3. O Regime Jurídico Constitucional dos Servidores Públicos Militares
3.1. Conceito
Continuando esse estudo hermenêutico sistemático é mister tratar sobre os servidores públicos militares os quais, no entender de Hely Lopes Meirelles (31)- "são todos os integrantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares e assim ‘considerados’ na Constituição da República (Art.42)."- grifei. Com a devida venia, discorda-se do saudoso mestre quanto a assertiva considerados, haja vista ser mais correto e acorde ao texto constitucional a expressão "são servidores públicos militares"; ela não diz: são considerados; ela define, especifica e estabelece, pois, "são servidores públicos militares"- Isto posto, daí prefere-se o conceito de J. Motta Maia (32) (Enciclopédia Saraiva de Direito, v.68, p.462), "são servidores militares todas as pessoas que, em caráter permanente ou transitório prestam serviço militar, no plano da Administração da União e dos Estados".- o transitório, pois, está a referir-se aos conscritos - serviço militar obrigatório, que é temporário.
No que se refere a esses servidores, a Constituição Federal inovou ao dedicar-lhes uma seção (seção III "Dos Servidores Públicos Militares; Capítulo VII "Da Administração Pública", Título III "da Organização do Estado), porquanto desse modo o referido tema jamais fora tratado por constituintes anteriores. Nossa Lei Maior estatui:
"(...) são servidores militares federais os integrantes das Forças Armadas e Servidores militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes de suas policias militares e de seus corpos de bombeiros militares" (Art. 42, da CF/88).
Bem por isso Diógenes Gasparini assim averba:
"(...) são servidores militares os integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), os integrantes da Polícias Militares e os integrantes dos Corpos de Bombeiros Militares. Os primeiros são federais, enquanto os últimos são estaduais, distritais e territoriais" (33)
Entretanto, sobre o mister, melhor elucidação e simplicidade nos dá Diogo Figueiredo de Moreira Neto (34)- in Curso de Direito Administrativo, p.29 que descreve no quadro seguinte:
Servidores públicos militares (regime estatutário):
-
integrantes das Forças Armadas:
da Marinha;
do Exército;
da Aeronáutica.
integrantes das Polícias Militares;
integrantes dos Corpos de Bombeiros Militares
3.2. Regime
Todos esses agentes são servidores públicos militares, com direitos, prerrogativas e obrigações decorrentes diretamente da Constituição Federal, notadamente do Art. 42, da CF/88 e dos respectivos estatutos. Contudo, ao escopo desta tese interessa apenas os servidores públicos militares em nível estadual, ou seja, os integrantes da Polícia Militar do Estado de Alagoas.
Os policiais militares do Estado de Alagoas, têm seus direitos, deveres, obrigações e prerrogativas previstos em legislação pertinente peculiar e específica, v.g., na Lei Estadual nº 5346/92, de 26 de maio - Estatuto dos policiais militares - e no Decreto Estadual nº 4598/81, de 23 de Janeiro - Regulamento Disciplinar da PMAL, sem prejuízo e de conformidade com dispositivos Constitucionais Federal e Estadual, ou seja, atendidos os preceitos constitucionais pertinentes (Art.42, § § 1º. a 11, da CF/88 e Art. 63 usque 67. da CE/89).
Em estrita atinência ao preceito mor (Art. 42, da CF/88), a nossa Carta Política Estadual estabelece "são servidores públicos militares os integrantes da Polícia Militar Estadual" (Art.63), os quais têm na Lei Estadual nº 5346/92, delineados e regulados a "situação, deveres, direitos e prerrogativas"(Art.1º), com base na hierarquia e disciplina (Art. 2º), consoante o é toda instituição, corporação ou organização militar, tendo no Dec. Est. nº 4598/81, que aprovou o Regulamento Disciplinar da PMAL, o "instrumento legal" para aplicação das sanções disciplinares. - sobre este tratar-se-á mais adiante.
3.3. Estabilidade - Vitaliciedade
A lei estadual suso citada dimana, pois, dos mandamentos constitucionais insculpidos no Art. 42, § 9º, da CF/88. "A lei disporá sobre os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do servidor militar para a inatividade" e art. 63, § 7º, da CE/89 "A lei disporá sobre a estabilidade do servidor militar, bem como sobre os limites de idade e outras condições de transferência para a inatividade".
É de se ver que ambos preceitos versam sobre a estabilidade do servidor público militar, que outro sentido não tem senão o das condições de permanência na Instituição polícia militar, in casu. Daí ser importante frisar que, a estabilidade adquirida há de ser aquela prevista no Art. 41, caput da CF/88 in verbis. "São estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público." O § 1º do citado artigo assevera in fine a garantia prevista no Art. 5º LIV e LV, da CF/88:
"O servidor público estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurado a ampla defesa"
Dessarte, se o ingresso do policial militar na corporação se dá mediante concurso público, sua estabilidade há de se efetivar "após dois anos de efetivo exercício", e não consoante estabelece o Art. 30, XII, da Lei Est. nº 5346/92, litteris: "XII - estabilidade para as praças com mais de dez (10) anos de efetivo serviço."
Infere-se, pois, que a lei ordinária (infraconstitucional) "limita" de modo diverso do que a Lei Maior o fez ?!. Ora, se todos os servidores públicos só podem ter acesso aos cargos, empregos e funções públicas mediante aprovação em concurso público, e, dentre estes, os PM se incluem, a sua estabilidade não pode ser diversa daquela prevista para o servidor público in genere, bem por isso se afigurar inconstitucional o preceito da lei estadual sub examine. Aliás, sendo omissa quanto aos oficiais! Há, pois, discriminação e inatendimento à isonomia.
Demais disso, o Policial Militar, face ao disposto no Art. 125 § 4º, da CF/88, consoante assevera o iluminado publicista Álvaro Lazzarini (35): "A hipótese contemplada (...) é de vitaliciedade dos oficiais e praças, que só perderão os respectivos cargos públicos (postos e graduações) por decisão do tribunal competente"(sic). E, mais, não admite argumento de que posto e graduação não sejam cargos públicos, porquanto, "a Constituição da República, no Artigo 12, usa o vocábulo ‘cargo’ para prever ser ele privativo de brasileiro nato o de oficial das Forças Armadas (Art. 12. § 3º, VI)" (sic). Assim, o PM possui hoje não só estabilidade, mas vitaliciedade no cargo (posto e graduação). Logo, oficiais e praças devem ter o mesmo tratamento.
Resta claro, portanto, que a CF/88 inovou no que tange à forma procedimental que leva à perda de graduação das praças integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares estaduais.
O grau hierárquico das praças, consoante dispõe o EPMAL, denomina-se pelo nomem juris, de Graduação (Art. 6º, V). A rigor, os graduados vão de cabo até subtenente PM, mas há de se inserir o Sd PM 2º e 1º classes, visto que há uma "graduação" entre eles, pois que o recruta, ao concluir os Curso de Formação de Soldados- CFSd -, é guindado a Sd 3ª classe, este após 05 anos é elevado à classe subseqüente (2ª Classe), e, após 10 anos é alçado à 1ª Classe; se assim não fosse estes estariam excluídos do rol dos graduados.
O constituinte pátrio deliberou, no seu Art. 125, § 4º, parte final, que tanto a perda do posto e da patente dos oficiais quanto a perda da graduação das praças dessas Corporações estaduais condicionam-se ao prévio julgamento pelo tribunal Competente, que outro não é senão o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, face à inexistência de Tribunal de Justiça Militar Estadual, em Alagoas.
Infere-se, desse modo, que, a partir da vigência da nossa Carta Cidadã "não mais se aplica a pena acessória da perda de graduação" aos integrantes da PMAL e do CBM/AL.
Entrementes, observa Antonio Pereira Duarte (36):
"(...) Fato importante de se notar é que o legislador constituinte deixou de contemplar às praças componentes das Forças Armadas (...), com a mesma garantia outorgada aos integrantes das mencionadas Corporações estaduais, o que revela uma certa antinomia constitucional, visto que a própria Constituição Federal adota de forma ampla o princípio da igualdade de todos perante a lei, e, conquanto bombeiros e policiais militares sejam servidores militares estaduais e os integrantes das Forças Armadas sejam servidores militares federais, nos termos do Art. 42, não se pode conceber tratamento diversificado para uma categoria de servidores militares, mesmo que de nível federativo, em detrimento de outra." (sic) - gn.
E, ainda sobre esta temática, continua o festejado publicista:
"(...) não se pode esquecer as Policiais e os Corpos de Bombeiros Militares funcionam como forças auxiliares e reserva do Exército (§ 6º, Art.144 da CF), o que torna ainda mais discrepante o fato de ser dado tratamento privilegiado às praças daquelas corporações em relação às praças federais."
E, sobre o mister, acordes ao entendimento sábio do citado autor, principalmente, diante da constatação de que "tais normas são incompatíveis entre si, o que faz crer ter o constituinte cochilado em tal questão, que bem pode ser objeto de futura revisão ou emenda", haja vista o princípio da isonomia constitucional e legal ‘todos são iguais perante a lei." (Art. 5º caput CF/88).
3.4. Vedações constitucionais expressas ao PM
São defesas aos policiais militares a sindicalização, a greve e a filiação política partidária, bem como também aos integrantes das Forças Armadas, consoante estabelece os § § 5º e 6º, do Art. 42 da CF/88 e § 4º do Art. 65 da CE/89; enquanto estiverem prestando serviço efetivo, ou seja, no serviço ativo da corporação, inferindo-se daí que os policiais militares inativos (reformados e da reserva) podem atuar na vida política, consoante escólio de Antonio Pereira Duarte (37), e o militar agregado, para Gasparini (38).
E no entender de Diógenes Gasparini (39), "Tais proibições são necessárias à ordem e à hierarquia da instituição, porque só assim a defesa da nação e da ordem pública pode acontecer efetivamente." E assevera isto arrimado em José Cretella Júnior (Comentários à Constituição, cit., v.5. p. 2401), cujo diz não ter
"sentido que o militar, pertencente a uma organização fundada, por excelência, em rígida hierarquia, tivesse direito de filiar-se a sindicatos que, em nome do filiado, investissem contra entidade que tem por objetivo a defesa da ordem pública."
E acrescenta, "Hierarquia militar e sindicato de militares são idéias absolutamentes inconciliáveis, porque antiéticas." (40)- Entrementes, sobre o mister, vale frisar que tem-se entendimento díspar e diverso dos eminentes autores, e, ao depois e oportunamente, se discorrerá sobre o tema.
3.5. Direitos trabalhistas extensivos aos servidores públicos militares
De mais a mais, apenas os direitos previstos dos incisos VIII, XII, XVII, XVIII e XIX do Art. 7º são extensivos aos servidores públicos militares, consoante estatui o § 11. do Art. 42 da CF/88, quais sejam, 13º salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; salário família para seus dependentes; gozo de férias anuais remuneradas, com, pelo menos, um terço a mais de que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias; licença-paternidade, nos termos fixados em lei; sendo-lhe vedado o Inciso XXX do Art. 7º da CF/88 in verbis: "proibição de diferença de salários de exercício de funções e critérios de admissão por motivo de sexo, cor, idade e estado civil." (41), ou seja, admite-se que hajam essa diferenças e discriminações !?
Além desses direitos, há os previstos no Estatuto a Leis de Remuneração.
3.6. Acumulação de cargos
Os servidores públicos militares têm, quanto ao mister, a situação regulada pelos § § 3º e 4º do Art. 42 da CF/88, regime próprio, -segundo Diógenes Gasparini (42) - substancialmente desenhado nesses dispositivos "que, em termos prático, nega para agentes públicos a acumulação (ocupação simultânea de dois cargos, empregos ou funções desde que haja, para os respectivos exercícios, compatibilidade de horário)".
Todavia, se assumir cargo público civil permanente, deverá ser transferido para a reserva não remunerada, vez que não perde a patente (Art. 61, § 3 c/c 62, I, do EPMAL), e se cargo, emprego ou função civil temporário, nas esferas Federal, Estadual ou Municipal, na Administração Direta ou Indireta, ficará agregado. Entrementes, entende Gasparini que "nas duas situações não há exercício simultâneo, dado que o militar deixa a ativa." E assevera o autor citado: "Em razão desse regime é fácil perceber por que, como regra, se afirma que os militares não podem deixar suas funções para ocupar cargo, emprego ou função civil estranho à sua carreira."
Desse modo, enquanto o servidor militar estiver afastado, na situação de reserva ou agregado, não lhe cabe optar por um ou outro dos vencimentos, menos ainda auferir os dois, mas apenas os vencimentos do cargo público civil. "Não pode, portanto, receber os vencimentos e vantagens do posto". Gasparini, com espeque no escólio de Pinto Ferreira (43)(Comentários à Constituição brasileira, São Paulo, Saraiva, 1990,V.2, p. 429), assevera que:
"(...) A saída para resolver o assunto é a seguinte: sendo vedada a acumulação de cargos pelos militares, é, consequentemente, vedada a acumulação remunerada, sobretudo porque o militar não presta serviço em um dos cargos; no silêncio das Leis Magnas, o militar que ocupar cargo ou emprego público não tem direito à opção, mas deve perceber os vencimentos do cargo público e não os vencimentos e vantagens do posto."
Contudo, a respeito do tema, o Prof. Diogo Figueiredo de Moreira Neto (44), in Curso de Direito Administrativo, citado por Antonio Pereira Duarte, assevera que:
"(...) a atividade militar é inacumulável com cargo público civil permanente ou cargo, emprego ou função pública temporária não efetivo, ainda que da administração indireta."
E acrescenta que, quanto a acumulação de cargos por servidores inativos, inobstante a polêmica do tema e da evidência de que o que não é proibido é lícito fazer,
"(...) o STF (45), em sessão plenária, decidiu que ‘a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade na forma permitida pela Constituição."
(Recurso Extraordinário nº 163204-6-SP)
Só é permitida, entretanto, a acumulação de cargos de médico militar, consoante e disposto no § 1º do Art. 17 da ADCT da CF/88, nisso os autores suso citado são acordes.
Passar-se-á, a seguir, a estudar as transgressões e punições disciplinares militares.