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Considerações acerca da jurisprudência formada em torno do conceito de insumos na sistemática da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS

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Agenda 08/07/2010 às 09:00

V – Análise do Conceito de Insumos na Sistemática da Não-cumulatividade

         À luz do princípio da não-cumulatividade o conceito de insumo ganha relevância na medida em que identifica o elemento inserido no ciclo produtivo que deve necessariamente gerar o direito de crédito ao contribuinte, evitando a sobreposição do ônus fiscal.

         Por essa específica razão, haja vista gerar efeitos em relação ao montante tributário a ser recolhido – sendo que quanto maior for o crédito apurado pelo contribuinte menor será o seu débito tributário –, a definição de insumo, aparentemente clara e precisa, deixa de lado os seus contornos translúcidos, ganhando, invariavelmente, interpretações divergentes e, sobretudo, restritivas.

         De acordo com as lições de Aliomar Baleeiro, o termo insumo representa "o conjunto dos fatores produtivos, como matérias-primas, energia, trabalho, amortização do capital etc., empregados pelo empresário para produzir o produto final."

[13] Sua origem vincula-se com a expressão inglesa "input", que signifca "something put into a system or expended in its operation to achieve output or a result, especially (...) any of the items, including materials, equipment, and funds, required for production". [14] Representa, dessa forma, todos os meios, sejam diretos ou indiretos, utilizados na produção de bens e serviços.

         A legislação de regência dos impostos originariamente não-cumulativos, no caso o artigo 164 do Decreto n.º 4.544/02, em relação ao IPI, e o artigo 20 da Lei Complementar n.º 87/96, no que se refere ao ICMS, incorporaram ao conceito de insumo a premissa de que, para gerar o direito ao crédito dessas exações, deve necessariamente haver a integração com o produto final. A exceção é verificada apenas em relação ao IPI, que também admite o creditamento nas entradas de matérias-primas e produtos intermediários que forem consumidos no processo de industrialização.

         Observando as peculiaridades do IPI e do ICMS verifica-se que o significado empregado ao termo insumo, apesar de restritivo, ao menos se adéqua ao regime jurídico de cada qual. O direito de crédito do imposto federal por certo deve contemplar tanto os insumos utilizados para a composição do novo produto, quanto aqueles consumidos no processo fabril, na medida em que se trata de tributo incidente sobre a industrialização. Já o creditamento do gravame estadual de certa forma pode ser limitado apenas aos insumos integrados ao bem comercializável, tendo em vista que se trata de oneração sobre a circulação de mercadorias (o que pressupõe inexistir consumo de insumo para a constituição de "novo" produto).

         Contudo, a despeito de aparentemente assemelharem-se as características do IPI, do ICMS, da Contribuição ao PIS e da COFINS, principalmente após a instituição da sistemática da não-cumulatividade no recolhimento dessas Contribuições Sociais, trata-se de tributos com diferentes regimes jurídicos e, sobretudo, incidências sobre materialidades diversas. O pressuposto fático "auferir faturamento ou receita" é inquestionavelmente mais amplo do que "industrializar produtos" ou "comercializar mercadorias", indo além, portanto, da atividade fabril ou mercantil.

         Ao se analisar detidamente o arcabouço normativo de regência da Contribuição ao PIS e da COFINS verifica-se que essas exações incidem sobre a quantia positiva auferida pela pessoa jurídica em decorrência da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços de qualquer natureza (o produto estritamente ligado à atividade-fim do contribuinte), assim entendido como faturamento, ou sobre outros aumentos de ativos decorrentes de operações não usuais por ela desenvolvidas (o produto desvinculado da atividade-fim do contribuinte), no que é definido pelo termo receita.

         Tendo em vista, na realidade, o termo receita contemplar o termo faturamento, pode-se adotar como premissa que ambas as Contribuições Sociais em tela incidem sobre aquela materialidade (tal qual definem as Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03), que no aspecto amplo é representada, conforme lições de José Antonio Minatel, "pelos ingressos e recursos financeiros no patrimônio da pessoa jurídica, em caráter definitivo, proveniente dos negócios jurídicos que envolvam o exercício da atividade empresarial, que corresponda à contraprestação pela venda de mercadorias, pela prestação de serviços, assim como pela remuneração de investimentos ou pela cessão onerosa e temporária de bens e direitos a terceiros, aferido instantaneamente pela contrapartida que remunera cada um desses eventos."

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[15]

         Ao comparar o pressuposto fático de cada uma das exações ora abordadas, anota Adolpho Bergamini que "no caso do PIS e da COFINS, o núcleo do critério material de sua regra matriz vai além da atividade meramente mercantil, fabril ou de serviços, alcançando todo o universo de receitas auferidas pela pessoa jurídica. Não sem razão que os contribuintes do PIS e da COFINS 'não-cumulativos' elegem outras hipóteses creditórias desvinculadas da atividade desenvolvida pelo contribuinte como é o caso das contraprestações de operações de arrendamento mercantil". [16]

         A dicotomia ora descrita é importante na medida em que o conceito de insumo deve ser delimitado com base nas peculiaridades de cada tributo, sem deixar de lado, obviamente, a observância aos limites da não-cumulatividade quando utilizado como pressuposto para a concessão do direito ao creditamento. Por essa razão, tratando-se de materialidades distintas, conforme demonstrado, conclui-se que o significado de insumo aplicado na sistemática da não-cumulatividade do IPI e do ICMS não pode em hipótese alguma ser adotado para regular o creditamento da Contribuição ao PIS e da COFINS.

         O aprofundamento do cenário exposto atrairá, no primeiro momento, a adoção do regime jurídico aplicável ao Imposto sobre a Renda – que incide sobre materialidade bem mais próxima ao do pressuposto fático que gera a incidência da Contribuição ao PIS e da COFINS – e, consequentemente, do regramento dos custos passíveis de dedutibilidade na composição da base de cálculo daquele gravame.

         Conforme explica Eric Castro e Silva, "de fato, o conceito de custos, tanto os diretos quanto os indiretos, é critério bem mais condizente do que exclusivamente ‘matéria-prima’, ‘produto intermediário’ e ‘material de embalagem’ para parametrização do que seja ‘insumos’ para fins de PIS e COFINS não cumulativos. Isto se dá porque, para a obtenção da receita (materialidade do PIS/COFINS), assim como para a auferição do lucro (materialidade do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas), o contribuinte necessariamente consome bens ou serviços, direta ou indiretamente". [17]

         Natanael Martins auxilia a compreensão do exposto ao defender que "a toda evidência, o conceito de insumo pode se ajustar a todo consumo de bens ou serviços que se caracterize como custo segundo a teoria contábil, visto que necessário ao processo fabril ou de prestação de serviços como um todo. É dizer, ‘bens e serviços utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços’, na acepção da lei, refere-se a todos os dispêndios de serviços, ou seja, insumos seriam aqueles bens e serviços contabilizados como custo de produção, nos termos do art. 290, do Regulamento do Imposto de Renda".

[18]

         De acordo com as lições transcritas, adotando para a disciplina da sistemática não-cumulativa no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS o regime de deduções previsto para o Imposto sobre a Renda, deverão ser considerados como insumos também as despesas indiretas incorridas para a obtenção de receita, como por exemplo os gastos de promoção, colocação e distribuição dos produtos da empresa, inclusive com o pessoal das áreas de vendas, marketing, distribuição, administrativo interno de vendas, comissões sobre vendas, propaganda e publicidade, além daquelas despesas administrativas propriamente ditas, as quais são qualificadas por Arthur Ridolfo Neto como sendo "os gastos incorridos na gestão da empresa, contemplando as atividades administrativas, tecnologia de informação, recursos humanos, instalações e material de escritório".

[19]

         Contudo, há espaço válido para ir além, considerando um conceito ainda mais abrangente para a definição de insumos na sistemática não-cumulativa no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS, conforme assinala Ricardo Mariz de Oliveira, no sentido de que "também outros dispêndios que a prática contábil debite à despesa podem ser considerados insumos, porque são, e quando o sejam relacionados à produção, como por exemplo, as seguintes espécies que possivelmente estejam contabilizadas fora do custo, embora pudessem estar dentro dele: gastos com vigilância da fábrica, o tratamento de efluentes e esgota da fábrica, e outros semelhantes". [20]

         Isso porque, apesar da semelhança com o pressuposto fático que gera a incidência do Imposto sobre a Renda, a Contribuição ao PIS e a COFINS oneram a atividade empresarial propriamente dita, e não apenas o seu resultado, sendo que, nessa acepção, o conceito de insumo deve considerar além dos bens integrados ou consumidos no processo produtivo, também os demais fatores utilizados pelos contribuintes para a consecução das suas atividades.

         A rigor, o conceito de insumo na sistemática não-cumulatividade no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS deve considerar todas as despesas voltadas à obtenção de receitas num aspecto amplo, assim como ocorre em relação à própria materialidade passível de oneração pelas aludidas exações e ao conceito amplo de insumos inicialmente abordado, excluindo dessa qualificação apenas aqueles gastos desnecessários e desvinculados da atividade empresarial desenvolvida pelo contribuinte.

         Conjugando as lições doutrinárias formadas em torno do tema, assevera Fábio Pallaretti Calcini que "a constatação de insumo não pode ficar tão somente relacionada à noção advinda do IPI, uma vez que o regime não cumulativo existente e o pressuposto de fato da incidência do tributo (produto industrializado) é diferente das contribuições para o PIS e a Cofins. Do mesmo, pode-se concluir que os critérios de custos e despesas de IRPJ/CSLL não são suficientes para se constatar o que seria insumo para fins de abatimento de créditos", [21] para concluir que "estes dois parâmetros contribuem e não podem ser excluídos, uma vez que possuem utilidade. É inegável, todavia, que o conceito de insumos para fins de crédito de PIS e Cofins deve ser mais abrangente que ambos, uma vez que existe em função da receita e, como sabido, esta é mais ampla que produto industrializado, renda e lucro". [22]

         A adoção da tese conciliatória parece ser a que melhor se apresenta para a definição do conceito de insumos na sistemática da não-cumulatividade no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS, com a captação de elementos oriundos tanto da legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados quanto do Imposto sobre a Renda para qualificá-lo de forma abrangente, considerando todos os dispêndios do contribuinte incorridos, de forma direta ou indireta, com a finalidade de gerar receita, adequando-se, assim, o princípio da não-cumulatividade ao pressuposto fático passível de atrair a incidência das aludidas exações.


VI – Conclusão

         O fato de as decisões formadas em segunda instância de julgamento acerca da não-cumulatividade da Contribuição ao PIS e da COFINS (no sentido de que seriam válidas as restrições impostas ao pleno direito de creditamento dos contribuintes) fundarem-se nas premissas de que o princípio da não-cumulatividade, quando aplicado às aludidas Contribuições Sociais, poderia ser restringido pelo legislador ordinário, bem como que a interpretação restritiva dada pelas Instruções Normativas SRF n.º 247/2002 e 404/2004 ao conceito de insumos, como sendo apenas aqueles elementos consumidos ou integrados no processo de produção, estaria em consonância com as Leis n.º 10.637/02 e 10.833/03.

         As premissas adotadas pela jurisprudência, contudo, não ultrapassam o teste da validade, na medida que o princípio da não-cumulatividade não pode em hipótese alguma ser mitigado pela legislação ordinária, devendo garantir a integral recomposição dos montantes tributários recolhidos ao longo da cadeia produtiva, com a manutenção do ônus fiscal apenas em seu ciclo final, sendo que o conceito de insumo, nesse cenário, ganha importância de forma a que o princípio da não-cumulatividade possa exercer eficazmente os seus efeitos, devendo ser abrangente.

         Assim é que se conclui que a única interpretação jurídica plausível para a definição do termo insumos na sistemática da não-cumulatividade no recolhimento da Contribuição ao PIS e da COFINS é aquela que contempla todos os dispêndios incorridos pelos contribuintes para a consecução de suas atividades empresariais e para a geração de receita, a qual deve, portanto, subsidiar o afastamento, pelas Cortes Superiores, das normas infralegais editadas em sentido contrário, com a reforma do posicionamento jurisprudencial até o momento predominante.


Notas

  1. Artigo 153, § 3º, II, e Artigo 155, § 2º, I, da Constituição Federal.
  2. Apelação Cível n.º 2004.38.00.037579-9 / MG, Relator Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, DJe 04.12.2009.
  3. Agravo por Instrumento n.º 2007.03.00.011390-0, Relator Desembargador Federal Fábio Prieto, DJ 31.10.2007.
  4. Apelação Cível n.º 2009.71.07.002230-2 / RS, Relatora Juíza Federal Convocada Vânia Hack de Almeida, DJ 04.03.2010.
  5. Apelação/Reexame Necessário n.º 2007.72.01.000244-4 / SC, Rel. Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik, DJ 26.11.2008.
  6. Extraído do julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 3a. Região da Apelação Cível n.º 2007.61.00.009362-9 / SP, Relator Juiz Federal Convocado Souza Ribeiro, publicado em 26.08.2009.
  7. "A Não-Cumulatividade do PIS e da COFINS após a Emenda Constitucional n.º 42/03." Revista Dialética de Direito Tributário n.º 109. São Paulo: Dialética, p. 102.
  8. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2a. Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, ps. 458/459.
  9. "Natureza Jurídica da "Não-Cumulatividade" da Contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS: Conseqüências e Aplicabilidade." PIS-COFINS Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 543.
  10. "A Nova Cofins: Primeiros Apontamentos". Revista Dialética de Direito Tributário n.º 103. São Paulo: Dialética, p. 10.
  11. ICMS. 8a. Edição. São Paulo: Malheiros, 2002, ps. 276/277.
  12. "ICMS e IPI – Direito de crédito, produção e mercadorias isentas ou sujeitas à alíquota ‘zero’". Revista de Direito Tributário n.º 46. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 75.
  13. Direito Tributário Brasileiro. 11a. Edição. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, ps. 405/406.
  14. Consulta em 03.05.2010. Disponível em
http://www.thefreedictionary.com/input.
  • Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 124.
  • PIS e Cofins Na Teoria e na Prática. 2a. Edição. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 313.
  • "Definição de Insumos para fins de PIS e COFINS não Cumulativos." Revista Dialética de Direito Tributário n.º 170. São Paulo: Dialética, p. 28.
  • "O Conceito de Insumos na Sistemática Não-Cumulativa do PIS e da COFINS". PIS-COFINS Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 207.
  • "As demonstrações financeiras da Companhia." Sociedade Anônima. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 290.
  • "Aspectos Relacionados à ‘Não-Cumulatividade’ da Cofins e da Contribuição ao PIS". PIS-COFINS Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 49.
  • "Pis e Cofins. Algumas Ponderações acerca da não Cumulatividade". Revista Dialética de Direito Tributário n.º 176. São Paulo: Dialética, p. 59.
  • Obra citada na nota 21, p. 59.
  • Sobre o autor
    Carlos Marcelo Gouveia

    Advogado em São Paulo. Especialista em Direito Tributário pela PUC/COGEAE. Especializando em Direito Societário pela GVLaw.

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    GOUVEIA, Carlos Marcelo. Considerações acerca da jurisprudência formada em torno do conceito de insumos na sistemática da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2563, 8 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16928. Acesso em: 25 nov. 2024.

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