SUMÁRIO: 1. Introdução: enquadramento do tema e plano de estudo. 2. A responsabilidade civil contratual objetiva da administração pública no caso de encampação da concessão. 3. Notas ao regime jurídico geral da reparação civil de danos ao concessionário na hipótese de encampação da concessão. 3.1. Visão geral da natureza e extensão das verbas indenizáveis. 3.1.2. Indenização dos bens reversíveis e não reversíveis: fundamento, abrangência e pressupostos. 4. Exceções à aplicação do princípio da restituição integral em matéria de concessões: o contrato e a lei. 4.1. As cláusulas limitativas da obrigação de indenizar da administração pública em caso de encampação da concessão: posição, função e condições de validade e eficácia. 4.1.1. Cláusula limitativa e dano moral. 4.1.2. Necessidade de estipulação de reparação em valores razoáveis e proporcionais. 4.1.3. Cláusula limitativa e forma de pagamento da indenização. 5. Referências bibliográficas.
Resumo: o artigo trata da responsabilidade civil contratual da Administração Pública, limitado o estudo à hipótese de encampação da concessão de serviços públicos e seu sistema de ressarcimento de danos ao concessionário. A intenção é realizar uma análise unitária e sistemática da matéria, tentando fixar alguns parâmetros de controle da jurisdicidade das cláusulas limitativas de responsabilidade inseridas no bojo dos contratos de concessão.
Palavras-chave: Responsabilidade civil contratual da administração pública – Concessão de serviço público - Encampação - Reparação de danos ao concessionário - Cláusulas limitativas da obrigação de indenizar.
1. Introdução: enquadramento do tema e plano de estudo
O presente trabalho aborda a responsabilidade civil contratual da Administração Pública, limitado o estudo à hipótese de encampação da concessão de serviços públicos e seu sistema de ressarcimento de danos ao concessionário.
Conforme dispõe o art. 37, da Lei nº 8.987/95, entende-se por encampação a "retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público".
Nesse caso, considerando os vultosos prejuízos patrimoniais que advêm do rompimento prematuro do vínculo obrigacional, surge para Administração Pública a obrigação de indenizar o concessionário da forma mais ampla possível, mediante reparação dos danos emergentes e lucros cessantes. Como teremos a oportunidade de ver, esse é o entendimento pacífico da doutrina.
O panorama legal, no entanto, é um pouco diverso, uma vez que a Lei Geral de Concessões só disciplina o ressarcimento dos danos emergentes (bens reversíveis não amortizados ou depreciados), sendo omissa quanto à indenização referente a outras espécies de prejuízos efetivos, bem como aquilo que o concessionário deixou de lucrar com a extinção antecipada da concessão.
Esse tratamento jurídico insuficiente dado pela lei básica de concessões, em que praticamente só um tipo de dano encontra expressa previsão de reparação, abriu espaço, no âmbito de uma administração pública concertada, para que o disciplinamento da indenização por danos emergentes e lucros cessantes se desenvolvesse pela via contratual.
Assim é que, na tentativa de amenizar os enormes gastos que a retomada antecipada do serviço público concedido causa aos cofres públicos, o poder concedente costuma preestabelecer nos contratos de concessão variadas fórmulas econômico-financeiras, todas com nítido objetivo de limitar o valor da indenização por danos emergentes e lucros cessantes devidos ao concessionário em caso de eventual encampação.
Dentro desse contexto, iniciaremos o trabalho enfocando o regime jurídico da reparação civil de danos ao concessionário na hipótese de encampação da concessão, dissertando a respeito da natureza e extensão das verbas indenizáveis.
Num passo seguinte, procederemos à análise do dispositivo contratual de limitação de responsabilidade pelos lucros cessantes, destacando, à luz da Teoria Geral dos Contratos e dos imperativos juspublicísticos peculiares às contratações administrativas, sua posição jurídica no ordenamento, função e condições de validade e eficácia.
A intenção é realizar o estudo unitário e sistemático da matéria, tentando fixar parâmetros claros de controle da juridicidade das cláusulas limitativas de responsabilidade inseridas no bojo dos contratos de concessão.
2. A responsabilidade civil contratual da administração pública no caso de encampação da concessão
De um modo geral – e especialmente no que se refere à concessão -, quando uma pessoa privada é admitida a contratar com entidades ou órgãos públicos, "a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público [01]".
Como forma de compensar ou atenuar o risco de instabilidade ínsito às contratações administrativas, o sistema obrigacional juspublicístico fornece ao particular uma série de "garantias econômicas [02]", procurando tutelar com especial rigor seus "interesses patrimoniais [03]" em face da Administração.
É de fácil intuição que essa blindagem patrimonial não existe para "privilegiar" diretamente o particular, mas sim para assegurar finalisticamente o respeito aos interesses públicos visados pelo contrato. Desse modo, a presença de uma tutela econômico-financeira da parte privada se mostra extremamente necessária no contrato administrativo; sobretudo no de concessão, onde além da relevância pública de seu objeto - a impor uma prestação de serviços com qualidade e continuidade -, "o particular normalmente assume o ônus de realizar investimentos iniciais de vulto [04]."
No entanto, a proteção econômica do parceiro privado que investiu alto no setor de serviços públicos tem outro fundamento jurídico quando se trata de encampação. É que na hipótese de resgate antecipado da concessão não caberá mais ao concessionário prestar qualquer serviço público, de maneira que o amparo patrimonial não se dá para garantir o adequado adimplemento contratual. Aqui, a tutela econômica que se estabelece em benefício do particular se relaciona com a impossibilidade de execução do contrato por motivos absolutamente alheios à sua vontade, em respeito puro e simples aos imemoriais princípios civilísticos [05] do nemimem laedere ("não lesar ninguém") e da vedação do enriquecimento sem causa. Afinal de contas, nem mesmo o Poder Público (ou melhor, principalmente ele) pode se locupletar de quem quer que seja.
A peculiaridade está em que, na encampação do serviço público, a responsabilização civil do poder concedente em indenizar o concessionário não pressupõe qualquer conduta culposa da Administração, já que ela age legítima e licitamente na persecução de interesses coletivos.
Mas a licitude e legitimidade da conduta do Poder Público não importa para fins de imputação ou responsabilização. Portanto, na seara da encampação, o vocábulo "responsabilidade" quer dizer apenas reparação do dano, a qual terá lugar desde que se apresentem as condições de fato e de direito que perfaçam a álea ou risco posto a cargo da Administração (no caso, a retomada antecipada da concessão em atendimento ao interesse Público). Ou seja, o ente estatal deve sempre responder objetivamente pelos danos causados à pessoa privada em razão da encampação, mesmo que o resgate prematuro do serviço se consubstancie numa ação estatal lícita e legítima, praticada em atendimento aos imperiosos interesses primários da coletividade. Trata-se, enfim, da responsabilidade da Administração por atos lícitos.
3. Notas ao regime jurídico geral da reparação civil de danos ao concessionário na hipótese de encampação da concessão
Na forma do art. 37 da Lei Geral de Concessões, retomada precocemente a concessão por motivo de interesse público e verificada a existência de prejuízos patrimoniais que derivem direta e imediatamente do rompimento do vínculo obrigacional, a Administração Pública fica objetivamente responsável pela obrigação de indenizar o concessionário.
Conforme doutrina pacífica (nacional e estrangeira), a recomposição patrimonial do concessionário no caso de encampação deve realizar-se da forma mais ampla possível, mediante reparação dos danos emergentes e lucros cessantes [06]. (restitutio in integrum).
O panorama legal brasileiro, no entanto, é um pouco diverso, uma vez que a nossa Lei Geral de Concessões regula de forma insuficiente o ressarcimento dos prejuízos oriundos da encampação, sendo omissa quanto à indenização referente à variadas espécies de danos emergentes e também no que toca aquilo que o concessionário deixou de lucrar com a extinção antecipada da concessão.
A problemática é a seguinte: o art. 37 diz expressamente que a reparação dos danos na encampação se dará na forma do art. 36 [07], o qual por sua vez só prevê o ressarcimento dos bens reversíveis não amortizados ou depreciados (danos emergentes). Pois bem. Se se adotar uma interpretação literal da Lei, num primeiro momento se poderia dizer que a nossa legislação básica de concessões, ao não ter previsto no art. 36 a indenização por outras espécies de danos efetivos ou lucros cessantes, teria tido a intenção de que o concessionário, em caso de encampação, fosse indenizado apenas pelo valor dos bens reversíveis não amortizados ou depreciados, vedando a reparação de quaisquer outros tipos de danos (silêncio eloquente).
A verdade, no entanto, é que a prescrição normativa do art. 36 não pode ser inteiramente aplicada à hipótese de resgate antecipado, pelo simples fato de que este dispositivo foi elaborado para regrar o caso de extinção da concessão pelo advento do termo contratual, situação que é praticamente antagônica ao fenômeno da encampação.
Com efeito, o art. 36 parte do pressuposto de que, mesmo após o transcurso do prazo de execução contratual, ainda possam existir bens reversíveis adquiridos pelo particular que não tenham sido amortizados ou depreciados, caso em que a lei determina que os mesmos sejam indenizados pelo Poder Público, a fim de que se opere em seu favor a formalização da plena propriedade desses ativos. Não há aqui, realmente, que se cogitar de qualquer indenização do concessionário por outros bens além dos reversíveis não depreciados ou amortizados, e muito menos por aquilo que se deixou de lucrar. Isso porque, tendo o contrato alcançado seu termo final, em princípio o contratante particular não só deverá ter amortizado todas as despesas investidas na exploração do serviço público, como inclusive lucrado o que era razoavelmente esperado. Em suma, como anota Marçal Justen Filho [08]: "Quando a extinção se faz pelo advento do termo há presunção de que todos os bens foram amortizados ao longo da concessão (...). Se houver bens [reversíveis] cujo valor não tiver sido amortizado ou depreciado, o poder concedente será obrigado a promover o pagamento da indenização (...)".
E mais. Mesmo se ao final do contrato o particular não tiver obtido o retorno esperado para certos investimentos, nada mais além dos bens reversíveis é devido ao concessionário após o término do prazo do contrato. Isso porque o vínculo concessivo, a exemplo dos contratos em geral, também possui em sua essência uma inafastável "álea ordinária ou empresarial [09]". Segundo bem observado por Alexandre Santos de Aragão [10], a concessão não confere ao particular uma proteção econômica contra todo e qualquer tipo de risco, de maneira que as "circunstâncias previsíveis" ou mesmo as "imprevisíveis, mas de resultados contornáveis ou de pequenos reflexos econômicos, devem ser suportadas pelo contratado. É que o concessionário continua sendo um empreendedor da iniciativa privada, sujeito, portanto, aos riscos da sua atividade".
Pois bem. Situação completamente diversa é a da encampação, onde a extinção prematura do vínculo, além de gerar perdas imediatas com os bens reversíveis não amortizados ou depreciados, causa ao concessionário uma série de outros danos efetivos e futuros, dentre estes últimos a frustração do lucro expectado com a exploração do serviço público pelo prazo concedido.
Assim é que, tratando-se a "encampação" e o "advento do termo" de hipóteses de extinção contratual substancialmente distintas e com efeitos patrimoniais também diferentes, é claro que não pode o intérprete aplicar automaticamente àquela o regime jurídico indenizatório destinado a esta, tal como enuncia a letra fria do art. 37.
Procurando harmonizar o sistema torto da lei à lógica do razoável, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara [11] asseveram que a ratio da Lei nº 8.987/95, ao determinar que a reparação civil do concessionário na encampação (art. 37) fosse realizada na forma daquela prevista para a hipótese de advento do termo contratual (art. 36), foi a de "introduzir um conteúdo mínimo à indenização".
Por isso, concordamos com os referidos autores quando afirmam que a "indenização derivada da encampação há de comportar a integralidade dos danos suportados pelo concessionário, não devendo se ater apenas ao correspondente a investimentos em bens reversíveis que não tenham sido amortizados", mas também à compensação de uma gama de outros prejuízos atuais e potencias, dentre os quais "a perda do benefício de continuação da execução do contrato pelo prazo previsto [12]".
A doutrina de Diógenes Gasparini [13] também é nesse sentido: "Ainda que dita lei não o prescreva, cabe à Administração concedente responder pelo lucro cessante e por outros prejuízos que a extinção por interesse público causou ao concessionário".
Podemos então concluir com segurança que, em matéria de concessões, a regra geral é a de que a encampação implicará a recomposição patrimonial completa do concessionário, mediante indenização dos danos emergentes e lucros cessantes.
Fixada essa premissa básica, nos subitens seguintes estudaremos com mais detalhes a natureza e extensão das verbas indenizáveis no caso de encampação da concessão.
3.1. Visão geral da natureza e extensão das verbas indenizáveis
Os prejuízos indenizáveis causados ao contratante privado por conta da encampação do serviço público terão, em linha de princípio, natureza de dano material ou patrimonial.
Dizemos em princípio, conquanto não se pode excluir de forma absoluta a hipótese de dano à imagem da pessoa jurídica do concessionário em virtude do resgate antecipado da concessão por interesse público.
Tudo dependerá do modo pelo qual o processo de encampação se desenrolará no caso concreto.
Respeitado o devido processo legal inerente ao procedimento administrativo de retomada do serviço público - que pressupõe, dentre outras coisas [14], o pagamento prévio do valor integral da indenização pecuniária devida ao concessionário (art. 37), inimaginável cogitar-se de qualquer dano extrapatrimonial que possa ser causado ao contratante privado.
Não seria absurdo, no entanto, idealizar uma hipótese em que o Poder Público, desprezando a garantia legal (e constitucional) do due process of law, acabe por exercer seu direito potestativo à encampação de forma abusiva (ato ilícito – Código Civil, art. 187) [15], acarretando dano à imagem do contratante privado. Dou um exemplo factível (sobretudo em se tratando de América Latina): a retomada do serviço manu militari pelo ente estatal, somada à mora prolongada do pagamento da reparação material devida ao concessionário, seriam circunstâncias aptas a levá-lo à ruína, num doloroso processo iniciado por protestos cambiários e restrições cadastrais e ultimado por meio de atos coercitivos cobrança levados a efeito pelos credores particulares do ente privado espoliado. Inegável que aí haveria abalo mortal da imagem do concessionário perante o universo empresarial onde atua, dano extrapatrimonial esse que teria sua causa necessária [16] atrelada ao procedimento abusivo de encampação aviado pela Administração.
Portanto, a existência de dano moral ao concessionário na encampação, embora se afigure uma situação bastante singular, não pode ser em tese completamente descartada.
Com relação ao momento de ocorrência, os prejuízos com a encampação podem ser classificados em emergentes, vale dizer, aqueles que logo após o resgate causem uma diminuição efetiva no ativo da concessionária, ou futuros, isto é, aqueles que certamente ocorrerão, mas que, no instante imediato posterior à verificação da retomada, ainda se consumaram [17].
3.1.2. Indenização dos bens reversíveis e não reversíveis: fundamento, abrangência e pressupostos
Durante a concessão, o concessionário fica obrigado a realizar vultosos investimentos em coisas e pessoas, a fim de garantir a prestação adequada e contínua do serviço público. Numa situação de normalidade, vale dizer, quando o contrato se extingue pelo seu regular cumprimento, em princípio todos ou muitos desses custos investidos na atividade deverão ter sido recompostos mediante a receita obtida com a exploração do serviço pelo prazo assinalado contratualmente.
No entanto, certos ativos adquiridos pelo particular, imprescindíveis à prestação contínua e adequada do serviço pelo Poder público, podem não ter sido amortizados ao final do contrato, até porque normalmente se tratam de bens de capital caríssimos. E como esse patrimônio, umbilicalmente vinculado ao serviço, deverá se integrar ao domínio público, torna-se imperioso que o concessionário seja indenizado total ou parcialmente pelo valor de tais bens, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração.
Refiro-me à categoria dos bens reversíveis, que para serem passíveis de indenização, devem obrigatoriamente constar do edital e do contrato de concessão, na forma dos arts. 18, X e 23, X, da Lei nº 8.987/95.
No entanto, extinta antecipadamente a concessão por interesse público, existem grandes chances de o concessionário estar envolto no meio de um ciclo mais robusto de investimentos, implementado por ele em razão da legítima confiança de que o contrato chegaria ao seu termo final. E esses investimentos - muitos deles realizados em bens irreversíveis – não mais serão possíveis de serem amortizados, por razões imputáveis exclusivamente ao Poder Público.
Desse modo, razoável que na encampação a tutela reparatória do concessionário deva em princípio ser ampliada, não podendo ficar limitada apenas aos bens reversíveis não amortizados ou depreciados, compreendendo também a indenização dos gastos realizados pelo particular em bens que, por sua própria natureza, não se incorporarão aos serviços delegados e nem poderão ser aplicados pelo concessionário em diferentes finalidades empresariais [18].
Em outras palavras, a retomada prematura da concessão por interesse público pode fazer com que o valor de certos investimentos aportados pelo concessionário na exploração do serviço – sejam eles em bens reversíveis ou não reversíveis - se consubstanciem em gasto inútil e, por consequência, em dano emergente injusto, que tem sua causa direta e imediata acoplada à rescisão unilateral do contrato pela Administração.
Com razão, portanto, Marçal Justen Filho [19], ao dizer que na encampação da concessão, "a indenização abrangerá tanto os bens reversíveis como outros, não reversíveis, que não possam ser utilizados para outros fins empresariais".
Cabe então a pergunta: além dos bens reversíveis – que devem estar discriminados precisamente no edital e no contrato - quais seriam os bens não-reversíveis inutilizados pela encampação da concessão e que, portanto, seriam passíveis de serem reparados à custa do poder concedente?
Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara [20] respondem a questão exemplificando com o caso do concessionário que, para dar cumprimento ao contrato, tenha assumido uma série de dívidas e financiamentos junto a bancos, citando ainda as hipóteses de contratação e treinamento de pessoal, material de escritório, fornecedores e propaganda.
Enfim, como é de fácil percepção, as despesas indenizáveis podem ser de inúmeras espécies, abarcando, numa visão genérica, os investimentos despendidos pelo concessionário em bens, serviços e pessoas.
Mas para que esses gastos sejam objeto de reparação total ou parcial, devem estar presentes alguns pressupostos.
O primeiro deles é o de que os dispêndios realizados pelo concessionário devem ser orientados por um critério de razoabilidade, guardando relação de necessidade e adequação com o serviço público, que aqui deve ser visualizado amplamente, enquanto empreendimento empresarial, e não somente em relação à execução em si dos préstimos.
O conceito de "necessidade" também não quer dizer apenas o investimento realizado pelo particular em bens (reversíveis ou não) imposto pela lei, contrato e atos administrativos normativos; engloba ainda os aportes que tenham sido realizados por conveniência e oportunidade do contratante privado, com vistas à melhor desempenhar a exploração do serviço público delegado.
Isso quer dizer que certas despesas não obrigatórias à luz do marco regulatório da concessão, porém direta ou indiretamente úteis ou incrementadoras dos préstimos (adequação), também serão possíveis de ser ressarcidas ao particular pela Administração. Para tanto, não basta somente que os bens, pessoas e serviços contratados pelo particular tenham sido inutilizados por conta da retomada antecipada da concessão (nexo de causalidade). Além disso, é preciso que o investimento realizado pelo concessionário possua um motivo ou justificativa razoável, no sentido de que o esforço financeiro, no caso concreto, tenha sido recomendável ou mesmo imperativo ao bom desempenho global da atividade delegada.
O dispêndio efetuado pelo concessionário em propaganda seria um bom exemplo de gasto razoável, pois apesar da sua facultatividade, ele se mostra perfeitamente recomendável; não só quando favorece a marca ou imagem do próprio delegatário, mas sobretudo quando o conteúdo da mensagem veiculada intenta o esclarecimento e educação do usuário em relação ao serviço público, caso em que se revestirá de inegável e imperiosa utilidade pública. Justo, portanto, que a despesa com publicidade, num e noutro caso, seja proporcionalmente indenizada em virtude da extinção antecipada do ajuste.
Outro pressuposto da obrigação de indenizar na encampação refere-se à demonstração, pelo concessionário, do valor gasto nas despesas total ou parcialmente inutilizadas, o que deverá ser apurado no respectivo processo administrativo que antecede ao resgate efetivo da concessão.
Vejamos agora a reparação dos danos futuros que podem ser causados ao concessionário em decorrência da encampação.
Como exemplos de danos futuros ou potenciais, isto é, aqueles que ao tempo do fato imputável (rectius: encampação), já possam ser antevistos "com certeza ou com razoável probabilidade", podemos arrolar os custos de desmobilização da atividade, tais como os pagamentos de multas rescisórias de contratos civis e trabalhistas celebrados pelo concessionário com terceiros, em função da legítima expectativa de que a concessão não iria malograr prematuramente. Esses gastos de desmobilização não se limitam àqueles necessários à extinção dos vínculos acessórios que eventualmente tenham sido firmados pelo particular em prol do empreendimento; englobam, também, as despesas envidadas pelo concessionário que se mostrarão imprescindíveis à novas contratações, visando o retorno das coisas ao estado em que se achavam antes da ruptura antecipada da concessão (ex.: dispêndios com desmonte e transporte de estruturas e equipamentos não-reversíveis alocados em função do serviço público concedido, demolição de construções, etc.).
Ainda na seara dos danos futuros indenizáveis, podemos incluir os lucros cessantes, que representam verba compensatória devida ao concessionário pela frustração dos ganhos que seriam razoavelmente auferidos por ele se o contrato tivesse alcançado seu termo final.
Conforme explicam Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara [21], o cálculo do valor devido a título de lucros cessantes é estimativo, dependendo "da projeção para o futuro da expectativa frustrada de lucro", sendo "necessário comprovar a lucratividade atual do empreendimento e projetá-la pelo período" que faltaria para o término do prazo contratual.
Os valores relativos aos prejuízos potenciais deverão ser equitativamente arbitrados no bojo do competente processo administrativo de encampação e obrigatoriamente adiantados pela Administração ao concessionário antes da retomada fática da atividade delegada.