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Alguns comentários sobre os recursos excepcionais no anteprojeto do novo CPC

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30/06/2010 às 00:00
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6. DA POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DAS TESES RESTANTES DA PARTE RECORRIDA

No próximo artigo, o 949, lê-se:

Art. 949. Sendo o recurso extraordinário ou especial decidido com base em uma das causas de pedir ou em uma das razões de defesa, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal examinará as demais, independentemente da interposição de outro recurso.

§ 1º Se a competência for do outro Tribunal Superior, haverá remessa, nos termos do art. 948.

§ 2º Se a observância do caput deste artigo depender do exame de prova já produzida, os autos serão remetidos de ofício ao tribunal de origem, para decisão; havendo necessidade da produção de provas, far-se-á a remessa ao primeiro grau.

Trata-se de tentativa de resolver problema referente à devolução, ao STF e ao STJ, das alegações da parte recorrida que não foram acolhidas nas instâncias ordinárias.

Em decorrência da mínima profundidade do efeito devolutivo nos recursos excepcionais, não se aplica, em seu julgamento, o princípio do iura novit curia. Em outras palavras: o STF e o STJ, ao julgarem recurso extraordinário ou especial, estão impedidos de procurar, em todo ordenamento jurídico, alguma norma que possa implicar na reforma do acórdão recorrido, pois o recurso somente pode ser conhecido, e provido, com base no preceito normativo invocado pela parte recorrente.

A questão complica-se, todavia, quando se trata de invocar fundamento diverso para manter o acórdão recorrido. Na hipótese de uma das partes embasar sua pretensão em mais de um fundamento e ver a causa ser julgada a seu favor somente com base em um deles, como poderá ela devolver à instância excepcional o outro? Por certo que não poderá interpor recurso, pois, tendo sido vencedora, não possui interesse recursal. Por outro lado, mantendo-se inerte, corre o risco de ver o acórdão ser reformado sem que seu segundo fundamento seja apreciado.

Na sistemática atual, caso um dos fundamentos sequer tenha sido apreciado na origem, é possível, segundo alguns precedentes jurisprudenciais, que, afastado o fundamento com base no qual a questão foi julgada na origem, o segundo fundamento seja apreciado.

No âmbito do STJ, tem-se o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 73.106 (Terceira Turma, Relator Ministro Eduardo Ribeiro, 30.09.1999), em que o Tribunal apreciou questão constitucional alegada na origem e que não foi apreciada, dado o acolhimento da pretensão da parte com base em outro fundamento, infraconstitucional. Interposto recurso especial, foi-lhe dado provimento, a fim de afastar o fundamento legal e reformar o acórdão. Então, a parte recorrida, vencedora na origem, opôs embargos de declaração, alegando a existência de omissão devido à não apreciação do fundamento constitucional. No caso, os embargos foram acolhidos e a questão constitucional foi apreciada – embora o Tribunal tenha entendido que também neste ponto não assistia razão ao embargante.

Já no STF, tem-se o julgamento do Recurso Extraordinário 298.694 (Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 06.08.2003), em que o Tribunal, após afastar o fundamento constitucional utilizado na instância ordinária, manteve o acórdão, com base em outro fundamento, igualmente extraído da Constituição.

O entendimento adotado nestes julgados, embora plenamente correto, não resolve o problema por inteiro. Isto porque não aponta solução para o caso de os fundamentos invocados serem de natureza diversa, constitucional e infraconstitucional, e só o fundamento constitucional ser apreciado na origem.

Como exemplo, imagine-se uma ação declaratória da inexigência de determinado tributo, proposta por contribuinte em face da União, em que o autor alega que a lei instituidora do tributo é inconstitucional e que, ainda que não o fosse, não se aplicaria a ele, pois sua atividade não se enquadra no fato gerador nela previsto. Ao apreciar recurso de apelação interposto contra a sentença, o Tribunal Regional Federal acolhe a alegação de inconstitucionalidade e, por já ter fundamento suficiente para acolher o pedido, sequer aprecia a outra causa de pedir. Nesta hipótese, caso seja interposto recurso extraordinário pela União e o STF entenda que a lei é constitucional, só lhe restará reformar o acórdão para julgar improcedente o pedido, não havendo quem aprecie o outro fundamento, pois não compete à Suprema Corte tratar de matéria infraconstitucional e não cabe recurso especial contra acórdão do STF.

Ainda tendo por base a sistemática do atual CPC, pode-se imaginar também uma situação em que, havendo duplo fundamento, constitucional e infraconstitucional, a corte de apelação aprecie ambos, acolhendo um e rejeitando outro. Nesta hipótese, ainda que o fundamento acolhido seja o infraconstitucional, o STJ, caso o afaste, não poderá tratar do fundamento constitucional, pois a questão já estará preclusa (conforme jurisprudência tranquila, o STJ somente pode apreciar matéria constitucional quando a questão surgir originariamente no recurso especial, pois, do contrário, estará usurpando competência do STF ou ressuscitando questão coberta pela preclusão [07]).

A fim de contornar este problema, foi aventada a possibilidade da interposição de recurso adesivo condicionado, a ser interposto pela parte vencedora nas instâncias ordinárias e no qual seriam invocados os demais fundamentos capazes de levar à manutenção do acórdão recorrido. No caso de o recurso principal não ser conhecido ou não receber provimento, o adesivo ficaria prejudicado, por ausência de interesse recursal. Contudo, caso fosse dado provimento ao recurso principal, surgiria o interesse do recorrente adesivo, e seu recurso teria então de ser apreciado [08].

Embora se trate de construção bastante elogiável, a tese carece de previsão legal e de utilização prática, razão pela qual o problema permanece.

Com o objetivo de solucionar a questão, o Anteprojeto traz, no artigo 949, preceito bastante semelhante ao contido no artigo 515, § 2º, do atual CPC (reproduzido no artigo 925, § 2º, do Anteprojeto), aplicável ao recurso de apelação.

Na nova sistemática, caso o fundamento com base no qual o tribunal de origem decidiu seja afastado e não haja outra causa de pedir ou razão de defesa, o Tribunal dará provimento ao recurso e reformará o acórdão; já caso haja outra causa de pedir ou razão de defesa, abrem-se quatro possibilidades: 1) a apreciação da questão restante demanda a produção de prova, hipótese em que os autos serão remetidos ao primeiro grau, para instrução; 2) a apreciação da questão restante demanda a análise de prova já produzida, hipótese em que os autos serão remetidos ao tribunal de origem, para novo julgamento; 3) a causa está madura e a questão restante é de competência do outro tribunal de superposição, hipótese em que os autos lhe serão remetidos, para novo julgamento; 4) a causa está madura e a questão é de competência do próprio tribunal, hipótese em que ela será imediatamente apreciada.

Na hipótese 1, entendemos que o artigo 949 deve ser interpretado em conjunto com o disposto no artigo 858, § 2º (Reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator deverá, sem anular o processo, converter o julgamento em diligência para a instrução, que se realizará na instância inferior. Cumprida a determinação, o tribunal decidirá), de modo que o juízo de primeiro grau somente realizará a coleta da prova, sem proferir nova sentença, remetendo os autos ao segundo grau, para julgamento.

Uma questão interessante impõe-se: se o tribunal que julgar o recurso excepcional entender que é caso de aplicação do artigo 949 e remeter os autos a outro tribunal, poderá este entender que não há questão restante e recusar-se a julgar a causa? Entendemos que a resposta dependerá da posição hierárquica de cada tribunal, a partir da estruturação dos órgãos do Poder Judiciário. Portanto, se os autos forem remetidos pelo STJ ou pelo STF de volta ao tribunal de origem ou ao primeiro grau, a determinação deverá ser acatada. Já no caso de remessa de um tribunal de superposição para outro, como apontado no parágrafo primeiro do dispositivo, aplica-se a regra do artigo 948. Portanto, no caso de remessa do STF para o STJ, o STJ terá de julgar o recurso; já no caso contrário, o STF poderá entender que não há questão constitucional a ser apreciada, hipótese em que devolverá os autos.

Outra questão: se o STF, após afastar o fundamento constitucional, remeter os autos ao STJ, por entender que há questão infraconstitucional pendente de apreciação e que a causa está madura, poderá o STJ entender que há necessidade de análise de prova e remeter os autos ao segundo grau? Neste caso, entendemos que sim, pois não haverá desrespeito à determinação do STF, uma vez que, de todo modo, a questão infraconstitucional será apreciada. Da mesma maneira, entendemos que, remetidos os autos ao tribunal de origem, este poderá entender que é necessária a produção de prova e aplicar a regra do artigo 858, determinando a realização da instrução pelo juízo de primeiro grau, para, só então, julgar a causa.

Haverá necessidade de que o fundamento restante tenha sido prequestionado? A resposta, nos parece, dependerá da interpretação que se der ao termo prequestionamento. Se o entendermos como sendo a arguição da questão pelas partes, será necessário, pois, do contrário, estar-se-ia estendendo, e de forma bastante ampla, o princípio do iura novit curia às instâncias excepcionais; por outro lado, caso se entenda que o prequestionamento é a efetiva discussão da questão no acórdão recorrido, ele será desnecessário. Isto porque, no final do caput do artigo, há a previsão expressa de que o exame das questões restantes se dará "independentemente da interposição de outro recurso". Logo, considerando que o Anteprojeto, à semelhança do atual CPC, elenca os embargos de declaração entre os recursos, apesar da polêmica doutrinária quanto à real natureza do instituto, não há como, no caso ora tratado, se exigir sua oposição para fins de prequestionamento. Sendo assim, tendo a causa de pedir ou razão de defesa sido suscitada perante o tribunal de origem, terá de ser examinada posteriormente, caso o fundamento acolhido no segundo grau seja afastado, independente de sua apreciação na origem e da oposição de embargos declaratórios.

Apesar disso, talvez fosse mais adequado que fosse exigido, para fins de aplicação do artigo 949, que a parte vencedora nas instâncias ordinárias expressamente o requeresse, apontando quais os outros dispositivos que poderiam levar à manutenção da decisão – o que poderia ser feito nas contrarrazões ao recurso interposto pela parte vencida. Certamente os advogados mais dedicados tomarão esta precaução, mas a exigência legal facilitaria a aplicação do dispositivo. Assim, evitar-se-ia de os ministros do STF e do STJ, após julgarem um recurso, terem de vasculhar os autos à procura de algum outro fundamento que tenha sido alegado pela parte recorrida.

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7. DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

Quanto aos embargos de divergência, assim dispõe o anteprojeto:

Art. 959. É embargável a decisão de turma que:

I - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo as decisões, embargada e paradigma, de mérito;

II - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo as decisões, embargada e paradigma, relativas ao juízo de admissibilidade;

III - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo uma decisão de mérito e outra que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;

IV - nas causas de competência originária, divergir do julgamento de outra turma, seção ou do órgão especial.

§ 1º Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária.

§ 2º Aplica-se, no que couber, ao recurso extraordinário e aos processos de competência do Supremo Tribunal Federal o disposto neste artigo.

Art. 960. No recurso de embargos de divergência, será observado o procedimento estabelecido no regimento interno.

Parágrafo único. Na pendência de embargos de divergência de decisão proferida em recurso especial, não corre prazo para interposição de eventual recurso extraordinário.

As inovações são várias, todas voltadas a facilitar a uniformização da jurisprudência dos tribunais de superposição, como mencionado na exposição de motivos. [09]

No artigo 959, inciso II, tem-se a explicitação de que os embargos são cabíveis para discutir o juízo de admissibilidade dos recursos, o que é negado pela atual jurisprudência do STJ [10]. Veja-se que, neste inciso, há menção a decisões "relativas ao juízo de admissibilidade", o que engloba aquelas que, superando a questão da admissibilidade, avancem ao mérito. O objetivo é contornar o fundamento atualmente utilizado pelo STJ para não admitir os embargos de divergência neste caso: o de que um acórdão trataria dos requisitos de admissibilidade e o outro, do mérito (por óbvio, um acórdão que diverge de outro, que não conheceu de um recurso, somente pode ser de mérito).

No inciso III, é esclarecido que será possível confrontar acórdão que julgou o mérito com acórdão que não conheceu do recurso, desde que, neste último caso, a controvérsia tenha sido apreciada. A ressalva justifica-se pelo fato de não ser uniforme a prática adotada pelo STF e pelo STJ para distinguir os juízos de mérito e de admissibilidade nos recursos excepcionais. No STF, historicamente, o recurso extraordinário, fundado na alínea a do permissivo constitucional, somente era conhecido se lhe fosse ser dado provimento - técnica que recebeu severa e famosa crítica da parte de Barbosa Moreira e que foi superada no julgamento do já mencionado Recurso Extraordinário 298.694 (Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 06.08.2003). Já no STJ, não há uniformidade, encontrando-se acórdãos que conhecem do recurso e lhe negam provimento [11] e acórdãos que, mesmo após analisar a controvérsia, dizem não conhecer do recurso [12].

Já o inciso IV amplia as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência, passando a admiti-los também nas causas de competência originária, enquanto o atual CPC restringe-os aos recursos especial e extraordinário. Deste modo, os embargos só não serão cabíveis nas hipóteses de recurso ordinário.

No artigo 959, § 1º, há disposição expressa no sentido de que poderão ser utilizados como acórdão paradigma julgamentos de recursos e de causas de competência originária, não havendo necessidade de que ambos os acórdãos (o embargado e o paradigma) digam respeito à mesma hipótese de competência do tribunal, de modo que bastará, para a admissibilidade do recurso, que a questão jurídica discutida seja a mesma. Mais uma vez, a ideia é superar a atual jurisprudência do STJ e do STF, que exige que o acórdão paradigma seja oriundo de recurso excepcional ou de agravo de instrumento que tenha julgado recurso excepcional [13].

A última inovação está no parágrafo único do artigo 960, que dispõe que "Na pendência de embargos de divergência de decisão proferida em recurso especial, não corre prazo para interposição de eventual recurso extraordinário".

Busca-se, com esse dispositivo, resolver a controvérsia acerca do momento para interposição de recurso extraordinário contra acórdão do STJ, nos casos em que a parte também pretenda interpor embargos de divergência.

O problema é antigo, e remonta ao CPC de 1939, que previa a possibilidade de interposição do recurso de revista nos casos de divergência entre órgãos fracionários do mesmo tribunal. Na redação original do código, não havia previsão quanto a como a parte poderia interpor a revista e recurso extraordinário contra o mesmo acórdão – já que os dois eram, em tese, cabíveis. Assim, a parte acabava tendo de optar pelo recurso que oferecesse mais chances de êxito, já que, interposto o extraordinário, ficava inviabilizada a revista; por outro lado, interposta a revista, caso esta não fosse conhecida, escoar-se-ia o prazo para interposição do extraordinário.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº 4.565/42 resolveu a questão, acrescentando um segundo parágrafo ao artigo 808, segundo o qual ambos os recursos deveriam ser interpostos simultaneamente, devendo o extraordinário ficar sobrestado enquanto eram julgada a revista.

Com a edição do CPC de 1973, o problema deixou de existir, por ter sido extinto o recurso de revista. Todavia, ressurgiu em novo formato com a Lei nº 8.038/90, que criou os embargos de divergência em recurso especial e extraordinário.

A Segunda Turma do STF teve a oportunidade de apreciar o tema no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 275.637 (Relatora Ministra Ellen Gracie, 26.06.2001). Na ocasião, acompanhando voto do Ministro Sepúlveda Pertence, a Turma decidiu que ambos os recursos deveriam ser interpostos simultaneamente: conhecidos e julgados os embargos, o extraordinário ficaria prejudicado, por se voltar contra acórdão que fora substituído com o julgamento dos embargos; não conhecidos os embargos, o extraordinário seria submetido ao juízo prévio de admissibilidade, sem necessidade de sua ratificação pelo recorrente.

Com o Anteprojeto, a sistemática muda. Se aprovado o texto como proposto, bastará ao recorrente interpor os embargos de divergência, sem prejuízo de, não conhecidos estes, posteriormente interpor o recurso extraordinário, contra o acórdão anterior, que, dado o não conhecimento dos embargos, não terá sido substituído.

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Sobre o autor
Tiago Andrade

Estudante de Direito na Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Tiago. Alguns comentários sobre os recursos excepcionais no anteprojeto do novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2555, 30 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15128. Acesso em: 26 abr. 2024.

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