Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Reeleição e moralidade

Agenda 01/12/2000 às 00:00

Se é verdade que todo poder emana do povo e deverá ser sempre exercido em seu nome e em seu benefício, através de representantes eleitos, de acordo com o princípio fundamental da soberania popular, não há dúvida de que o resultado das eleições precisa corresponder à vontade do povo. Por essa razão, os candidatos à reeleição deveriam ser obrigados a se afastar de seus cargos, como todos os outros candidatos, para que não os pudessem utilizar em seu próprio benefício. A vigente Constituição Federal estabelece uma série de regras a respeito do exercício dos direitos políticos, em seu artigo 14, entre elas as referentes às inelegibilidades, destinadas a garantir a normalidade e a legitimidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Assim, para que fosse evitada a utilização da máquina administrativa em benefício próprio ou de parentes, a Constituição proibia a reeleição do Presidente, dos Governadores e dos Prefeitos, que estariam também impedidos de concorrer a outros cargos, a não ser que renunciassem até seis meses antes do pleito, e determinava, ainda, a inelegibilidade dos parentes dessas autoridades ou de quem as houvesse substituído nos seis meses anteriores ao pleito.

No entanto, a Emenda Constitucional nº 16, de 04.06.97, elaborada por encomenda para permitir a reeleição do Presidente FHC, alterou apenas o § 5o do art. 14, permitindo a reeleição do Presidente, dos Governadores e dos Prefeitos, mas manteve as normas dos §§ 6o e 7o do mesmo artigo, que estabelecem a inelegibilidade dessas autoridades, para outros cargos, e a de seus cônjuges e parentes, para qualquer cargo, a não ser que renunciem, até seis meses antes do pleito. Além dessas normas, continuou em vigor o § 9o do mesmo art. 14, que determina que outros casos de inelegibilidade sejam estabelecidos através de lei complementar, sempre tendo em vista a proteção da normalidade e da legitimidade das eleições. A matéria foi disciplinada pela Lei Complementar n° 64, de 18.05.90, que estabelece, detalhadamente, os casos genéricos de inelegibilidade, e os específicos, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador, Prefeito e Vice-Prefeito, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, e Vereador, bem como os respectivos prazos de desincompatibilização.

Quase três meses após a edição dessa Emenda Constitucional, o Tribunal Superior Eleitoral, decidindo consulta formulada pelo Senador Freitas Neto, sobre a aplicabilidade dos prazos de desincompatibilização previstos na Lei Complementar nº 64/90, relativamente aos Governadores de Estado e aos Prefeitos, candidatos à reeleição, editou a Resolução nº 19.952, de 02.09.97, pela qual foi decidido, à unanimidade, que os candidatos à reeleição não estão sujeitos à regra da desincompatibilização, e que esse entendimento é aplicável também ao Vice-Presidente, ao Vice-Governador e ao Vice-Prefeito.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Na realidade, essa regra da irreelegibilidade, ou seja, da proibição da eleição para um segundo mandato, era tradicional desde a nossa primeira Constituição Republicana, e autores há que a consideram, mesmo, cláusula pétrea, o que seria um dos motivos para a inconstitucionalidade da emenda da reeleição, além, é claro, da ofensa aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, mas da forma como foi aprovada essa Emenda, com a permanência de todas as inelegibilidades anteriormente previstas, ficou evidente o conflito, porque não seria juridicamente possível justificar que o candidato à reeleição possa permanecer no cargo, utilizando a máquina administrativa e abusando do poder político, em seu benefício, e os outros candidatos estejam sujeitos à desincompatibilização. Ou será que para os recandidatos, como vêm sendo chamados, não se aplicam os princípios referentes à probidade administrativa, à moralidade e à proteção da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta ?

O absurdo é enorme, porque o próprio Prefeito, que não poderia concorrer a qualquer outro cargo, a não ser que renunciasse, até seis meses antes do pleito, pode no entanto permanecer em exercício, quando candidato à reeleição, e as conseqüências estão evidentes, com a Imprensa noticiando, a todo momento, a utilização da máquina administrativa no período eleitoral.

O próprio Presidente do Tribunal Superior Eleitoral declarou, em recente entrevista, que "o Congresso, com uma decisão política, pode extinguir a reeleição, mantê-la ou alterá-la, para exigir a desincompatibilização dos candidatos durante o período eleitoral." É pena que essa Emenda tenha vigorado por tanto tempo, apesar da disparidade do tratamento dado aos candidatos e aos recandidatos, em claro desrespeito ao princípio democrático básico da soberania popular, e que tenha servido para reeleger FHC, além de muitos Governadores e muitos Prefeitos, que se utilizam do cargo para mentir, e para enganar o povo. Até parece aquela história infantil do boneco de madeira, o Pinóquio, que quanto mais mentia, mais crescia o seu nariz, apenas com a diferença de que entre nós, certos políticos mentem tanto, que como castigo suas línguas cada vez ficam maiores, até que eles já quase nem conseguem mais falar corretamente.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Reeleição e moralidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1510. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Texto publicado em O Liberal.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!