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O princípio da dignidade humana como fundamento para a legislação supranacional

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Agenda 19/08/2010 às 10:18

6. Fundamentos que levam o princípio da dignidade humana a principal esteio na construção de uma legislação humanista supranacional.

Soa estreme de maiores dúvidas que o maior direito que o ser humano tem é a vida. Mas, qual espécie de vida se almeja? Indubitavelmente, a vida digna.

Após o direito à vida, nos vem a tona o direito a liberdade. Não se espera que alguém almeje a liberdade para ser vivida indignamente. Mesmo que este desejo se exprima em situações casuísticas a alguém dela privado, com certeza não é seu objetivo final.

Da mesma forma podemos falar do emprego, da fonte de renda. O ser humano busca adquirir fontes de sustento para si e sua família que possibilitem preservar sua dignidade inerente a pessoa humana.

Neste ponto é possível afirmar que o Direito do Trabalho, onde a Organização Internacional do Trabalho – OIT exerce um papel norteador supranacional invejável quando comparado aos demais organismos internacionais, mostra-se hodiernamente muito mais desenvolvido na atenção e respeito ao princípio da dignidade humana despindo-se da observância de conceitos jurídico-formais positivados que manietam o julgador impondo-lhe anacrônicas antolhas, fazendo merecer a reprodução de parte da obra de Américo Plá Rodriguez, nestes termos:

"175. Dignidade da atividade humana

A segunda deriva do próprio conteúdo do contrato, que pressupõe atividade humana prolongada no tempo.

Dado que o efeito principal do contrato é a prestação da atividade humana, parece claro que esse fato – que, em certo grau, participa da dignidade proncedente da natureza humana – deve primar sobre um elemento puramente intelectual e especulativo, como pode ser o texto de um contrato.

Com efeito, não se trata de tirar conclusões ou de deduzir consequências em um plano documental ou formal, senão de regular efetivamente fatos que se produzem na realidade. Parece óbvio, então, que a realidade reclame o papel de protagonista que deriva da própria esfera em que se produz o tema que esta disciplina deve pautar.

Dito em outras palavras, podemos afirmar que o Direito do Trabalho regula atividade humana que, ainda que possa originar-se da obrigação emergente de um contrato, desprende-se logo de seu texto para adquirir vida independente. Nisto influi decisivamente o fato de que se trate de um contrato de trato sucessivo, o que determina seu caráter dinâmico, que leva a possíveis e frequentes modificações, na prática. Se essas modificações se refletem ou não na documentação , o certo é que para aplicar as normas trabalhistas devemos partir do que está ocorrendo em cada momento.

O Direito do Trabalho regula o trabalho, isto é, a atividade, não o documento. Este deve reproduzir fielmente a realidade. É se há uma divergência entre ambos os planos, o que interessa é o real e não o formal.

Já dizia Radbruch que "a essência do Direito do Trabalho consiste cabalmente em sua maior proximidade à vida. E com grande felicidade em uma decisão jurisprudencial argentina se diz: "Frente a verdade formal deve prevalecer a verdade real".(Américo Plá Rodriguez,. Princípios de Direito do Trabalho - 3. ed. Atual., 2000, p;360/361)

Dentro deste círculo concêntrico onde a vida é o bem maior do ser humano e dentro dele, para exercício de uma vida digna podemos apontar a necessidade de liberdade, sob todos os aspectos, trabalho, saúde, moradia, educação etc. todos eles com a fruição, também, digna e inerente a condição de ser humano, percebe-se a discrepância entre os documentos formalizados e a realidade, mesmo em países que albergam de forma empedernida e formal o discurso democrático, como o Brasil.

Pequenas incursões pelo subúrbio ou mesmo por parcelas urbanas tomadas pelos flagelados sociais fazem eclodir a certeza da vida sendo exercida de forma indigna.

Favelas e bairros pobres, abandonados pelo Estado ou com pequena atividade tutorial, põem por terra a dignidade no próprio viver, bem maior.

Quando se visita estabelecimentos carcerários constata-se a ausência da liberdade, eventualmente de forma injusta ou anti-isonômica a luz dos insofismáveis números que apontam para ingente maioria de encarcerados de classes menos favorecidas, e mesmo aqueles justamente condenados cumprem suas penas de forma indigna em verdadeiro "bis in idem", pois, se sofrem a perda da liberdade, ainda a tem efetivada com verdadeira ablação da dignidade durante o transcorrer da pena e após seu término quando desponta flagrante discriminação reinante a esta parcela da população.

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Soaria risível senão trágico verificar as políticas habitacionais do nosso governo. Onde existem as maiores taxas de natalidade, são oferecidos, sem qualquer critério que identifique as necessidades e a individualidade dos cidadãos, flagrantemente violando princípios de dignidade humana, conjuntos habitacionais constituídos de habitáculos mínimos, para famílias com densidade equivalentes as européias, em clara e teratológica afronta a fundamentos erigidos na Carta Mater.

A visita a escolas públicas e hospitais públicos, ressalvadas as raras exceções, demonstram o verdadeiro descaso para com o ser humano em formação e o carente de maiores cuidados como enfermos e idosos, submetidos a longas filas e esperas inimagináveis sob a ótica do ideal para fins de profilaxia ou cura.

Espraiam-se os exemplos onde a dignidade humana, fio condutor e modulador de todas as implicações que recaiam sobre o ser humano, é violada de forma flagrante, levando a descrença na própria natureza humana que se embrutece e afastando-se de conceitos metafísicos passa a materializar todas as expectativas e objetivos da vida estipulando valores tangíveis onde, a transposição sobre a outra pessoa, transformada em concorrente, é uma coisa natural e própria do sistema vigente que premia os mais capazes, todavia, sem proporcionar-lhes as mesmas perspectivas ou oportunidades.


7. Conclusão

A vida do ser humano é todo um contexto que advém da tessitura de suas experiências e atuações dentro do campo social, englobando suas relações intra-familiares e as perante a sociedade em geral através do trabalho, lazer, interação e atuação ativa e passiva perante o Estado.

Não se pode admitir a vida indigna. Estar vivo subsistindo com rações e migalhas advindas de benfeitores ou do Estado não atende ao princípio da dignidade humana.

Ter um lugar para morar, todavia, sendo este local insalubre, incompatível ou desaconselhável, vê-se novamente a violação.

Ter trabalho, mas ser este equivalente a uma escravidão; ter estudo, mas este consubstanciar verdadeiro placebo que em nada prepara devido a ausência de qualidades propedêuticas dos estabelecimentos educacionais; buscar a liberdade, mais em razão da desumanidade do ambiente carcerário do que por resistência a imposição estatal pelo erro etc. Todos são exemplos crassos e comuns em nossa sociedade de que a dignidade humana vem sendo vilipendiada em todas as facetas do homem moderno, não sendo exclusividade de nosso país vivenciar estas situações.

O Estado, formado pela convicção de seu elemento povo de que aquele lhe proporcionará o melhor, deve ser jungido a cumprir seu papel de forma eficiente, atacando todas as frentes de forma sistematizada e certeira.

O Estado, também, como parte inarredável desta submissão ao que é mais nobre, ou seja, a preservação dos direitos humanos, em especial da vida dotada da necessidade dignidade humana, não pode se arraigar a concepções de soberania anacrônica para inviabilizar ou se eximir de cumprir o papel de facilitador e tutor das vidas de seus cidadãos ou súditos.

Dentro deste contexto, deve haver um alinhamento dos países derrogando sua soberania no que tange a obediência mundial a instrumentos jurídicos que passem a reger relações de direitos humanos de primeira e última gerações, atentos às modificações estruturais que hodiernamente já se vêm em Estados europeus que prevêem a inserção automática no ordenamento jurídico nacional de normais internacionais desta espécie quando ratificadas, "verbi gratia" a Constituição de Portugal.

A vida, sob todas suas facetas, para pleno exercício, sem a preservação da dignidade daquele que a exerce até sua morte, conseqüência natural e derradeira também tutelada pelo Estado, consubstancia-se atentado que deve ser repudiado e aniquilado através dos instrumentos democráticos existentes, com o exercício consciente do poder político do povo, derrogando qualquer obstáculo que possa buscar impedir que o princípio da dignidade humana se espraie de forma jurídico-positivada supranacionalmente, fixado pelo bom senso e pela própria noção de bem-estar advinda de estudos científicos e psicológicos predominantes no mundo e que tem como fito a melhoria da vida individualmente e em comum.


8. Bibliografia

-REZEK, José Francisco, 1944 - Direito internacional público : curso elementar/J. F. Rezek – 9. ed. rev. - São Paulo : Saraiva, 2002;

-ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro : parte geral / Eugênio Raúl Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. - 5. ed. rev. e atual. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004;

-MORAES, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes – 13. ed. - São Paulo : Atlas, 2003;

-SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo / José Afonso da Silva – 12. ed. rev. atua. - São Paulo : Malheiros, 2003;

-PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho / Américo Plá Rodriguez; tradução de Wagner D. Giglio. - 3. ed. Atual. - São Paulo : Ltr, 2000.

Sobre o autor
Lázaro Alves Martins Júnior

Mestrando em Direito e especialista em Direito Público pela PUC-Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS JÚNIOR, Lázaro Alves. O princípio da dignidade humana como fundamento para a legislação supranacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2605, 19 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17217. Acesso em: 22 nov. 2024.

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