8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se percebe pela exposição feita acima, há diversas inovações no Anteprojeto que buscam afastar, mediante disposições legais expressas, alguns óbices que a jurisprudência do STF e do STJ impôs, ao longo dos anos, à admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Trata-se de uma tentativa de contornar o que se costuma chamar de "jurisprudência defensiva", prática consistente na adoção de entendimentos restritivos, que visa diminuir a quantidade de causas a serem julgadas e, assim, evitar a completa inviabilização do funcionamento dos tribunais de superposição.
Por outro lado, a fim de compensar os efeitos desta opção, o Anteprojeto acena com uma radicalização da tendência, já esboçada pela Emenda Constitucional nº 45/04 (que instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário), pela Lei nº 11.418/06 (que regulamentou o instituto da repercussão geral) e pela Lei nº 11.672/08 (que dispôs sobre o julgamento dos recursos especiais repetitivos), de evitar ao máximo a chegada aos tribunais de mais de uma causa que verse sobre a mesma controvérsia jurídica.
A maior novidade nesta área, certamente, é a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 859/906), que mereceria um estudo inteiro a seu respeito, mas que, grosso modo, consiste na possibilidade de todas as causas que versem sobre a mesma controvérsia serem suspensas, até que os tribunais fixem o entendimento que deverá ser seguido. Além disso, também há as determinações do artigo 847 [14], a expressa vinculação dos órgãos fracionários ao decidido pelo Tribunal em incidente de uniformização de jurisprudência (art. 865) e a possibilidade de, estando pendente de apreciação recurso especial ou extraordinário repetitivo, todas as causas em que se discutir a mesma questão, inclusive as que estiverem em primeiro grau, serem suspensas, até o julgamento do recurso representativo da controvérsia.
Em suma, é possível ver no Anteprojeto uma nítida tendência de valorização da jurisprudência já consolidada e de defesa da segurança jurídica, o que, espera-se, diminuirá o trabalho dos tribunais e evitará que o STJ e o STF acabem se tornando um terceiro, ou, até mesmo, quarto grau de jurisdição.
Ou seja, ao mesmo tempo em que se diminui o número de recursos julgados, amplia-se o acesso aos tribunais de superposição, com o fim de viabilizar uma prestação jurisdicional mais qualificada e um melhor cumprimento da missão de uniformizar a interpretação do direito federal.
O espírito é o mesmo da Constituição de 1988, que, criando o STJ, com a tarefa de interpretar a legislação federal infraconstitucional, buscou permitir que o STF, livre das tarefas que foram passadas ao novo tribunal de superposição, se tornasse verdadeiramente o guardião da Constituição, meta que não foi atingida – ao menos não em sua totalidade.
Se, desta vez, caso o Anteprojeto seja aprovado como proposto, o objetivo será alcançado, é algo que só com o tempo se poderá perceber. Contudo, é inegável que, no geral, as modificações propostas aparentam ser positivas, contribuindo para aprimorar a qualidade da prestação jurisdicional ofertada pelos tribunais de superposição.
Notas
- No STF: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 714.208, Primeira Turma, Relatora Ministra Carmen Lúcia, 03.03.2009;
- MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial e outras questões relativas a sua admissibilidade e ao seu processamento. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 395.
- "Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento".
- Na Constituição de 1946, o verbo questionar foi usado somente na alínea b do permissivo, que dizia respeito ao recurso extraordinário contra decisão que declara a inconstitucionalidade de lei federal.
- Por todos, dentre vários outros: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 743.969, Segunda Turma, Relator Ministro Eros Grau, 26.05.2009.
- No STF: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 134.518, Primeira Turma, Relator Ministro Ilmar Galvão, 11.05.1993.
- No STF: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 145.589, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 20.09.1993.
- O tema é tratado em profundidade por José Theophilo Fleury (FLEURY, José Thephilo. Recursos especial e extraordinário: interposição simultânea, fundamentos suficientes e prejudicialidade. Curitiba: Juruá, 2008, p. 295-308).
- As hipóteses de cabimento dos embargos de divergência agora se baseiam exclusivamente na existência de teses contrapostas, não importando o veículo que as tenha levado ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. Assim, são possíveis de confronto teses contidas em recursos e ações, sejam as decisões de mérito ou relativas ao juízo de admissibilidade.
- Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 950.182, Terceira Seção, Relator Ministro Haroldo Rodrigues, 24.03.2010.
- Recurso Especial nº 420.144, Segunda Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, 23.10.2007.
- Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 618.624, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, 06.05.2010.
- No STJ: Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 916.675, Corte Especial, Ministra Laurita Vaz, 12.04.2010.
- Art. 847. Os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte:
No STJ: Súmula 320 (A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento).
No STJ: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 13.074, Terceira Turma, Relator Ministro Waldermar Zveiter, 09.09.1991.
No STJ: Recurso Especial nº 144.777, Segunda Turma, Relator Ministro Adhemar Maciel, 06.10.1997.
Está-se, aqui, diante de poderoso instrumento, agora tornado ainda mais eficiente, cuja finalidade é a de uniformizar a jurisprudência dos Tribunais superiores, interna corporis.
No STF: Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Extraordinário nº 204.039, Tribunal Pleno, Relator Ministro Maurício Corrêa, 14.09.2000.
I - sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante;
II - os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;
III - a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados;
IV - a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia;
V - na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 1º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas.
§ 2º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.