A prescrição no direito penal é a extinção do direito de punir do Estado (do ius puniendi concreto ou da pretensão executória) pelo decurso do tempo. Ou seja, é a perda do direito de punir em virtude de sua inércia e do transcurso do tempo. LUIZ FLÁVIO GOMES esclarece que "ela não elimina a infração penal, pois afeta o ius puniendi mas não faz desaparecer o fato" [01].
Mas não é só ela que obsta o ius puniendi estatal, eis que o decurso de tempo quanto à extinção da punibilidade, projetado sobre o direito penal, objetiva-se, também por intermédio dos institutos da decadência e da perempção [02]. Noutras palavras "a prescrição atinge o direito de punir do Estado. Ela extingue a punibilidade de maneira direta e imediata, e não como a decadência e a perempção que alcançam primeiro o direito de acusar para, em seguida, extinguir, por força de lei, a própria punibilidade" [03].
Com efeito, se a prescrição é oriunda do decurso do tempo, necessário se faz que o legislador fixe previamente os prazos em que deve ser exercido o direito de punir, sem que ocorra a prescrição. Ou antes: deve a lei estabelecer qual o lapso de tempo cujo decurso provoca a prescrição do ius puniendi [04].
Assim, quando verificada antes do trânsito em julgado da condenação, a prescrição será a da pretensão punitiva [05], quando ocorrer depois do trânsito em julgado da condenação, teremos então a prescrição da pretensão executória. A primeira ensina LUIZ FLÁVIO GOMES, tem três espécies que são: a) a prescrição pela pena máxima em abstrato (PPPA), b) a prescrição intercorrente ou superveniente (PPPI) e c) a prescrição retroativa (PPPR) [06] [07].
A prescrição pela pena em abstrato é a que se verifica antes de transitar em julgado a sentença final, nos limites que o artigo 109 impõe. A prescrição intercorrente ou superveniente, por sua vez, ocorre depois da data em que foi publicada a sentença condenatória e, neste caso, utiliza-se a pena aplicada, ou seja, a pena definitiva.
Para a compreensão da prescrição da pretensão punitiva retroativa, entretanto, é preciso ter em mente uma linha do tempo. Sabendo-se que o artigo 117 prevê que o curso da prescrição interrompe-se em determinadas ocasiões é possível traçar um esquema no qual temos prazos determinados entre os quais não poderá haver demora do Estado.
Demais disso a prescrição retroativa, é aquela que tem como base a pena aplicada na sentença, sem recurso da acusação, ou improvido este, levando-se em conta o transcurso dos prazos anteriores à própria sentença.
Desta forma, regressa-se até a data do fato e verifica-se se entre esta data e o recebimento da denúncia (a primeira causa de interrupção da prescrição) houve transcurso de tempo maior que o previsto para que o Estado pudesse agir e assim por diante. Caso positivo, declara-se extinta a punibilidade, pois, de acordo com a pena aplicada em sentença penal condenatória o crime está prescrito.
O mesmo acontecia com prescrição virtual (antecipada ou em perspectiva), pois embora não prevista na lei, e, portanto, construção doutrinária e jurisprudencial, esta vem sendo tolerada - por juizes de primeiro grau e alguns tribunais - em casos excepcionalíssimos, quando existe convicção plena de que a sanção a ser aplicada não será apta a impedir a extinção da punibilidade.
Nesta modalidade levava-se em conta a pena em perspectiva para o cálculo da prescrição, e, se da análise detida do caso concreto, concluir-se que a pena ficará no mínimo legal ou em patamar que, analisando os marcos e os transcursos tal pretensão já esta fulminada pela prescrição é de se declará-la, eis que "nada de útil, portanto, poderá extrair da prestação jurisdicional de caráter punitivo, diante da virtual "prescrição retroativa", que atinge a própria pretensão punitiva estatal e todos os seus efeitos".
O que muda com o advento da Lei 12.234/2010, é que o período transcorrido para a decretação desta só poderá ter como base transcurso de tempo entre o recebimento da denúncia e data da publicação da sentença condenatória com transito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso. Ora se a denuncia foi recebida em determinada data e, se desta data já transcorreu tempo maior do que aquele exigido para a declaração da prescrição retroativa, pela pena em concreto, pode também o magistrado declarar a prescrição superveniente com base nos mesmos fundamentos, evitando, assim a inutilidade do provimento jurisdicional.
Por exemplo, quando o juiz no curso do processo criminal, onde a denúncia descreve a prática de lesões dolosas, observa, concretamente, duma analise que o imputado é primário, sem antecedentes, que as circunstâncias do art. 59, do Código Penal lhe são favoráveis, tem noção de que aplicará pena inferior ao máximo, e, portanto, já tendo ocorrido um prazo superior a 3 anos entre o recebimento da denúncia e data de eventual publicação da sentença condenatória, é natural que a pretensão punitiva do Estado esteja virtualmente prescrita. Assim, por uma questão prática, não haveria razão de se esperar o final do processo, com o transito em julgado para a pena inferior a 1 ano, para, então declarar extinta a punibilidade pela ocorrência de prescrição [08]- [09].
O Tribunal Regional Federal da Quarta Região já teve a oportunidade de acolher a tese da prescrição em perspectiva, aduzindo que:
PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRÉDITO PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA. FACTIBILIDADE. É factível a aplicação da prescrição pela pena em perspectiva para evitar o deletério desgaste do emprego da força de trabalho do Judiciário ao longo de toda uma instância processual quando ex prompto já se constata que o resultado, mesmo em caso de efetivo juízo condenatório, será absolutamente nenhum. (TRF4, RSE 2006.72.14.002573-7, Sétima Turma, Relator Ricardo Nüske, D.E. 28/01/2009)
No mesmo sentido:
PENAL. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA . ARTIGOS 299 e 171, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. ART. 1º, INCS. I E II DO DLNº 201/67. VIÁVEL A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. EXCEPCIONALIDADE. 1. A prescrição pela pena projetada, embora não prevista na lei, é construção jurisprudencial tolerada em casos excepcionalíssimos, quando existe convicção plena de que a sanção aplicada não será apta a impedir a extinção da punibilidade. 2. Na espécie, considerando o período transcorrido das datas dos fatos até o presente momento (mais de nove anos), sem que a denúncia tenha sido recebida, a prescrição fatalmente incidirá sobre a pena aplicada em eventual sentença condenatória - que, provavelmente, muito não se afastará do mínimo legal. (TRF4, RSE 2005.71.08.011814-0, Oitava Turma, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E. 14/01/2009)
É preciso ser dito que a Lei 12.234/2010, sancionada pelo presidente da República em 05 de maio, revogou o conteúdo do § 2º do artigo 110, do Código Penal. E, desta forma, segundo LUIZ FLÁVIO GOMES, em artigo que comentava o Projeto que deu origem a Lei retro citada "está revogada a prescrição da pretensão punitiva retroativa" [10].
Porém, diferentemente do Projeto 1.383/2003, a Lei 12.234/2010, estabeleceu que a prescrição, "não pode em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à denúncia ou queixa" [11]. Ou seja, enquanto que o Projeto, comentado por LUIZ FLAVIO GOMES vedava a utilização de termo inicial da prescrição depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, qualquer "data anterior à da publicação da sentença ou do acórdão" [12], a referida Lei, limitou-se a descartar, para efeitos de declaração da prescrição retroativa o transcurso de tempo entre a data do fato e o recebimento da denúncia. Só isso.
Desta forma, nos termos do Projeto 1.383/2003, a prescrição pela pena em concreto só teria como marco a data de publicação da sentença ou do acórdão condenatório recorríveis. Antes só haveria a possibilidade de se verificar a prescrição pela pena em abstrato. E, assim, assistia razão ao eminente jurista quando da indagação, sobre o fim da prescrição retroativa.
Por outro lado, tal como foi publicada, a Lei 12.234/2010, percebe-se que esta não acolheu o objetivo almejado pelo projeto originário de extinguir por completo a prescrição retroativa do ordenamento jurídico brasileiro. Em verdade, ainda é possível a verificação da prescrição retroativa, que se dará entre o recebimento da denúncia e a sentença condenatória com transito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso. Do mesmo modo, subsiste tal modalidade de prescrição nos crimes de competência do Tribunal do Júri, onde há duas outras causas interruptivas: a pronúncia e a decisão confirmatória da pronúncia [13].
Assim, apesar da intenção do legislador ter sido a de suprimir a prescrição retroativa – cf. Projeto de Lei já mencionado – a lei sancionada fez menção, apenas ao fato de que "depois da sentença condenatória com transito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa".
Observa-se "que pouco importa, para fins de interpretação do novel dispositivo, que a pretensão do legislador tenha sido outra. O que realmente importa é o que ficou aprovado no texto da lei, conforme o devido processo legal legislativo. O princípio da legalidade surge, nesse ponto, como freio insuperável" [14] para que se confira ao novo §1º, do art. 110, do Código penal, interpretação diversa.
No que concerne saber se, tal norma é de caráter material ou processual, calha ressaltar com FREDERICO MARQUES que "toda regra que trate de ampliação ou diminuição do ius puniendi ou do ius punitionis, como toda disposição que, de qualquer forma, reforce ou amplie os direitos subjetivos do réu ou do condenado" [15] tem natureza de direito material.
O mestre EDUARDO ESPÍNOLA FILHO comunga desta posição, afirmando "serem normas de Direito material todas aquelas que atribuem, virtualmente, ao Estado, o poder punitivo, dando a órgãos do próprio Estado ou particulares o poder de disposições do conteúdo material do processo, isto é, da pretensão punitiva, ou da pena" [16].
Desta forma, como a referida reforma prejudica os interesses do imputado, e como a prescrição tem natureza material [17] e, é instituto que, notadamente, existe em desfavor do Estado, ou seja, possui fundo garantista, logo, não pode alcançar fatos que tenham sido cometidos antes da entrada em vigor da Lei 12.234, fato esse que se deu em 05 de maio de 2010.
Conclui-se, portanto, que, a prescrição retroativa em matéria penal, persiste no ordenamento jurídico, ainda, que mitigada, é bem verdade, sendo possível visualizá-la, entre o recebimento da denúncia e a sentença condenatória com transito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, bem como se se trate de crime cuja competência é do Tribunal do Júri, nesse caso haverá outras duas causas interruptivas da prescrição cuja análise ocorre em data posterior ao recebimento da denúncia ou queixa, quais sejam: a pronúncia e a decisão confirmatória da pronúncia [18].
Notas
- Fim da prescrição retroativa (?). Disponível em http://www.lfg.com.br - 29 abril. 2010.
- Nesse sentido: Machado. Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal: prescrição funcionalista. São Paulo: RT, 2000, p. 75.
- MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, vol. 3, edição atual. Millennium: Campinas-SP, 1999, p. 497. Vale ressaltar que "a decadência é o perecimento de um direito, em virtude de não ter sido exercido nos prazos fixados em lei. Este direito é o de processar, iniciando a ação penal que, no caso concreto, será de iniciativa privada, ou de não processar, nos casos expressos que dependam de provocação, materializando-se esta pela representação, que comumente é tratada pela doutrina como sendo uma condição de procedibilidade, portanto quase uma condição da ação. Já a perempção é uma penalidade imposta ao ofendido, ou aos seus sucessores, pelo desinteresse, tacitamente manifestado, em perseguir na ação".
- Idem, p. 498.
- Entendemos que na verdade o Código Penal deveria se referir a prescrição da pretensão acusatória, eis que, a prescrição declarada antes do transito em julgado, afeta imediatamente o direito de acusar e só por via de conseqüência o poder-dever de punir a que o Estado esta subordinado, por isso mesmo, pensamos que a prescrição antes do transito em julgado deveria ser denominada de prescrição da pretensão acusatória.
- GOMES, Luiz Flávio. Fim da prescrição retroativa (?). Disponível em http://www.lfg.com.br - 29 abril. 2010.
- Celso Delmanto ente que duas são as espécies e que, por sua vez, podem ocorrer de quatro formas diferentes: 1ª Prescrição da pretensão punitiva (ou "da ação penal"), art. 109. 2ª Prescrição subseqüente (ou superveniente) à sentença condenatória, § 1º do art. 110, combinado com o art. 109. 3ª Prescrição retroativa, §§ 1º e 2º do art. 110, combinado com o art. 109. 4ª Prescrição da pretensão executória ( ou da "condenação") art. 110, caput. As três primeiras pertencem as espécie básica de prescrição da pretensão punitiva (ou "da ação") e só a última forma concerne à espécie de prescrição da pretensão executória (ou da "condenação").in Código penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 404.
- Exemplo semelhante é apresentado por GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Código penal comentado. São Paulo: RT, 2007, p. 516), quando da análise da prescrição virtual.
- Calha ressaltar que a Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, alterou também o inciso IV, do art. 109, do Código Penal, que agora assim dispõe: IV – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
- Idem.
- Parte final do §1º, do novo art. 110, do Código Penal.
- Art. 1º, inc. II, do Projeto de Lei 1.383/2003.
- Inc. II e III, do Art. 117, do Código Penal.
- DELMANTO, Fabio Machado de A. et al. Lei n.º 11.596/07: Alterações ao art. 117 do código penal. Bol. IBCCr nº 182, janeiro de 2008. DELMANTO, Celso. et al. Código penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 433.
- Tratado de direito penal, vol. 3, edição atual. Millennium: Campinas-SP, 1999, p. 497.
- Código de processo penal brasileiro anotado, vol. 1, p. 180.
- Nesse sentido, entre outros: DELMANTO, Celso. et al. Código penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 403-404.
- Inc. II e III, do Art. 117, do Código Penal.