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O superendividamento, o consumidor e a análise econômica do Direito

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3. Análise Econômica do Direito e o superendividamento

Nos últimos anos tem-se ouvido muito a expressão "análise econômica do Direito - AED" que tem sido considerada uma espécie das mais dinâmicas "vanguardas teóricas da Ciência do Direito" que "directamente espelha aquela convergência de valores e perspectivas entre famílias jurídicas que tem sido ditada pela globalização" cuja fertilidade é "contrabalançada pelas dificuldades e exigências que ela coloca". [11]

Voltaire, lembrado por Arnaldo Vasconcelos, diz que "os raios já delimitavam os círculos antes de serem chamados de raios". De fato, a análise econômica do direito é contemplada pelo Direito do Consumidor brasileiro que determina, como seu princípio específico positivado no artigo 4º, III a "harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores".

Tanto que consumidor "é classicamente um termo econômico, o que se apresenta como um elemento a ser enfrentado pelo operador do Direito" [12], como muito bem observado por Adolfo Mamoru Nishiyam citado por Alan de Matos Jorge:

A maior dificuldade que se verifica é o fato de o termo ‘consumidor’ ser um conceito econômico. Transpondo-se esse conceito para o direito, teremos uma definição de consumidor que poderá ser diversa daquela proposta pela ciência econômica. O conceito econômico toma como base o consumo final e o consumo intermediário. O produtor é considerado consumidor, pois no processo de bens ele também utiliza produtos (insumos) fornecidos por outros. Essa amplitude não é aceita no Direito, que utiliza limites mais restritos. [13]

A questão do superendividamento, por sua vez, reside no centro desta questão, haja vista que, como lembra João Alves Silva:

Los bancos lograron asumir importancia fundamental en la sociedad desde tiempos inmemorables. De una manera u otra, la actividad de intermediación financiera siempre ocupó lugar de relevancia, sea cual sea el sistema económico o político. Hoy por hoy, de hecho ocurre una sinergia entre el sector financiero y gobiernos en el sentido del mantenimiento equilibrado del sistema financiero, como parte fundamental para el funcionamiento de la economía. No es difícil encontrar ejemplos de gobiernos que salieron a defender la actividad bancaria destinando recursos o promoviendo leyes especiales para protegerla.

Ocorre que, se por um lado, a proteção do consumidor não pode inviabilizar o crescimento econômico do país, de outro, revela-se infrutífero o crescimento econômico sem o respeito à dignidade humana. O desafio é o encontro do equilíbrio.

3.1. Algumas causas do superendividamento – a mora do fornecedor e a facilidade de concessão do crédito

O crédito é a troca de bens ou serviços mediante o pagamento futuro ou parcelado em dinheiro, entre o consumidor e o fornecedor, ocorrendo através desta relação de consumo à circulação de riquezas no país. Os bens ou serviços adquiridos pelos consumidores resultam de suas necessidades individuais ou dos impulsos do mercado de consumo. Segundo Geraldo de Farias Martins da Costa (2002, p. 259-260):

Na economia do endividamento, tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares, funciona como meio de financiar a atividade econômica. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo, o crédito não é um favor, mas um direito fácil. Direito fácil, mas perigoso.

A questão do superendividamento no Brasil se agravou com a explosão da oferta do crédito de maneira fácil e rápida, sem restrições a qualquer classe social, principalmente após a Lei n. 10.820 de 17 de dezembro de 2003 que autorizou o pagamento de empréstimo através de desconto da prestação mensal em salário. O objetivo público de inserção social, em que a população de baixa renda passou a ter acesso a eletrodomésticos, veículos, telefonia e outros bens e serviços que antes eram inacessíveis desconsiderou a análise e prevenção do risco do endividamento pernicioso; vem desacompanhada da preocupação com a educação para o consumo.

O incentivo e a facilidade do consumo do crédito atingem todas as classes sociais, desde as mais ricas até as de baixa renda e, por consequência, a condição de endividamento é "democrática" e atinge a todos, mesmo porque, como lembra Cláudia Lima Marques há uma significativa diferença entre pobreza e endividamento:

"(...) o direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa, principalmente se devemos distinguir superendividamento de pobreza em nosso País. A massificação do acesso ao crédito, que se observa nos últimos 5 anos – basta citar os novos 50 milhões de clientes bancários! -, a forte privatização dos serviços essenciais e públicos, agora acessíveis a todos, com qualquer orçamento, mas dentro das duras regras do mercado, a nova publicidade agressiva sobre o crédito popular, a nova força dos meios de comunicação de massa e a tendência de abuso impensado do crédito facilitado e ilimitado no tempo e nos valores, inclusive com descontos em folha de aposentados, pode levar o consumidor e sua família a um estado de superendividamento."

A oferta do crédito fácil desperta o interesse nos consumidores estimulando-os ao consumo, pois a sedução da oferta ignora ser, de fato, o serviço de crédito, um serviço nocivo e perigoso [14] e, por consequência, o cuidado com a informação. Neste sentido, a decisão abaixo oriunda do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro relatada pelo Desembargador Ernani Klausner em 15 de outubro de 2009 ao julgar a apelação cível Nº 2009.001.37552, como se confirma adiante:

Registre-se que, soa pueril a alegação de que o autor anuiu espontaneamente ao que lhe foi proposto. Ora, não é apenas quem requer o financiamento o único responsável pelas conseqüências da inadimplência. À toda evidência, também o é a instituição financeira que contrata e concede o crédito, na medida em que nenhuma das quais o faz sem avaliar os riscos de descumprimento e, se não o faz ou as realiza com deficiência, responde pelos riscos. Riscos estes que podem ser agravados ante a presença de cláusula abusiva.

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No mesmo sentido é a reflexão de Heloisa Carpena e Rosangela Lunardelli Cavallazzi ao afirmarem que "É evidente que o fornecedor que concede crédito a quem não tem condições de cumprir o contrato, está praticando abuso de direito" e prosseguem:

Embora aparentemente o contrato se insira na esfera do lícito, na medida em que satisfaça requisitos formais, na verdade o fornecedor pratica o ato abusivo, desviando-se das finalidades sociais que constituem o fundamento de validade da liberdade de contratar, ou mais especificamente, de fornecer o crédito.

O financiamento concedido de forma temerária, tendo sido celebrado o pacto com consentimento irrefletido, sem contemplação por parte do fornecedor das reais condições daquele que pretende receber o crédito, praticamente induzindo a inadimplência, sem dúvida nenhuma viola o princípio da dignidade da pessoa humana. [15]

As linhas de crédito estão disponíveis em todos os lugares, como na entrada das universidades, onde os estudantes universitários são abordados para adquirir o seu cartão de crédito universitário com um limite bastante elevado para uma pessoa que ainda não tem um emprego [16], e acaba sendo mais uma dívida assumida pelos pais, gerando um desequilíbrio nas finanças desta família, ocasionando, primeiro, a inadimplência e em seguida, o endividamento.

3.2. Empréstimos consignados.

A lei nº 10.820 de 17 de dezembro de 2003 autoriza o desconto de prestações em folha de pagamento de valores referentes ao pagamento dos empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento. E no momento da contratação tem que ser observado o limite de trinta por cento da remuneração disponível, não podendo exceder para não comprometer a sua vida financeira. Conforme relata Bertoncello Lima (2007):

Os atrativos desta modalidade de crédito são tentadores por oferecer menores taxas de juros, serem concedido até mesmo a quem tem restrições creditícias de modo rápido, fácil e sem consulta as entidades de proteção ao crédito.

Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a proceder com os descontos em folha de pagamento, de forma irrevogável e irretratável, os valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, de acordo com a lei acima citada, no seu artigo sexto.

O problema vem se acentuando de forma mais grave entre os aposentados e pensionistas – consumidores ainda mais vulneráveis, art. 39 do CDC e que exigem proteção mais acurada - que passaram a ter direito a crédito consignado e tomam empréstimos que são descontados diretamente nos benefícios previdenciários, chegando a comprometer a sua renda, que já é baixa, e fica incompatível com o mínimo existencial, tornando-se, deste modo, um superendividado.

Não é incomum um consumidor idoso aposentado que, por sua maior vulnerabilidade devido a sua idade, muitas vezes é vítima de fraude na contratação do empréstimo. Encontrar-se nesta etapa da vida com a condição de superendividamento gera uma grave sensação de fracasso e o direito não pode se calar diante deste abuso.

O banco tem o dever de, antes de conceder o empréstimo, fazer uma avaliação da capacidade econômica do seu cliente e verificar se o mesmo não possui outros empréstimos. Somente pode celebrar o contrato, que autoriza o desconto direto na folha de pagamento, se estiver respeitando o limite no percentual máximo de trinta por cento (30%) sobre os vencimentos brutos do cliente. [17]

Ressalte-se que toda instituição financeira brasileira tem acesso às informações sobre os financiamentos superiores a R$ 5.000,00 contraídos por qualquer consumidor no mercado, por meio do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central, regulamentado pela Resolução n.º 2.724 de maio de 2000, mais conhecido como Central de Risco de Crédito. [18] E como a maioria dos empréstimos são realizados com prazo de 48 a 60 meses, a parte mais significativa dos casos contempla o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Os fornecedores de crédito nestas condições têm plena responsabilidade pela consequente condição de endividamento.

Assim, a preservação da natureza alimentar dos vencimentos daquele que procurar novo empréstimo estaria evitando o superendividamento, ou seja, não concederia mais crédito a quem já se encontra endividado, pois estaria pondo em risco a subsistência do cliente e da sua família. Entretanto pelo que se nota na grande maioria dos casos as instituições financeiras querem emprestar cada vez mais dinheiro para os seus clientes sem cumprirem o artigo 52 [19] do CDC de modo que o consumidor não faz uma reflexão do custo total do valor do crédito que adquiriu, apenas pedem um prazo para parcelamento da dívida e este é concedido com juros incluídos no valor da parcela.

Outra questão séria configuradora da mora do fornecedor é o estimulo a empréstimos com mais de 24 parcelas. Os empréstimos consignados podem trazer outros transtornos para o consumidor, o que ocorre quando este quita todas as parcelas do empréstimo antecipadamente, tendo direito a um desconto nas parcelas que ainda iriam se vencer (art. 52, § 2° do CDC), e pensando estar livre do empréstimo, o banco continua a descontar as parcelas mensalmente, sendo configurada uma cobrança indevida pelo banco, devendo este devolver os valores em dobro descontados a mais, com fundamento no art. 42, parágrafo único do Código do Consumidor.

O Estado do Ceará através Decreto nº 29.760 de 21 de maio de 2009 começou a enfrentar o problema. Tal normativo estabelece novas regras para as consignações em folha de pagamento dos servidores públicos estaduais civis e militares, aposentados e pensionistas no âmbito do Poder Executivo Estadual através da implantação do "Cartão Único" em que estará registrada a sua margem consignável. A empresa Administradora Brasileira de Cartões - ABC foi contratada através de licitação pública para controlar a margem de consignação do crédito.

Ocorre que a margem consignável, segundo o Decreto em referência, é de 40% do rendimento líquido do servidor, o que, na prática, não obstante já seja um avanço, continua a comprometer a renda do cidadão-consumidor (principalmente nos casos em que algumas instituições financeiras, "para compensar" a limitação do desconto, passaram a descontar o remanescente, sem autorização do consumidor, diretamente em sua conta-corrente.).

3.3 Prática do anatocismo.

A prática da cobrança de juros sobre juros é denominada usura pecuniária, que atenta contra a economia popular. O superendividamento causado pela cobrança de juros ilegais vem ensejando, por parte dos consumidores, inúmeras ações judiciais com o pedido de revisão dos contratos, para tentar reaver os valores dos juros considerados excessivos.

Entretanto, o dispositivo 192, parágrafo 3º da Constituição Federal que tratava da limitação de juros tinha eficácia limitada e acabou sendo revogado pela Emenda Constitucional n° 40 de 29 de maio de 2003. A lei da Usura (Decreto-lei n° 22.626/1993) estabelece o limite de cobrança de taxa de juro de 12% ao ano e, também, proíbe a aplicação de juros sobre juros (art. 4º), que também é denominado de anatocismo e vem sendo praticado livremente pelas instituições financeiras, mas ainda é alvo de controvérsias sobre a sua aplicabilidade.

Todavia, tal vedação é igualmente prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário no seu artigo 21.3. que diz que "Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem, devem ser proibidas pela lei." [20]

A Lei n° 1.521, de 26 de dezembro de 1.951, dispõe sobre os Crimes Contra a Economia Popular, tipificando o crime de usura, definindo-o como o ato de cobrar juros extorsivos, superiores à taxa permitida em lei. A prática usurária não mais se limita à mera cobrança de juros, passando a assumir caráter de cobrança ilegal do encargo.

Posteriormente, foi criada a Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1.964, chamada Lei de Reforma Bancária, dispondo que compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional a limitação da taxa de juros. Por autorização desta lei, o Banco Central do Brasil editou a Resolução n° 389, de 15 de setembro de 1.976, determinando que os bancos pudessem livremente aplicar as taxas do mercado. Diante de tantos conflitos, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 596/STF, publicado no Diário da Justiça de 03 de janeiro de 1977 no seguinte teor "as disposições do decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional."

Ressalte-se que em 13 de dezembro de 1963, o Supremo Tribunal Federal já tinha aprovado a súmula 121 nos seguintes termos: "é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente pactuada".

Todavia, com a edição da Medida Provisória 1.963-17 de 30/03/2000 (atualmente reeditada sob o nº 2.170/36/2001), passou-se a admitir a capitalização mensal nos contratos firmados posteriormente à sua entrada em vigor, desde que tivesse sido prévio, claro e adequadamente pactuado com o consumidor nas relações de consumo (conforme os artigos 46 a 54 do CDC, ou seja, expressamente pactuado (art. 5º MP nº 2.170/01).

Neste sentido, é importante transcrever outra parte do voto da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 582.760-7:

"(...) a inconstitucionalidade eventualmente ocorrerá no contrato a partir da análise dos casos concretos, nos quais se examinará a presença de informações precisas e claras sobre a taxa real de juros que o consumidor pagará ao final do contrato."

Ou seja, o que se quer realmente verificar é se a informação foi prestada de maneira adequada à verdadeira compreensão do consumidor (se lhe foi dito, por exemplo, as reais consequências do pagamento mínimo em cartão de crédito e não simplesmente este seja ofertado e estimulado).

O atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça pode ser consolidado na tabela abaixo:

Tabela 1: Súmulas do STJ e seus respectivos entendimentos.

Súmula

Teor

Súmula 382

DJE 08/06/09

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Súmula 381

DJE 05/05/09

Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas. [21]

Súmula 380

DJE 05/05/09

A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.

Súmula 379

DJE 05/05/09

Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.

Em suma, só se pode admitir a cobrança de juros sobre juros se o consumidor for prévia e adequadamente avisado. Ou seja, não basta constar no contrato. É preciso que o consumidor entenda o que está no contrato e opte pela realização do negócio.

3.4. Publicidade enganosa e abusiva.

A publicidade em matéria de consumo encontra-se regulada através dos artigos 36 a 38 do direito do consumidor. Estão assim, reguladas, de maneira explicita, a publicidade enganosa, abusiva e omissiva e de maneira implícita, a subliminar (a partir do momento em que o artigo 36 do CDC determina que só pode ser considerada publicidade aquela que o consumidor fácil e imediatamente identifique como tal, por óbvio e lógico, não se pode admitir a publicidade subliminar).

O consumidor é levado a adquirir o produto ou serviço, convencidos pela publicidade maciça, em todos os meios de comunicação, como na televisão, no rádio, na internet que apresentam de maneira tentadora a oferta do bem ou serviço e, juntamente com a facilidade do crédito, que possibilita o consumidor comprar o produto com o parcelamento. Assim, constatado que o consumidor adquiriu o produto veiculado, por considerar como verdadeiras as informações falsas, está caracterizada a publicidade enganosa.

Principalmente após a possibilidade legal do empréstimo consignado a publicidade de oferta de crédito aumentou significativamente, tendo atores e atrizes protagonistas de novelas e com boa aceitação do público como "garoto e garota propaganda" e sem as informações necessárias. Tem-se, inclusive, dentre tantos outros, uma publicidade de grande grupo financeiro, em época de páscoa que dizia assim "promoção empréstimo recheado, faça um empréstimo e leve na hora seu presente de páscoa. Você ganha um ovo de chocolate e, se usar o limite total de crédito, ainda leva um coelho de pelúcia". Em nenhum momento foi dito o valor dos encargos, as consequências do pagamento mínimo ou o limite de renda, por exemplo.

Sobre limites de renda e verificação da capacidade de endividamento, é importante transcrever a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de que:

"(...) É crescente a preocupação da Doutrina e da Jurisprudência com as causas e os efeitos do "superendividamento", tendo sido reconhecida, como ilícita, a conduta abusiva e irresponsável de algumas instituições financeiras que - se valendo da ingenuidade de gente humilde, especialmente, aposentados - com base em maciça campanha publicitária oferecem crédito fácil a quem não pode pagar, sem grave prejuízo de seu sustento. O ABUSO DO DIREITO DE OFERECER EMPRÉSTIMOS, SEM UMA CUIDADOSA E RESPONSÁVEL ANÁLISE DA CAPACIDADE DE ENDIVIDAMENTO DO TOMADOR, VIOLA O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E NÃO PODE CONTAR COM O BENEPLÁCITO DO JUDICIÁRIO. (...) (trecho da decisão no agravo de instrumento n. 2005.002.27037 - DES. MARCO ANTONIO IBRAHIM - Julgamento: 17/01/2006 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL)

Neste sentido, oportuna a transcrição do entendimento de GERALDO FARIAS DA COSTA:

Numa visão individualista, a questão do consumidor superendividado ´é tratada como um problema pessoal (moral, muitas vezes), ou seja por causas pessoais, internas, psicológicas, o consumidor não pagou em tempo hábil a sua dívida. Ele deve ser uma pessoa descontrolada. É um esbanjador, um dissipador, um gastador, um estróina, um perdulário ou um mau caráter. A solução para o problema é simplesmente a execução.

É muito fácil atribuir a inadimplência à causas internas, esquecendo-se das causas externas do problema. É muito fácil esquecer que os produtos e serviços e o próprio crédito, utilizado como `argumento publicitário´, foram ofertados por meio de poderosos aparatos de marketing. Lembremos de recente publicidade do Banco BGN S. A. veiculado nacionalmente pela televisão, pelos jornais e revistas de grande circulação que oferece crédito consignado aos ´aposentados, pensionistas do INSS e servidores públicos", que concorrem a sorteios de carros com ´carro na garagem´. Segundo o anúncio estrelado pelo famoso autor Paulo Goulart, ´basta ligar 0800 de qualquer parte do Brasil, fazer um empréstimo e concorrer´.

(sem destaques no original)

Se o fornecedor cumprisse o Código do Consumidor - principalmente no tocante à oferta e publicidade, demonstrando todos os riscos e consequências do recebimento do crédito bem como avaliando a capacidade de endividamento do consumidor- possivelmente o problema do superendividamento não teria alcançado a gravidade de hoje já que é porque a publicidade sedutora do crédito "convence" e o direito ainda se mantinha inerte é que milhares de famílias vêm sofrendo com as consequências da utilização indevida do crédito.

Sobre as autoras
Amélia Soares da Rocha

Professora do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade de Fortaleza-UNIFOR

Fernanda Paula Costa de Freitas

Advogada,Ex-aluna da Universidade de Fortaleza - UNIFOR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Amélia Soares; FREITAS, Fernanda Paula Costa. O superendividamento, o consumidor e a análise econômica do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2564, 9 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16949. Acesso em: 2 nov. 2024.

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