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Moralidade eleitoral e a questão da análise da vida pregressa dos candidatos a cargos eletivos

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Agenda 03/08/2010 às 13:59

1 – Introdução.

Deve um cidadão, com extensa ficha criminal, respondendo a vários processos, embora ainda não condenado definitivamente em nenhum, ter acesso a cargos eletivos? Quais são os limites constitucionais do princípio da presunção da inocência? A quem cabe higienizar a sociedade dos maus políticos: ao eleitor, aos partidos políticos, ao Poder Legislativo ou ao Poder Judiciário?

Questionamentos tais quais os expostos constantemente são reavivados em períodos eleitorais. Afinal de contas, a mera análise da vida pregressa [01] de candidato acusado de praticar atos atentatórios à moralidade deve se constituir em elemento suficiente para o indeferimento do seu registro de candidatura?

Neste artigo, estas importantes questões, que tanto têm suscitado polêmicas entre estudiosos e doutrinadores do Direito Eleitoral, bem como entre parlamentares, magistrados e membros do Ministério Público, serão abordadas, a partir de uma breve análise da doutrina e da jurisprudência acerca do tema. Espera-se, assim, que o presente trabalho contribua, de alguma forma, para tão relevante debate, despertando reflexões que possam contribuir para o aprimoramento da democracia em nosso país.


2 – Presunção da inocência versus moralidade para o exercício de cargos e funções públicas na recente história brasileira.

Desde a época do regime militar, quando o Brasil ainda estava sob a égide da Constituição Federal de 1967, com suas alterações provenientes da Emenda Constitucional nº 01, de 1969, a discussão acerca dos limites do princípio da presunção da inocência em face da necessária preservação da moralidade para o exercício de cargos e funções públicas tem sido bastante frutífera. De lá para cá, em meio a mudanças extremamente significativas no regime político pátrio, importantes inovações legislativas e jurisprudenciais vieram ao lume, no que concerne à temática da análise da vida pregressa e da moralidade como condições de elegibilidade ou causas de inelegibilidade. Neste sentido, ainda no período de exceção, previa a Constituição vigente, em seu artigo 151, IV, disposição normativa segundo a qual "a moralidade para o exercício do mandato, levada em consideração a vida pregressa do candidato" deveria ser preservada, a partir do estabelecimento de casos de inelegibilidade por lei complementar.

A Lei Complementar prevista na Constituição de 1967/69, por sua vez, foi editada no ano de 1970 (LC nº 05/70), estabelecendo, em seu artigo 1º, como hipótese de inelegibilidade, a mera instauração de processo criminal contra candidato que houvesse incidido em suposta práticas delituosas, tais como crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública, enquanto não absolvido ou penalmente reabilitado. Tal disposição, no entanto, quando da redemocratização do país, terminou por ser veementemente rechaçada, uma vez que identificada como instrumento autoritário e antidemocrático utilizado pelo extinto regime.

Com a Constituição de 1988, o princípio da presunção da inocência foi erigido a um status nunca antes alcançado na história brasileira. De forma inédita, passou a ser estabelecido, por meio do artigo 5º, LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Ao mesmo tempo, em seu artigo 14, § 9º, a Constituição Federal dispôs, na sua redação original, que Lei Complementar estabeleceria "outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou abuso de exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta", sem se referir, portanto, à possibilidade de imputação de inelegibilidade a candidato que tivesse, em sua vida pregressa, praticado atos atentatórios à moralidade para o exercício do mandato ou à probidade administrativa.

Em 1994, no entanto, durante o período de revisão constitucional previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o constituinte revisor modificou a redação do artigo 14, § 9º da Constituição, supracitado, que passou assim a dispor:

Art. 14 (...).

§ 9º. Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou abuso de exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (alterações incluídas pela ECR nº. 04, de 07.06.94)

Desde então, sempre que se aproxima algum período eleitoral, voltam as discussões acerca da possibilidade de análise da vida pregressa dos candidatos para fins de impugnação do registro de candidaturas daqueles que tenham praticado atos violadores da moralidade eleitoral e ameaçadores da normalidade e da legitimidade das eleições, mesmo que ainda não consagrados em decisão judicial transitada em julgado. Neste sentido, válida é a lição de Caramuru Afonso Francisco [02], segundo a qual:

No seu art. 14, a Constituição determinou a edição de lei complementar que estabelecesse casos de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato eletivo, considerando-se a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, § 9º), bem como a possibilidade de o mandato eletivo ser objeto de impugnação por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude (art. 14, § 10).

Bem se vê, portanto, que a Constituição da República considerou que a concretização do direito de acesso às funções públicas está condicionada à realização de eleições legítimas e normais, entendidas estas as que não sofrerem a influência do poder econômico nem do poder político, como também a que não tiver corrupção ou fraude.

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Tem ou não auto-aplicabilidade a disposição normativa prevista no § 9º do art. 14 da Constituição, após a sua nova redação, estabelecida pela Emenda Constitucional de Revisão nº 04/94? É possível o indeferimento do registro de candidatura de postulante a cargo eletivo que esteja respondendo a processos criminais sem que tenha havido trânsito em julgado das respectivas decisões? O que pode ser considerado moralidade para o exercício do mandato? Há muito tempo a doutrina e a jurisprudência têm se debatido com essas fundamentais e extremamente polêmicas questões.


3 – O conteúdo jurídico do princípio da moralidade eleitoral.

Para Marcelo Figueiredo [03], em sua obra "O controle da moralidade na Constituição", o conteúdo da moralidade:

pode e deve ser buscado na Constituição. Sendo assim, ao amparo dos valores prestigiados na Lei maior, como a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, do pluralismo político (art. 1º), o legislador tem o dever de observar a moralidade quando legisla. É dizer: como seria atender à "dignidade humana" não observando a moralidade? Sem dúvida alguma, lei que não atendesse à moralidade ou que estabelecesse conteúdo contrário aos standards da moralidade estaria, por certo, violando direta ou indiretamente os valores constitucionais.

Delineando o conteúdo da moralidade eleitoral, Ferreira Filho [04], em artigo intitulado "A inelegibilidade para proteger a ‘moralidade para o exercício do mandato’", ressalta que:

Dois aspectos avultam na análise: um, do ângulo positivo; outro, do negativo.

O primeiro se comprova pelo espírito em que é levada a vida pública. Traduz-se no "espírito público", que concerne ao procedimento para com o interesse geral.

O segundo muito se aproxima da "probidade administrativa"; contudo, não se resume nesta. Vai além, porque afasta a exploração do poder, pro domo sua. Isto renega a busca das vantagens materiais que podem provir do mandato, ou as possibilidades que este propicia.

No mesmo trabalho, Ferreira Filho recorda Aristóteles, lembrando dainstituição da dokimasia (que em uma tradução livre para o português significa "exame"), característica da democracia ateniense, segundo a qual os candidatos às magistraturas eletivas e os designados para outras magistraturas ou funções eram sujeitos a uma espécie de "sindicância". Segundo o autor [05]:

A dokimasia era um exame em que se investigava o passado do aspirante à magistratura, escrutinando-se as suas origens familiares, a sua participação nas cerimônias religiosas, ou cívicas, o cumprimento de suas obrigações cívicas, militares, ou financeiras. Visava isso evidentemente a verificar se, em razão de sua conduta passada, era ele apto e confiável para exercer funções de interesse geral.

Era esse exame realizado perante o Conselho (Boulè), que decidia pela qualificação ou desqualificação do cidadão, nem processo contraditório em que se ouviam testemunhas e, eventualmente, acusadores. Da decisão cabia recurso para os heliastas, isto é, para o Tribunal, que era também composto de cidadãos sorteados, portanto, que tinham passado pela dokimasia.

Defendendo a auto-aplicabilidade do § 9º do artigo 14 da Constituição, o ex-procurador regional eleitoral do estado do Acre, Marcelo Antônio Ceará Serra Azul [06], em artigo publicado em 2006, argumenta que:

O registro de candidatura é ato judicial, no qual se deve ter em vista o princípio da moralidade administrativa, sendo certo que parcela do Poder estatal somente pode ser alcançada por pessoas idôneas, de moral ilibada e reputação indene de dúvidas, haja vista o Preâmbulo da Constituição Federal, e os artigos 14, parágrafo 9º, 5º, XXXV, 37, caput e parágrafo 4º, Art. 54, Art. 85, V, 101, 105, 119, II, 120, II, 123, I que, sistematicamente, demonstram que a acessibilidade à parcela do Poder Estatal, seja Federal, Estadual, Distrital ou Municipal somente é possível a pessoas probas, cuja moral seja ilibada, indene de dúvidas.

Decidir pelo registro de candidatura de pessoa cuja moral é maculada é violar a Constituição da República, pois, permite-se que pessoas sem moral para o exercício de mandato eletivo possam a ele se candidatar, fazendo tábula rasa do princípio da moralidade e de seus corolários os princípios da moralidade para o exercício de mandato eletivo e princípio da moralidade para acesso à parcela de poder estatal, dando acesso ao Poder Pátrio a pessoas sem moral para o exercício do Poder Político.

No mesmo sentido, válido também é citar o pensamento de Djalma Pinto [07], segundo o qual:

A exigência de lei para definir "vida pregressa", traçando os contornos dos seus efeitos, no âmbito eleitoral, parece excessiva. Tenha-se presente que a Constituição, em diversos artigos, exige probidade para o exercício de qualquer função pública, recomendando, inclusive, a cassação dos direitos políticos e o afastamento do cargo nos casos de corrupção. Fácil, pois, concluir que qualquer pessoa, condenada por crime relacionado com desvio de dinheiro público, mesmo que não transitada em julgado a decisão, não preenche o requisito constitucional que manda considerar a vida pregressa na aferição dos casos de inelegibilidade. Aguardar a edição de mais uma lei para ratificar e assegurar eficácia àquilo que a Constituição erigiu a nível de princípio, importa, em última análise, em subtrair-lhe a vigência.

No sentido contrário, no entanto, propugnando pela eficácia constitucional limitada do § 9º do art. 14 da Constituição Federal, doutrinadores, políticos e magistrados têm salientado para o risco de uma aplicação da referida disposição normativa, sem que tenha havido a sua devida regulamentação por Lei Complementar. Assim, para Henrique Neves da Silva [08]:

As hipóteses de inelegibilidade, por serem regras impeditivas que excluem a incidência da regra geral, necessitam ser examinadas de forma restrita e de acordo com o princípio da tipicidade.

E é bom que assim seja, sob pena de permitir que a discricionariedade de valores para a edição de leis – atribuição exclusiva do legislador – seja exercida por pessoas às quais a Constituição não reconhece competência.

Em jogo os princípios da independência dos poderes e a própria expressão da soberania nacional, que se revela pelo sufrágio universal e pelas leis editadas pelos representantes eleitos.

A "ira cívica" é procedente. Os quadros revelados pelos reiterados episódios revelados nos últimos tempos dão conta disso. Não se deve, contudo, dirigir esse sentimento ao Poder Judiciário. A ele não compete elaborar as leis, exercer o juízo de valor previsto no texto constitucional e nem criar hipóteses de inelegibilidade fora do texto legal, mesmo que em observância ao princípio da moralidade para o exercício do mandato em razão da vida pregressa do candidato.

Em sua maioria, os opositores da tese da auto-aplicabilidade do art. 14, § 9º da CF/88 entendem que: a) Decisão favorável à consideração da vida pregressa dos candidatos como causa geradora de inelegibilidade conduziria a um ativismo judicial indesejado, formulador de um desequilíbrio entre os poderes do Estado; b) A decretação de inelegibilidade por análise da vida pregressa pode se tornar um instrumento de perseguição política; c) cabe aos partidos políticos, e não ao Poder Judiciário, fazer uma triagem entre os candidatos, excluindo os corruptos; d) Não há previsão relativa à análise da vida pregressa na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº. 64/90); e) O eleitor brasileiro tem maturidade para distinguir os dignos dos indignos [09].


4. Moralidade eleitoral versus presunção da inocência na jurisprudência da Justiça Eleitoral e a ADPF nº 144.

No âmbito da Justiça Eleitoral, o debate acerca da aplicabilidade imediata ou não do artigo 14, § 9º da Constituição, no que concerne à possibilidade de indeferimento do registro de candidatura de indivíduos que sejam considerados indignos e/ou imorais para concorrer nas eleições, independentemente de trânsito em julgado de sentença penal condenatória em seu desfavor, a partir da análise da vida pregressa, também é bastante antigo, tendo se acirrado desde que foi promulgada a ECR 04/94.

Relevante, neste sentido, foi a seguinte decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral por meio do acórdão nº. 13.031 – MG, relatado pelo Min. Francisco Rezek, em exame do recurso especial interposto por Edson Megaço contra decisão do TRE/MG que, confirmando sentença monocrática, indeferiu o registro de sua candidatura à prefeitura do município de Três Marias, tendo em vista que o recorrente respondia a ações penais e civis públicas:

Recurso especial. Inelegibilidade. Contas rejeitadas. Propositura de ação anulatória. Vida pregressa do candidato. Art. 14, § 9º, CF. Proposta ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade. (Súmula-TSE nº 1). A VIDA PREGRESSA DO CANDIDATO SÓ PODE SER CONSIDERADA PARA EFEITO DE INELEGIBILIDADE QUANDO LEI COMPLEMENTAR ASSIM ESTABELECER. Recurso provido. (Jurisp. Do TSE, vol. 8, nº. 2 abr/jun/97, fls. 282).

Tal decisão, proferida em 1997, corroborou, assim, com os pretéritos acórdãos de nº. 12.082, de 04 de agosto de 1994, 12.081 e 12.107, de 06 de agosto, que pavimentaram o caminho para a elaboração da súmula nº. 13, daquele egrégio Tribunal, que firmou o entendimento que "não é auto-aplicável o § 9º, art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão nº 04/94".

Verdadeiramente paradigmático, no entanto, se constituiu o julgamento do famoso "Caso Eurico Miranda" (RO 1069), relatado no TSE pelo Min. Marcelo Ribeiro, no ano de 2006. Na época, o então deputado federal Eurico Miranda, ex-presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama, que respondia a oito processos criminais, sem trânsito em julgado, teve o seu registro de candidatura indeferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por ausência de moralidade para o exercício de cargo eletivo, com análise na vida pregressa. Em sede recursal, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão apertada, decidiu pelo provimento do recurso interposto pelo então deputado, deferindo a sua candidatura.

Votaram a favor de Eurico o ministro relator, além dos ministros Gerardo Grossi, Marco Aurélio de Melo e Cezar Peluso, que, em síntese, argumentaram que deveria ser ressaltado o princípio da presunção da inocência e que o juiz não é legislador para determinar o conteúdo jurídico da expressão "vida pregressa", na ausência de uma definição do Poder Legislativo. Contra o então deputado votaram os ministros Cesar Asfor Rocha e José Delgado, acompanhando o voto divergente do Ministro Carlos Ayres Britto quedefendeu a mitigação da disposição constitucional prevista no art. 15, III da CF/88, que exige o trânsito em julgado de condenação criminal para a aplicação das penas de perda e suspensão de direitos políticos. Segundo o ministro:

esse trânsito em julgado somente foi exigido na lógica pressuposição de estar o candidato a responder por um ou outro processo penal. Por uma ou outra situação de eventual percalço jurisdicional-penal, de que ninguém em sociedade está livre. Jamais pretendeu a Lei das Leis imunizar ou blindar candidatos sob contínua e numerosa persecutio criminis, como é o caso dos autos. Pois isto equivaleria a fazer do seu tão criterioso sistema de comandos um castelo de areia. Um dar com uma das mãos e tomar com a outra, para evocar a sempre referida metáfora de Ruy Barbosa sobre como não se deve interpretar os enunciados jurídico-positivos, a partir da Constituição mesma.

Em 10 de junho de 2008, a polêmica envolvendo a possibilidade de indeferimento de registro de candidaturas de postulantes a cargos eletivos detentores de suposta "ficha-suja" ganhou mais um capítulo. Em resposta à consulta nº 1621, formulada pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, o TSE, por quatro votos a três, manteve seu entendimento segundo o qual sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, nenhum pré-candidato pode ter seu registro de candidatura recusado pela Justiça Eleitoral.

Tomando, então, por base a explícita divergência revelada pelo TSE na resposta à consulta nº 1621, supracitada, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou, junto ao Supremo Tribunal Federal, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 144, questionando a validade constitucional das interpretações emanadas pelo TSE relacionadas ao tema da inelegibilidade proveniente da análise da vida pregressa do candidato em face do disposto no art. 14, § 9º da CF/88, bem como argüindo a não recepção da Lei Complementar nº. 64/90 pela ECR 04/94 nos seus dispositivos que exigem o trânsito em julgado para efeito de reconhecimento de inelegibilidade.

Suscitando o direito fundamental à presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, o corolário do devido processo legal e a eficácia constitucional limitada do disposto no art. 14, § 9º da Constituição, uma vez que existente a reserva constitucional da Lei Complementar, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, não acolheu a pretensão deduzida pela AMB, tendo sido vencidos os ministros Joaquim Barbosa e Carlos Ayres de Britto.

Em seu parecer, propugnando pela procedência dos pedidos patrocinados pela AMB, o Procurador-Geral da República, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, afirmou que:

É certo, em conclusão, que a mudança vinda com a Emenda 4/94 inseriu explicitamente no modelo padrões de avaliação da vida pregressa do candidato. Hão de ser consideradas a probidade administrativa e a moralidade para efeito de registro de candidaturas, pelo que as exigências formuladas na Lei Complementar 64, na parte em que condicionam as inelegibilidades apenas ao trânsito em julgado das decisões judiciais – por já estarem contempladas na Constituição como hipóteses de suspensão dos direitos políticos – constituem grave lesão a preceito fundamental. Reduzem a eficácia do § 9º do art. 14 da Constituição, tirando a força normativa que deve ela ostentar.

Tais argumentos, no entanto, não foram capazes de convencer o relator do processo, Min. Celso de Mello, que em seu voto defendeu que o art. 14, § 9º da CF/88 não é auto-aplicável, bem como que a mera existência de inquéritos policiais em curso ou de processos judiciais em andamento ou de sentença penal condenatória não transitada em julgado não configuram hipóteses de inelegibilidade, não impedindo, assim, o registro do candidato. Para o ministro:

A defesa dos valores constitucionais da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato eletivo traduz medida da mais elevada importância e significação para a vida política do país.

O respeito a esses valores, cuja integridade a de ser preservada, acha-se presente, de qualquer forma, na própria LC nº. 64/90, pois esse diploma legislativo, em prescrições inteiramente fiéis à Constituição, como aquelas constantes de suas alíneas "d", "e", "g" e "h" do inciso I do art. 1º, afasta, do processo eleitoral, pessoas desprovidas de idoneidade moral, condicionando, no entanto, o reconhecimento da inelegibilidade, ao trânsito em julgado das decisões judiciais, fazendo-o em cláusulas normativas plenamente compatíveis com o nosso ordenamento jurídico constitucional

A legitimidade dos fins, Senhor Presidente, não justifica a ilegalidade ou inconstitucionalidade dos meios cuja adoção se entende necessária à consecução dos objetivos visados, por mais elevados, dignos e inspirados que sejam.

Sobre o autor
Glaucio Pinto Garcia

Servidor Público Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Glaucio Pinto. Moralidade eleitoral e a questão da análise da vida pregressa dos candidatos a cargos eletivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2589, 3 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17095. Acesso em: 19 dez. 2024.

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