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Concretização do dano ambiental.

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Agenda 24/06/1998 às 00:00

5. O conceito legal do Dano Ambiental

O cerne do problema nos parece estar situado na questão do entendimento correto do conceito do dano ambiental no sentido do art. 14, § 1º, da lei 6.938/81. A referência ao conceito do dano ambiental volta à tona na lei processual sobre a Ação Civil Pública (n.º 7.347/85, art. 1°); é pacífico na doutrina que a questão o que seja um dano ao meio ambiente é respondida pela legislação material referente à proteção ambiental.

Viana Bandeira destaca com efeito que, na indagação sobre o conteúdo do conceito "dano ambiental", teríamos de considerar que o mesmo, por um lado, apresenta-se como um fenômeno físico-material, por outro lado pode integrar um fato jurídico qualificado por uma norma e sua inobservância e que somente pode cogitar-se um dano se a conduta for considerada injurídica no respectivo ordenamento legal; assim a injuridicidade decorre da violação de um interesse juridicamente protegido (Evandro F. de Viana Bandeira, O Dano Ecológico nos quadros da responsabilidade civil, in: Adilson A. Dallari/ Lúcia V. Figueiredo - Coord., Temas de Direito Urbanístico - 2, 1991, Edit. RT, p. 265, 268).

Portanto, não basta a simples opinião pessoal do aplicador do Direito (agente administrativo, promotor, juiz) que certo comportamento "faz mal ao meio ambiente"; sempre deve haver uma norma que proíbe certa atividade ou protege determinado bem ecológico. É claro, que no ato da subsunção dos fatos ao texto da norma sempre vai haver influência da atitude pessoal do intérprete. (Cf. Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 6. ed., 1983, Fund. Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 205; Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, 22. ed., 1995, Edit. Saraiva, p. 285.)

No art. 3º, III, da lei n.º 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente, o conceito de poluição está sendo definido de maneira extremamente ampla, como

"degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos."

Podemos afirmar que, onde existir poluição no sentido do art. 3º, III, da Lei 6.938/81, muitas vezes vai haver também um dano ambiental de acordo com o art. 1º, inciso I, da Lei 7.347/85, visto que a definição do conceito de dano da lei processual se rege pelas normas do direito ambiental material.

Portanto, nem toda alteração negativa do meio ambiente pode ser qualificada como poluição ou dano. Na verdade, o conceito e o conteúdo do dano ambiental na legislação ficaram relativamente indefinidos. (Cf. Jair Lima Gevaerd Filho, Anotações sobre os conceitos de Meio Ambiente e Dano Ambiental, in Revista de Direito Agrário e Meio Ambiente, Curitiba, 1987, p. 17.) Hely Lopes Meirelles esteve com razão quando alegou que "de um modo geral as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos, a agricultura e a pecuária produzem alterações no meio ambiente, as quais somente devem ser contidos e controlados quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade, caraterizando poluição reprimível. Para tanto, a necessidade da prévia fixação técnica e legal dos índices de tolerabilidade, dos padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade poluidora" (Proteção ambiental e Ação Civil Pública, in Revista dos Tribunais, n.º 611, 1986, p. 11).

A doutrina normalmente aponta três caraterísticas do dano ambiental: a sua anormalidade, que existe onde houver modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso; a sua periodicidade, não bastando a eventual emissão poluidora e a sua gravidade, devendo ocorrer transposição daquele limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais. (Paulo A. Leme Machado, ob. cit., p. 253; Fábio D. Lucarelli, ob. cit., p. 10.)

Essas tentativas de "caraterizar" um dano ambiental, no entanto, ajudam muito pouco nos casos de alterações do meio ambiente que foram autorizadas pelo Poder Público. O problema aqui não está na questão se existe ou não o fato ou o perigo de uma transformação do meio ambiente, mas questiona-se se essa mudança e legal ou ilegal e se o causador das mudanças ecológicas deve indenizar a coletividade.

Alguns autores, no entanto, parecem sentir a problemática do tema. Dantas de Carvalho, por exemplo, alega que, para verificar, no caso concreto, a incidência de um dano ambiental, a questão crucial seria "entender a amplitude da alteração necessária do meio ambiente, pois se levada a extremos, a simples derrubada de uma árvore para a construção de um hospital geraria o dever de ressarcir" (Michelle Dantas de Carvalho, Responsabilidade Civil do Estado por Danos Ambientais, in: Estudos de Direito Administrativo - em homenagem ao Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, 1996, Edit. Max Limonad, p. 309).

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Por exemplo, o dono de um sítio recebe a autorização dos órgãos competentes para derrubar árvores no seu terreno para realizar uma construção; verifica-se, depois, que as árvores eram de uma espécie rara, valiosíssima para o meio ambiente local, e que órgão da prefeitura ou do Estado errou em concede-la. Parece inaceitável a propositura de Ação Civil Pública contra o particular por ter causado um dano ambiental. A co-responsabilidade do órgão expedidor da licença não melhora muito a situação do pretenso degradador ambiental, visto que ele vai ter de se defender no processo, e poderá até sofrer uma condenação para, depois, ter de ajuizar uma ação de regresso contra o Poder Público.


6. O sacrifício especial de direito individual

Para fundamentar a tese de que mesmo uma licença ou autorização válida do órgão ambiental competente para a atividade desenvolvida não serve como excludente da responsabilidade por dano ambiental, alguns autores tentam se valer do argumento de que existe, há muito tempo, uma regulamentação de efeitos idênticos na área do direito de vizinhança dos Códigos Civis do Brasil e de outros países. Alegam também que autorizações e licenças geralmente são outorgadas pelos órgãos administrativos com a "inerente ressalva de direitos de terceiros" (José Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional, 1994, Edit. Malheiros, São Paulo, p. 216).

Nesse contexto, cita-se a lição de Karl Larenz, quem afirma que "o fundamento do dever de indenizar reside na exigência de uma justiça comutativa de que aquele que tem defendido seu interesse em detrimento do direito alheio, conquanto de maneira autorizada, tem de indenizar o prejudicado que teve de suportar a perturbação de seu direito." (Lehrbuch des Schuldrechts II - Besonderer Teil, 12. Auflage, 1981, § 78, apud Nelson Nery Jr. / Rosa M. de Andrade Nery, Responsabilidade Civil, Meio Ambiente e Ação Coletiva Ambiental, in: A. Herman Benjamin - Coord., ob. cit., p. 278, 280.)

Vale ressaltar, no entanto, que essas palavras do jurista alemão comentam o instituto da Aufopferung (sacrifício) do direito civil alemão (§ 906, II, BGB): as normas sobre o direito de vizinhança tratam do caso de que alguém está incomodando e prejudicando o imóvel vizinho com a emanação de gases, vapores, odores, fumaça, fuligem e ferrugem, calor, ruídos ou vibrações (em alemão chamados de Imissionen).

A regra, que a lei alemã estabelece, é que o vizinho prejudicado tem o direito de exigir o fim dessas incomodações físicas até se a fonte incomodadora está operando dentro dos padrões da autorização estatal (expressamente o art. 14. da Lei Federal de Proteção contra Impactos Ambientais Nocivos através de Poluição do Ar, Ruídos, Vibrações e fenômenos semelhantes (Bundes-Immissionsschutzgesetz) de 15.3.1974). Porém, não há este direito ao embargo das atividades incomodadoras nos casos em quais essas "Imissionen" sejam "comuns no local" (ortsüblich), isto é, que nesse bairro existem vários tipos dessas fontes de incomodação (por ex.: bares, restaurantes, padarias, escolas, comércios, indústrias). Todavia, essa obrigação de tolerar as incomodações (Duldungspflicht) é compensada através do direito de receber uma "justa indenização em dinheiro" quando as perturbações inviabilizam o aproveitamento comum do imóvel prejudicado e não podem ser evitadas mediante "medidas economicamente proporcionais". Temos, portanto, nessa hipótese do direito alemão, uma atividade, que, embora de ser legal, enseja o dever de indenização ao vizinho. (Cf. Hoppe, Werner /Beckmann, Martin, Umweltrecht, 1989, Verlag C. H. Beck, München, p. 262.)

O fundamento da indenização, nesses casos de vizinhança é a equidade: não é justo que um indivíduo sofra um dano ou prejuízo no seu patrimônio embora a atividade seja legal por ter sido autorizada pelo Poder Público.

No caso do dano ambiental difuso a situação se apresenta de maneira diferente: não existe a necessidade de repartir os ônus de alguns poucos que, comparados com a coletividade, sofrem um "sacrifício especial" nos seus direitos. O "interessado" aqui é a coletividade, cujos interesses, no Estado de Direito, estão sendo defendidos - bem ou mal - por parte do Poder Público, sobretudo dos órgãos administrativos da União, Estados e Municípios, ainda que reconheçamos que a "função ambiental" (Antônio H. Benjamin, Função Ambiental, in: o mesmo - Coord., Dano ambiental..., ob. cit., p. 52) não está sendo exercida exclusiva-mente pelo Poder Executivo.

Ousamos até afirmar que os próprios conceitos de "sacrifício especial individual" no sentido alemão e a "violação de interesse ou direito difuso" se excluem mutuamente.


7. Linhas paralelas com a Responsabilidade Objetiva da Administração Pública

Nessa linha de raciocínio, podemos aportar mais um exemplo de conjectura jurídica paralela. Trata-se da responsabilidade civil objetiva da Administração Pública. É pacífico na doutrina que pode haver uma responsabilidade solidária do Estado - ao lado do poluidor - nos empreendimentos sujeitos a aprovações do Poder Público no caso de autorizações legais, pelo critério da teoria objetiva; alguns aceitam essa tese desde que haja um dano (sacrifício) especial ao meio ambiente, afetando certas e determinadas pessoas da comunidade. (Assim Tóshio Mukai, Direito Ambiental Sistematizado, 1992, Edit. Forense Universitária, p. 72.)

Por exemplo, na concessão da autorização de uma fábrica, o funcionário do órgão ambiental do Estado age com toda perícia e prudência exigidas, estabelecendo padrões e limites de emissão segundo os conhecimentos atuais da ciência. Mesmo assim, as emanações da fábrica depois vêm a causar danos em algumas plantações de frutas da região. O Estado é co-responsável pelo dano provocado pela atuação não culposa do seu agente; o ato administrativo é legal, mas leva a responsabilidade objetiva do Estado pois houve um dano especial de determinados indivíduos.

Essa linha de raciocínio não está restrita ao âmbito do dano ambiental. Para admitir qualquer responsabilidade civil (objetiva) do Estado por ato administrativo legítimo, Celso Antônio Bandeira de Mello exige a existência de um "dano especial que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela sociedade" e afirma que "o fundamento da responsabilidade estatal, no caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso - é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De seguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito" (Curso de Direito Administrativo, 4. ed., 1993, Edit. Malheiros, p. 442, 456). Esse entendimento jurídico é o mesmo em vários países europeus (cf. Luis Barbosa Rodrigues, Da Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública em cinco Estados das Comunidades Européias, in: Fausto de Quadros - Coord., Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 1995, p. 248).

Se existe essa exigência do "sacrifício especial" e individual para a aceitação da responsabilidade objetiva do Estado por dano ambiental, nenhum argumento nos parece válido para não estender essa condição também aos casos da responsabilidade do particular que agiu dentro dos padrões estabelecidos pelo Poder Público.

Não olvidamos que a razão da introdução da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental (dificuldade de comprovação, cobrança maior contra o consumidor de recursos naturais) difere do fundamento da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos dos seus agentes (posição econômica forte do Estado com as suas prerrogativas legais perante o cidadão).

Também levamos em conta que, no caso da responsabilidade do Estado, normalmente se trata de danos causados a particulares mediante "atividades desempenhadas no interesse de todos", enquanto, no dano ambiental, o poluidor age, acima de tudo, em interesse próprio na perseguição de lucro pessoal.

A constelação de interesses envolvidos, no entanto, parece ser semelhante: se o Estado somente precisa indenizar os danos causados por aqueles atos legítimos, que são qualificáveis como "sacrifícios especiais", parece injusto que o particular, que cumpriu fielmente as exigências e padrões da autorização concedida pelo poder estatal, dever indenização por todo e qualquer dano que venha a se concretizar depois, especialmente o difuso.

Segundo a nossa opinião, o causador do prejuízo ecológico responde independentemente da licitude do seu ato somente onde existe um dano ambiental individual, em virtude da existência de um sacrifício especial de outrem, situação que exige, por motivos de equidade, a indenização dos prejuízos causados (solução do Código Civil Alemão).

As atividades produtivas ligadas aos setores da indústria, da construção civil, do comércio, do transporte, etc., normalmente surtem também efeitos positivos para a sociedade, como a criação de empregos, renda e tributos. Cabe ao Poder Público controlar e disciplinar essas iniciativas e ações e direcioná-las em caminhos e formas que não levam a danos à coletividade como à saúde e segurança das pessoas e ao meio ambiente.

Onde o Estado falha em preencher essa função e emite licenças que permitem impactos ambientais nocivos, não é justo repassar a responsabilidade ao particular, especialmente nos casos, onde ele podia ser confiante na certidão da autorização e a regularidade e licitude da sua atuação. O primeiro guardião dos interesses da coletividade como do bem difuso meio ambiente ainda é o Estado, não o cidadão.

Sobre o autor
Andreas Joachim Krell

professor de Direito da UFAL e da pós-graduação da UFPE, doutor em Direito pela Universidade Livre de Berlim

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRELL, Andreas Joachim. Concretização do dano ambiental.: Objeções à teoria do "risco integral". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1834, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1720. Acesso em: 15 nov. 2024.

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