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Impacto ambiental e condicionantes sociais.

E se Deus não dar?

Agenda 14/07/2010 às 07:45

No dia 30 de junho de 2010 participei do julgamento da Licença de Operação da barragem hidrelétrica UHE Barra do Braúna. O julgamento ocorreu na sede do IEF (Instituto Estadual de Florestas de MG) em Ubá/MG. Trata-se do Processo nº 00301/1998/003/2009–Licença de Operação – cujo empreendedor é Barra do Braúna Energética S/A.

Na ocasião defendi os direitos da comunidade atingida pelo projeto da UHE Barra do Braúna que impactou os municípios de Muriaé, Laranjal, Recreio, Leopoldina e Cataguases.

Na reunião foi defendida a tese pela comunidade atingida de que a Licença de Operação não poderia ser concedida diante da existência de pendências sociais, sobretudo atingidos sem a respectiva prévia e justa indenização garantida na Constituição Federal e ausência de implementação de programas efetivos e participativos de reativação econômica das pessoas atingidas pela barragem.

O julgamento havia sido suspenso na reunião anterior a pedido de 4 (quatro) conselheiros que representavam a Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a ONG Amigos de Iracambi e o Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPE).

O órgão ambiental responsável pelo parecer técnico para o pedido da Licença de Operação da UHE Barra do Braúna (SUPRAM – Superintendência Regional de Meio Ambiente – da zona da mata mineira) deu parecer favorável a concessão da licença. Este parecer fora feito em 02/09/2009, 9 meses antes da votação do dia 30.06.2010.

A conselheira do COPAM representante da FIEMG, Denise Bernardes Couto, sugeriu no seu parecer a aprovação da Licença de Operação com as seguintes condicionantes, uma, inclusive, para o meio social:

"O empreendedor deverá identificar e propor área piloto no entorno do

reservatório para promover ações de recuperação de área degradada,

enfatizando ações de recuperação e educação ambienta/.

Prazo: Durante a operação do empreendimento".

"O empreendedor deverá fomentar a continuidade das atividades agropecuárias das propriedades rurais diretamente afetadas, englobando aquelas que permanecerão no entorno do reservatório, garantindo assistência técnica e agrícola aos produtores rurais durante um período mínimo de cinco anos."

"O empreendedor deverá tomar ações que visem o desenvolvimento e

reintrodução de alevinos nativos na bacia do Rio Pomba, e garantir a

conservação das espécies endêmicas e ameaçadas que porventura existam naquela bacia. Prazo: Durante a operação do empreendimento.

(Vide parecer dos conselheiros na página http://www.semad.mg.gov.br/copam/urcs/zona-da-mata)"

A conselheira representante da FIEMG conclui em seu parecer que:

"2) Conclusão:

Diante do exposto, somos favoráveis ao DEFERIMENTO da Licença de Operação ao empreendimento UHE Barra do Braúna, nos termos do Parecer Único n° 471496/2009, elaborado pela equipe técnica da SUPRAM Zona da Mata, com o acréscimo das condicionantes sugeridas neste relato.

(Vide parecer dos conselheiros na página http://www.semad.mg.gov.br/copam/urcs/zona-da-mata)"

Já o parecer dos conselheiros Professor Jorge Abdala Dergam (UFV), Robin Le Breton (ONG Amigos de Iracambi) e Drª Thaís Lamim Leal Thomaz (MPE) sugeria que o processo baixasse em diligência já que de setembro de 2009 até 30 de junho de 2010 muitos eventos ocorreram, devendo o parecer do órgão técnico deveria ser atualizado. Uma das questões relevantes que ocorreram após o parecer técnico do órgão ambiental foi a anulação liminar da licença de operação ad referendum pelo Poder Judiciário [01] (suspensa após recurso do Estado de Minas Gerais ao presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais [02]) e a revogação pelo CEAS/MG, em votação unânime em dezembro de 2009, da comprovação pelo empreendedor da implantação do Plano de Assistência Social (PAS), após apurar denúncias das famílias atingidas. Esta aprovação é requisito para a LO conforme Lei Estadual 128128/98. Em abril de 2010 o CEAS/MG aprova a implantação do PAS em votação não unânime.

Os conselheiros solicitaram ainda no parecer, caso o pedido de baixar em diligência do processo não fosse aprovado, a não concessão da licença de operação diante da existência de pendências sociais do projeto relatados pela comunidade atingida no conselho ambiental e em visita ao local da barragem pelo conselheiro Robin Le Breton.

Na conclusão os conselheiros acima concluíram que:

"Conclusão

Diante da "questão de ordem" já exposta acima sugerimos, antes da votação sobre o deferimento ou indeferimento da licença de operação e da discussão de qualquer condicionante, baixar o processo em diligência para que a SUPRAM realize uma visita técnica na UHE Barra do Braúna, sobretudo na comunidade atingida, e emita parecer técnico avaliando e considerando todos os fatos que ocorreram desde setembro de 2009 até hoje, sobretudo em relação as condicionantes do meio socioeconômico, dos compromissos assumidos pelo empreendedor para o enchimento do lago (medidas de segurança, aviso de alerta a população, etc...) e em relação ao corte de árvores antes do enchimento do lago e em relação a ictiofauna.

Caso o COPAM (URC Zona da Mata) não aprove a questão de ordem passe-se ao segundo ponto que é de deferimento ou indeferimento da licença e operação, pois as condicionantes da licença de instalação não foram totalmente cumpridas.

Caso deferida a licença de operação, passe-se ao terceiro passo que é a apresentação de sugestão de condicionantes.

Os conselheiros relatores entendem que deveria ocorrer o indeferimento da licença de operação definitiva no presente caso. No entanto, caso isso não ocorra, indicam sugestões de condicionantes para compatibilizar o interesse do empreendedor (que é importante no caso) com o interesse da população direta e indiretamente atingida (que não pode ser esquecido por este conselho)."

Pugnaram ainda que, caso o COPAM aprovasse a Licença de Operação, que votasse então 11 (onze) condicionantes propostas pelos conselheiros para a LO referentes ao meio social atingido pelo empreendimento. As condicionantes propostas foram:

CONDICIONANTE 1

Comprovar o cumprimento da condicionante 5.4.7

Prazo: antes da concessão da Licença de Operação

Condicionante 5.4.7. Manter o compromisso de iniciar a negociação somente após análise e conclusão da viabilidade econômica dos remanescentes das propriedades afetadas, considerando nesse processo a negociação conjunta com a faixa de preservação permanente.

CONDICIONANTE 2

Demonstrar a absorção de produtores rurais atingidos (proprietários e não proprietários) nos Programas de Assistência Técnica previstos na Resolução 260/2009 do CEAS/MG:

IV – Executar os projetos de capacitação e inserção produtiva dos atingidos, monitorando por um ano, a fim de garantir a efetiva inclusão.

V – Comprovar a implementação dos Projetos de Apoio e Assistência Técnica aos atingidos.

Prazo: 30 dias após a concessão da Licença de Operação.

CONDICIONANTE 3

Apresentar critérios indenizatórios usados na negociação de proprietários, meeiros, trabalhadores de areais, diaristas.

Prazo: 15 dias após a concessão da Licença de Operação.

CONDICIONANTE 4

- Que este conselho (COPAM URC Zona da Mata) designe perito para fazer relatório de todas as negociações com proprietários e não proprietários dizendo, por categoria, se foi utilizado nas negociações critérios isonômicos.

Prazo: 60 dias após a concessão da Licença de Operação.

CONDICIONANTE 5

- Determinar revisão de negociações tomando por base os critérios mais benéficos apurados na perícia acima e efetivo pagamento das indenizações.

Prazo: 30 dias após cumprimento da condicionante 3 acima.

CONDICIONANTE 6

- Comprovar a melhoria das condições de vida de todos os atingidos através de critérios objetivos (Antes do enchimento do lago e depois) como: poder de compra, nível de renda, alimentação, etc....

Prazo: 30 dias após a concessão da Licença de Operação.

CONDICIONANTE 7

- formulação e implantação de um plano de reativação econômica da comunidade visando:

- Incentivar a agricultura familiar;

- implantação de agroindústrias na comunidade atingida;

- Capacitação dos moradores, produtores rurais e lideranças;

- Fornecimento de insumos para incentivar a agricultura familiar;

- Participação popular efetiva dos atingidos na elaboração e implementação .

Prazo: 180 dias após a concessão da Licença de Operação.

CONDICIONANTE 8

- contratação de técnico agrícola/agrônomo e assistente social, indicado pela comissão de atingidos, para assessorar comunidade atingida na formulação e implantação do PRE pelo prazo de 4 anos.

Prazo: 30 dias após a concessão da Licença de Operação.

CONDICIONANTE 9

Doação imediata de cesta básica e de 1 salário mínimo, por 2 anos, para as famílias atingidas com renda de até 4 salários.

Prazo: 30 dias após a concessão da Licença de Operação até 2 anos da concessão desta.

CONDICIONANTE 10

Entende-se não cumprida a condicionante 5.4.3 da Licença de Instalação.

- indenização dos trabalhadores dos areais e dos areais atingidos pela barragem

Prazo: 30 dias após a concessão da Licença de Operação.

CONDICIONANTE 11

Implementar com a comunidade atingida e seus pares (sobretudo a comissão dos atingidos) e, bem assim, com as Prefeituras dos municípios atingidos a constituição de uma equipe ou grupo de trabalho, com representantes nomeados por cada uma das partes, para: observar, coletar e receber manifestações dos grupos de interesse influenciados pela UHE Barra do Braúna quanto a:

grau de satisfação com as medidas implantadas pelo empreendedor para reduzir o impacto negativo e adverso da UHE Barra do Braúna;

necessidade de implantação de medidas corretivas;

identificação de passivo social não mitigado.

Prazo: 30 dias após a concessão da Licença de Operação.

Os resultados apurados pelo grupo de trabalho serão enviados trimestralmente para a SUPRAM Zona da Mata e comunicada ao COPAM (URC Zona da Mata)

(Vide parecer dos conselheiros na página http://www.semad.mg.gov.br/copam/urcs/zona-da-mata)"

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O pedido dos conselheiros para baixar o processo em diligência não foi aprovado. A votação terminou empatada e a presidente da reunião decidiu por não acatar o pedido dos conselheiros. A Licença de Operação foi aprovada com votos contrários dos conselheiros do parecer e de outros conselheiros.

Quando da votação das condicionantes sociais o órgão ambiental responsável pelo parecer técnico (SUPRAM) informou aos conselheiros do COPAM que não tinha competência legal e institucional para fiscalizar condicionantes do meio social atingido pelo empreendimento não podendo o conselho votar as "condicionantes sociais" propostas pelos conselheiros. Informou ainda não possuir corpo técnico para fiscalizar problemas sociais de empreendimentos que estão sob licenciamento no SISEMA (Sistema Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais).

Ao final, após debate, as "condicionantes sociais" não foram votadas.

No entanto, a votação das condicionantes propostas pelos conselheiros, chamadas de "condicionantes sociais", deveria ocorrer no dia do julgamento da licença de operação, tendo o COPAM competência plena e institucional para determinar condicionantes sobre problemas sociais decorrentes de processos de licenciamento ambiental.

Na fala do empreendedor da UHE Barra do Braúna na reunião do dia 30.06.2010 (ata ainda a ser disponibilizada no site), admitiram-se algumas pendências sociais no projeto, mesmo após a licença de operação ad referendum hoje validada pelo COPAM (URC Zona da Mata).

Foi falado que os trabalhadores dos areais não foram indenizados, pois, a cooperativa que pretende abrigá-los, ainda "está em formulação e estudo". Foi dito ainda que um centro de capacitação dos atingidos seria ainda feito no município de Laranjal, pois "ainda estava em construção". Segundo fala do empreendedor, os trabalhadores atingidos dos areais estão recebendo 3 salários mínimos, de 3 em 3 meses, até completar 1 ano. Isso indiferente da renda anteriormente recebida por eles.

Pelas falas dos atingidos na reunião percebeu-se a existência destes problemas sociais e que não foram feitos projetos efetivos e participativos de assistência técnica aos atingidos bem como de melhoria econômica como sugerido nos estudos ambientais. Pelo menos, isso não foi demonstrado e provado pelo empreendedor na citada reunião. Afinal, nada disso foi cobrado pelo órgão ambiental na votação da Licença de Operação.

A votação e imposição de condicionantes para o meio social durante a vigência da licença de operação da UHE Barra do Braúna é, no meu entender, consectário lógico da aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável e do poluidor pagador.

Não restam dúvidas jurídicas de que o COPAM (no caso a URC Zona da Mata) possui competência legal e institucional para impor condicionantes para o meio social de empreendimentos que se sujeitam ao licenciamento ambiental, inclusive, um destes, a construção de barragens hidrelétricas.

Isto decorre, primeiro, do próprio conceito legal de meio ambiente que está no artigo 3º, inciso I, da Lei 6938/81 vejamos:

"Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida, em todas as suas formas;"

De acordo com a Revista Âmbito Jurídico:

"No entender de Paulo Affonso Leme Machado a referida lei definiu o meio ambiente da forma mais ampla possível, fazendo com que este se estendesse à natureza como um todo de um modo interativo e integrativo. Com isso a lei finalmente encampou a idéia de ecossistema, que é a unidade básica da ecologia, ciência que estuda a relação entre os seres vivos e o seu ambiente, de maneira que cada recurso ambiental passou a ser considerado como sendo parte de um todo indivisível, com o qual interage constantemente e do qual é diretamente dependente."

Para o renomado Édis Milaré[6] (citando Ávila Coimbra):

"o meio ambiente o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos. (In A tutela do meio ambiente e responsabilidade civil ambiental, Paulo Sérgio de Moura Franco (http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2357)"

Pelo conceito legal da Lei 6938/81 não há como negar que o homem é parte integrante do meio ambiente. Nesse sentido, o meio ambiente é entendido como um sistema de relações que abriga e rege a vida EM TODAS AS SUAS FORMAS, inclusive (e sobretudo) a vida humana.

Igualmente, a mesma lei conceitua o que se entende por poluição, fator de desequilíbrio do meio ambiente, colocando o impacto na atividade humana como fator inerente ao conceito:

"Poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos" – (art. 3º., III).

Interpretar que o homem, in casu a parte social, não pode ser regulada pelo órgão ambiental (COPAM – SUPRAM) é fazer uma interpretação restrita do meio ambiente há muito superada pela legislação, doutrina e jurisprudência e sem qualquer amparo legal.

Há que se adotar uma visão socioambiental do conceito de meio ambiente. Nesse sentido cita-se o brilhante Professor José Rubens Morato Leite, para quem:

"Atribuindo ao cidadão a legitimidade na defesa jurisdicional do ambiente, via ação popular, aperfeiçoa-se o exercício da tarefa solidária e compartilhada do Estado e a coletividade na consecução do poder dever da proteção ambiental. A prática efetiva do exercício desse instrumento jurisdicional legitima e dá maior transparência, controle e fiscalização aos atos praticados pelo poder público.

Acrescente-se, conforme já referido, que tal meio de defesa da cidadania ambiental abre espaço para intervenção direta do indivíduo, em verdadeira possibilidade do exercício da cidadania participativa nas correções das disfunções existentes nas tarefas da proteção ambiental como bem pertencente à coletividade. Trata-se, de fato, da abertura de uma via de mão dupla na proteção ambiental, em que o cidadão pode passar de mero beneficiário e destinatário da função ambiental exercida pelo Estado para ocupar uma posição positiva, podendo intervir nesta exercendo sua responsabilidade social compartilhada, conforme ditames do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil. Tornando o cidadão, com essa legitimidade, um verdadeiro defensor do interesse da legalidade e da coletividade, sem ter que invocar e demonstrar interesse pessoal no ato lesivo ao meio ambiente.

O direito do cidadão, a título individual, de acesso à justiça jurisdicional a proteção ambiental faz surgir a figura do direito subjetivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que não é incompatível com a autonomia do bem ambiental. Não se deve esquecer de que o bem ambiental é de evidente relevância para a coletividade e caracterizado como bem jurídico próprio e autônomo, que é tutelado em si e por si mesmo. Além do que, não se pode deixar de lembrar que esse bem é protegido pela lei na categoria de macrobem, assim como nos seus diversos componentes e elementos isoladamente, em sua categoria de microbem. Paralelamente, a essas várias feições do bem jurídico ambiental não existe uma preclusão e nem se afasta a hipótese do ambiente ser configurado, ainda, como um direito subjetivo de todo e qualquer cidadão em sua tutela jurisdicional com objetivo de protegê-lo na sua categoria de macrobem. Faz sentido, dessa forma, considerar a proteção do ambiente no sistema positivo brasileiro como do tipo antropocêntrica alargada. Isso significa que a tutela do bem jurídico ambiental tem uma dupla valência, quer no que concerne a este propriamente dito em uma dimensão coletiva atinente à capacidade ecológica, quer em sua dimensão subjetiva, relativamente ao direito de todos exercitáveis individualmente com vistas à proteção de qualidade de vida, e capacidade de aproveitamento." (LEITE, José Rubens Morato; " Ação Popular Ambiental - Direito Subjetivo Individual e Cidadania Ambiental Individual"; publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFSC vol. 02- 1999, p. 103)

Passada esta questão, que a meu ver, não há controvérsia, dúvidas podem pairar sobre a competência do órgão licenciador para formular e impor condicionantes para o meio social impactado por um empreendimento objeto do licenciamento ambiental.

O artigo 4º da DN 30/1998 deixa claro a competência do COPAM para impor normas para regular a preservação e conservação do meio ambiente:

Capítulo II

Da Finalidade e da Competência

Art. 4º - O COPAM tem por finalidade deliberar sobre diretrizes, políticas, normas regulamentares e técnicas, padrões e outras medidas de caráter operacional, para preservação e conservação do meio ambiente e dos recursos ambientais, bem como sobre a sua aplicação pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, por meio das entidades a ela vinculadas, dos demais órgãos seccionais e dos órgãos locais, competindo-lhe as atribuições previstas no art. 4º do Decreto nº 39.490, de 13 de março de 1998.

No mesmo sentido de acordo com o Decreto 44.667/2007 compete ao COPAM: 

(...)

II - estabelecer normas técnicas e padrões de proteção e conservação do meio ambiente, observadas a legislação federal e estadual, bem como os objetivos definidos nos planos de desenvolvimento econômico e social do Estado, especialmente no Plano Plurianual de Ação Governamental - PPAG e no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado - PMDI;

III - aprovar normas sobre a concessão dos atos autorizativos ambientais, no âmbito de sua atuação, inclusive quanto à classificação das atividades por porte e potencial poluidor;

IV - compatibilizar planos, programas e projetos potencialmente modificadores do meio ambiente com as normas e padrões estabelecidos pela legislação ambiental vigente, visando à garantia da qualidade de vida e dos direitos fundamentais da sociedade e do indivíduo;

(...)

VII - disciplinar os dispositivos contidos na Lei nº 14.181, de 17 de janeiro de 2002, na Lei nº 14.309, de 19 de junho de 2002, e na Lei nº 7.772, de 8 de setembro de 1980, sendo esta competência exclusiva do COPAM;

VIII - analisar, orientar e licenciar ou autorizar, por intermédio de suas Unidades Regionais Colegiadas - URCs, com apoio dos órgãos seccionais do COPAM, a viabilidade, a implantação e a operação de atividade efetiva ou potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente, determinando igualmente a relocalização, a suspensão ou o encerramento dessas atividades;

(...)

XIV - decidir, em grau de recurso, através da Câmara Normativa e Recursal - CNR, como última instância administrativa, sobre as penalidades aplicadas por infração à legislação ambiental, bem como sobre o licenciamento ambiental e autorização ambiental de funcionamento das atividades sujeitas ao controle ambiental;

Ademais a Resolução CONAMA 237/97 dá plenos poderes para o órgão licenciador modificar condicionantes e medidas de controle e adequação, vejamos:

Art. 19. O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:

I - violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais;

II - omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença;

III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

Percebe-se que o COPAM (órgão licenciador) possui competência legal e institucional para formular e impor condicionantes referentes ao meio social impactado por determinado empreendimento objeto de licenciamento.

Ademais, a competência do CEAS/MG, de acordo com a Lei Estadual de Minas Gerais 12812/98 acaba-se com a concessão da Licença de Operação quando este órgão aprova a implantação do Plano de Assistência Social, vejamos:

Art. 3º - Para fins da consecução dos objetivos previstos nesta lei, incumbe ao Conselho Estadual de Assistência Social - CEAS -, criado pela Lei nº 12.262, de 23 de julho de 1996, entre outras atribuições:

I - aprovar os planos de assistência social elaborados pelos empreendedores;

II - determinar estudos de alternativas aos planos de assistência social;

III - compatibilizar o PRÓ-ASSISTE com as normas e diretrizes estabelecidas nesta lei;

IV - fazer ampla divulgação dos pedidos de licenciamento para a construção de barramentos junto à população dos municípios a serem atingidos;

V - fiscalizar a implantação dos planos de assistência social;

VI - responder a consultas, orientando os empreendedores e o público em geral sobre os programas de assistência social de que trata esta lei.

(...)

Art. 5º - A concessão de licenciamento ambiental aos empreendimentos públicos ou privados de aproveitamento hídrico de que trata esta lei depende da apresentação de estudos ambientais que incluam plano de assistência social aprovado pelo CEAS.

§ 1º - A licença de instalação - LI - fica condicionada à aprovação do plano de assistência social apresentado pelo empreendedor.

§ 2º - A licença de operação - LO - fica condicionada à comprovação, pelo CEAS, da implantação do plano de assistência social.

Portanto, assim que o CEAS/MG aprova a implantação do Plano de Assistência Social de hidrelétricas, ele não mais participa do processo de licenciamento ambiental em Minas Gerais. O que este órgão pode e deve fazer é fiscalizar o cumprimento de medidas do PAS (Plano de Assistência Social). O CEAS/MG não pode, após a Licença de Operação, impor condicionantes sociais aos empreendedores. Isso só o órgão licenciador pode fazer e, no presente caso, apenas o COPAM (URC Zona da Mata) detém esta atribuição legal e institucional.

Nesse sentido, se o órgão licenciador (no caso COPAM – URC Zona da Mata) reconhece a existência de problemas sociais em um empreendimento de hidrelétricas, na votação da Licença de Operação, pode e deve formular condicionantes para o meio social com o objetivo de mitigar e compensar o impacto averiguado. Nem que para isso conte com o apoio fiscalizador do CEAS/MG que também é um órgão do Estado de Minas Gerais.

Pensar diferente seria homologar a omissão estatal (o que é vedado por lei) na resolução dos problemas ambientais que surgem no processo de licenciamento ambiental.

Ademais, se a SUPRAM Zona da Mata admite não ter corpo técnico para fiscalizar as "condicionantes sociais" (Vide ata a ser disponibilizada no site da SEMAD) isso não é argumento legal para fazer com que o órgão licenciador se omita de mitigar e compensar um impacto social averiguado e reconhecido. Trata-se, pelo visto, de um problema estrutural do órgão técnico estatal que não pode ser usado como argumento para prejudicar direitos sociais de uma população atingida e, no presente caso, legitimar a omissão da atuação estatal.

Se a SUPRAM Zona da Mata reconhece este problema "estrutural", que busque convênios com Conselhos Municipais de Assistência Social ou o próprio CEAS/MG para permitir a fiscalização de tais "condicionantes sociais". Isso é permitido pelo Decreto 44667/2007: 

Art. 5º O COPAM articular-se-á com os órgãos locais e estabelecerá, através de deliberação normativa, diretrizes para a cooperação técnica e administrativa entre o Estado e os municípios, mediante convênio, com vistas à harmonização das respectivas competências em matéria de licenciamento e fiscalização ambiental.

Por fim, para provar que o COPAM possui competência legal e institucional para formular e impor condicionantes sociais é que estas são feitas em outros processos de licenciamento ambiental que correm (ou correram) na Unidade Regional Colegiada do COPAM da Zona da Mata, vejamos:

PARECER ÚNICO SUPRAM-ZM Nº 072281/2010

Indexado ao(s) Processo(s) Nº: 06345/2005/002/2009

Tipo de processo: Licenciamento Ambiental ( x ) Auto de Infração ( )

13 - Implementar o Programa de Comunicação Social segundo detalhamento explicitado no PCA;

Durante a vigência da Licença de Instalação

18 Elaborar e executar Projeto de Monitoramento dos Aspectos Sócio Econômicos, conforme ordenado no Item 04, deste Parecer Único;

Durante a vigência da Licença de Instalação

De igual forma, na SUPRAM Noroeste, fez também condicionantes para o meio social no licenciamento ambiental do empreendimento Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S/A. Vejamos algumas delas:

41- Apresentar todos os convênios (e contratos) citados nos programas de socioeconomia assinados, assegurando assim a viabilidade das parcerias institucionais necessárias à operacionalização dos programas, com definição clara dos objetos e dos recursos financeiro s a serem aportados para cumprir as ações previstas nos mesmos, de forma a "garantir a assistência à população exposta aos impactos ambientais".

55- Renovar o convênio celebrado com a FIEMG, visando à execução do Programa de Desenvolvimento de Fornecedores Locais.

65- Comprovar processo de interação com as comunidades afetadas durante as negociações fundiárias coletivas a serem realizadas. Essa interação deverá ser comprovada antes da aquisição de duas propriedades de Ferrugem e uma de Água Santa necessárias à implementação do empreendimento nessa primeira fase.

66- Comprovar o repasse de informações e esclarecimentos à população das comunidades de Água Santa e Ferrugem, que serão atingidas na primeira fase, de que eles podem optar por serem remanejados coletivamente.

68-a Garantir a participação de instituição externa representativa das categorias atingidas, citadas no Programa de Negociação Fundiária, em todas as reuniões de negociação, especialmente as que envolvam as comunidades de Ferrugem e Água Santa e na Comissão de Assistência Social.

69- Para as 32 propriedades já adquiridas deverão ser apresentadas informações acerca da possível situação de vulnerabilidade dos proprietários e não proprietários, para verificação da necessidade de inclusão ou não no programa de Negociação Fundiária.

80- Incluir no Programa de Monitoramento Socioeconômico as demais comunidades/distritos que sofrerão impactos indiretos com a implantação da atividade mineraria.

91- Seguir as diretrizes gerais de reassentamento, que definem como prioridade para reconstituição dos direitos o reassentamento, e a indenização monetária só poderá ser ativada após a conclusão das negociações do reassentamento.

Vale citar que no bojo das condicionantes da Licença de Instalação da UHE Barra do Braúna, na época feitas pela FEAM (Fundação Estadual de Meio Ambiente), existem várias condicionantes sociais demonstrando que este órgão técnico, quando cuidava do licenciamento ambiental, preocupava e condicionava ações para o empreendedor no meio social.

Portanto, não restam dúvidas da competência do COPAM (URC Zona da Mata) para formular e impor "condicionantes sociais", principalmente após a concessão da Licença de Operação.

A decisão do COPAM Zona da Mata foi objeto de recurso pelos atingidos da UHE Barra do Braúna. Aguarda-se a manifestação do órgão ambiental.

O que mais se lamenta em toda esta situação não é a divergência jurídica da interpretação legal sobre a competência ou não do órgão licenciador para formular e impor condicionantes para o meio social após a Licença de Operação. A divergência sempre será e é bem vinda em qualquer situação.

Lamenta-se é a insensibilidade do órgão ambiental na resolução do conflito surgido no licenciamento ambiental. Diante de um problema social de um empreendimento hidrelétrico deixa-se de intervir com o poder legítimo estatal para resolver a situação e ajustar o interesse do empreendedor (gerar energia) com o interesse da população atingida (reativar-se economicamente após a barragem). Aliás, é isso que preconiza o tão falado princípio do desenvolvimento sustentável.

À população, já retirada de sua antiga vida, resta esperar a votação do recurso administrativo junto ao órgão ambiental. Não sendo o mesmo provido caberá o Poder Judiciário bater o martelo na questão. Quando? Com a demora processual e corriqueira dos processos judiciais em nosso país.

Até lá, caberá à população atingida pela UHE Barra do Braúna apelar aos céus como bem enfatiza Locke no seu livro "Tratado sobre o governo":

"... sempre que se emprega a violência e se faz injustiça, embora pelas mãos escolhidas para administrar a justiça, ainda assim se trata de violência e de dano, embora acobertada pelo nome, pretensões ou formas da lei, sendo o objetivo em mira proteger e desagravar o inocente mediante a aplicação imparcial a todos quantos sobre ela estão; sempre que tal não se dá sinceramente, faz-se a guerra contra os sofredores, que, não tendo para quem apelar na Terra para desagravá-los, ficam abandonados ao único remédio em casos tais – um apelo aos céus. (p. 41, 2º tratado sobre o governo – Locke).

"Deus dará, Deus dará" já dizia o poeta. Mas "e se Deus não dar? Como é que vai ficar?"


Notas

  1. Autos nº 002409731332-4 que correm na 7ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte
  2. Autos de Suspensão de Liminar nº 0006352-88.2010.8.13.0000 (TJMG)
Sobre o autor
Leonardo Pereira Rezende

Advogado Formado em Direito na Universidade Federal de Viçosa; Mestre em Extensão Rural na Universidade Federal de Viçosa com pesquisa em Licenciamento Ambiental de Hidrelétricas; Sócio-Diretor do escritório Leonardo Rezende Advogados Associados; Professor de Direito Ambiental da ESUV (Escola de Estudos Superiores de Viçosa); Ex-Presidente da 91ª Subseção da OAB/MG (Viçosa); Conselheiro Estadual da OAB/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Leonardo Pereira. Impacto ambiental e condicionantes sociais.: E se Deus não dar?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2569, 14 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16970. Acesso em: 23 nov. 2024.

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