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Inelegibilidade e inabilitação no Direito Eleitoral

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Agenda 01/12/1999 às 01:00

§ 6. - Conceito de inabilitação.

Resolvido o problema do conceito de função pública, que atende perfeitamente a todos os diplomas legais referidos, podemos agora ultrapassar essa discussão preliminar, buscando enfrentar o conceito de inabilitação para fins do Direito Eleitoral.

De logo advirta-se que a inabilitação é uma sanção que possui repercussão na esfera do Direito Administrativo e na órbita do Direito Eleitoral, pois há inabilitação para o exercício de cargos, empregos e funções públicas da Administração, da mesma forma que há também inabilitação para o exercício de mandato eletivo. Ou seja, quando falamos de inabilitação para o exercício de função pública lato sensu, devemos nos precatar para as diferentes espécies como ela se manifesta: (a) inabilitação para cargos, empregos e função pública stricto sensu, no âmbito da Administração; (b) inabilitação para o exercício de mandato eletivo; e (c) inabilitação para o desempenho de função pública stricto sensu por particulares.

Inabilitação:

- para cargos, empregos e função pública stricto sensu, na Administração

- para o exercício de mandato eletivo

- para o desempenho de função pública stricto sensu por particulares.

É fundamental, desse modo, termos presente que a inabilitação para o exercício de função pública implica no impedimento para que o sancionado possa exercer qualquer faculdade conferida pelo ordenamento jurídico, cujo exercício signifique o seu investimento em múnus apenas conferido a agentes públicos. Embora tal raciocínio padeça de uma circularidade evidente, dela não podemos fugir, porque os conceitos de agente público e função pública se implicam, de tal sorte que é agente público quem exerce função pública. Para fugirmos dessa petição de princípio, basta ter presente que a pedra de toque desses conceitos é a sua referência normativa, de maneira que, numa última instância, é agente público aquele que recebe, do ordenamento jurídico, poderes-deveres para, em nome de outrem, serem exercidos com vistas a obtenção de uma finalidade pública. Para que estejamos diante de um agente público, mister possua ele algum vínculo com o Poder Público, através do qual lhe seja outorgado um feixe de poderes, o qual denominamos função pública. Quando a Administração Pública contrata com alguém a locação de um imóvel para acomodar algum órgão seu, cria um vínculo jurídico com o locador. Todavia, tal vínculo não confere a ele faculdades, pelas quais o locador possa agir em nome do Poder Público. É esse agir em nome do Poder Público, fazendo suas vezes, que qualifica tal faculdade, denominando-a de função pública.

Quem exerce mandato eletivo para o Legislativo recebe diversas faculdades, como aquelas elencadas no art.53 da Carta Magna. Tais faculdades são outorgadas aos mandatários porque exercem eles, como representantes do povo, poderes-deveres para alcançarem uma finalidade pública, agindo em nome do Poder Público na atividade legiferante, que é uma atividade sublegal. O mesmo se dá para os que exercem cargos eletivos no Poder Executivo, vez que, sobremais, praticam atos administrativos típicos (expedição de portarias, assinatura de contratos e convênios, etc.), bem como atos legislativos (expedição de decretos e medidas provisórias, e.g.). Justamente por isso, exercem função pública, como agentes políticos que são, ficando submetidos também à sanção de inabilitação pela prática de atos de improbidade.

Para o Direito Eleitoral, o interesse se limita à inabilitação para exercício de mandato eletivo, que é uma das formas de se manifestar a inelegibilidade cominada potenciada, impedindo o registro de candidatura do inabilitado. Consoante já demonstramos, a inelegibilidade cominada potenciada é a sanção aplicada ao nacional, mercê da prática de atos ilícitos eleitorais, ou da prática de atos ilícitos de natureza não-eleitoral, mas com repercussão no Direito Eleitoral, que obstaculiza possa o nacional obter o registro de sua candidatura, inibindo o nascimento da elegibilidade (ius honorum). Assim, a inabilitação, por possuir tais características, se subsume ao conceito de inelegibilidade potenciada.

Nesse instante, é curial novamente advertir que a elegibilidade é um direito subjetivo, nascido do fato jurídico do registro de candidatura, pelo qual o cidadão pode praticar atos de campanha, angariando votos para si. Nascendo do registro de candidatura, é errado afirmar que todos os nacionais sejam elegíveis, de maneira que possa ser declarada a existência de tal direito antes de seu nascimento através do ato registral. Destarte, quando existe alguma inelegibilidade cominada aplicada ao nacional, como a inabilitação, e.g., o momento apropriado para discutir a sua existência ou inexistência é a Ação de Pedido de Registro de Candidatura, por meio da qual pleiteia-se o registro de candidatura, com vistas a obtenção da elegibilidade para determinado cargo. Antes dessa oportunidade, não há interesse jurídico no manejo de qualquer ação com a finalidade de declarar a existência ou inexistência dessa sanção, pois o momento apropriado para tanto é o do registro de candidatura. É certo que a dúvida sobre a existência ou não de sanção de inelegibilidade traz insegurança no âmbito político, mas tal insegurança é sem conseqüências no campo jurídico, até porque a discussão sobre a propriedade ou não do registro de candidatura se fará perante a autoridade judiciária competente, quando o nacional defina a qual cargo irá concorrer.

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Desse modo, como conclusão, podemos assentar o seguinte: (a) a inabilitação para o exercício de função pública é uma sanção que impede o exercício de cargo, emprego ou função pública stricto sensu, no âmbito da Administração; que impede o exercício de mandato eletivo; e que impede o exercício de função pública stricto sensu por particulares, em exercício de múnus público; (b) função pública é um plexo de poderes-deveres outorgados a agentes públicos, com a finalidade de buscar, no interesse de outrem, o alcance de determinada finalidade de interesse público. São agentes públicos: os agentes políticos (Presidente da República, Senadores, Deputados, Governadores, Prefeitos, etc.), os servidores públicos (ocupantes de cargos ou empregos no âmbito da Administração Direta, Indireta ou Fundacional Pública), e os particulares em colaboração com o Poder Público (jurados, escrutinadores eleitorais, membros de Junta Apuradora, etc.); e (c) a inabilitação para o exercício de mandato eletivo é uma espécie de inelegibilidade cominada potenciada, pela qual fica o inabilitado impedido de obter o registro de candidatura enquanto ela durar, não conseguindo adquirir o direito de ser votado (elegibilidade).


NOTAS

  1. Para um aprofundamento sobre a exposição que estamos fazendo sobre o conceito de inelegibilidade, vide o nosso livro Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral, ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1998, no qual desenvolvemos a nossa teoria sobre a matéria. Aliás, sobre o nosso pensamento já houve pronunciamento da doutrina, através do excelente livro de Noely Manfredini d´Almeida e Fernando José dos Santos (Crimes Eleitorais e Outras Infringências, 2ª ed., Juruá, Curitiba, 1998), os quais, com muita acuidade, fizeram um resumo de minha teoria, vista por eles como uma concepção demolidora da teoria clássica (p.559). Com muita benevolência, afirmaram o seguinte: "Como se vê, o tema não será mais pacífico, daqui para a frente, mormente quando se rediscutir, sob sua óptica [se referem ao meu livro citado], a classificação das inelegibilidades (p.208) como inatas ou originárias e as cominadas (classificadas de dois modos: simples, somente para ´essa´ eleição e potencidas, para a ´eleição futura´), particularmente em face da LC 64/90 (...). De qualquer forma, não percebemos, na exposição do autor, a intenção de tão-somente rebater os posicionamentos dos doutrinadores clássicos, mas chamar a atenção para a necessidade de se esvaziar a mente em busca de novos ângulos sobre a teoria da inelegibilidade. Nesse sentido, estamos com o autor, mormente porque a jurisprudência tem, de fato, nos mostrado umas tantas e quantas incoerências que só poderiam aí ter por motivo da imprecisão dos conceitos e nunca por mera desinformação ou negligência dos aplicadores das leis eleitorais" (p.562).
  2. Tal princípio foi supinamente enunciado pelo brilhante jurista pernambucano José Souto Maior Borges (O Direito como fenômeno lingüístico, o problema de demarcação da ciência jurídica, sua base empírica e o método hopotético-dedutivo, in: Ciência Feliz, Fundação de Cultura Cidade do Recife, p.132), que assim se pronunciou, forte nas lições de Karl Popper: "A caracterização da ciência do Direito, no sentido epistemologicamente estrito (dogmática jurídica), como um complexo de enunciados exclusivamente voltados para o Direito positivo demarca rigorosamente o seu objeto e por uma via como que reflexa: se as normas jurídicas têm âmbitos de validade delimitados, as proposições descritivas dessas normas terão por igual âmbitos de referibilidade limitados pelas próprias normas, ou seja, o objeto normativo que descrevem. Se extrapassa o seu âmbito de referibilidade, a proposição a rigor não descreve o ordenamento. É o princípio da coextensividade entre âmbitos de validade normativa e âmbitos de referibilidade doutrinária." (grifos originais).
  3. Em que pese alguma dissensão existente sobre a recepção do DL 201/67 pela Constituição Federal de 1988, razão assiste a José Nilo de Castro (Direito Municipal Positivo, 3ª ed., Del Rey, p.350 e segts.), quando demonstra que, com espeque no princípio da simetria com o centro, poderemos perceber que os Prefeitos Municipais, tal qual o Presidente da República, podem ser processados criminalmente na Justiça Comum e politicamente pelo Poder Legislativo, com a conseqüência do impeachment. Sobre o tema, da lavra do mesmo eminente municipalista mineiro, vide a obra: A Defesa dos Prefeitos e Vereadores em Face do Decreto-Lei 201/67, 2ª ed., Del Rey.
  4. Curso de Direito Administrativo, 9ª ed., Malheiros, p.56.
  5. Por todos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, 4ª ed., Atlas, p.358-359).
  6. Ibidem, p.358.
  7. Código Penal Interpretado, Saraiva, p.891. O autor inclusive cita algumas jurisprudências, demonstrando que os agentes políticos também são, para efeitos penais, equiparados a funcionários públicos. Observe-se a seguinte: - "Corrupção ativa. Vítima presidente da Câmara de Vereadores. Admissibilidade. Sua condição de funcionário público. Sustentar que o vereador é funcionário público para os fins do art.317 do CP e não o é para os do art.333 do mesmo estatuto (corrupção passiva e ativa) é absurdo que o Direito repele, porque ´ubi eadem ratio, ibi eadem dispositivo´" (RT, 570:296).
  8. Sobre isso, vide Eros Roberto Grau (Direito, Conceitos e Normas Jurídicas, RT, p.70-71).
  9. "A caracterização de funcionário público, para efeitos penais, dispensa a investidura regular. Basta o exercício da função pública" (TJRJ - AC - rel. Raphael Cirigliano Filho - RT 550/356). Outrossim: - "O vereador é considerado funcionário público, ex vi do disposto no art.327 do CP" (TJSP - AC - rel. Thrasybulo de Albuquerque - RT 192/67).
  10. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 4ª ed., RT, p.1678.
  11. Em desabono da reta interpretação constitucional, que não pode ser condicionada pela norma inferior hierarquicamente, cujo fundamento de validade é justamente a Carta.
  12. Nesse sentido, vide Marcelo Figueiredo (Probidade Administrativa - Comentários à Lei nº 8.429/92 e legislação complementar, Malheiros, p.23-24) e Marino Pazzaglini Filho et al (Improbidade Administrativa - Aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, Atlas, p.124-126).
Sobre o autor
Adriano Soares da Costa

Advogado. Presidente da IBDPub - Instituição Brasileira de Direito Público. Conferencista. Parecerista. Contato: asc@adrianosoares.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Adriano Soares. Inelegibilidade e inabilitação no Direito Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1518. Acesso em: 20 dez. 2024.

Mais informações

Texto baseado em palestra proferida no 1º Congresso Centro-Sul de Direito Eleitoral, realizado em Campo Grande (MS).

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