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A ilegalidade dos autos de infração lavrados em operações realizadas com contribuintes em situação cadastral irregular no SINTEGRA, sem prévia publicação no Diário Oficial da irregularidade

Agenda 10/08/2010 às 13:47

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo analisar, à luz da Constituição, a procedência dos autos de infração lavrados em operações sujeitas ao ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, com lastro em dados constantes unicamente no Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços – SINTEGRA como meio de publicação oficial por diversas Secretarias de Fazenda, em especial, a do Estado Rio de Janeiro.

Isso porque, ao menos nos últimos tempos, o Estado do Rio de Janeiro utiliza sistematicamente o SINTEGRA como fonte absoluta de consulta e para divulgar as empresas que estão com situação cadastral irregular, de forma tal que considera, para todos os efeitos fiscais, inidôneas as notas fiscais por elas emitidas.

Em razão disso, diversos contribuintes são autuados por realizarem operações com essas empresas (consideradas irregulares de acordo com o SINTEGRA), sob o fundamento de ser a nota fiscal utilizada para acobertar a operação inidônea, nos termos do artigo 24, inciso VIII, do Livro VI, do RICMS/00 (Regulamento ICMS/RJ).

Com base nesse entendimento, equivocadamente, a fazenda estadual considera apta a surtir efeitos jurídicos contra terceiros a situação cadastral do contribuinte constante no referido sistema, sem que haja uma prévia publicação oficial declarando tal irregularidade da empresa.


ANÁLISE

O SINTEGRA é um sistema de troca de informações sobre dados dos contribuintes realizados entre as unidades da Federação que objetiva facilitar o fornecimento informações acerca destes contribuintes, de forma a aprimorar o fluxo de dados e aumentar o nível de informação geral da sociedade.

O SINTEGRA possui amplitude nacional tendo em vista que todas as Unidades da Federação e o Distrito Federal dele participam, de forma que é possível verificar a situação cadastral de todos os contribuintes em seus respectivos Estados, com um simples acesso ao site www.sintegra.gov.br.

Não há dúvida de que se trata de iniciativa extremamente válida, eis que facilita a vida do contribuinte e da administração tributária pelo aumento do nível de informação e diminuição dos riscos de ocorrer alguma irregularidade fiscal.

Entretanto, problemas surgem quando a Fazendas Estaduais, tal como ocorre no Rio de Janeiro, pretendem impor como meio oficial de publicação de atos o SINTEGRA, compelindo aos contribuintes sua consulta antes de celebrar qualquer transação.

A situação está se tornando corriqueira. Certo empresário adquire mercadorias de outro Estado da Federação e, posteriormente, é surpreendido com auto de infração que aponta como irregular a operação por ele realizada sob o fundamento de que as notas fiscais seriam inidôneas, já que emitidas por empresa considerada irregular, que, segundo o entendimento fazendário, poderia ter sido percebido se o SINTEGRA tivesse sido consultado previamente, pois lá constaria informação de tal irregularidade.

Ou seja, ocorre na realidade uma verdadeira substituição ou complementação das publicações do Diário Oficial pelo SINTEGRA, pois além de acompanhar os atos da administração veiculados através do meio próprio os contribuintes passam a ser obrigados a consultar o SINTEGRA.

Ocorre que tal "substituição" não possui previsão legal, pelo menos no âmbito do Rio de Janeiro. Mais que isso, aos contribuintes deste Estado não há qualquer dispositivo que os obriguem a consultarem o sistema do SINTEGRA antes da realização de qualquer operação.

Ressalte-se, inclusive, que o Regulamento do ICMS/RJ apenas prevê a obrigatoriedade de exibir e exigir a exibição do cartão de inscrição no cadastro de contribuintes do imposto quando da realização das operações (art. 2º, inc. I, do Livro VI, do RICMS/00 [01]).

Diante disso, é inquestionável que não há obrigação jurídica de consulta ao SINTEGRA na legislação. A fazenda não pode confundir um sistema criado para divulgar informações na sociedade – mero acessório para facilitar o cotidiano dos contribuintes, como um meio de divulgação oficial de atos administrativos, que possui características e formalidades próprias justamente para especificar claramente os efeitos jurídicos produzidos.

Ora, o ato que declara como irregular a situação de um contribuinte e, por consequência, inidôneas suas notas fiscais, é, inegavelmente, um ato administrativo lato sensu, que, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, é "toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir ou declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.".

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Outra definição que merece destaque é a de Celso Antônio Bandeira de Mello que definiu o ato administrativo como sendo uma "declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestadas mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade pelo órgão jurisdicional.".

A par disso, o ato que declara a irregularidade de uma empresa deve estar sujeito a todos os princípios inerentes ao Direito Administrativo, contidos, em sua maioria, no artigo 37, caput, da CRFB/88, quais sejam o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O princípio da publicidade, que ora nos interessa, tem influência direta na solução do tema, já que, em síntese, impõe como condição de eficácia de qualquer ato administrativo sua prévia publicação em veículo de caráter oficial, quando então se estabelece a presunção de que passa a ser conhecido pela sociedade.

Nesse sentido, a exigência de publicação oficial dos atos da administração é um pressuposto de sua eficácia e, enquanto não verificada, não estará apto a produzir efeitos jurídicos contra os seus destinatários.

Portanto, conclui-se que a autuação que se pauta em informação divulgada única e exclusivamente no sistema do SINTEGRA não tem o condão de atribuir a terceiros – contribuintes de boa-fé, os efeitos do ato administrativo.

Cabe lembrar que no âmbito do Estado do Rio de Janeiro a Lei n° 3.513/98 há previsão expressa acerca da obrigatoriedade de publicação no Diário Oficial dos atos oficiais de interesse coletivo [02].

Por fim, no tocante à comprovação da publicação em Diário Oficial da irregularidade da empresa, este é um ônus da administração. Isso porque, trata-se de prova diabólica, ou seja, impossível de ser comprovada. Ora, não há como se comprovar uma não publicação.

Passemos agora a análise jurisprudencial acerca do tema.

Inicialmente convém ressaltarmos que os precedentes favoráveis a nossa tese não são poucos. O Superior Tribunal de Justiça assim se manifestou sobre o tema:

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS POSTERIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ.

1. O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação (Precedentes das Turmas de Direito Público: EDcl nos EDcl no REsp 623.335/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe 10.04.2008; REsp 737.135/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 14.08.2007, DJ 23.08.2007; REsp 623.335/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 07.08.2007, DJ 10.09.2007; REsp 246.134/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 06.12.2005, DJ 13.03.2006; REsp 556.850/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.04.2005, DJ 23.05.2005; REsp 176.270/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 27.03.2001, DJ 04.06.2001; REsp 112.313/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 16.11.1999, DJ 17.12.1999; REsp 196.581/MG, Rel. Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado em 04.03.1999, DJ 03.05.1999; e REsp 89.706/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, julgado em 24.03.1998, DJ 06.04.1998).

[...]

4. A boa-fé do adquirente em relação às notas fiscais declaradas inidôneas após a celebração do negócio jurídico (o qual fora efetivamente realizado), uma vez caracterizada, legitima o aproveitamento dos créditos de ICMS.

[...]

6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008." [03]

*****************************************************************

"TRIBUTÁRIO - ICMS - CREDITAMENTO - INIDONEIDADE DE NOTAS FISCAIS - VERIFICAÇÃO.

A obrigação de se verificar a inidoneidade de documentos e de regularidade da empresa é do fisco e não do contribuinte. O ato declaratório de inidoneidade só produz efeitos a partir de sua publicação.

Recurso provido." [04]

No mesmo sentido caminham algumas decisões proferidas pelo Egrégio Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro. Confiram-se as ementas que se seguem:

"ICMS – NOTA FISCAL INIDÔNEA

. A declaração de inidoneidade de documentos fiscais oriundos deste ou de outros Estados da Federação deve, em obediência ao princípio da publicidade, observar a publicação do devido ato no órgão oficial do Estado, que é a única que produz efeitos jurídicos, tornando-se inexistentes na divulgação por outros meios. RECURSO PROVIDO" [05] (grifo nosso)

*****************************************************************

"ICMS – NÃO RETER ICMS POR SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA:

(...)

ICMS – NOTA FISCAL INIDÔNEA. A declaração de inidoneidade de documentos fiscais oriundos deste ou de outros Estados da Federação deve, em obediência ao princípio da publicidade, observar a publicação do devido ato no órgão oficial do Estado, que é a única que produz efeitos jurídicos, tornando-se inexistentes na divulgação por outros meios. RECURSO VOLUNTÁRIO PROVIDO." [06] (grifo nosso)

*****************************************************************

ICMS – NÃO RETER ICMS POR SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA

(...)

ICMS – INIDONEIDADE DA EMPRESA DESTINATÁRIA DAS MERCADORIAS – EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL.

A existência do SINTEGRA não afasta a necessidade de publicação no órgão oficial da Administração do ato declaratório de inidoneidade para que este produza efeitos perante terceiros. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. [07] (grifo nosso)

Assim sendo, s.m.j, não havendo no auto de infração prova inequívoca da devida publicação em meio oficial da situação cadastral do contribuinte, ainda que conste no SINTEGRA, não há que se falar em infração à legislação tributária.


CONCLUSÃO

Não há duvida que o SINTEGRA é uma boa iniciativa como meio de aumentar o acesso, tanto dos contribuintes como das Fazendas Estaduais, dados relevantes para que os contribuintes mantenham situação fiscal regular, mas não substitui o Diário Oficial como meio oficial de publicação.

Assim, como não há dúvida que a declaração de situação irregular de determinado contribuinte é um ato administrativo, estando adstrito aos princípios do Direito Administrativo, então, qualquer auto de infração lavrado com fundamento em informação não publicada contida apenas SINTEGRA é improcedente.

Logo, entendemos que os contribuintes autuados por realizarem operações na situação acima descrita têm o direito de pleitearem administrativa ou judicialmente a improcedência ou anulação do auto de infração.


Notas

  1. Art. 2.º Toda pessoa, física ou jurídica, contribuinte ou não, inclusive a que goze de imunidade ou isenção, e que, de qualquer modo, participe de operação ou prestação relacionada, direta ou indiretamente, com a circulação de mercadoria ou prestação de serviços de transporte intermunicipal ou interestadual ou de comunicação, está obrigada, salvo norma em contrário, ao cumprimento das obrigações previstas neste Livro relativas à inscrição, emissão de documentos, escrituração das operações e prestações, fornecimento de informações periódicas e outras, e também a:
  2. I - exibir e exigir a exibição, nas operações ou prestações que com outro contribuinte realizar, do cartão de inscrição no cadastro de contribuintes do imposto;

  3. Lei n° 3.513/98:
  4. Art. 1º - Fica estabelecida, no âmbito estadual, a obrigatoriedade de publicação, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, dos atos oficiais de informações objetivas de interesse coletivo, previstas no Art. 19 da Constituição Estadual, no prazo máximo de 30 dias, se assim requerido por entidades de classe, associações representativas ou cidadãos do Estado do Rio de Janeiro.

    ******************

    Constituição do Estado da Guanabara:

    (...)

    Art. 19 - Todos têm direito de receber, no prazo fixado em lei, informações objetivas, de interesse particular, coletivo ou geral, acerca dos atos e projetos do Estado e dos Municípios, bem como dos respectivos órgãos da administração pública direta ou indireta.

  5. REsp 1148444 / MG. Min. Luiz Fux. Data do julgamento: 14/04/2010.
  6. REsp 196581 / MG. Min. Garcia Vieira. Data de julgamento: 04/03/1999.
  7. Acórdão 7.117 – Terceira Câmara. Recurso n° 25.402. Recorrente: Lorena Equipamentos Agrícolas e Abastecimentos Ltda. / Recorrido: Décima Terceira Turma da Junta de Revisão Fiscal.
  8. Acórdão 7.435 – Terceira Câmara. Recurso 30.589. Recorrente: ALCOM Petróleo Ltda. / Recorrido: Terceira Turma da Junta de Revisão Fiscal.
  9. Acórdão 7.528 – Terceira Câmara. Recurso 30.591. Recorrente: ALCOM Petróleo Ltda. / Recorrido:
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIJO, Vinícius Barata. A ilegalidade dos autos de infração lavrados em operações realizadas com contribuintes em situação cadastral irregular no SINTEGRA, sem prévia publicação no Diário Oficial da irregularidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2596, 10 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17151. Acesso em: 19 dez. 2024.

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