provável inconstitucionalidade quando do julgamento da ADI 2.110/DF, em sessão plenária do dia 16.03.2000.
- Em apertada síntese, o Art. 475-J/CPC confere ao vencedor-credor o direito de, caso o devedor não pague voluntariamente em qunze dias, a contar do trânsito, requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação, para que sejam constritos bens do devedor em montante tal que assegure o pagamento integral da dívida a que fora condenado.
- Cf. DIDIER JR., Fredie et ali. Curso de direito processual civil: execução. v.5. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 707/708.
- Fonte: Portal dos Precatórios. Disponível em: <http://www.precatorios.pge.sp.gov.br>. Acesso em: 23 jan. 2010.
- A recém promulgada Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, alterou algumas disposições quanto ao regime de precatórios, inclusive, permitindo à União, a seu critério exclusivo e na forma de lei, assumir débitos oriundos de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente. É disposição que, se efetivada, pode amenizar o grande calote que os Estados vêm dando nos credores. No entanto, como dito, para que o faça, depende da edição de lei ordinária que a regule, lei essa que pode nem sequer ser editada. A alteração do regime de precatórios é tema atual e que ainda não fora amadurecido na doutrina, e do qual não serão aqui feitas maiores divagações em razão de fugir da proposta do presente artigo.
- Não é ocioso lembrar que esse "um ano e meio" inicia-se após o desenrolar de todo o processo até o trânsito em julgado da sentença que, em razão da morosidade do Poder Judiciário, ainda que com um procedimento célere, não demora menos de dois anos (isso se o INSS não recorrer).
- No âmbito da Justiça Federal, o procedimento relativo à expedição e pagamento de requisições é regulamentado pela Resolução nº 559, de 26 de junho de 2007, do Conselho da Justiça Federal.