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Alguns comentários sobre os recursos excepcionais no anteprojeto do novo CPC

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30/06/2010 às 00:00
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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se percebe pela exposição feita acima, há diversas inovações no Anteprojeto que buscam afastar, mediante disposições legais expressas, alguns óbices que a jurisprudência do STF e do STJ impôs, ao longo dos anos, à admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Trata-se de uma tentativa de contornar o que se costuma chamar de "jurisprudência defensiva", prática consistente na adoção de entendimentos restritivos, que visa diminuir a quantidade de causas a serem julgadas e, assim, evitar a completa inviabilização do funcionamento dos tribunais de superposição.

Por outro lado, a fim de compensar os efeitos desta opção, o Anteprojeto acena com uma radicalização da tendência, já esboçada pela Emenda Constitucional nº 45/04 (que instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário), pela Lei nº 11.418/06 (que regulamentou o instituto da repercussão geral) e pela Lei nº 11.672/08 (que dispôs sobre o julgamento dos recursos especiais repetitivos), de evitar ao máximo a chegada aos tribunais de mais de uma causa que verse sobre a mesma controvérsia jurídica.

A maior novidade nesta área, certamente, é a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 859/906), que mereceria um estudo inteiro a seu respeito, mas que, grosso modo, consiste na possibilidade de todas as causas que versem sobre a mesma controvérsia serem suspensas, até que os tribunais fixem o entendimento que deverá ser seguido. Além disso, também há as determinações do artigo 847 [14], a expressa vinculação dos órgãos fracionários ao decidido pelo Tribunal em incidente de uniformização de jurisprudência (art. 865) e a possibilidade de, estando pendente de apreciação recurso especial ou extraordinário repetitivo, todas as causas em que se discutir a mesma questão, inclusive as que estiverem em primeiro grau, serem suspensas, até o julgamento do recurso representativo da controvérsia.

Em suma, é possível ver no Anteprojeto uma nítida tendência de valorização da jurisprudência já consolidada e de defesa da segurança jurídica, o que, espera-se, diminuirá o trabalho dos tribunais e evitará que o STJ e o STF acabem se tornando um terceiro, ou, até mesmo, quarto grau de jurisdição.

Ou seja, ao mesmo tempo em que se diminui o número de recursos julgados, amplia-se o acesso aos tribunais de superposição, com o fim de viabilizar uma prestação jurisdicional mais qualificada e um melhor cumprimento da missão de uniformizar a interpretação do direito federal.

O espírito é o mesmo da Constituição de 1988, que, criando o STJ, com a tarefa de interpretar a legislação federal infraconstitucional, buscou permitir que o STF, livre das tarefas que foram passadas ao novo tribunal de superposição, se tornasse verdadeiramente o guardião da Constituição, meta que não foi atingida – ao menos não em sua totalidade.

Se, desta vez, caso o Anteprojeto seja aprovado como proposto, o objetivo será alcançado, é algo que só com o tempo se poderá perceber. Contudo, é inegável que, no geral, as modificações propostas aparentam ser positivas, contribuindo para aprimorar a qualidade da prestação jurisdicional ofertada pelos tribunais de superposição.


Notas

  1. No STF: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 714.208, Primeira Turma, Relatora Ministra Carmen Lúcia, 03.03.2009;
  2. No STJ: Súmula 320 (A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento).

  3. MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial e outras questões relativas a sua admissibilidade e ao seu processamento. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 395.
  4. "Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento".
  5. Na Constituição de 1946, o verbo questionar foi usado somente na alínea b do permissivo, que dizia respeito ao recurso extraordinário contra decisão que declara a inconstitucionalidade de lei federal.
  6. Por todos, dentre vários outros: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 743.969, Segunda Turma, Relator Ministro Eros Grau, 26.05.2009.
  7. No STF: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 134.518, Primeira Turma, Relator Ministro Ilmar Galvão, 11.05.1993.
  8. No STJ: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 13.074, Terceira Turma, Relator Ministro Waldermar Zveiter, 09.09.1991.

  9. No STF: Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 145.589, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 20.09.1993.
  10. No STJ: Recurso Especial nº 144.777, Segunda Turma, Relator Ministro Adhemar Maciel, 06.10.1997.

  11. O tema é tratado em profundidade por José Theophilo Fleury (FLEURY, José Thephilo. Recursos especial e extraordinário: interposição simultânea, fundamentos suficientes e prejudicialidade. Curitiba: Juruá, 2008, p. 295-308).
  12. As hipóteses de cabimento dos embargos de divergência agora se baseiam exclusivamente na existência de teses contrapostas, não importando o veículo que as tenha levado ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. Assim, são possíveis de confronto teses contidas em recursos e ações, sejam as decisões de mérito ou relativas ao juízo de admissibilidade.
  13. Está-se, aqui, diante de poderoso instrumento, agora tornado ainda mais eficiente, cuja finalidade é a de uniformizar a jurisprudência dos Tribunais superiores, interna corporis.

  14. Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 950.182, Terceira Seção, Relator Ministro Haroldo Rodrigues, 24.03.2010.
  15. Recurso Especial nº 420.144, Segunda Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, 23.10.2007.
  16. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 618.624, Quarta Turma, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, 06.05.2010.
  17. No STJ: Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 916.675, Corte Especial, Ministra Laurita Vaz, 12.04.2010.
  18. No STF: Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Extraordinário nº 204.039, Tribunal Pleno, Relator Ministro Maurício Corrêa, 14.09.2000.

  19. Art. 847. Os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte:

I - sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante;

II - os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;

III - a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados;

IV - a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia;

V - na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 1º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas.

§ 2º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.

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Sobre o autor
Tiago Andrade

Estudante de Direito na Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Tiago. Alguns comentários sobre os recursos excepcionais no anteprojeto do novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2555, 30 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15128. Acesso em: 19 abr. 2024.

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