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A reforma administrativa brasileira (1995-1998) sob a ótica weberiana

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Agenda 10/08/2010 às 17:56

4- A REFORMA SOB A ÓTICA WEBERIANA

No sentido disseminado pela Reforma Gerencial de 1995 pouca coisa seria aproveitada do modelo weberiano, havendo claro dissociamento entre a burocracia weberiana e a nova realidade administrativa, centrada no modelo gerencial.

A busca da eficiência, através de resultados, tornou-se a mola-mestra impulsionadora da reforma, inclusive com a alteração do art. 37 da Constituição Federal, fazendo constar como princípio a eficiência na Administração Pública. O modelo gerencial, dessarte, seria eficiente, em detrimento do modelo weberiano, ineficiente.

No entanto, não obstante haja o claro propósito de dissociar as idéias, não vislumbramos mudanças radicais nem muito menos históricas no modelo de gestão implementado.

Pela enumeração dos princípios orientadores da doutrina weberiana, verifica-se nas idéias expostas no Plano Diretor que não há dissociação no grau informado, mas adequação do modelo weberiano às realidades locais e pontuais da Administração Pública brasileira em meados da década de 1990.

No que pertine à Reforma Gerencial, a mesma previu objetivos gerais e específicos relacionados às mudanças na Administração Pública Federal. Dentre as quais, merecem destaques, consoante item 06 do Plano Diretor da Reforma [29], as seguintes: instaurar política de profissionalização do serviço público; capacitar os servidores para gerenciar e supervisionar os contratos de gestão; controlar a posteriori os resultados; possibilitar o controle social das políticas públicas; aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços.

Na concepção weberiana, a especialização tem papel importante no desenvolvimento de uma burocracia, sendo requisito que os funcionários tenham intensa instrução da matéria. A Reforma de 1995 não contrariou tal idéia, pois previu uma política de profissionalização do corpo administrativo, através de políticas de carreiras, de concursos públicos anuais, de programas de educação continuada permanentes, de uma efetiva administração salarial, bem como de uma cultura baseada na avaliação de desempenho, como preceitua o item 6. 2 do Plano.

O critério meritório, também, é ponto fundamental na concepção weberiana da dominação burocrática, bem como o emprego da plena força de trabalho do funcionário, idéias essas que possuem estreita relação com a valorização das chamadas carreiras típicas de Estado implementada pela Reforma de 1995.

É importante frisar que no próprio texto da Reforma, a idéia da burocracia não é afastada, pois a mesma prevê um "fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal" [30], dando clara menção que a Reforma, nesse ponto, compartilhou da idéia de burocracia weberiana.

Outro ponto capital da Reforma Gerencial pertine á modificação das formas de controle, sendo requisito fundamental o controle de resultados, em vez do controle do processo. Com tal idéia, persegue-se uma melhor eficiência no serviço público.

No entanto, a própria Reforma não considerou a existência de regras positivadas em nosso ordenamento que condicionam a validade do ato administrativo à observância de certos procedimentos, ou seja, que reputam como válido o ato somente se a forma estabelecida por lei for obedecida.

Aliás, é motivo de nulidade do ato administrativo a inobservância da forma do ato nas hipóteses em que a lei assim predizer, como preceitua o art. 2º da Lei da Ação Popular.

São casos típicos de controle do procedimento, e não só dos resultados, os processos de seleção (licitações administrativas e concurso públicos), em que a Administração Pública, por mais gerencial que queira ser, deve obediência ao procedimento, por derivarem tais preceitos de normas constitucionais imperativas.

De mais a mais, não se trata de inovação ou de ruptura com o modelo antigo, eis que já previa o Decreto-Lei nº 200/67 como princípio da Administração Pública, o controle dos atos administrativos, inclusive no que pertine aos resultados (art. 13, "a"), bem como a racionalização dos procedimentos, através da supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao dano (art. 14).

Tem-se, pois, a dicotomia observada por Clóvis Bueno de Azevedo e Maria Rita Loureiro [31]. Concluem os autores, no que pertine ao controle particularmente, que não se trata de substituição do modelo então existente, mas de uma soma de um modelo ao outro.

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Ainda como objetivo básico da Reforma, encontra-se o princípio da eficiência.

A eficiência, também, está prevista no modelo weberiano de burocracia, sendo conseqüência natural e esperada da hierarquização dos cargos e da impessoalidade, como princípio explícito do modelo weberiano. É o que preconiza o trecho abaixo:

- a adoção do princípio hierárquico nas organizações, baseado num "sistema firmemente ordenado de super e subordinação, no qual há supervisão dos níveis inferiores de funcionários pelos níveis superiores"; a lealdade impessoal devotada a postos funcionais hierarquicamente superiores; a eficiência como resultante da implementação impessoal de regras racionais e impessoais, desde que não haja interferência política. [32]

A defesa da eficiência na Administração Pública não é idéia nova para o modelo burocrático weberiano, pois este já o entonava. Toda a fórmula desenhada por Weber tem como fito a eficiência na prestação dos serviços, não se constituindo em novidade a proposta da Reforma, levada á efeito com a alteração do art. 37 da Constituição Federal.

Sobre essa alteração, frisamos, há respeitada literatura do Direito Administrativo que não a considera relevante [33]:

Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram o texto.


5. CONCLUSÃO

A implementação da Reforma Gerencial no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso não representou, como bradavam os mentores intelectuais da Reforma, substituição do modelo weberiano de burocracia.

Ao contrário, fortaleceu o núcleo estratégico burocrático, priorizando as carreiras típicas de Estado e dando conotação maior à separação entre os níveis de servidores formados segundo o grau de instrução e a importância de suas funções, criando uma hierarquia de cargos mais nítida. Prestigiou, ainda, o critério de mérito através da elaboração de calendários contínuos de concursos públicos e através da criação de escolas de gestão e aperfeiçoamento de servidores.

Em face da valorização das carreiras, a Reforma procurou fixar o servidor, obtendo sua exclusiva força de trabalho, sendo para ele uma autêntica profissão, idéia essa compartilhada por Weber, cuja doutrina tem como baliza a exclusividade ou plena força de trabalho do funcionário para a administração.

A transferência de certas atividades para outros entes (públicos e privados) não contrariou a doutrina weberiana, pois, como a própria Reforma indicava, foram repassadas atividades auxiliares e de apoio, atividades essas que não necessitam de maior preparação ou especialização, como previsto no modelo de Weber.

Quanto ao controle da atividade administrativa, a Reforma não trouxe novidades para a Administração Pública brasileira, eis que, nas atividades que continuaram diretamente controladas pelo Estado e que não foram "publicizadas", "privatizadas" ou "terceirizadas", o controle sobre os resultados, além de já ter previsão no ordenamento jurídico vigente, não contraria nem acrescenta em relação à doutrina de Weber, que prevê a existência de funcionários capacitados e treinados em áreas específicas para realizar a fiscalização da atividade dos servidores.

No que tange à eficiência, consideramos não ter havido qualquer novidade em relação à doutrina de Weber, pois, pela análise dos princípios que alicerçam sua teoria sobre a burocracia, verifica-se que a mesma não prima pela ineficiência, não sendo novidade a busca pela eficiência e eficácia dos serviços públicos.

As mudanças, assim, não tiveram o impacto inovador ressoado, restando perpetuado, em sua essência, o modelo weberiano de burocracia na Administração Pública Federal brasileira, idealizado há mais de um século.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. Sociologia da Dominação. In:___. Economia e Sociedade. Brasília: Editora UNB, 1999. cap. IX.


NOTAS

  1. WEBER, Max. Sociologia da Dominação. In:___. Economia e Sociedade. Brasília: Editora UNB, 1999. cap. IX, p. 187.
  2. Idem.
  3. Ibidem, pp. 188-189.
  4. Idem.
  5. Ibidem. p. 191.
  6. SAINT-PIERRE, Héctor Luis. Max Weber: entre a paixão e a razão. 3 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, p. 113.
  7. WEBER. op. cit. p. 193.
  8. SILVEIRA, Daniel Barile da. Patrimonialismo e Burocracia: uma análise sobre o Poder Judiciário na formação do Estado brasileiro. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Constituição) - Programa de Pós-Graduação em Direito do Estado da Universidade de Brasília (FD-UnB), UnB, Brasília. Disponível em:<http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1894>. Acesso em: 4 jun. 2010, p. 29.
  9. WEBER. op. cit. p. 198.
  10. BOBBIO, Norberto et. al. Dicionário de política. Trad. Carmen Varriale, 13ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, v. I, 2007, p. 127.
  11. Idem.
  12. Ibidem. p. 238.
  13. WEBER, Max. Sociologia. Trad. Gabriel Cohn. 7 ed. São Paulo: Ática, 2006. p. 131.
  14. Ibidem. p. 133.
  15. Ibidem. pp. 134-135.
  16. WEBER. Sociedade e Estado.op. cit. pp. 331-332.
  17. WEBER. Sociologia.op. cit. p. 135.
  18. BOBBIO et. al. op. cit. p. 124.
  19. WEBER. Sociedade e Estado. op. cit. pp. 198-200.
  20. Ibidem. p.200.
  21. COSTA, Valeriano M. F. A Dinâmica Institucional da Reforma do Estado: um balanço do período FHC. In: O Estado Numa Era de Reformas: Os Anos FHC - Parte 2/ Organizadores: Fernando Luiz Abrucio e Maria Rita Loureiro. – Brasília: MP, SEGES, 2002. p. 18. Disponível em:<http://www.cedec.org.br/files_pdf/OEstadonumaeradereformasOsanosFHCparte2.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2010.
  22. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Burocracia Pública e Reforma Gerencial. In: Revista do Serviço Público de 1937 a 2007. Brasília: ENAP, 2007. p. 32. Disponível em:<http://www.enap.gov.br/downloads/RSP_70Anos_2FINAL1.pdf >. Acesso em: 28 mai. 2010.
  23. Ibidem. p. 33.
  24. Ibidem. p. 36.
  25. Ibidem. p. 34.
  26. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A Reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle – Caderno 01. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997. pp. 10-11.
  27. Ibidem. p. 40.
  28. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Burocracia Pública e Reforma Gerencial. Revista do Serviço Público, Brasilia, ano 50, n. 4, out-dez. 1999. p. 06. Disponível em: <http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=827&Itemid=129>. Acesso em: 02 jun. 2010.
  29. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI.HTM>. Acesso em: 03 jun 2008.
  30. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A Reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle – Caderno 01. p. 42.
  31. AZEVEDO, Clóvis Bueno de; LOUREIRO, Maria Rita. Carreiras públicas em uma ordem democrática: entre os modelos burocrático e gerencial. Revista do Serviço Público, Brasilia, ano 54, n. 1, jan-mar. 2003. p. 51. Disponível em <http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=827&Itemid=129>. Acesso em: 04 jun. 2008.
  32. WEBER, Max. Bureaucracy, apud PACHECO, Regina Sílvia. Reformando a administração pública no Brasil: eficiência e accountability democrática. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/docs/eg/semi4.rtf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
  33. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 112.
Sobre o autor
Adriano Craveiro Neves

Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 22ª Região. Mestre em Ciência Política. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Adriano Craveiro. A reforma administrativa brasileira (1995-1998) sob a ótica weberiana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2596, 10 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17153. Acesso em: 22 dez. 2024.

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