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Crítica à caracterização da atuação senatorial no controle concreto de constitucionalidade brasileiro como função de publicidade.

A importância da jurisdição constitucional ordinária e os limites da mutação constitucional.

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Agenda 22/06/2010 às 00:00

5. A origem e a finalidade da função do Senado Federal no controle concreto de constitucionalidade brasileiro.

Na Constituição de 1934, apesar do enfraquecimento das prerrogativas legislativas do Senado Federal, a manutenção da nossa sistemática parlamentar bicameral foi mantida através da atribuição de funções federalistas àquela Casa, situação que transformou o Senado, de mais do que uma Casa Legislativa, em um protetor do pacto federativo brasileiro [29].

Entendendo tratar-se de um retorno a fórmulas imperiais ultrapassadas, noticiam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco que a Constituição de 1934 atribuiu ao Senado Federal funções "(...) que a tanto equivalia incumbir essa Casa Legislativa de coordenar os poderes federais entre si e velar pela Constituição (...)" [30].

De fato, no que tange ao controle de constitucionalidade, segundo o art. 91, IV da Constituição de 1934, competiria ao Senado Federal "suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário" [31].

Sob um viés crítico de descompasso da sistemática de controle adotada com o viés social moderno de Constituição inferido a partir da Constituição de Weimar, bem informa Lenio Luiz Streck que a imputação de tal função ao Senado Federal tinha por finalidade resolver a deficiência decorrente da utilização do controle concreto/difuso de constitucionalidade, típico do sistema norte-americano de tradição de common law, por um ordenamento infraconstitucionalmente baseado no sistema romano-germânico, no qual há a preponderância do dispositivo positivado [32].

É que o controle concreto e difuso de constitucionalidade amolda-se à perfeição ao modelo judicial norte-americano que, típico do sistema jurídico anglo-saxão, baseia-se na regra do stare decisis, segundo a qual os precedentes judiciais incidem com força vinculante aos demais juízes, em todos os demais casos com mesma ratio decidendi [33], constituindo-se em fonte primária do direito. Mas, no que tange ao sistema jurídico brasileiro, de origem romano-germânica, a sistemática constitucional de controle difuso/concreto revelou-se inicialmente problemática, vez que nossa ordem jurídica calcava-se na preponderância dos atos normativos, sendo a jurisprudência mera fonte secundária do direito, pois possuía [34] caráter eminentemente persuassivo e não vinculativo.

Resolver tal problemática de desconexão entre o sistema de controle de constitucionalidade adotado pela Constituição e a origem romano-germânica de nosso sistema jurídico foi a razão para a concepção do art. 91, IV da Constituição de 1934; disposição constitucional esta que restou mantida, à exceção da Constituição de 1937, em todas as nossas Cartas Republicanas [35] até a atualmente vigente, onde, segundo o art. 52, X, "Compete privativamente ao Senado Federal: (...) suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal."

É que como as decisões proferidas em controle difuso/concreto de constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro não possuíam os efeitos típicos do sistema norte-americano, de onde fora extraído o instituto, havia a necessidade de uma ferramenta que atribuísse eficácia geral àquelas decisões de inconstitucionalidade proferidas em controle concreto pelos juízes ordinários e, definitivamente, referendadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Sim, porque no controle concreto de constitucionalidade, realizado pelo juiz ordinário sob a via difusa, como se examina a questão constitucional enquanto fundamento para a decisão que se proferirá no caso judicial concreto, a inconstitucionalidade declarada na hipótese limitar-se-á às partes do processo, vez que a sentença deve observar os limites da lide [36], inclusive os de ordem subjetiva, qual sejam as partes do processo, configurando-se aquilo que a doutrina denomina como eficácia inter partes da jurisdição constitucional concreta.

Por esta razão, nossas Cartas Republicanas atribuíram ao Senado Federal a competência para suspender os efeitos do ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal em controle concreto e difuso, conferindo à referida decisão jurisdicional efeitos erga omnes e eficácia vinculante, pois como reconhece o próprio Gilmar ferreira Mendes a decisão proferida in concreto sobre a questão constitucional, nos limites subjetivos da lide, retroage para afastar todo e qualquer efeito do ato tido como inconstitucional, pois "O controle difuso, segundo o modelo norte-americano, realiza-se no caso concreto, em qualquer ação, incidentalmente ou por via de exceção; a sentença é declaratória, com efeito retroativo, ex tunc e inter partes." [37]


6. A eficácia da decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concreto/difuso de constitucionalidade e a resolução do Senado Federal: a função senatorial é de mera publicidade?

Aquela sistemática concreta e difusa de controle de constitucionalidade, que originada no direito norte-americano, foi adotada pela Constituição republicana de 1891 e mantida por todas as que lhe foram subseqüentes, inclusive pela vigente, precisava, nesta seara, adotar mecanismo republicano apto a expandir os efeitos da decisão definitiva de mérito proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concreto de constitucionalidade.

Assim se estipulou que, nessa espécie de controle de constitucionalidade, quando houver decisão definitiva [38] de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal [39], poderá haver a suspensão de eficácia daquela norma declarada inconstitucional pela Corte, na hipótese de edição de resolução do Senado Federal, nos termos do art. 52, X da Constituição vigente.

Se, nos termos da disposição constitucional supramencionada, ocorre a suspensão dos efeitos genéricos e abstratos da norma a partir da edição de resolução pelo Senado Federal [40][41], os efeitos da coisa julgada decorrente da decisão definitiva prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito de controle difuso de constitucionalidade estender-se-á a todos os indivíduos submetidos à incidência da norma declarada inconstitucional. Ou seja, após a resolução do Senado Federal, a decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concreto/difuso de constitucionalidade produzirá efeitos erga omnes e terá eficácia ex nunc [42].

6.1. A teoria da atuação senatorial como função de publicidade das decisões do Supremo Tribunal Federal no controle concreto/difuso de constitucionalidade.

A concepção mencionada tem sido objeto de relevantes críticas na doutrina e no Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que a atribuição constitucional do Senado Federal, atualmente, representaria indevido deslocamento de função eminentemente jurisdicional a ser desempenhada por aquela Corte para uma Casa política, em uma limitação indevida e contraditória de tal importante espécie de função jurisdicional.

Sustenta Gilmar Ferreira Mendes que, considerando-se a modificação de parâmetro sob a qual se deve analisar o princípio da separação de poderes [43] e a competência de guardião da Constituição conferida ao Supremo Tribunal Federal pela Carta Vigente [44], teria ocorrido uma mutação constitucional do art. 52, X da Constituição de 1988, pelo que "A única resposta plausível indica que o instituto da suspensão pelo Senado de execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica." [45]

Sob tais fundamentos, o referido autor, enquanto ministro do Supremo Tribunal Federal e como relator da Reclamação nº 4335-5/AC [46], emitiu voto no sentido de não aceitar a resolução do Senado Federal como ato com a função de suspender os efeitos do ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal em controle concreto e difuso de normas.

No referido voto, o Min. Gilmar Ferreira Mendes, além de utilizar-se dos fundamentos jurídicos expostos anteriormente, justifica, de forma pragmática, seu posicionamento através da adoção da clássica premissa interpretativa de "quem pode o mais, pode o menos". Neste contexto, o relator da Reclamação nº 4335-5/AC faz o seguinte questionamento: se o Supremo Tribunal Federal pode, no controle abstrato de normas, suspender, inclusive de forma liminar, a eficácia de um ato normativo, até mesmo na hipótese de emenda constitucional, por que na declaração de inconstitucionalidade em controle concreto e difuso sua decisão deve ter efeitos entre as partes, dependendo de resolução do Senado Federal para ter eficácia para todos?

Vale ressaltar que tal posicionamento tem influenciado, sobremaneira, parte da doutrina, a qual, com base nos mesmos argumentos do referido autor, tem propugnado, reiteradamente, pela compreensão de que a competência do Senado Federal, atualmente determinada pelo art. 52, X da Constituição, para não revelar-se contrária ao sistema de controle vigente, deveria ser entendida como de mera publicidade, sem a capacidade de estender os efeitos inter partes da decisão definitiva a todos os indivíduos submetidos ao dispositivo legal declarado inconstitucional no caso concreto sob julgamento do Supremo Tribunal Federal em controle concreto e difuso [47][48].

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6.2. Crítica à teoria reducionista da Constituição: a atuação senatorial como limite à função jurisdicional do Supremo Tribunal Federal no controle concreto e difuso de constitucionalidade.

Maxima venia ao posicionamento de tais mestres de nosso direito constitucional, entendemos que não se pode, sob mera interpretação, equiparar a função do Senado Federal, no controle concreto e difuso de constitucionalidade, a um mero Diário Oficial!

É que a interpretação restritiva, para não dizer anulante, da competência constitucionalmente assegurada ao Senado Federal pelo art. 52, X da Constituição é contrária à interpretação valorativa que se deve dar à Constituição. Por evidente, que, na linha do que sustenta aquela corrente doutrinária, não se pode olvidar que a interpretação que se deve dar, neste início de século XXI, ao princípio da separação de poderes não é a mesma de meados do século anterior, bem como não se pode olvidar que a objetivação do recurso extraordinário está de acordo com a própria finalidade da jurisdição constitucional, que é de proteger a Constituição e não os interesses subjetivos insertos na demanda concreta.

Contudo, sem olvidar tais argumentos, pelo contrário como forma de valorizá-los, não se pode esquecer que a concentração de poder leva ao arbítrio e que nossa Constituição é exemplo cabal da adoção do sistema de "freios e contrapesos", justamente como forma de evitar a indevida concentração do poder estatal em um único Poder da República.

É que se a finalidade da concepção atribuída pelo art. 52, X da Constituição vigente ao Senado Federal antes devia ser encarada sob o prisma de permitir a conexão entre o controle concreto e difuso de constitucionalidade e a tradição romano-germânica de nosso sistema jurídico, contemporaneamente parece-nos ser plenamente possível interpretá-la como necessária a evitar que, também, o controle concreto de constitucionalidade reste exclusivo a um único órgão jurisdicional, pois a Constituição vigente desejou, plenamente, a manutenção e o aperfeiçoamento do sistema misto de controle de constitucionalidade: o controle concreto por todo e qualquer juiz ordinário e pelo diversos Tribunais, por via difusa, e o controle abstrato exclusivo ao Supremo Tribunal Federal, por via concentrada.

Sim, porque se o Supremo Tribunal Federal é o senhor da constitucionalidade no curso das relações processuais concretas, o Senado Federal é o senhor da generalidade de tal decisão no controle concreto e difuso de constitucionalidade, justamente com a finalidade de manter a convivência entre ambos os sistemas de controle de constitucionalidade unificados sob nossa ordem constitucional.

Exatamente por posicionar-se nesse sentido e pelo brilhantismo da passagem, permitimo-nos transcrever passagem de Sérgio Resende de Barros, segundo o qual:

"A intervenção do Senado no controle difuso é um engenhoso meio jurídico-político de atender ao princípio da separação de poderes, entre cujos corolários está o de que só lei pode revogar lei. Esse princípio tem de ser mantido no controle difuso, pois faz parte de sua lógica. A lógica do controle concentrado é outra: admite a corte constitucional como legislador negativo, o que é inaceitável no controle difuso. Cada modo de controle deve manter sua lógica para conviver em harmonia. Se não, o misto se torna confuso. Exatamente para manter a lógica do controle difuso, coerente com a separação de poderes, é que se teoriza que o Senado subtraí exiqüibilidade à lei, porém não a revoga.(...)" [49]

Além disso, não se pode também desconsiderar que a norma originária da Constituição, escolhida pela própria sociedade para reger a ordem político-jurídica vigente, não pode ser esvaziada por simples interpretação constitucional, nem mesmo do Tribunal com função de Corte Constitucional, até porque, ressalte-se, se esta é o último, não é o único intérprete da Constituição.

Sim, pois, segundo Peter Häberle, sem se olvidar da competência da jurisdição constitucional dar a última palavra sobre a "interpretação" da Constituição, deve-se considerar o aprimoramento do regime democrático – dialético por ser pluralizante e individualizador ao mesmo tempo – e a evolução social decorrente da densificação de novos direitos – v.g., no Brasil, o reconhecimento de novos direitos pela Constituição de 1988 a grupos antes não reconhecidos pela Constituição, tais como crianças e adolescentes, consumidores, idosos, deficientes físicos, minorias políticas, índios, dentre outros - para que a Constituição seja interpretada não só pelo Poder Judiciário, mas por todo e qualquer indivíduo ou grupo social que a ela esteja sujeito, tais como partidos políticos, Igrejas, peritos, grupos de pressão e associações [50].

Assim é que José Ribas Vieira e Deilton Ribeiro Brasil fazem duras críticas à adoção de tal espécie de posicionamento de restringir a jurisdição constitucional ao Supremo Tribunal Federal - muitas vezes encampado pela própria Corte -, sob o argumento de que a mutação constitucional não pode ser confundida com o que chamam de "teologia constitucional" [51].

Entrementes, parece-nos também errático o entendimento de que se o Supremo Tribunal Federal já detém a competência constitucional de exercer o papel de legislador-negativo no controle abstrato de normas – por determinação da própria Constituição -, a Corte poderia exercer uma suposta função de "menor importância" para tornar definitiva a questão constitucional no controle concreto e difuso de normas.

Evidente que tal espécie de posicionamento apresenta-se como vertente prática daquele movimento de "abstrativização" do controle difuso já comentado anteriormente, com a finalidade de tornar ainda mais preponderantes as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que estas sejam proferidas em demandas concretas submetidas à Corte pela via difusa de controle de constitucionalidade.

Esse estágio de "preponderância" do controle abstrato concentrado no Supremo Tribunal Federal tem sido denominado por certos doutrinadores como uma verdadeira "germanização" [52] de nosso sistema de controle, através da qual, mediante a pura transposição de instrumentos de controle de constitucionalidade moldados historicamente no sistema alemão de controle de constitucionalidade, impõe-nos uma verdadeira desconstrução do controle concreto de constitucionalidade realizado por via difusa.

Somente nessa tendência de uma "germanização" de nosso controle de constitucionalidade - que não detém a mesma característica de incidentalidade [53] típica do sistema germânico – se pode entender a orientação doutrinária de que "(...) poder-se-ia cogitar, nos casos de controle de constitucionalidade em ação civil pública, de suspensão do processo e remessa da questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, via argüição de descumprimento de preceito fundamental, mediante provocação do juiz ou tribunal competente para a causa." [54]

Esse movimento de "germanização" puro e simples, sem considerar as especificidades de nosso sistema misto de controle jurisdicional, não considera a importância que o sistema constitucional brasileiro ainda atribui ao controle concreto/difuso de constitucionalidade [55], através do qual se permite a solução direta da questão constitucional - seja ela normativa ou concreta [56], estatal ou particular [57] - direta e subjetivamente em relação aos indivíduos que estão sendo por ela infringidos.

Até porque não há maiores problemas na convivência constitucionalmente estabelecida entre as duas vias de controle jurisdicional de constitucionalidade [58], se da conjugação de nossa tradição pela ausência de um efetivo sistema de controle, da ausência de atuação do Legislador em assuntos de capital necessidade de regulamentação – v.g. a reforma política que regularia a fidelidade partidária [59] e a disposição de uma excludente de antijuridicidade no caso de aborto de feto anencéfalo [60] – e do ativismo judicial que vem desenvolvendo o Supremo Tribunal Federal não decorresse a quase total sucumbência da via difusa em relação à ascendência [61] daquela Corte como detentora da função de guardiã da Constituição, em evidente detrimento de tal função constitucionalmente atribuída a todo o Poder Judiciário e, conseqüentemente, a todos os juízes brasileiros - até porque esta não é a única função do Supremo Tribunal Federal [62].

Por óbvio, a pretensão conduzida no sentido de esvaziar, integralmente, o controle concreto de constitucionalidade realizado pela via difusa, ou seja por todo e qualquer juiz ordinário, não é consentânea ao modelo de controle estabelecido pela Constituição de 1988, nem com as diversas emendas constitucionais que a alteraram ao longo do tempo, visto que nossa Carta atual vem pretendendo, desde seu texto original, aliar a segurança da via concentrada, onde se realiza a análise do próprio dispositivo legal em abstrato, com a subjetividade [63] da via difusa de controle, através da qual se permite que o juiz analise a questão constitucional como mero incidente à questão de mérito, questão meritória esta que será, efetivamente, com todos os dramas dos seres humanos que compõem a lide [64], o objeto de seu julgamento.

Esta possibilidade de qualquer indivíduo, de forma tão universal quanto o direito de ação constitucionalmente declarado na Constituição, apresentar difusamente ao Poder Judiciário a questão constitucional que influencia sua esfera jurídica, permite ao magistrado brasileiro apreciar e decidir, concretamente, questões constitucionais tão importantes quanto as que envolvem, por exemplo, direitos fundamentais [65], sob a subjetividade dos dramas reais das partes da demanda e com todo o conhecimento dos fatos do litígio que o ferramental processual e a sua disposição em adotar o princípio da cooperação [66] lhe permite conhecer.

Sim, porque à luz do sistema misto previsto na Constituição de 1988, e referendado pelas diversas emendas constitucionais editadas desde então, há que se considerar o juiz ordinário como o agente do Estado responsável pela solução de conflitos sociais através da prestação da tutela jurisdicional fundamentada na Constituição; hipótese em que o controle concreto e difuso de constitucionalidade mostra-se como mecanismo constitucionalmente idôneo para transformar o Poder Judiciário em um ambiente favorável ao exercício da democracia participativa, aproximando-se a jurisdição constitucional da sociedade.

Este é o pensamento de Álvaro Ricardo de Souza Cruz, o qual, apesar de sua extensão, permitimo- nos transcrever:

"O controle difuso aproxima a Jurisdição Constitucional e a sociedade. Disperso por todos os ramos do Judiciário, especialmente nas comarcas da Justiça Estadual ordinária, o controle difuso tem o condão de incrementar o exercício da cidadania, robustecendo a noção de democracia, especialmente em países como o Brasil, com uma história constitucional tão atribulada. Assim, não somente os tribunais, normalmente distantes, situados em capitais dos Estados ou da República, que têm atribuição exclusiva para apreciação da constitucionalidade de leis e debates sobre a aplicação de leis e de atos normativos. Além disso, qualquer indivíduo tem legitimidade para argüí-la desde que o faça no bojo de processo que discuta concretamente ameaça/violação de direito subjetivo, seja ele individual, heterogêneo ou homogêneo, coletivo ou difuso." [67]

De ver-se, portanto, que não se pode pretende atribuir ao Supremo Tribunal Federal exclusividade na determinação das questões constitucionais no sistema brasileiro misto de controle jurisdicional de constitucionalidade, sob uma argumentação de que a tutela jurisdicional constitucional prestada em concreto por juízes e Tribunais ordinários deteria uma qualificação de menor importância em relação às funções constitucionais desempenhadas por aquela Corte, pois tal argumento não é referendado pela nossa tradição de judicial review, vez que a mesma foi construída sob a égide do controle concreto de constitucionalidade realizado por todos os órgãos judiciários brasileiros.

Além disso, não se pode interpretar como atualmente inaplicável o art. 52, X da Constituição, sob o argumento da mutação constitucional - ainda que tal idéia a princípio pareça contemporaneamente apaixonante, como o é -, salvo se, através de emenda constitucional, o referido dispositivo constitucional for extraído da Carta vigente ou se tiver sua finalidade limitada, ainda que parcialmente, para conferir à atuação senatorial, no controle concreto e difuso de constitucionalidade, o caráter de mera publicidade propugnado pela corrente doutrinária ora contestada [68].

Sim, porque a mutação constitucional propugnada pela doutrina ora criticada para nulificar o art. 52, X da Constituição vigente não pode conduzir o intérprete a suplantar os limites que a própria disposição constitucional lhe oferece, pois o rompimento com as disposições constitucionais não é admitido nem mesmo pelo maior defensor da mutação constitucional.

Nesse sentido, veja-se que Konrad Hesse considera a disposição constitucional como um limite para a alteração interpretativa da Constituição, pois "uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação constitucional." [69]

O próprio Gilmar Ferreira Mendes, em obra dividida com Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, reconhece que se a mutação constitucional for reconhecida como "a alteração do sentido de um texto em razão da modificação do contexto, então se pode afirmar que, a rigor, não há diferença substancial entre os limites da interpretação constitucional e os limites da mutação constitucional" [70], hipótese em que a mutação constitucional, tanto quanto a interpretação constitucional estará submetida à prévia análise da literalidade do dispositivo normativo impugnado judicialmente - método clássico literal de interpretação, pois o enunciado normativo positivado limita a interpretação nele baseada.

Nesse sentido, informam os referidos autores o posicionamento de J. J. Gomes Canotilho, segundo o qual, apesar da Constituição dever ser interpretada sob o contexto sob o qual se encontra, "isso não significa entregar o seu texto à discrição dos intérpretes/aplicadores, liberando-os para leituras que, realizadas à margem ou além da fala constitucional, acarretem alterações não permitidas pela Constituição." [71]

Portanto, se o art. 52, X da Constituição vigente atribui ao Senado Federal a suspensão de ato normativo declarado inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, ainda que o mesmo deva ser interpretado sob um novo contexto de mudança de paradigma quanto à separação de poderes, isto não pode conduzir o intérprete a entender o referido dispositivo como atualmente inaplicável ou como um mero anacronismo, por evidente violação à literalidade do próprio dispositivo constitucional.

Nesse sentido a crítica de Oscar Vilhena Vieira sobre o posicionamento do relator da Reclamação nº 4.335-5/AC, na qual aduz o autor que a mutação constitucional propugnada problematiza a relação entre poderes da República, ao suprimir uma competência privativa do Senado Federal e transferi-la para o Supremo Tribunal Federal, hipótese em que "Não se trata, assim, de qualquer mudança constitucional, mas sim de uma alteração de dispositivo, a princípio, protegido pelo artigo 60, parágrafo 4º, inciso III da Constituição Federal." [72]

Entrementes, considerando-se a interpretação plural e aberta que se deve dar à Constituição, necessário que os Tribunais, em especial as Cortes que desempenhem funções de jurisdição constitucional abstrata, exercitem um mínimo de self restraint [73], sob pena de inadequadamente substituir as pretensões da sociedade insertas na Constituição pela sua própria vontade institucional de tornar-se o último intérprete da Constituição, não só no controle abstrato de normas, mas também no controle concreto de constitucionalidade [74].

Ressalte-se que, sob esta linha de pensamento, a corrente doutrinária e jurisprudencial restritiva da função senatorial reverbera sob fortes críticas no próprio Supremo Tribunal Federal, onde o Min. Joaquim Barbosa, afastando a idéia de mutação constitucional eliminadora de dispositivo constitucional em epígrafe, evidenciou em seu voto relevante crítica ao posicionamento do relator da Reclamação nº 4335-5/AC, pois "(...) haveria de ser mantida a leitura tradicional do art. 52, X, da CF, que trata de uma autorização ao Senado de determinar a suspensão de execução do dispositivo tido por inconstitucional e não de uma faculdade de cercear a autoridade do STF(...)", tendo enfatizado "(...) que essa proposta, além de estar impedida pela literalidade do art. 52, X, da CF, iria na contramão das conhecidas regras de auto-restrição." [75](grifei)

Ademais, além da impossibilidade de integral esvaziamento da norma constitucional em comento, por simples interpretação constitucional, antes da adoção de tão radical parâmetro interpretativo teria o intérprete da norma constitucional que buscar no ordenamento outros institutos jurídicos que pudessem trazer-lhe a pretendida extensão de eficácia erga omnes à decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal no controle concreto e difuso, sem caracterizar a inutilidade da norma inscrita no art. 52, X da Constituição de 1988 e, conseqüentemente, sem traduzir a função de uma Casa republicana em meio oficial de publicidade das decisões daquela Corte.

Até porque ao entender-se por inútil o dispositivo constitucional em epígrafe, estar-se-ia violando princípios de interpretação constitucional segundo os quais a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que lhe garanta a maior eficácia possível, sem desconsiderar a validade das demais normas incidentes sobre o caso concreto e que, dentre as interpretações possíveis, deve-se adotar a que garanta maior possível eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais. [76]

Sob esse prisma, basta analisar-se o ordenamento constitucional brasileiro, após a EC 45/04, para verificar-se que não é mais preciso inutilizar-se a competência do Senado Federal inscrita no art. 52, X da Constituição de 1988 para que o Supremo Tribunal Federal possa aplicar efeitos erga omnes e eficácia vinculante às suas decisões de mérito proferidas em controle concreto de constitucionalidade, desde que estas sejam definitivas, reiteradas e tenham por finalidade trazer segurança jurídica no controle concreto de constitucionalidade.

Neste contexto, o art. 103-A da Constituição de 1988, com redação pela EC 45/04 e regulado pela Lei nº 11.417/06, estipulou a possibilidade de edição, inclusive de ofício, de "súmula vinculante" em matéria constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões da Corte na via do controle concreto e difuso, com o fim de evitar-se o ajuizamento de demandas ou, caso isso não seja possível, diminuir o tempo para a tramitação de causas que já foram pacificadas, anterior e definitivamente, pela própria Corte [77].

De ver-se, portanto, que a súmula vinculante foi criada [78] sob o aspecto quantitativo, com o fim de propiciar a prestação jurisdicional de forma célere [79] e compatível com o princípio da segurança jurídica no controle concreto e difuso de constitucionalidade, pois tanto quanto o garantismo processual estabelecido pela Constituição, a segurança jurídica, a celeridade e efetividade da sentença, em especial sob questões constitucionais, também são por ela resguardados [80].

Assim, se atendidos os requisitos previstos nos dispositivos constitucional e legais ora mencionados, no controle concreto e difuso de constitucionalidade, poderá a Corte, de ofício, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação, terá efeitos erga omnes e eficácia vinculante em relação aos demais órgãos jurisdicionais e à Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal.

Nesse sentido, e demonstrando que o presente posicionamento encontra substrato no próprio Supremo Tribunal Federal, veja-se que foram proferidos votos na Reclamação nº 4335-5/AC, contrariamente à tese da extinção da função senatorial por mera interpretação e pela adoção das súmulas vinculantes nos casos em que se mostrasse necessário conferir efeitos erga omnes e eficácia vinculante às decisões definitivas de mérito da Corte em controle concreto de constitucionalidade.

Foi o que sustentou o Ministro Sepúlveda Pertence, para quem "(...) não se poderia, a partir daí, reduzir-se o papel do Senado, que quase todos os textos constitucionais subseqüentes a 1934 mantiveram. Ressaltou ser evidente que a convivência paralela, desde a EC 16/65, dos dois sistemas de controle tem levado a uma prevalência do controle concentrado, e que o mecanismo, no controle difuso, de outorga ao Senado da competência para a suspensão da execução da lei tem se tornado cada vez mais obsoleto, mas afirmou que combatê-lo, por meio do que chamou de "projeto de decreto de mutação constitucional", já não seria mais necessário. Aduziu, no ponto, que a EC 45/2004 dotou o Supremo de um poder que, praticamente, sem reduzir o Senado a um órgão de publicidade de suas decisões, dispensaria essa intervenção, qual seja, o instituto da súmula vinculante (CF, art. 103-A). [81] (grifei)

Já para o Min. Joaquim Barbosa, "(...) a suspensão da execução da lei pelo Senado não representaria obstáculo à ampla efetividade das decisões do Supremo, mas complemento. (...) Afirmou, também, na linha do que exposto pelo Min. Sepúlveda Pertence, a possibilidade de edição de súmula vinculante. (...)".[82] (grifei)

Assim, de ver-se que, pactuando com os contemporâneos princípios instrumentais de interpretação constitucional, já existe disposição constitucional que atende plenamente eventual necessidade de extensão dos efeitos inter partes das decisões definitivas de mérito do Supremo Tribunal Federal em controle concreto a todos os que não participaram da relação processual em que se proferiu a referida decisão, pois a Corte, prescindindo da atuação senatorial, poderá exercer, na prática, o papel de intérprete judicial definitivo no controle concreto/difuso de constitucionalidade, pois, necessariamente, suas decisões definitivas de mérito em certos casos concretos, após insculpidas em súmula vinculante, deverão ser observadas pela jurisdição ordinária e pela Administração Pública.

Tal procedimento importa, evidentemente, na extensão dos efeitos daquelas decisões aos demais jurisdicionados que não fizeram parte da relação processual submetida a julgamento do Supremo Tribunal Federal no âmbito de recurso extraordinário, ou em qualquer outro processo de ordem subjetiva.

É que a decisão definitiva da Corte, insculpida em súmula vinculante, devido a sua eficácia vinculante em relação aos demais órgãos jurisdicionais e à Administração Pública federal, estadual e municipal, esvaziará, pragmaticamente falando, por expressa determinação constitucional – e não por mera interpretação do próprio Supremo Tribunal Federal - a competência atribuída ao Senado Federal pelo art. 52, X da Constituição de 1988, vez que a Corte, prescindindo da manifestação senatorial, poderá exercer o papel de estabilizador constitucional definitivo do ordenamento jurídico também no controle concreto e difuso de constitucionalidade.

Só que agora, o exercício de tal competência dar-se-á considerando todas as disposições da Constituição vigente, sem menosprezar a importância do controle concreto de normas atribuído a todos os juízos e Tribunais ordinários e sem traduzir a função de uma Casa republicana secular em mero "Diário Oficial" de suas decisões, até porque "a decisão de qualquer tribunal, sobretudo do Supremo, já é pública por sua própria natureza." [83]

Sobre o autor
Dalton Santos Morais

Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em direito do Estado pela UGF/RIO. Graduado em direito pela UERJ. Professor de Direito Constitucional e Direito Processual Constitucional no Curso de Direito das Faculdades Espírito-Santenses – FAESA. Autor de livros e artigos jurídicos. Procurador federal. Coordenador da Escola da Advocacia-Geral da União no Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Dalton Santos. Crítica à caracterização da atuação senatorial no controle concreto de constitucionalidade brasileiro como função de publicidade.: A importância da jurisdição constitucional ordinária e os limites da mutação constitucional.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2547, 22 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15074. Acesso em: 23 dez. 2024.

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