RESUMO
O presente texto analisa a delicada porém indissociável relação entre o desenvolvimento econômico, a busca pela melhoria das condições sociais e a necessidade de preservação ambiental. Para essa análise, foi relevante também o registro da crítica doutrinária ao paradigma do desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Desenvolvimento econômico; desenvolvimento sustentável; Intervenção no meio ambiente.
1.INTRODUÇÃO
O Direito Ambiental tem como uma de suas finalidades, dentre outras, a regulação da apropriação econômica dos bens ambientais, de forma que ela se faça levando em consideração a sustentabilidade dos recursos, o desenvolvimento econômico e social, bem como padrões adequados de saúde e renda.
[01]Há basicamente duas correntes doutrinárias que debatem a forma com que o meio ambiente e a economia devem se relacionar: (i) o chamado ambientalismo social ou socioambientalismo e (ii) o preservacionismo ou movimento ambiental tradicional.
A relevância do chamado socioambientalismo e a sua compreensão jurídica é que, efetivamente, ele busca localizar o Ser Humano no centro do Direito Ambiental, o que, em minha opinião, corresponde ao comando do nosso legislador constitucional ao definir o principio da dignidade da pessoa humana como um dos princípios basilares de nosso ordenamento jurídico.
Diversamente, para os integrantes do movimento ambientalista tradicional/preservacionista, as populações tradicionais – e os pobres de uma maneira geral – são uma ameaça à conservação ambiental, e as unidades de conservação deveriam ser permanentemente deles protegidas.
O movimento ambientalista tradicional tende a se inspirar e a seguir os modelos de preservação ambiental importados de países de primeiro mundo (...). Longe das pressões sociais típicas de países em desenvolvimento, com populações pobres e excluídas, o modelo preservacionista tradicional funciona bem em países desenvolvidos, do norte, mas não se sustenta politicamente aqui.
[03]A simples análise das duas principais correntes doutrinárias sobre preservação ambiental já demonstra a importância do fator social e do fator econômico na relação com o meio ambiente.
Porém, a verdade é que não se pode estudar e implementar o Direito Ambiental sem a consideração de seus aspectos econômicos, bem como de suas implicações sociais, haja vista que ele disciplina e regula, justamente, a manutenção e a preservação dos recursos naturais que serão, em sua maioria, economicamente apropriados para a satisfação das necessidades humanas.
O presente texto analisará a conceituação de desenvolvimento sustentável e os entendimentos doutrinários sobre o tema.
2A busca pelo ideal do desenvolvimento sustentável
O Homem sempre se utilizou dos recursos naturais para suprir algumas de suas necessidades básicas e, ainda, como matéria prima a ser transformada. Porém, a partir da revolução industrial ocorrida ao final do séc. XIX, verificaram-se profundas mudanças no sistema produtivo que acarretaram o aumento da apropriação de recursos naturais, do consumo e da degradação das condições ─ tanto sociais como ambientais ─ de vida.
A partir de então, as sociedades humanas pautadas no desenvolvimento científico e no capital, adotaram um modelo de desenvolvimento baseado no aumento crescente da produção e, conseqüentemente, do consumo, aumentando a pressão na aquisição dos recursos naturais, gerando a degradação ambiental em todas as suas formas.
Com o advento da Revolução Industrial a concepção mecanicista e materialista de natureza se auto realiza. A idéia de progresso torna-se imperante. Todos os recursos naturais passam a ser visto como matéria prima geradora de novos produtos. (...) Paralelamente, uma perigosa e falsa idéia são difundidas, a de que a capacidade da natureza de fornecê-los é desmedida, inesgotável.
[04]Outrossim, tendo em vista, de um lado, a destruição causada por duas Grandes Guerras na Europa e a necessidade de reerguer os países e as economias que estavam destroçadas e, de outro, a aceleração do processo de industrialização, urbanização e migração da mão de obra do campo para a cidade ─ especialmente em países sub-desenvolvidos ─, verificou-se a partir de 1950 uma fase de intensa busca pelo desenvolvimento econômico, realizado de forma alheia às conseqüências ambientais e desconsiderando-se os limites de exaustão dos recursos ambientais.
A deterioração dos ambientes urbanos e rurais é conseqüência de um modelo de desenvolvimento pautado no crescente aumento da produção, do consumismo, da opulência e do desperdício (...).
A sociedade industrial consolidada na era contemporânea pautada nos avanços técnico-científicos, e na expansão do capitalismo industrial, promove efetivamente uma dissociação entre sociedade e natureza, como resultado, temos o acirramento da degradação do ambiente natural.
[05]Em conseqüência, ZHOURI
[06] afirma que, no último terço do século XX, o desenvolvimento do sistema capitalista de produção atingiu um grau em que a intensa destruição global das condições naturais ─ em virtude de sua utilização para a produção de mercadorias, bem como para sustentar a vida humana ─, levou os países a elaborar programas objetivando a gestão política racional das condições naturais de produção.No âmbito internacional, conforme visto no item anterior, a ONU teve grande importância no sentido de direcionar, orientar e catalisar os interesses dos países em busca de uma solução que permitisse a continuidade da qualidade de vida no planeta.
Durante a Primeira Reunião do Conselho Administrativo do PNUMA, em Genebra, em 1973, Maurice Strong, diretor executivo desse programa fez referência ao termo ECODESENVOLVIMENTO
para definir um estilo de desenvolvimento adaptado às áreas rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilização dos recursos locais e na sabedoria tradicional, com o objetivo de não comprometer a natureza e satisfazer as necessidades das gerações futuras. [07]O termo ecodesenvolvimento foi posteriormente aproveitado pelo economista IGNACY SACHS de maneira mais abrangente:
Segundo Sachs, o ecodesenvolvimento deve ser compreendido como a planificação do desenvolvimento que integra os seguintes aspectos de viabilidade: a) a viabilidade social, através da maior justiça na repartição das riquezas e das rendas; b) a viabilidade econômica, por uma repartição e uma gestão mais eficiente dos recursos bem como por um fluxo regular de investimentos públicos e privados; c) a viabilidade ecológica, considerando a capacidade de suporte do meio, o consumo de combustíveis fósseis e de bens materiais, incentivos às tecnologias limpas e regras para uma adequada proteção do meio ambiente; d) a viabilidade espacial pela manutenção do equilíbrio entre cidade e campo e, a repartição da população e da atividade econômica sob a integralidade do território; e) a viabilidade cultural fundada no respeito às tradições culturais e a pluralidade de soluções para cada ecossistema, assim como para cada cultura e para determinada situação.
A partir de então, as principais declarações internacionais sobre o meio ambiente passaram a considerar a necessidade de que o desenvolvimento econômico fosse realizado com a preocupação de manter a qualidade do meio ambiente. [09]
Relata SILVA
[10] que, em 1987, a Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, presidida pela Primeira Ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, lançou o Relatório Nosso Futuro Comum ─ também denominado Relatório Brundtland ─ como um alerta contra a permanência dos modelos e padrões de produção e consumo. A fórmula enunciada no relatório tornou popular o termo desenvolvimento sustentável:O desenvolvimento sustentável pretende atender às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos chave: o conceito de ‘necessidades’, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade; a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe no meio ambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e futuras.
Assim, a sustentabilidade ambiental refere-se à manutenção da diversidade e da integridade de todos os seres vivos:
(...) sustentabilidade, do ponto de vista ambiental e para a biodiversidade, refere-se ao conjunto de condições que permitem a mais ampla integridade possível e, portanto, a perenidade dos ecossistemas, das espécies vivas e de suas variedades, garantindo-se suas dinâmicas de funcionamento natural.
DERANI destaca os dois pilares sobre os quais se assenta a teoria do desenvolvimento sustentável: um relativo à composição de valores materiais (proporcionalidade econômica) e outro voltado à coordenação de valores de ordem moral e ética (proporcionalidade axiológica, referente aos diversos valores existentes na sociedade).
A repercussão do Relatório Brundtland fez com que a ONU convocasse a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro.
O início dos anos de 1990 marcou a emergência do conceito de desenvolvimento sustentável como promessa de solução dos graves problemas ambientais.
Desde então, o ideal de administração eficiente dos recursos foi incorporado à pauta desenvolvimentista, apagando possíveis tensões entre o crescimento econômico e meio ambiente. Nessa perspectiva, a superação da chamada crise ambiental passava a contar com o progresso tecnológico para a ampliação da eficiência no aproveitamento dos recursos e no gerenciamento dos riscos.
[14]No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe a preocupação com a proteção de seus recursos naturais e da sadia qualidade de vida, bem como tentou equacionar sua sempre delicada relação com o desenvolvimento econômico.
SIRVINSKAS explica, com propriedade, o significado da expressão "meio ambiente ecologicamente equilibrado" constante do art. 225 da Constituição Federal ─ que nada mais é do que a afirmação da adoção do paradigma do desenvolvimento sustentável ─ e suas implicações na ordem econômica:
Essa expressão deve ser interpretada conciliando o binômio: desenvolvimento (art. 170, VI, da CF) versus meio ambiente (art. 225, caput, da CF). (...) isto implica dizer que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material. O equilíbrio ecológico não significa a inalterabilidade das condições naturais.
De fato, a teoria do desenvolvimento sustentável afirma a compatibilidade entre o crescimento, de forma regrada, das atividades econômicas com a proteção severa do meio ambiente.
Neste sentido, CARNEIRO explica que:
(...) para a ideologia do desenvolvimento sustentável, o ‘desenvolvimento’, inexorável como uma lei natural, pode e precisa continuar, mas (e aqui chega-se ao limite da ‘consciência ambientalista’ possível no horizonte da forma mercadoria) só pode continuar se for politicamente compatível com a sustentabilidade ecológica e com a justiça social.
Segundo RUSSEL, o que a maioria dos defensores do desenvolvimento sustentável preconizam é pouco mais do que um crescimento econômico eqüitativo e preocupado com o meio-ambiente, dificilmente desafiando o pressuposto de que o crescimento econômico é essencialmente benéfico.
[17]Enfim, segundo o paradigma do desenvolvimento sustentável, seria possível "conter" relativamente o modo de produção capitalista vigente e reeducar a sociedade, com o objetivo de reduzir e/ou corrigir a degradação ambiental e proteger os recursos naturais ainda existentes, de forma a permitir a continuidade da vida no planeta.
3.A crítica doutrinária ao paradigma do desenvolvimento sustentável
Nas últimas décadas, a teoria do desenvolvimento sustentável foi amplamente difundida e repetida ─ e, de certa forma, banalizada ─, que é tida por muitos, especialmente aqueles com menos acesso a informações, como a única e verdadeira forma de salvar o planeta de um futuro colapso ambiental.
Porém, há setores da comunidade especializada em meio ambiente ─ cientistas, políticos, economistas, juristas ─ que, talvez por serem mais céticos, talvez mais realistas, não acreditam na fórmula do sustentável desenvolvimento capitalista:
De maneira geral, os novos trabalhos compartilham, de forma mais ou menos explícita, a crítica ao pressuposto, essencial ao paradigma do ‘desenvolvimento sustentável’, de que a lógica estrutural da acumulação capitalista seja compatível com a construção de uma sociedade igualitária e ecologicamente sustentável, bastando, para tanto, que essa lógica seja ‘domada’ por meio de inovações tecnológicas e de políticas que, além de ‘cientificamente corretas’, devem resultar de ‘consensos’ produzidos pela operação de ‘tecnologias sociais’ e pelo ‘processamento institucional’ de conflitos’.
Neste sentido, o matemático britânico RUSSEL questiona a compatibilidade do desenvolvimento sustentável com a civilização ocidental e alerta que:
Em seu recente livro, "The Growth Illusion", o economista Richar Douthwaite mostra que uma economia verdadeiramente sustentável exigiria crescimento zero. Ele demonstra como, apesar de todas as suas promessas, nos últimos anos o crescimento tem feito muito pouco para incrementar a qualidade de vida. A promessa de mais empregos foi desmentida pelo desemprego gerado pela crescente eficiência e produtividade das novas tecnologias que a busca pelo crescimento produziram. (...)
Herman Daly, do Banco Mundial, afirma em seu artigo no livro ‘A Sociedade Sustentável’ que:
‘É óbvio que em um mundo finito nada físico pode crescer para sempre. Ainda assim, nossa atual política parecer ter como meta o indefinido aumento da produção material’.
Mas crescimento-zero é uma idéia desconfortável demais para a maioria dos economistas e políticos aceitar. (...)
Aqui, o conflito fundamental. Queremos assegurar o futuro da humanidade, e ao mesmo tempo nós também queremos assegurar o próprio sistema que a está conduzindo para o abismo.
Segundo HERCULANO, o "desenvolvimento sustentável" seria apenas um conjunto de medidas paliativas em prol de um capitalismo verde:
Buscando resgatar a funcionalidade capitalista, naturalizada como paradigma único da sociedade moderna, o "desenvolvimento sustentável" abarca os seguintes mecanismos: nova contabilização dos processos produtivos, incorporando externalidades; políticas mais brandas de financiamento; novos indicadores de desenvolvimento que incorporem o bem-estar humano e o equilíbrio ambiental; controle de emissões; parcimônia no manejo dos recursos naturais; controle demográfico; programas de monitoramento ambiental; estímulo à produção do conhecimento sobre o meio ambiente, etc..
Muitos ambientalistas alegam que a proposta de sustentabilidade foi invertida e reinventada como uma defesa da estratégia de expansão do mercado e do lucro, acabando por propor como solução para a crise ambiental o que em verdade seria a sua causa: o desenvolvimento do sistema capitalista.
HERCULANO sintetiza, então, os dois significados com que atualmente é utilizada a expressão ‘desenvolvimento sustentável’:
Segundo David Brooks, "desenvolvimento sustentável" pode ter dois sentidos - um radical e outro conservador. No sentido radical, significaria igualdade, justiça social, preservação da diversidade cultural, da autodeterminação e da integridade ecológica. Este seria, a nosso ver, o sentido que lhe dão os ambientalistas do Terceiro Mundo. No sentido conservador, dentro de um marco tradicional da teoria econômica, a expressão seria sinônimo de crescimento sustentável, uma contradição em termos, para o autor.
Assim, nesses termos, a segunda acepção seria ilógica em seus próprios termos, por pressupor a superação da degradação ambiental e humana por meio do crescimento econômico e de políticas de cooperação internacional ─ as quais apenas reafirmariam o atual modelo de desenvolvimento.
[21] Neste sentido, ZHOURI enfatiza:O que parece de todo impossível é realizar, na prática, a abstrata contradição nos termos expressa na fórmula de um desenvolvimento capitalista ecologicamente sustentável.
Em recente artigo, VEIGA expõe seu entendimento sobre a viabilidade de se firmar, atualmente, um "Green New Deal":
Por mais simpática que seja, é pouco realissta a suposição de que desta crise [ambiental] possa surgir um Green New Deal (GND). Por uma razão muito simples: os think tanks das elites políticas dos países centrais e emergentes estão muito longe de qualquer rompimento mental com uma macroeconomia inteiramente centrada no ininterrupto aumento do consumo. (...)
Para que um New Deal pudesse ser realmente verde, seria necessária uma macroeconomia para sustentabilidade que, além de reconhecer que existem sérios limites naturais à expansão das atividades economicas, rompesse com a lógica sociail do consumistmo. Infelizmente, é forçoso constatar que nada de parecido surgiu até agora. (...)
Os economistas ecológicos tiveram êxito na crítica ao pensamento econômico convencional, no qual coexistem várias teorias que compartilham a mesmíssima visão de um sistema econômico fechado, que não depende da biosfera."
Destarte, para os críticos do desenvolvimento sustentável, a única forma "realista" de se alcançar uma "civilização humana ecologicamente sustentável" seria a formulação de um novo modo econômico de produção, consciente e conforme a natureza finita dos recursos naturais.