Capa da publicação Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas
Artigo Destaque dos editores

Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas

Exibindo página 1 de 10
01/09/1998 às 00:00
Leia nesta página:

INTRODUÇÃO

Esta tese "Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções disciplinares ilegais na PMAL", objetiva, sob à égide dos Princípios de Direitos e Garantias Fundamentais do Homem e do Cidadão insculpidos na Constituição Cidadã em vigor, demonstrar a possibilidade jurídica de aplicação das garantias constitucionais asseguradas a todos os cidadãos, quando da ilegalidade ou abuso de poder face à sanção disciplinar aplicada, mormente quando se tratar de sanção restritora da liberdade de ir, estar, e vir - direito à liberdade de locomoção -, e, mais ainda, fundada em "decreto", ou ainda em "Ato Administrativo" ilegal e/ou abusivo de autoridade.

O Brasil, hoje mais que outrora, constitui-se um Estado de Direito Democrático, destarte, há de submeter-se ao Império da Lei - Princípio da Legalidade e da Reserva Legal - "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI ", bem como ao da isonomia e eqüidade jurídicas.

Desse modo, inaugurada a nova ordem jurídica, torna-se obrigatória a revisão de velhos conceitos, antigos institutos, paradigmas, com vistas a verificar se eles continuam os mesmos ou se foram alterados, e, nesta hipótese, qual a nova postura que deve ser exigida dos intérpretes e aplicadores do direito. Exsurge, assim, a imprescindível necessidade de adequação e conformação das normas e legislações infraconstitucionais ao preceptivos e normativos constitucionais, sob pena de inconstitucionalidade.

A exata ilação, intelecção e compreensão da força e da eficácia dos dispositivos que serão abordados e estudados, só poderão ser obtidas mediante uma prévia fixação de princípios e conceitos que são conhecidos de todos os estudiosos do Direito. E verificar-se-á, ao depois, que não terá sido debalde, inútil ou despiciendo repassá-los.

Deveras, as noções de Estado de Direito, de Direitos e Garantias Fundamentais e de interpretação da validade das normas e princípios constitucionais são imprescindíveis no trato de matéria tão delicada e cara como esta, mormente por ser relativa ao direito impostergável, inalienável, imprescritível e fundamental que é a liberdade do indivíduo e que o Estado de Direito oferece, assegura e garante mediante os seus remediuns constitucionais heróicos, para a defesa de seus interesses e direitos, se ameaçados ou lesionados, justamente em face da legitimidade, legalidade e isonomia jurídica impostas aos poderes do Estado (Executivo, Judiciário e Legislativo), face à máxima jurídica patere legem quam fecistis.

Para o desenvolvimento do tema, após breve aceno histórico, identifica-se no texto magno as diversas disposições que dizem respeito, mediata e imediatamente, aos Direitos e Garantias Fundamentais e princípios concernentes à legalidade, à liberdade, à igualdade, ao direito à defesa e acesso ao judiciário, para, em seguida, consoante o espírito da atual ordem político-jurídica brasileira, fazer uma exegese dessas regras aplicáveis aos servidores públicos militares, enquanto cidadãos, quanto à legalidade e legitimidade dos poderes regulamentar, hierárquico, disciplinar, o due process of law e pressupostos das transgressões e punições disciplinares fundadas em decretos - atos administrativos restritores da liberdade -, face o controle jurisdicional e writs do habeas corpus et mandamus, quando ilegais e arbitrários, mormente quanto às regras de concessão e exceção desses writs.

Ademais, é de se ressaltar a imperiosa obrigatoriedade da devida apuração regular da falta (due process of Law), de há muito existente, e, hoje mais que nunca, também o contraditório e ampla defesa, "com todos os meios e recursos a ela inerentes"(art. 5º., LV da CF/88), além da motivação do ato administrativo punitivo (=sanção disciplinar), ainda inexistente como garantia legal na PMAL, que assegure essas práticas ao PM, principalmente ao subordinado, porquanto não haver prescrição nesse sentido no atual Dec. Est. nº. 4598/81 - Regulamento Disciplinar da PMAL -, cujo encontra-se expressamente revogado in totum pela Lei Est. nº. 5346/92, como veremos de ver.

Decerto que haverá resistências à proposição, posto que não se desfazem facilmente os paradigmas institucionalizados e arraigados na idiossincrasia dos que abominam mudanças e idéias novas.

Todavia, a idéia é nova e, como tal, sofrerá a resistência natural e ininteligível de mantença do status quo ante, não que queiramos inovar sobre o mister: cabimento do habeas corpus nas prisões e detenções disciplinares militares ilegais; até porque renomados doutrinadores e publicistas como Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Egberto Maia Luz, Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Antonio Pereira Duarte, em suas obras, de certa forma, já admitiam essa possibilidade, a despeito das citações de ao habeas corpus nas transgressões disciplinares militares, cuja plausibilidade resulta tão somente na obediência e cumprimento dos pressupostos formais e materiais da sanção disciplinar, id. est., desde que respeitados os requisitos básicos e inolvidados o due process of law, em sua amplitude geral e restrita, e, principalmente, que haja lei disciplinar tipificando e definindo tal e tais transgressões, punições, meios e modos de apuração regular da falta.

Contrario sensu, haverá balda de legalidade, abuso de poder e excesso punitivo. Em assim sendo, qual o remedium de que dispõe aquele que sofre a violência ou a ameaça de lesão ao seu direito de liberdade, senão o controle jurisdicional do heróico e constitucional habeas corpus ?!

Demais disso, diga-se en passant e para não passar in albis, é de supina importância relatar que, em decorrência dessas "práticas", diversas são as reintegrações de ex-PM à Corporação, mais das vezes, por inexistir o contraditório, ampla defesa, motivo e motivação dos atos administrativos sobre o mister, beneficiando de modo "justo", justamente alguns PM que não reúnem condições deontológicas profissionais e disciplinares de integrar nossa PMAL.

É o que se demonstrará, mediante os métodos e processos de interpretação da exegese e hermenêutica sistemáticas, com o cabimento do habeas corpus et mandamus nas prisões e detenções disciplinares ilegais na PMAL.


1. Direitos e Garantias Fundamentais

1.1.- Breve aceno histórico

Compulsando o escólio luminar e os doutos ensinamentos do inolvidável jurisconsulto e mestre do direito - Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, quanto aos Direitos Fundamentais, assim se expressa o notável alagoano da "Terra dos Marechais":

"O Estado antigo não conhecia o direito de liberdade. A Cosmogenia, a Antropogenia e a Epistemologia daqueles tempos não permitiam a política da oposição "indivíduo - comunidade". No século XVI, apenas se substituem à idea do universalismo a imprecisa idea de Igrejas nacionais e a menos imprecisa de nacionalidade. Não sendo igualmente clara a distribuição, a religião pôs-se, desde então, em frente ao Estado. Operada a individualização, (porque o indivíduo é que se manifestava a defrontação religiosa - política), surgiu o conceito de liberdade religiosa" (1)(sic).

E, nesse sentido, continua o nosso mestre:

"(...) As declarações de direitos de natureza contratual começam com a Magna Carta de 1215, o Habbeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights. Mas a concepção de direitos fundamentais tem suas raízes em terreno filosófico. Sustentou G. Jellinek, em Die Erklärung der Menschen - und Bürger recht, que a idea dos direitos fundamentais proveio da liberdade religiosa" (2) (sic).

Entretanto, dando seguimento ao mister e ainda fundado no luminar ensinamento do jurisconsulto suso citado, sob à égide legislativa,

"(...) Legislativamente, o primeiro texto é a declaração do Estado de Virgínia, de 12 de Junho de 1776, a que se seguiram a da Pensilvânia (11 de novembro de 1776) e outras. A Constituição Federal de 1787 não continha declaração de direitos: só os Ameadments de 1789-1791 inseriram alguns preceitos de direitos fundamentais" (3).

Entrementes, ainda segundo leciona Pontes de Miranda, grassam em ledoengano aqueles que pensam e atribuem a

"(...) Magna Carta de 1215, ou Habeas Corpus Act. de 1679 ou Bill of Rights de 1788 como as primeiras Declarações de Direitos. Crisálidas de tais Declarações sim, porém não Declarações de Direito no sentido de liberdade individual . Normas obtidas por Barões, por mais que seus termos servissem a todos os homens, não podiam constituir preceitos de direitos fundamentais, tantas vezes ditos individuais, para que se ressalte o caráter de direito do Homem como Homem. A Democracia e o movimento libertário é que conseguem levar os espíritos a cristalização de princípios em que se traduz, no terreno jurídico e no terreno político, a simetrização a que levou a mecânica social no século XVIII. À América, por influxo, é certo, do levedo das tradições liberais inglesas, coube elaborar a primeira delas: a de Virgínia, a 12 de Junho de 1776. Seguiram-se-lhes outras, sendo a segunda a da Pensilvânia, 12 de Novembro de 1776" (4).

No entanto, os direitos fundamentais eclodiram com maior ênfase de vocação à universalidade, os direitos da liberdade, propriedade, segurança e resistência em face da opressão, com a proclamação na França, 26 de Agosto de 1789, com a "Declaração de Direitos de Homem e do Cidadão", passam daí por diante a fazer parte das cartas Políticas, disseminando-se pelo mundo e, aos poucos, adotados pelos demais Estados, de então até os nossos dias, no ramo do Direito Público.

Evolvendo-se, nesse sentido, aos nossos dias verificou-se que:

"(...) a liberdade não é mais princípio absoluto, axioma de doutrina política, que se insira nas Constituições sem se lhe preverem as conseqüências (...). O homem fêz-se livre, integralmente livre, aprioristicamente livre. Mas muito cedo se verificaram que eram preciso novas receitas declaratórias de liberdades deviam ser entendidas até onde um homem livre as julgasse benéficas ao homem. (...) As liberdades individuais não existem por si e para si, não são incompressíveis, ilimitáveis, em seus enunciados apriorísticos. O indivíduo é que é livre; a liberdade existe para o indivíduo. Por isso mesmo, quando se verifica que o indivíduo é lesado por ela, o Estado ampara, protege, vela pelo indivíduo". (5) (sic)- gn.

Para o iluminado autor, os direitos fundamentais não se confundem com os outros direitos assegurados ou protegidos pela constituição, posto que estes valem perante o Estado e não pelo acidente da regra constitucional. Há, pois, por assim dizer, preeminência dos Direitos das Gentes (Direito do homem, das pessoas humanas e, portanto fundamentais), que, inobstante a sua imperfeição, é o direito humano no mais alto grau. E faz observar que "as constituições fazem fundamental o que não é (ou ainda não é) supraestatal; daí a possibilidade de direitos fundamentais não-supra estatais" (6), destacando, contudo, a liberdade pessoal, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência como direitos fundamentais absolutos, portanto, impostergáveis e inalienáveis.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Dentre os direitos fundamentais que a técnica da democracia tem transformado consagram-se os seguintes, a saber: a) o direito da igualdade perante a Lei; b) liberdade pessoal ou física (de que as prisões e detenções arbitrárias são só exemplos); c) liberdade de consciência, etc.

E, sobre o primeiro, assim se expressa o jurisconsulto Pontes de Miranda:

"(...) Na evolução Técnica de Direito público o que se observa é a revelação do verdadeiro conteúdo do princípio, assaz ligado (se não proposição tautológica) à noção mesma de lei regra geral. Porém existem, como vimos, leis só em sentido formal; ora, a lei só em sentido formal é lei que não é geral, o que traria graves dificuldades se o Art. 113,1, 1ª parte, fosse riscado como tautológico" (7)

Esse é o comentário do ilustre mestre ao preceito insculpido no Artigo suso citado da Constituição de 1934, qual seja: "Todos são iguais perante a lei". - Princípio Jurídico da Igualdade, proposição que enuncia um juízo de existência, no dizer do não menos ilustre publicista José Cretella Júnior,

"o princípio da isonomia, princípio de igualdade perante a lei, também denominado de princípio de igualdade formal - não material, não substancial - porque, na verdade, " não nivela, não iguala" a todos, pelo que esse princípio deve ser entendido de modo relativo, pois a igualdade absoluta é impossível" (8).

Todavia, a despeito da impossibilidade da "igualdade absoluta", a Revolução Francesa - a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, disseminou perante o mundo o conceito de que todos os homens nascem livres e iguais em direitos e obrigações perante a lei - o princípio da igualdade e da não distinção de qualquer natureza ou outras formas de discriminação, porquanto precedendo a fraternidade, colocou a igualdade, lado a lado com a liberdade.

Dessarte, não só a própria monarquia francesa, como também as de todo mundo, inclusive a brasileira, originada da lusitana, possuíam classes sociais e bastantes estratificadas, decorrendo daí tratamento jurídico diferençado, diverso e desigual, onde ainda prevaleciam as prerrogativas e privilégios dos senhores, lordes e nobres, "o que foi desfeito pela República, responsável pelo princípio da isonomia, como prerrogativa de homem livre e igual perante a lei". (9)

Vale dizer: legislativa e juridicamente institui-se, portanto, o princípio da isonomia, ou seja, o da igualdade de todos perante a lei, que há igualdade de todos perante o juiz e diante da autoridade administrativa. E, com efeito, aliado a este exsurge o princípio da liberdade de ir, vir, permanecer ou ficar e de fazer ou não fazer apenas o que a lei determine.

Desse modo, instituídos e disseminados referidos princípios, i.e., os princípios de direitos e cláusulas fundamentais, guindados axiologicamente como valores supremos da sociedade, erige-se, portanto, o Estado Liberal e, ao depois, o Estado Social à transição do Estado de Direito e, alfim, o Estado Democrático de Direito Contemporâneo, cristalizando assim os Direitos concernentes à vida, à liberdade, à igualdade etc. Todos estes valores são consolidados nas mais diversas Cartas Políticas dos Estados, sempre buscando a simetrização da mecânica social dinâmica.

E, dessa forma, acompanhando esse processo dinâmico evolutivo social, o Brasil não fica à margem da história, desde o Império até os dias atuais e tem trazido no bojo de suas Cartas Políticas, independentemente das formas de elaboração destas (se promulgadas ou outorgadas), senão todos, mas pelo menos os mais importantes princípios fundamentais de direitos do homem e do cidadão, consoante já citamos acima, dentre os quais destacamos: a) o da igualdade de todos perante a lei; b) o da liberdade pessoal ou física (de que as prisões e detenções arbitrárias são só exemplos); e c) o da liberdade de consciência, etc. Mas, indiscutivelmente, é a atual Carta Política que pontifica e melhor especifica esses princípios fundamentais, além de estabelecer o Estado Democrático de Direito, ou seja, de respeito e subordinação do Estado à lei - Princípios da Legalidade, consoante se verá mais adiante.

1.2. A Constituição Federal de 1988 e os Direitos e Garantias Fundamentais

Desde a Revolução de 1789, há mais de duzentos anos, portanto, o regime constitucional é associado à garantia dos direitos fundamentais. Não é despiciendo recordar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Art. 16) condicionou à proteção dos direitos individuais a própria existência da Constituição.

Dessarte, com o passar dos tempos operou-se mudança no modo de encarar as relações entre o indivíduo e o Estado com o reconhecimento de novos direitos em prol do indivíduo pelo próprio Estado, direitos esses com conteúdo positivo que o Estado estaria jungido a prestar. Vejamos, pois, a lição do autor infracitado:

"Por outro lado, com o desprestígio do individualismo, foram também aos grupos reconhecidos direitos fundamentais com o mesmo caráter de inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade, que aos indivíduos. Sempre, porém, o reconhecimento desses direitos permaneceu inabalado com uma das metas do constitucionalismo. Tanto assim é que, fosse qual fosse a inspiração, editavam, como editam ainda, as constituições, declarações de direitos, às vezes, de garantias"- cf. Ferreira Filho M.G. op. cit. p.p. 246/7.

Nesse sentido, assevera o mestre em epígrafe:

"(...) Dentre as declarações, há distinguir, por outro lado, as que se contentam em enumerar os direitos reconhecidos como anteriores ao Estado e superiores a ele - direitos de certo modo naturais - e as que se preocupam em acrescentar ao rol dos direitos e das garantias, em sentido estrito." (10)

Dando seguimento ao escólio do iluminado mestre, que questiona e adverte:

"(...) Que são esses direitos?

É mister antes de mais nada não confundí-los com os remédios, isto é, com medidas ou processos especiais, previstos na Constituição, para a defesa de direitos violados. As garantias, ao contrário dos remédios, buscam prevenir, não corrigir." (11)

E, nesse sentido, arremata o ilustrado publicista a expressão "garantias constitucionais" é, todavia, também tomada no sentido de "remédios constitucionais." Há neste caso uma figura de linguagem, pois, "rigorosamente falando esses remédios são a garantia das garantias, são a via judicial destinada à proteção das regras que protege os direitos fundamentais." (12)

Nesse sentido, a nossa Carta Política Cidadã, de 05 de outubro de 1988, instituiu o Estado Democrático, "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna..." (13), que, mediante o Poder Constituinte e em Assembléia Nacional Constituinte, promulgaram a Constituição da República Federativa do Brasil.

Resta claro que, em 05 de outubro de 1988, o Poder Constituinte, fundado na máxima "todo poder emana do povo em seu nome será exercido", reunido em Assembléia Nacional Constituinte, promulgou a novel Carta Política da Nação, instituiu o Estado Democrático de Direito e um novo ordenamento jurídico, ao qual todos os Poderes Constituídos, Instituições, pessoas físicas e jurídicas, homens e cidadãos, são compelidos, obrigatoriamente, à obediência irrestrita das normas e princípios nela insculpidos, face à outra máxima "patere legem quam fecisti"; constitui-se, pois, " o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos e garantias fundamentais", consoante assevera Flávia Cristina Piovesan (14).

E, diferentemente das Constituições anteriores, a CF/88 trata em seu Título I, Dos Princípios Fundamentais, e tem como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, II e III), enunciando como objetivos fundamentais:

"I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação." (Art. 3º) - gn.

Neste há uma sintonia simétrica com o art. 5º caput primeira parte -, enfatizando que regerá suas relações internacionais com "a prevalência dos direitos humanos" (Art. 4º, II).

Assim, logo no Título II, trata DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, e, já no Capítulo I, fala DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, deixando claro e patente que estes constituem, aprioristicamente, direitos prevalentes e supraestatais, ou seja, têm valoração axiológica superior à Organização do Estado e de seus Poderes, posto que o indivíduo precede ao próprio Estado, outro não é o espírito da Lex Magna e a vontade do constituinte.

A Constituição em vigor refere-se a direitos e garantias fundamentais (Título II), cujo Capítulo I enuncia direitos e deveres individuais e coletivos e, o Capítulo II, direitos sociais. O Art. 17, no entanto, faz referência a direitos fundamentais da pessoa humana, enquanto o Art. 60, § 4º, IV, a direitos e garantias individuais é, pois, de supina importância ressaltar que, aqui, o constituinte sequer admite proposta de emenda constitucional tendente a abolir tal e tais direitos e/ou garantias individuais, donde se infere o cerne petreo dessas cláusulas. Vale dizer: jamais poderão ser modificados quaisquer dos direitos e garantias individuais insculpidos no Título II, Capítulo I.

Contudo, contrario senso, admissível é o acréscimo de outros não enumerados nessas cláusulas, consoante se vê do § 2º, do Art. 5º da CF/88. Já o Art. 5º LXXI, menciona direitos e liberdades constitucionais. Entretanto, independente da expressão ou locuções verbais empregadas no texto constitucional, todas visam proteger, assegurar e garantir fundamentalmente, os direitos humanos dimanados ainda Da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão - a declaração de 1789.

Ademais, no concernente às essas garantias e direitos fundamentais, destacam-se três espécies in stricto senso, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (15), a saber:

"(...) A primeira são as defesas postas a direitos especiais. Constituem proibições que visam a prevenir a violação do direito. É a proibição de censura, para proteger a liberdade de expressão do pensamento, a proibição das prisões (salvo em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente - o grifo é acréscimo nosso ao texto), para garantir a liberdade de locomoção, a proibição do confisco, para salvaguarda da propriedade, etc. Poder-se-ia dize-las Garantias - Limites, visto que servem de limite para o poder.

A segunda é o Sistema de proteção organizada para a defesa desses direitos. No Brasil, tradicionalmente, o Sistema Judiciário (...). É a garantia institucional. Com essa proteção que deriva das instituições não é descabido designá-las por Garantias - Institucionais.

A última espécie constitui o liame entre a primeira e a segunda, porque é defesa de direitos específicos ao mesmo tempo que é meio de provocar a atuação de proteção institucionalizada. Compreende os remédios constitucionais, as ações especiais constitucionalmente previstas para fazer valer os direitos fundamentais (...), é o caso do Habeas Corpus, numa larga medida do mandado de segurança. Destas diz-se garantias instrumentais."(...) de notar, todavia, que as próprias garantias stricto sensu são de certa forma direitos fundamentais. Sim, porquanto há um direito a não sofrer censura, a não ser confiscado os bens, a requisitar ao Judiciário, a impetrar mandamus ou peticionar o Habeas Corpus. São, pois, direitos subjetivos à garantia: direitos - garantia.

Ademais, Paulo Lúcio Nogueira, assevera:

"Impõe-se, por outro lado, que a constituição seja interpretada como verdadeira lei cujos objetivos fundamentais são a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção de todos os bens e valores, sem quaisquer forma de discriminação. Assim, não se devem tomar textos isolados, divorciados de seu conjunto." (16)

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1765, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1594. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos