5 CONCLUSÃO
O papel da jurisdição constitucional é garantir a efetiva concretização da ordem constitucional, e no contexto do orçamento público, o controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias se impõe.
Admitir-se que estas leis de efeitos concretos são inidôneas ao controle abstrato de constitucionalidade é inaceitável.
Primeiro, porquanto tal assertiva gera enorme insegurança jurídica, já que implica dizer que um número elevadíssimo de leis editadas todos os anos ficariam ser qualquer controle, ou seja, estariam blindadas à sindicância da jurisdição constitucional. Segundo, porquanto as leis orçamentárias não envolvem questões subjetivas, o que dificulta muito o seu controle por meio do controle difuso de constitucionalidade. Terceiro, porque o princípio da supremacia da Constituição não permite que esta espécie de lei formal seja colocada em posição superior à própria Constituição.
Em hipóteses semelhantes às da ADI nº. 2925 e ADI nº. 4048, em que patente o descumprimento do texto Constitucional, negar o conhecimento da ação direta equivaleria a criar um espaço de ilegitimidade inalcançável pelo controle jurisdicional. Seria criar um "cavalo de Tróia" [47] no sistema de controle de constitucionalidade.
A nova orientação do legislador constituinte reformador demonstra que o tema não foi esquecido e que está começando a ter o tratamento constitucional adequado.
Já a nova orientação do Supremo Tribunal Federal permite o controle de legitimidade da legislação orçamentária, o que viabiliza a concretização do Estado Democrático de Direito Brasileiro. E, no campo dos provimentos das prestações positivas dos direitos fundamentais, tal entendimento se revela ainda mais necessário e relevante.
Ainda que não existam critérios gerais para orientar a jurisprudência do STF, é louvável a alteração marcante no entendimento da Corte, que busca dar cada vez mais força normativa a Constituição.
O controle do Poder Executivo (que envia o projeto de lei orçamentária) e do Poder Legislativo (que o aprova sem adotar os limites vinculantes da Carta em matéria orçamentária) deve ser feito com a intervenção da Corte no papel de guardião da Constituição.
Não é mais possível relegar o tema da efetivação dos direitos fundamentais unicamente àqueles poderes, historicamente omissos e negligentes aos interesses dos setores mais desprovidos da sociedade.
Para que o direito cumpra sua finalidade que é defender o interesse público primário, seja quem for o governante ou sua opção política, é indispensável que o controle das leis orçamentárias pelo Judiciário ocorra com maior freqüência.
Trata-se de um poderoso instrumento de delimitação da discricionariedade administrativa sobre o orçamento público que foi sempre tão arraigada e desmedida no nosso país.
O fato é que as restrições à discricionariedade do Executivo agora são encontradas tanto no momento da elaboração, quanto no momento da execução do orçamento público, pelas imposições constitucionais advindas das reformas, e pelo controle jurisdicional de constitucionalidade, respectivamente.
Oportuno se torna dizer que esse controle só deve ser feito em momentos de excepcional teratologia legislativa, em que sejam aprovadas leis orçamentárias abusivas e irracionais, que desrespeitem instantaneamente os preceitos constitucionais.
Todo exercício de função estatal que importe em manifesto abuso institucional ou práticas governamentais despropositadas podem e devem ser confrontados aos postulados constitucionais que informam a concepção democrática, e especialmente, o princípio da supremacia da Constituição, o qual deriva do caráter rígido das normas constitucionais.
Aliás, seria muito bem vinda uma alteração ainda maior na Carta Federal no tocante à vinculação de receitas a determinados direitos fundamentais, como ocorreu com as Emendas Constitucionais nº. 29/2000 e 42/03.
Na atualidade, o tema dos direitos fundamentais (saúde, ensino etc), dada sua relevância, não pode ficar amarrado aos dogmas da separação dos poderes e da ampla discricionariedade do Executivo. Eles deverão ceder em prol da efetividade da Constituição Federal para viabilizar a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Conclui-se que a relevante atividade financeira do Estado, que define a aplicação de recursos públicos, indicando os fins e montantes a serem gastos, não é possível de ser realizada adequadamente sem a confluência de uma hermenêutica constitucional lastreada na busca da implementação dos direitos fundamentais.
A nítida evolução da Corte Excelsa, ainda que tardia e vagarosa, é benvinda, pois ajudará a combater os maus gestores e a omissão Legislativa que infelizmente se faz tão presente em nosso país. Uma jurisdição constitucional presente e efetiva é instrumento indispensável para melhorar o quadro da falta de efetividade dos direitos fundamentais.
Notas
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Para Konrad Hesse (A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre:
SAF, 1991), as normas jurídicas e a realidade devem ser consideradas em seu
condicionamento recíproco. A norma constitucional não tem existência
autônoma em face da realidade. Para ser aplicável, a CF deve ser conexa à
realidade jurídica, social e política, não sendo apenas determinada pela
realidade social, mas determinante em relação a ela.
Art. 2°: A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e
despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de
trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e
anualidade.
DE CASTRO, Gustavo Almeida Paolinelli; MIRANDA, Loyanna de Andrade.
Leis Orçamentárias e escolhas democráticas: (re) pensando o direito ao lazer
em um contexto de recursos escasso. CONPEDI. Anais de Salvador. Disponível em:
<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/loyanna_de_andrade_miranda.pdf>.
Acesso em 01/12/09.
"O município de Belo Horizonte, por exemplo, inovou, inclusive mundialmente, com a ampliação da discussão sobre obras através do orçamento participativo digital. Assim, todo cidadão com domicílio eleitoral em Belo Horizonte poderia votar em 36 obras planejadas pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, identificando prioridades e carências. (PREFEITURA MUNICIPAL... 2008) [...] Isso porque, embora os dados colhidos no IBGE tenham demonstrado que os recursos alocados nos programas de lazer ainda são muito reduzidos quando comparados à educação e saúde, por exemplo, das nove regionais suscitadas, sete tiveram como destaque obras que correspondem aos instrumentos de lazer. Na Regional Barreiro, por exemplo, 41 % dos votos foram destinados à implantação do Complexo Esportivo Vale do Jatobá, enquanto que apenas 13% votaram na revitalização de vias de acesso à região. (PREFEITURA MUNICIPAL... 2008)."