10- Considerações finais
A denúncia é um ato processual penal de extrema importância e com amplo reflexo no ordenamento jurídico e na vida dos cidadãos, podendo restringir-lhes certos direitos fundamentais. É a ponta de lança do jus puniendi do Estado, e como tal, deve observar certos limites e princípios, sob pena de gerar prejuízos inestimáveis ao patrimônio jurídico e moral das pessoas. A batalha heróica que se desenvolve entre o Estado-acusação e o indivíduo é, por si, terrivelmente desigual (Walzer, 1977, p. 24), e sem as garantias constitucionais (referentes à imputação e ao processo penal) seria absolutamente injusta. E tendo essa visão em perspectiva, podemos alinhar algumas conclusões a propósito do estudo desenvolvido:
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A acusação determina a extensão e o conteúdo da prestação jurisdicional, limitando o raio de ação do juiz criminal que não pode decidir além e fora do pedido onde o órgão oficial de acusação deduz a pretensão punitiva (quod non est in libello, non est in mundo). Mas por outro lado também, o teor da acusação com a descrição precisa e determinada dos fatos criminosos fornece ao acusado a possibilidade de manejar uma ampla defesa, pois proporciona ao defensor a oportunidade de orientar o denunciado para o interrogatório, para a produção de provas e para a condução estratégica de seu aparato defensivo. A imputação regular garante, em suma, a paridade de armas no transcorrer do processo e evita que o acusado faça prova negativa de que não praticou o crime (inversão inconstitucional do ônus da prova).
Uma imputação injusta e ilegítima, que não atende aos requisitos formais ou substanciais, fere, efetivamente, o princípio da dignidade do ser humano, vez que sujeita o acusado a toda sorte de humilhações e ofensas, pois a ação penal é, pelo menos, constrangimento, banco dos réus, publicidade, rol dos culpados, prevenção pública, identificação, prisão preventiva, permanência no distrito da culpa, cerceamento da liberdade, suspensão do conceito profissional, reserva, desconfiança, capitis diminutio, enfim (Lyra, 1989, p. 141).
Alguns princípios devem ser observados na elaboração técnica da imputação: objetividade, concisão e precisão. A denúncia, tecnicamente regular, deve ser objetiva, concisa e precisa na narrativa e demonstração do fato criminoso, sem se ater a fatos irrelevantes.
A imputação genérica, embora jurisprudencialmente atenuada nos crimes societários e multitudinários, não é aceita em nosso ordenamento jurídico, e também é repudiada pelo direito internacional (pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22.01.1969, no art. 8º., item 2, letra "b"; e pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, no art. 14, item 3, letra "a").
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A teoria da dupla imputação foi acolhida pelo nosso ordenamento jurídico, possibilitando a responsabilização criminal da pessoa natural e jurídica pelo mesmo fato criminoso praticado, obedecidos alguns requisitos (art. 3º., Lei n. 9.605/98).
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WALZER, Michael. Das obrigações políticas. Ensaios sobre Desobediência, Guerra e Cidadania. Tradução de Helena Maria Camacho Martins Pereira, Rio de Janeiro:Zahar, 1977.
Notas
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A função de justiça penal põe nas mãos dos governos um instrumento de compressão das liberdades dos indivíduos, não só pelas conseqüências condenatórias como, já no procedimento, pelas medidas preventivas a que sujeita os imputados. Estes não teriam meio de evitá-las, quando, obra de erro, faccionismo, despotismo, tirania, maldade, não lhes fossem dadas garantias de defesa. São garantias não de defesa do interesse estritamente penal, mas dos direitos individuais contra os possíveis abusos de poder (Almeida, 1937, p. 135).
Em 1948, Carnelutti (1961, p. 135) emitiu uma advertência, que guarda uma constrangedora atualidade, sobre a "negligencia en torno al concepto de la imputación", pois ainda hoje a doutrina mostra uma profunda indiferença no estudo teórico da imputação (como categoria genérica) no processo criminal e os aplicadores jurídicos, na prática diária do foro, produzem peças acusatórias de forma artesanal e pouco científica.
Uma imputação injusta e ilegítima, que não atende aos requisitos formais ou substanciais, fere, efetivamente, o princípio da dignidade do ser humano, sujeitando o acusado a toda sorte de humilhações e ofensas, pois como dizia Roberto Lyra (1989, p. 141), "a ação penal é, pelo menos, constrangimento, banco dos réus, publicidade, rol dos culpados, prevenção pública, identificação, prisão preventiva, permanência no distrito da culpa, cerceamento da liberdade, suspensão do conceito profissional, reserva, desconfiança, ‘capitis diminutio’, enfim". Vide STF, RT 411/407.
Sobre a denúncia alternativa, vide tópico 5.
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TACRIM-SP-AP, Rel. Silva Franco, RT 549/332. No mesmo sentido, STJ, Recurso em Habeas-Corpus nº 4.132-3- BA, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 03-04-95, p. 8148: "A denúncia revela-se apta, uma vez evidenciado que a imputação descreveu o fato com todas as suas características, isto é, identificável, no tempo e no espaço, definido como infração penal. Com isso, é ensejado o exercício do direito de defesa".
STJ, 6ª T., HC 17.621, Rel. Hamilton Carvalhido, j. 13.11.2001, DJU 25.02.2002, p. 450.
STJ, Apn .300/ES, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 18.04.2007, DJ 06.08.2007 p. 443 (http://br.vlex.com/vid/41923121).
STJ, HC 25810/SC, 5ª. T, Rel. Min. Félix Fisher, julg. em 06.03.2003, publ. no DJU de 14.04.2003, p. 239. Vide STF, HC 79535/MS, 2ª. T., Rel. Min. Maurício Correa, julg. Em 16.11.1999, publ. no DJU de 10.12.1999, p. 03.
Cf. jurisprudência: STJ, HC 12116/CE, 5ª. T., Rel. Min. Edson Vidigal, publ. DJU de 01.08.2000, p. 287; STJ, 5.ª Turma, REsp 236176/ES, Rel. Min. Edson Vidigal, v.u., j. 15.03.2001; in DJU de 23.04.2001, p. 177; STJ, 6.ª Turma, HC 15523/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, v.u., j. 07.08.2001; in DJU de 29.10.2001, p. 271.
O Código de Processo Penal Militar, no art. 30, expressamente prevê que "a denúncia deve ser apresentada sempre que houver: a) prova de fato que, em tese, constitua crime; b) indícios de autoria".
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TJRS, Apelação Crime nº 70010948438, 8ª. Câm. Crim., Rel. Dês. Lúcia de Fátima Cerveira, julg. em 16/08/2006; in: Marcelo Colombelli Mezzomo, "Elaborando a denúncia criminal", Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1241, 24 nov. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9196>. Acesso em: 14 nov. 2009.
Voto do Ministro Celso de Mello no HC n. 86879/SP. No mesmo sentido: TJSP, RT 462/336; STJ, RT 699/376.
TACRIM-SP, 5ª. C, HC 424.066/2, Rel. Cláudio Caldeira, j. 11.11.2002, Bol. IBCCRIM 124/688, 2003.
Atenção: nos crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri, na denúncia o promotor não deve pedir a condenação, mas a pronúncia do acusado. É uma impropriedade técnica que deve ser evitada!
JUTACrim, 81/34. Também admitindo a imputação alternativa JUTACrim 54/144, 81/534, 85/540, 87/420.
Afrânio da Silva Jardim, "Imputação Alternativa no Processo Penal", Revista Brasileira de Direito Processual, 49/18.
RT 528/361.
STJ, REsp nº 889528 – SC, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 17/04/2007. No mesmo sentido: STJ, 6ª Turma, REsp nº 847.476/SC , Rel. Min. Paulo Galotti, j. 08.04.2008.
STF, RTJ 35/517-534.
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STJ, Habeas-corpus n. 3.766-PR (95.0037497-8), 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Cernichiaro, DJU 27/05/96, Lex Jurisprudência do STJ e TRFs., v.86, p. 280. No mesmo sentido: RHC 19.764/PR . Quinta Turma. Relator Ministro Gilson Dipp. J. 25.09.2006; HC 40005/DF . Sexta Turma. Relator Ministro Paulo Gallotti. J. 07.11.2006; HC 57.622/SP. Quinta Turma. Relator Ministro Felix Fischer. J. 04.09.2006; HC 54.868/DF. Quinta Turma. Relatora Ministra Laurita Vaz. J. 27.02.2007; RHC 19.734/RO. Quinta Turma. Relator Ministro Gilson Dipp. J. 23.10.2006; HC 58.372/PA . Sexta Turma. Relator Ministro Paulo Medina. J. 07.11.2006; HC 23.819/SP . Sexta Turma. Relator Ministro Paulo Gallotti. J. 06.09.2004; HC 57.213/SP. Quinta Turma. Relator Ministro Gilson Dipp. J. 14.11.2006; Resp 783.292/RJ . Quinta Turma. Relator Ministro Felix Fischer. J. 03.10.2006; Apn 404/AC . Corte Especial. Relator Ministro Gilson Dipp. J. 05.10.2005; RHC 16.135/AM . Sexta Turma. Relator Ministro Nilson Naves. J. 24.06.2004.RTJ 125:1.063, 101:563, 114:226, 100:556 e 118:149. A doutrina mostra-se dividida sobre o tema, mas pela inadmissibilidade de denúncia genérica nos crimes societários podemos apontar alguns nomes importantes: Luiz Flávio Gomes, "Acusações genéricas, responsabilidade penal objetiva e culpabilidade nos crimes contra a ordem tributárias", São Paulo:Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 1995, v. 11, pp. 246-247; Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado. São Paulo:Saraiva, 22ª edição, 2007, pp. 56-57; Luiz Vicente Cernichiaro e Paulo José da Costa Jr., Direito Penal na Constituição. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1990, p. 84; Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Processo Penal, Ação e Jurisdição. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1975, p. 114; Manoel Pedro Pimentel, Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1987, p. 174; Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo:Saraiva, 1993, p. 214.
STF, HC 80.549-SP, 2.ª Turma, rel. Min. Nelson Jobim, julgado em 20.3.2001.
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STJ, RHC 4668 SP 1995/0029329-3, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, Julg. 22/08/1995, 5ª. T., publ. DJ 25.09.1995, p. 31117; RSTJ vol. 84 p. 299; RT vol. 724 p. 601.
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STJ - Apn 505 CE, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18/06/2008, Órgão Julgador: Corte Especial, publ. DJ 04/08/2008.
RJTJRGS, 150/135. No mesmo sentido: STJ, HC 18952/PE, Quinta Turma. Relator Ministro Felix Fischer. j. 17.12.02; RESP 168314/RJ, Sexta Turma. Relator Ministro Fernando Gonçalves. j. 10.12.98; RESP 124035/DF, Sexta Turma. Relator Ministro Hamilton Carvalhido. j. 17.05.01; RESP 238670/RJ, Relator Hamilton Carvalhido j. 03.04.01 e RHC 6889/SP, Sexta Turma. Relator Ministro Anselmo Santiago j. 17.11.97.
STF, RT 765/533.
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STF, 1ª T., HC nº 73.590, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 13/12/1996.
STJ, RT 780/549. No mesmo sentido: RBCCRIM 19/351, BOL. IBCCRIM 72/302.
STJ, 6ª. T., RHC 24390-MS, Rel. Min. Celso Limongi, j. 19.02.2009, DJ 16.03.2009, in: http://br.vlex.com/vid/59438257.
TACRIM-SP, RT 520/433. No mesmo sentido: TJPR – HC 2119164 PR, Rel. Renato Naves Barcellos, Julg. 22/10/2002, 3ª. Câm. Criminal, Publ. 31/10/2002, DJ 6241; STF, RCrim 77.915, DJU de 17.06.1974, p. 4.159; TJSP, RJTJESP 119/475, RT 693/392; TJSC, RT 520/433.
STJ, HC 1497-BA, 6ª. T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 24.11.1992, DJ 13.03.1995, p. 5314. No mesmo sentido: TACrimSP, RT 520/433; TJSP, ACrim 68.703, RJTJSP 119/475; RT 693/392.
STJ – 5ª T. – REsp. nº 814.600-RS – Rel. Min. Felix Fischer – j. 03.10.06 – v.u. – DJU 20.11.06, pág. 357.
TRF3 - HC 43356 SP, Rel. Juiz Celio Benevides, j. 15/09/1998, DJ 04/11/1998, p. 79.
STF, HC nº 70.763/DF, 1ª T., Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23 set. 1994, p. 25.328.
Neste sentido: STF, RT 608/445, RTJ 92/630; STJ, JSTJ 100/225, RTJ 67/683, RJD 11/257; TRF 5ª.R, JSTJ 138/449; TACRIM, RT 753/611; TJSP, RTJSP, 58/299.
STF, RT 548/428, 534/444.
STF, RHC 60.216, DJU de 24.09.1982, p. 9.444.
STJ, HC 8349 RJ, 5ª. T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 29/06/1999, DJ 23.08.1999, p. 136, JSTJ 9/333.
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STF, HC nº 71.207, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 10.06.94.
STF, Habeas Corpus nº 73897/RJ, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 11.03.1997.
TRF da 1ª Região, Ap. Crim. n. 2004.34.00.006115-0/DF, 4ª T., j. 08/11/2005, rel. Hilton Queiroz, disponível em: http://br.vlex.com/vid/51502857, acesso: 01.11.2009.
"Uma vez operada a desclassificação do crime, a ponto de implicar o surgimento de quadro revelador da pertinência do artigo 89 da Lei n. 9.099/95, cumpre ao Juízo a diligência no sentido de instar o Ministério Público a pronunciar-se a respeito" (STF, HC 75894/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 01.04.1998, DJ 23.08.2002, p. 71).
STF, Habeas Corpus n. 75.343-4 – MG, relator Ministro Sepúlveda Pertence, publ. DJ 18.06.2001.
Entre os doutrinadores podemos apontar Nucci, 2008, p. 221; Capez, 2003, p. 134. Jurisprudência: TRF 3Reg., RSE 20416-SP, Rel. André Nekatschalow, j. 06.11.2006, publ. DJU 05.12.2006. p. 574.
STF - HC 87.324/SP. Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª. T., DJ 18/5/2007.
STF - HC 64966 / SP – 2ª T. Rel. Min. Carlos Madeira, julgado em 22/05/1987- Pub. no DJ 12-06-1987, p. 11859.
STJ - RHC 4977 / SP – 6ª T. Rel. Min. Vicente Leal – Pub. no DJU de 15-10-1997, p. 6657.
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Súmula 453 do STF: "Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa".
Abstract: The thesis aims to face the theoretical problem about imputation and correlative themes. The essay arose from the evidence, in daily practice, of inept and incomplete denunciations, that break the complete defense, right to a fair hearing and human dignity, many times come back against the oficial accusation. The denunciation, under the punishment of ineptness, should observe substantial and formal requirements, such as the objectivity, conciseness and narrative accuracy, because of there arise the discussion, full defense and judgment. Indeterminate, vacant, omitted and ambiguous imputations violate the constitutional guaranty of complete defense and are, for certain, nulls. Themes about subject also approached like double accusation theory, alternative imputation, emendatio libelli and mutatio libelli.
Keywords: Denunciation. Modalities. Concept. Principles. Substantial and formal requirements. Double accusation. Alternative imputation. Ineptness.