Sumário:1. Introdução; 2. O cerne da percepção da subordinação como elemento determinante na relação de emprego; 3. Idéias iniciais e contextualização do tema; 3.1. O conceito clássico de subordinação na relação de emprego; 4. A modificação do sistema produtivo; 4.1. A terceirização; 4.2. O trabalho autônomo; 4.3. A parassubordinação e a "pejotização"; 5. A subordinação estrutural; 6. Um novo conceito de subordinação; 6.1. A dependência econômica; 6.2. A alteridade e a assunção do risco da atividade econômica; 6.3. O exercício de atividade essencial incorporada ao processo produtivo; 7. Conclusão.
O conceito do fenômeno jurídico da subordinação necessita de constante adaptação para que atenda às novas situações vivenciadas no mercado de trabalho. Tal adaptação pode ser enquadrada como uma espécie de evolução protetiva do conceito, que busca conferir melhor aplicabilidade da ordem jurídica vigente ao contexto de inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços e no direcionamento objetivo do trabalho prestado.
1. Introdução
Para a configuração da relação de emprego é necessária a verificação de elementos perceptíveis no mundo dos fatos. Hodiernamente, a doutrina após interpretação contida nos artigos 2° e 3° do texto celetista identifica cinco elementos caracterizadores do liame empregatício, quais sejam: (i) prestação do trabalho por pessoa física; (ii) efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; (iii) tal prestação também deverá ser habitual ou não-eventual; (iv) verificada sempre sob subordinação ao tomador de serviços; (v) sendo que este, em razão da onerosidade, se vê obrigado a remunerar o trabalho contratado.
Os elementos acima identificados, por tratarem de situações fáticas fundamentais para a própria configuração do vínculo jurídico empregatício detêm especial relevância sociojurídica sendo, por esta razão, objeto de atenção do Direito.
Não obstante seja considerável que todos os requisitos da relação empregatícia apresentam vasta temática de abordagem doutrinária e jurisprudencial, o foco do presente estudo se prende a uma análise da subordinação, que deve ser classificada como fenômeno jurídico indissociável para a configuração da relação empregatícia.
Ocorre que a subordinação, por ser a síntese de diversos outros elementos sócio-econômicos, deve ser avaliada em um contexto amplo, não preso à simples constatação do acato de ordens, determinações e submissão à fiscalização do tomador de serviços.
Portanto, o que se propõe através do presente estudo não é uma reformulação do conceito de subordinação consolidado através de inúmeros manuais sobre direito material do trabalho, mas sim a adaptação de tal conceito às novas situações vivenciadas no mercado de trabalho.
As linhas do presente artigo buscarão sempre alcançar uma resposta jurídica à nova forma de organização produtiva, que sob o argumento de estar respaldada sob a suposta égide da terceirização, distorce a categoria central do Direito do Trabalho pátrio, a subordinação, para assim, desestruturar as relações jurídicas laborais.
Trata-se, desta maneira, de estudo não com o intuito de propor alterações legislativas utópicas, profiláticas ou emergenciais, mas sim dar o necessário enfoque a mais recente doutrina e jurisprudência atentas à distorção hodiernamente verificada no conceito de subordinação.
2. O cerne da percepção da subordinação como elemento determinante na relação de emprego
Antes de se expor qualquer consideração relevante acerca do tema que se pretende abordar, há que se fazer uma introdução histórica, com o intuito de ao menos situar o estudioso no momento evolutivo que marcou o início da percepção da subordinação como elemento intrínseco e fundamental da relação empregatícia.
Contudo, para que se possa aferir com presteza a oportunidade da verificação da subordinação jurídica atinente à própria relação de emprego, há que se analisar o contexto do surgimento da relação empregatícia, uma vez que se tratam de elementos intrinsecamente inter-relacionados, necessariamente verificados em conjunto.
A enriquecedora doutrina de Mauricio Godinho Delgado aponta que a existência do trabalho livre marca a oportunidade histórica do cerne da relação empregatícia (por conseguinte, surgimento do trabalho subordinado). Segundo o Eminente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, em sua consagrada obra Curso de Direito do Trabalho, a existência do trabalho juridicamente livre é pressuposto histórico-material do surgimento do trabalho subordinado e conseqüentemente da relação de emprego. De acordo com suas considerações, não ocorre, de modo relevante na história, trabalho subordinado enquanto não assentada uma larga oferta de trabalho livre no universo econômico-social. Ademais, conclui o ilustre jurista que o elemento subordinação não se constrói de modo distintivo senão em relações em que o prestador não esteja submetido de modo pessoal e absoluto ao tomador dos serviços (1).
A partir das conclusões acima mencionadas pergunta-se: Quando se verificou na história, uma larga oferta de trabalho livre? Quando se deixou de verificar a submissão / sujeição pessoal e absoluta do trabalhador ao tomador de serviços?
De fato, não há que se considerar o contexto histórico predominantemente escravocrata como momento relevante para o estudo em debate, mormente porque o escravo (há época tido como um objeto), não era sequer considerado sujeito de direito. Da mesma forma, enquanto se aferia a relação servil de trabalho (também com sujeição pessoal do trabalhador) em que os servos entregavam parte de sua produção aos senhores feudais em troca do uso da terra e proteção, também não era possível apurar-se a aludida liberdade laboral.
Apenas a partir do final da Idade Média e início da Idade Moderna é possível observar um consistente processo de reconfiguração social com conseguinte expulsão e desvinculação do servo da gleba, o que fez enfraquecer significativamente a utilização servil do trabalho humano. Tal contexto histórico marcaria o começo da inserção da mão-de-obra juridicamente desvinculada dos meios de produção e do proprietário desses meios.
Há que se salientar que a vinculação desta mão-de-obra livre (após a expulsão dos servos das glebas) ao sistema produtivo emergente capaz de garantir a combinação da liberdade com subordinação se deu durante no período da Revolução Industrial.
Portanto, foi durante a Revolução Industrial do século XVII (atravessando o século XVIII) que houve a obrigação do empregado, através da sua livre manifestação de vontade, em acolher a direção do empregador a respeito do modus operandi da prestação de serviços. A partir deste momento e sob a ótica objetiva da submissão, diversa da interpretação atinente à sujeição pessoal atuante sob a própria pessoa do trabalhador, é que se considera formada a relação empregatícia com conseguinte presença irrefutável da subordinação jurídica.
A presença da liberdade e sua projeção na relação concreta consubstanciada pela vontade (só verificada após o rompimento com o antigo panorama de sujeição do prestador de serviços) é, a propósito, o elemento nuclear a separar o trabalho empregatício dos trabalhos servis e escravos, que lhe precederam na história das relações de produção ocidentais e apresenta-se como elemento essencial à configuração da relação de emprego. Ao considerar-se a liberdade como elemento fundamental a distinguir a relação de emprego das relações servis e escravocratas, surge a vontade como seu elemento constitutivo basilar. Vale ressaltar contudo, que a vontade à baila, não é aquela dirigida à definição do conteúdo do vínculo contratado, mas sim referente à definição acerca da efetiva pactuação do referido liame fomentador da relação jurídica de emprego.
3. Idéias iniciais e contextualização do tema;
Devidamente realizada a identificação temporal e a relevância do elemento "vontade" na pactuação da prestação de serviços, passamos a fazer uma análise de como o exercício deste livre arbítrio de se vincular a um trabalho (um liame em que se direciona a força da mão-de-obra aos ditames estabelecidos pelo tomador do serviço) refletiu no conceito clássico amplamente disseminado de subordinação.
3.1. O conceito clássico de subordinação na relação de emprego
Ao buscar no dicionário a palavra "subordinação" encontraremos, dentre outras, as seguintes definições:
1 - ordem estabelecida entre as pessoas e segundo a qual umas dependem das outras, das quais recebem ordens ou incumbências; dependência de uma(s) pessoa(s) em relação a outra(s) Ex.: s. aos pais, aos superiores.
2 - (1650) ato ou efeito de obedecer; obediência, disciplina Ex.: s. militar.
3 - ato ou efeito de colocar(-se) em condição inferior; submissão Ex.: s. do material ao espiritual (2).
1 - Ato ou efeito de subordinar ou subordinar-se.
2 - Ordem estabelecida entre pessoas dependentes entre si, tendo umas o direito de mandar, e as outras a obrigação de obedecer, mas dentro da lei e da moral.
3 - Dependência acompanhada do reconhecimento da superioridade de uns em relação aos outros.
[...]
7 – Sociol.l: Processo de integração pelo qual pessoas ou grupos se ajustam a uma situação social considerada inferior com relação a outros grupos ou pessoas(3).
As definições acima demonstram grande utilidade para apresentar o "norte" da compreensão do fenômeno jurídico ora enfocado, contudo, são insuficientes se aplicáveis ao universo justrabalhista, conjuntura de maior relevância ao momento.
Nesta feita, socorremo-nos aos ensinamentos da doutrina sedimentada na seara trabalhista.
Primeiramente, destacamos o conceito de subordinação formulado por Mauricio Godinho Delgado:
A subordinação corresponde ao pólo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços (4).
Tratando da subordinação jurídica, Otávio Calvet assevera que a mesma decorre da manifestação de vontades que cria a relação de emprego, e como seu objeto a disponibilização por parte do empregado de energia de trabalho para que o empregador a utilize como um dos fatores da sua produção, assumindo o empregador todos os riscos inerentes a sua atividade, motivo pelo qual pode o mesmo manejar essa energia adquirida por meio do contrato de trabalho (5).
Por sua vez, Renato Saraiva entende relevante destacar que em função do contrato de emprego celebrado passa o obreiro a ser subordinado juridicamente ao patrão, devendo o trabalhador acatar as ordens e determinações emanadas, nascendo para o empregador, inclusive, a possibilidade de aplicar penalidades ao empregado (advertência, suspensão disciplinar e dispensa por justa causa), em caso de cometimento de falta ou descumprimento das ordens emitidas (6).
Fazendo uma abordagem ao conceito clássico de subordinação, não poderíamos nos furtar de mencionar a celebrada doutrina de Amauri Mascaro Nascimento, segundo a qual a subordinação jurídica exprime-se "na situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará" (7).
A partir da observação de todo o acima declinado, poderíamos concluir que a subordinação é fenômeno jurídico derivado do contrato de emprego que atua sobre o modo de realização da prestação, ou seja, sobre o direcionamento objetivo do trabalho prestado. Expressando voluntariamente a intenção de manter a prestação de serviços, o trabalhador fortalece a conjuntura de condicionamento de atuação no aguardo ou execução de ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
Chamamos atenção ao momento acerca do aspecto objetivo da subordinação. O termo ora enfocado, obviamente traduz-se em disposição contrária à figura da subordinação subjetiva, sendo que é quase consenso entre os operadores do direito que a subordinação da relação de emprego não atua sobre a pessoa do trabalhador criando um estado de sujeição em desfavor deste diante do tomador de serviços, traduzindo-se, na verdade, sobre a atividade exercida, daí o enfoque objetivo da questão.
Contudo, o termo "subordinação subjetiva" ainda é, mesmo que por poucas vezes, analisado a partir do exercício pelo tomador dos serviços do poder diretivo, de fiscalização e de punição dos empregados. Concordamos que se pode extrair validade de tal percepção, uma vez que o poder empregatício (expoente do poder de dirigir, regulamentar, fiscalizar e disciplinar no contexto laborativo) manifesta-se como prerrogativa do tomador de serviços relacionada ao cumprimento da obrigação estatuída no contrato de emprego. Todavia, destacamos incisivamente que o aproveitamento do conceito no sentido ora enfocado restringe-se à limitação da autonomia da vontade do trabalhador no modo da prestação do serviço, jamais se confundindo com a dominação da pessoa do trabalhador.
Quando a este aspecto destacamos a doutrina de Maria do Rosário Palma Ramalho, jurista portuguesa que enxerga na subordinação um estado de dependência pessoal em que se encontra o trabalhador perante o empregador no contrato de trabalho, e que se manifesta essencialmente em dois deveres do trabalhador: o dever de obediência, com o conteúdo amplo que lhe atribuímos e que corresponde, na titularidade do empregador, ao poder de direção (através do qual este fixa o conteúdo concreto da atividade laboral a desenvolver) e ao poder disciplinar na sua face prescritiva (pelo qual são estabelecidos deveres atinentes à disciplina e organização da empresa); e o dever de acatamento das sanções disciplinares, que lhe sejam regularmente aplicadas pelo empregador ao abrigo do poder disciplinar sancionatório (8).
Assim como o termo "subordinação subjetiva" a expressão "subordinação objetiva" evoluiu e também apresenta outra relevante concepção, demonstrando a integração do trabalhador na organização empresarial, sendo muito utilizado como fundamento teórico para a conceituação do trabalhador subordinado. O termo "subordinação objetiva" apresenta-se, outrossim, assemelhado (ou evolucionado) ao conceito de "subordinação estrutural", que interpreta a inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços como elemento central da relação empregatícia, afastando-se assim da sedimentada idéia de imperiosa observação da simples imposição do modus faciendi (modus agendi ou modus operandi) pelo tomador ao prestador de serviços na realização do trabalho.
4. A modificação do sistema produtivo;
As atuais políticas econômicas e sociais pressionam o Estado interventor e regulador. Sua fragilização decorre principalmente da neoliberalização do Estado e do processo de intensificação das relações sociais em escala mundial (a globalização), o que de certa forma retira as estruturas governamentais estatais o poder de ingerência e domínio total e definitivo sobre os acontecimentos sociais, econômicos e políticos.
As empresas transnacionais reestruturaram o capital, sendo este hoje observado em seu caráter mundial, não mais meramente local ou regional. Essas empresas são capazes de desestruturar o cenário normativo de determinado país, estabelecendo alterações econômicas e sociais aptas a tornar o próprio Estado e o seu Direito ineficazes em face da nova realidade, o que a longo prazo, pode significar efetivo alijamento econômico do Estado afastado da nova ordem econômico-produtiva.
Tal conjectura é perfeitamente exposta pro Rodrigo de Lacerda Carelli:
Os Estados Nacionais passam a exercer a "Concorrência pelo Direito", "Concorrência pelo Trabalho", "Concorrência Internacional de Trabalhadores" ou Dumping Social, ou seja, "desvalorização competitiva social" por meio de concessões fiscais ou jurídicas realizadas por estes Estados, em busca dos postos de trabalho a serem oferecidos pelas empresas transnacionais, as quais, pelo desencaixe espaço-tempo, estão possibilitadas de produzirem de qualquer parte do mundo objetivando qualquer outro mercado consumidor, situado em qualquer outro continente. Desta forma, logicamente, estes empreendimentos transnacionais escolherão os locais ou países que melhores condições econômicas lhe oferecem, causando com isso uma pressão negativa nos direitos sociais dos Estados que se interessarem em acomodar essas empresas, ou até mesmo, naqueles que desejam manter essas empresas em seu território, pois a volatilidade das empresas também se apresenta na nova configuração mundial, e as instalações e desinstalações de empresas se fazem em questão de dias.
Declinam, outrossim, a força e a coesão dos trabalhadores na luta pelos direitos relativos ao trabalho, minada pela pressão esmagadora das forças ditas neoliberais, que provocam a "modernização conservadora" que pressionam os governos a efetuar a desregulamentação do trabalho e o retorno de seu regramento para a legislação civil. Nesta "modernização conservadora" insere-se o processo de "flexibilização do Direito do Trabalho", cujas tentativas são, nada mais, nada menos, do que aproximar o trabalho da regência pelas leis liberais do mercado (9).
Ocorre que tal processo mundial, por muitas vezes (na verdade, corroborando a regra do procedimento) é acompanhado do enfraquecimento das garantias sociais, principalmente as trabalhistas, chegando a assemelhar o trabalho à singela figura de mercadoria.
O marcante regime de acumulação de capital (a partir das idéias de Henry Ford e Friedrich Taylor) que marcou o surgimento do conceito clássico de subordinação foi superado.
No regime fordista ou taylorista, a produção se concentrava e organizava numa grande unidade fabril apta a produzir o produto final (todas as atividades de desenvolvimento do produto sob sua responsabilidade). A atividade laboral era organizada em linha de produção submetida a um único estatuto, sendo apenas diferenciada por uma estrutura hierarquizada apta a organizar os trabalhadores sob sua dependência e comando direto.
A crise do capitalismo das décadas de 60 e 70 instigou o crescimento de estratégias neoliberais baseadas em um novo paradigma econômico, intensivo em capital, tecnologia, informações e conhecimento.
Surgiu o sistema toyotista, idealizado por Taiichi Ohno (conhecido também por sistema ohnista), que implementou novas técnicas de administração como o salário individualizado por produção, a diminuição com controle do estoque e a produção em tempo real, tudo para eliminar o excesso de equipamentos, a área útil empenhada nas atividades e o número de empregados necessários para a mesma produção, objetivando manter apenas os trabalhadores multifuncionais, qualificados e adaptáveis às mudanças. A experiência toyotista propõe a utilização do trabalho à distância, em razão de basear-se na diminuição do âmbito produtivo da empresa, com delegação de funções a terceiros, como a produção de componentes ou serviços integrantes do processo produtivo fora do ambiente clássico da empresa.
Relevante aspecto deste sistema é intensificação de deslocamento de unidades produtivas, de país em país, em busca de força de trabalho mais barata (o que invariavelmente está atrelado a um patamar civilizatório deficitário e caráter normativo insignificante) e debilitada pela ausência de organização laboral coletiva.
Portanto, a partir da crise do capitalismo foi idealizado e implantado um novo regime de acumulação de capital marcado por evidente caráter flexível. Surgiu uma reestruturação produtiva, passando o processo produtivo a se organizar de forma horizontal, em rede (e não mais vertical como no modelo anterior), de modo a possibilitar que as empresas concentrem seus recursos e organização produtiva especificamente no desenvolvimento da atividade econômica principal, relegando o desenvolvimento das atividades periféricas (porém, que não deixam de ser necessárias à consecução final do produto) a outras empresas dedicadas a tais atividades.
Obviamente, tal fenômeno também pôde ser verificado em escalas regionais, ocorrendo a distribuição de atividades periféricas para outras empresas, fenômeno conhecido como subcontratação ou externalização, muito conhecido no Brasil como terceirização.
4.1. A terceirização;
Entre diversas conceituações que podemos encontrar na doutrina, mencionamos a contribuição de Ciro Pereira da Silva, que conceitua tal fenômeno como a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade (10).
Em suma, a terceirização é a atribuição, a terceiros, de atividades não conectadas ao objeto social da empresa.
O fenômeno tem natureza jurídica contratual comercial entre empresas (não sendo contrato civil de fornecimento de trabalho ou de mão-de-obra, mas sim contrato de atividade que será realizada autonomamente por empresa especializada) pertencente à área do Direito Comercial e Civil, com inequívoca abrangência temática no campo justrabalhista.
A terceirização cria um modelo trilateral de relação socioeconômica composta: pelo trabalhador que presta seus serviços junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante que firma contrato empregatício com este trabalhador; e a empresa tomadora de serviços, que por sua vez, contrata com a empresa terceirizante e recebe a prestação de labor dos funcionários desta interveniente, não assumindo a posição clássica de empregadora do trabalhador que desempenha atividades em seu proveito.
Tal modelo contratual tem se desenvolvido no panorama socioeconômico com extrema velocidade, não sendo devidamente acompanhado por consequente esforço normativo, o que fez com que o fenômeno evoluísse em campo afastado do Direito do Trabalho (justamente por estar significativamente à margem da legislação).
A título de fortalecimento do exposto no parágrafo anterior, poderíamos mencionar que o texto celetista, no que se pode chamar de referências incipientes ao modelo próximo de terceirização, previu em seu art. 455 duas figuras delimitadas de subcontratação de mão-de-obra, a empreitada e a subempreitada.
Somente nos idos da década de 60 e 70 surgiram referências normativas mais claras ao fenômeno. Neste ínterim, podemos mencionar o Decreto-Lei 200/67 (art. 10) e a Lei 5.645/70 (terceirização no segmento estatal), Lei 6.019/74 (lei do trabalho temporário) e Lei 7.102/83 (terceirização permanente no setor de vigilância bancária).
Ocorre que o segmento privado abraçou com grande evidência este modelo de contratação fazendo surgir inúmeras situações específicas criando exceções ao modelo trabalhista clássico (bilateral), sem a existência de texto legal autorizativo.
Sendo inegável a relevância do debate jurídico sobre o tema (mormente em razão do esfacelamento da proteção do empregado e da novel compreensão dos elementos fático-jurídicos que a terceirização invoca) o Tribunal Superior do Trabalho editou em 1986 a súmula 256 posteriormente revisada pela súmula 331 de 1993 que hoje, inobstante a ausência de caráter normativo, sedimenta entendimento sobre a matéria.
Nº 331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).
Mesmo sabendo que o teor do presente estudo não repousa especificamente na abordagem integral da terceirização, apenas a título de competente abrangência do tema, urge destacar que atualmente, a terceirização lícita somente é verificada nas hipóteses legalmente autorizadas para a contratação de trabalho temporário (hipóteses expressamente tipificadas na Lei 6.019/74), nas atividades de vigilância (abrangidas pela lei 7.102/83), nas atividades de conservação e limpeza, e nos serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
Como dissemos, embora a integralidade do fenômeno não seja, ao momento, objeto de análise específica (o que decerto, por si só apresenta campo temático deveras amplo para abordagem de artigo especialmente dedicada para tal fim), é de grande relevância para o estudo a aferição da hipótese de terceirização concernente ao desempenho de atividade-meio da empresa.
As atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. De maneira dispare, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São aquelas atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços (11).
Já foi mencionado que a terceirização de atividade-meio é considerada lícita, contudo, na prática cotidiana, muitas empresas "terceirizam" suas atividades-fim, isentando-se do cumprimento da legislação trabalhista com o claro intuito de encobrir a relação empregatícia existente. Tal prática leva ao reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa tomadora. Vejamos alguns julgados sobre o tema:
TERCEIRIZAÇÃO. TOMADOR DE SERVIÇO. FRAUDE. RELAÇÃO DE EMPREGO.
TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. FUNÇÃO DESENVOLVIDA PELO EMPREGADO QUE SE INSERE NA ATIVIDADE-FIM DA TOMADORA. RELAÇÃO DE EMPREGO QUANTO A ESTA. Constando do estatuto social da acionada ser um de seus objetivos sociais a prestação de serviços de crediário, o recebimento e recuperação de títulos, carnês e afins, e sendo esta última expressão, "recuperação de títulos, carnês e afins", mero eufemismo quanto à atividade de cobrança de clientes inadimplentes, já do estatuto social da empresa extrai-se que a função incontroversamente exercida pelo autor, de operador de cobrança inseria-se em sua atividade-fim, hipótese que não admite terceirização, a qual foi efetivada com o claro intuito de fraudar a aplicação da legislação trabalhista, o que não pode ser admitido. Logo, diante do que dispõe o art. 9° da CLT, há de se ter por nulas as contratações do autor por interposta pessoa, declarando-se que o vínculo de emprego formou-se, em verdade, diretamente com o tomador.
(TRIBUNAL: 1ª Região; 3ª Turma; Processo: 01315-2004-073-01-00; Julg.: em 26/06/2006; Relator: Des. José Maria de Melo Porto)
TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. Conforme entendimento consubstanciado na Súmula 331 do TST, a terceirização encontra respaldo apenas nos casos de trabalho temporário (Lei 6.019/74), serviços de vigilância (Lei n° 7.102, de 1983), de conservação e limpeza, e de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistam a pessoalidade e a subordinação direta. Assim, a contratação terceirizada, por si só, não viola a legislação trabalhista, que admite o repasse das atividades periféricas e/ou extraordinárias à atuação empresarial central, promovendo com isto um incremento na oferta de postos de trabalho os quais, se a princípio são precários, podem vir a se tornar efetivos. Entretanto, quando se verifica que os serviços terceirizados estão intrinsecamente ligados à atividade-fim da tomadora dos serviços, desvirtua-se o instituto, que não pode, nem deve servir de instrumento para alijar o empregado das garantias creditórias ofertadas por estas empresas que, geralmente, ostentam maior solidez econômico-financeira em relação às empresas prestadoras de mão-de-obra.
(TRIBUNAL: 3ª Região; 6ª Turma; Processo:
00965-2007-006-03-00-9; Julg. em 07/07/2009; Relator: Des. Fernando Antônio Viegas Peixoto)Se através da terceirização o trabalhador é inserido no processo produtivo do tomador de serviços haverá a ilicitude da figura pois não serão estendidos ao obreiro os laços trabalhistas uma vez que o liame empregatício mantém-se com a empresa interveniente, daí a ilegalidade do fenômeno sanada pelo provimento Judicial de declaração de vínculo com a própria empresa tomadora.
Regularmente instituída a terceirização, somente a empresa terceirizante responde pela direção dos serviços efetuados por seu trabalhador no estabelecimento da empresa tomadora.
Nesta altura do raciocínio duas perguntas naturalmente surgem com relevante pertinência, quais sejam: Nos casos de terceirizações em que se verifica que a atividade terceirizada faz parte da atividade-fim da tomadora, para que possa haver a declaração de irregularidade da modalidade de contratação com esta entidade há necessidade de aferição da subordinação jurídica do trabalhador ao tomador dos serviços? Há possibilidade de declaração do vínculo empregatício direto com o tomador dos serviços caso não se afira a clássica figura da subordinação nestes casos de terceirização ilícita em razão da intermediação de mão-de-obra direcionada à atividade-fim da tomadora?
Respondendo a primeira pergunta, entendemos que a simples aferição do desempenho de funções por trabalhadores terceirizados de atividades-fim do tomador já é requisito suficiente para que seja declarada a ilicitude da terceirização, até mesmo sem se verificar a figura da subordinação jurídica (pelo menos em seu conceito clássico já indicado neste trabalho).
Tal entendimento já vem sendo corroborado por alguns Tribunais no que tange à procedência de autuações realizadas por auditores fiscais do trabalho, senão vejamos:
TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. AUTUAÇÃO. ART. 41 DA CLT. As hipóteses lícitas de terceirização configuram exceção na ordem jus trabalhista e estão representadas pelas situações em que as atividades empresariais autorizam contratação de trabalho temporário (Lei nº 6019/74); atividades de vigilância (Lei nº 7.102/83); atividades de conservação e limpeza e, por fim, os serviços ligados as atividades-meio do tomador (entendendo-se atividade-meio como aquela que se dissocia da dinâmica essencial do empreendimento e confere suporte à execução do objetivo principal. Por exemplo, aquelas atividades citadas na Lei nº 5.645/70: transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas. Não obstante estas considerações, a dinâmica do Direito do Trabalho, enquanto ciência eminentemente social permite ponderar que é factível que uma atividade não inserida nas exceções descritas seja considerada meio, em cotejo com o objeto social do tomador de serviços. A 'conditio sine qua non' para aferição da licitude da terceirização reside no cotejo da natureza da atividade empresarial, em contrapartida ao tipo de mão-de-obra envolvida na execução. Na hipótese em que a atividade empresarial, como no caso dos autos, é a prestação de serviços de consultoria em informática, os trabalhadores que executam as tarefas ligadas à informática devem ser, obrigatoriamente, empregados, já que não estão inseridos no rol de exceções descritas e estão diretamente envolvidos no núcleo da atividade empresarial (atividade-fim), sendo, inclusive, despicienda a produção probatória acerca da existência de subordinação e pessoalidade, no particular.
(TRIBUNAL: 2ª Região; 3ª Turma; Processo:
02877-2005-025-02-00-3; Julg. em 09/12/2008; Relator: Des. Paulo Augusto Câmara).No que pertine ao segundo questionamento, também pensamos ser possível a declaração de vínculo empregatício com o tomador, mesmo sem a percepção da subordinação direta deste diante do tomador. Todavia, o termo "subordinação" ora em destaque (utilizado para responder à segunda inquirição) deve ser adaptado ao cotejo dessas situações típicas de terceirizações ilícitas, abrangendo um conceito reformulado daquele já identificado no presente estudo (conceito clássico), não levando em consideração a intensidade de ordens fundada no poder diretivo e dependência hierárquica quanto ao modo de prestar o serviço.
Sendo assim, a verificação da natureza da atividade econômica desenvolvida pelo tomador de serviços e o tipo de mão-de-obra (tarefas desenvolvidas) utilizado em tal mister são elementos fundamentais para a observação da (i)licitude da terceirização.
A terceirização de atividade-fim rompe o equilíbrio sócio-econômico entre trabalhador e empregador, pois evidencia a discriminação remuneratória e retirada de direitos e benefícios conquistados pelos empregados através de negociações coletivas, bem como aqueles oriundos da legislação assistencial.
Inserido artificialmente no processo produtivo da empresa tomadora, assume o trabalhador terceirizado os riscos do empreendimento, gerando, por conseguinte, sonegação das contribuições previdenciárias, o que acaba por evidenciar, outrossim, prejuízo à autarquia previdenciária que tem sua fonte de custeio diminuída.
Complementando a resposta formulada ao segundo questionamento, destacamos que a subordinação não deixará de ser enfoque para a caracterização do liame empregatício declarado após a aferição de terceirização ilícita. O que pretendemos defender é que a subordinação em enfoque nessas situações excepcionais situadas à margem do ordenamento justrabalhista (intermediação de mão-de-obra) não pode mais ser encarado através de seu conceito clássico, devendo outros elementos ganhar importância na observação do fenômeno como a alteridade, a dependência econômica, a assunção do risco da atividade econômica pela empresa e o exercício de atividade econômica essencial.
A união destes elementos (que serão abordados em momento oportuno) abrange um moderno conceito de subordinação mais adequado ao atual conjunto de condições socioeconômicas.
Feitas essas considerações acerca da terceirização e dado o respectivo enfoque ao tema no que concerne à afetação ao conceito de subordinação (com a conseguinte necessidade de modernização da tipificação daquele elemento fático-jurídico), também entendemos que o mesmo olhar crítico ora enfocado deve ser direcionado à figura do trabalho autônomo, objeto do tópico seguinte.
4.2. O trabalho autônomo
Sergio Pinto Martins, em seu consagrado manual de direito do trabalho define trabalhador autônomo como a pessoa física que presta serviços habitualmente por conta própria a uma ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos de sua atividade econômica. Assevera ainda que o trabalhador autônomo não é subordinado como o empregado, não estando sujeito ao poder de direção do empregador, podendo exercer livremente sua atividade, no momento que o desejar, de acordo com sua conveniência (12).
Diferenciando o empregado celetista do trabalhador autônomo, o renomado jurista infere que
O empregado e o trabalhador autônomo prestam serviços com continuidade, com habitualidade ao tomador de serviços. A diferença fundamental entre os referidos trabalhadores é a existência do elemento subordinação, o recebimento de ordens por parte do empregador, a direção por parte do último. O empregado trabalha por conta alheia, enquanto o autônomo presta serviços por conta própria (13).
Portanto, o elemento central para a verificação da figura do trabalho autônomo é a percepção da subordinação na prestação dos serviços ao tomador, do grau de liberdade e independência funcional que tem o prestador de serviços diante de seu destinatário.
Apesar de ser teoricamente simples a diferenciação acima exposta, o operador do direito sabe que distante de seus momentos de estudo, aperfeiçoamento técnico e atualização jurídica, na prática, a observação da figura não é tão clara quanto se imagina.
Diante da casuística, diversos "métodos" já foram propostos para o alcance de um padrão capaz de responder com rapidez e facilidade as questões envolvendo o debate entre trabalho autônomo e aquele caracterizado pelo liame empregatício.
Já foi proposto que autônomo seria aquele trabalhador possuidor das ferramentas de trabalho, contudo, tal critério não ganhou força, pois aparentemente não há impedimento de o obreiro ser o proprietário do instrumento utilizado na labuta, nem há proibição de um autônomo usar eventualmente, ou mesmo de forma habitual as ferramentas da empresa tomadora de seus serviços. Tal posição perde relevância também diante das infinitas relações laborais existentes, restando absolutamente insuficiente para sanar a questão.
Também já foi defendido que autônomo é o trabalhador que não se prende, que não tem exclusividade com o tomador de seus serviços. Ocorre que tal método não resolve a celeuma haja vista que o contrato de emprego não tem como requisito a exclusividade, pelo contrário. Não existe proibição legal do trabalhador manter simultaneamente mais de um contrato de emprego desde que consiga compatibilizar os horários obrigacionais.
Da mesma forma que os métodos acima destacados, a obrigação de prestação de contas ou situação equiparável à necessidade de apresentação regular de relatórios também não é artifício recomendável para a solução do debate. Pensamos que a prestação de contas ou a realização de relatórios (apesar de ser forte indício de fiscalização e controle da atividade) é procedimento operacional que pode ser enxergado como próprio de uma pessoa proba, diligente e compromissada com a transparência de suas atuações profissionais, jamais podendo ser vista em seu aspecto singular como evidência determinante de desconsideração da autonomia laboral.
Feitas as observações acima, percebe-se ainda com maior ênfase que a aferição da subordinação tem realmente papel fundamental na identificação do trabalho autônomo, o que acaba por levar ao jurista ao sinuoso caminho da verificação fática (desvendando o acerto do consagrado termo "contrato-realidade" e da importância do princípio da primazia da realidade pertinente à ciência justrabalhista).
Neste momento, invocamos a mesma questão proposta no item precedente ao finalizarmos o debate acerca da terceirização: Quais são as características da subordinação que se fazem necessárias para melhor atender o atual contexto socioeconômico de esfacelamento das garantias trabalhistas e modificação da estrutura dos meios de produção? A exaustiva tarefa de verificação de direção, fiscalização do labor, determinação de horário, necessidade de comparecimento, imposição de produtividade mínima, etc, hoje se apresenta como critério razoável e seguro para o operador jurídico identificar uma relação tipicamente empregatícia?
Hodiernamente o melhor entendimento do termo subordinação advém do esforço interpretativo que passa por uma análise menos exaustiva do que aquela característica da determinação do modus operandi e o reflexo do poder diretivo e fiscalizatório do tomador de serviços. Assim como mencionado no último parágrafo do tópico 4.1, reafirma-se que o novo modelo de subordinação objeto do presente trabalho será tratado em tópico específico.
4.3. A parassubordinação e a "pejotização";
Ainda em abordagem ao trabalho autônomo, entendemos ser de grande valia fazer ao menos um breve estudo sobre a figura da parassubordinação, fenômeno intimamente ligado à desvirtuação do tradicional trabalho autônomo e atualmente bem evidente nas relações de trabalho.
José Affonso Dallegrave Neto conceitua parassubordinação como neologismo utilizado para "traduzir a subordinação mitigada, própria de empregados altamente qualificados ou controlados à distância ou, ainda, das figuras contratuais resididas na zona fronteiriça entre o trabalho autônomo e a relação de emprego" (14).
Pelos argumentos de Pinho Pedreira, o trabalho parassubordinado é visto como "prestações continuadas de caráter pessoal, sujeitas a coordenação espaço-temporal" (15). Por sua vez, Otávio Pinto e Silva infere que "são relações de trabalho de natureza contínua, nas quais os trabalhadores desenvolvem atividades que se enquadram nas necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços" (16).
O mestre Amauri Mascaro Nascimento define os trabalhadores parassubordinados como
uma categoria intermediária entre o autônomo e o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em uma das duas modalidades tradicionais, entre as quais se situam, como a representação comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação. Seria a hipótese, se cabível, do trabalho autônomo com características assemelháveis ao trabalho subordinado (17).
No Brasil não há dispositivo legal que preveja a figura da parassubordinação, sendo tal fenômeno pouco visto na doutrina e jurisprudência.
Conforme podemos extrair dos conceitos acima transcritos, a parassubordinação é elemento presente entre a subordinação do empregado e a colaboração do trabalhador autônomo designando o estado de sujeição daquele prestador de serviços que não mantém relação empregatícia com o tomador dos serviços, podendo ser, por exemplo, o trabalhador autônomo ou até mesmo o terceirizado.
Tal figura advém da evolução do conceito reformulado de gestão da atividade econômica (fruto do toyotismo e a ideologia neoliberal voltada para o segmento de serviços) que propugna a colaboração de esforços entre tomadores de serviços e aqueles trabalhadores que se comprometem a desempenhar uma atividade mediante a coordenação, da empresa tomadora.
A coordenação da prestação é entendida como a sujeição do trabalhador às diretrizes do contratante acerca da modalidade da prestação, sem que haja, neste contexto subordinação no sentido clássico e já analisado do termo. É atividade empresarial de coordenar o trabalho sem subordinar o trabalhador. É, ainda, a conexão funcional entre a atividade do prestador do trabalho e a organização do contratante, sendo que aquele se insere no contexto organizativo deste – no estabelecimento ou na dinâmica empresarial – sem ser empregado (18).
Otávio Pinto e Silva citando o jurista italiano Giuseppe Santoro-Passarelli afirma que a idéia de coordenação indica justamente uma coligação funcional entre a prestação laboral e a atividade desenvolvida pelo destinatário deste trabalho. Ocorre que, diferentemente do trabalho subordinado, o trabalho coordenado não exclui as possibilidades de o prestador dos serviços determinar autonomamente ou de acordo com o tomador não apenas as modalidades, mas também o lugar e o tempo de adimplemento da prestação laboral (19).
Todavia, a externalização de mão-de-obra para além dos muros da empresa (até mesmo intra-muros, só que aquém do clássico modelo diretivo da prestação do serviços), sob a titulação de "coordenação de trabalho" faz nascer em desfavor destes prestadores a modalidade de trabalho por conta própria, sendo mitigado o poder diretivo e vista com especial relevância a obrigação do resultado.
A relevância do estudo sobre a parassubordinação surgiu com grande entusiasmo na Itália no início da década de 70 a partir do Código de Processo Civil daquele país. Aquele diploma legal alienígena, conferiu competência à Justiça do Trabalho para julgar as demandas que tratavam dos contratos de colaboração, representação comercial, agência, desde que cumpridos de habitualmente, de forma coordenada e não caracterizados pela subordinação.
Na França o tema também tem bastante ênfase, mormente se considerarmos a disposição do art. 781-1, §2° do Código do Trabalho daquele país, que confere a proteção da legislação trabalhista independentemente da verificação de subordinação clássica bastando a aferição da dependência econômica àqueles obreiros que desempenham funções de recolhimento de encomendas, serviços de manutenção ou transporte, fabricação de objetos, prestação de serviços, colocação de produtos no mercado por conta de uma empresa, em estabelecimento fornecido por ela (ou agregado).
De forma semelhante, a Alemanha confere proteção trabalhista semelhante aos empregados típicos e aqueles autônomos economicamente dependentes cuja maior parte do seu trabalho ou de seus ganhos advém de uma só pessoa, entidade ou instituição. Outras manifestações no mesmo sentido também foram disseminadas na Holanda, Inglaterra e Portugal.
A jurisprudência nacional pouco abordou o tema ora em destaque, não obstante, é de extrema validade a transcrição da ementa do TRT da 3ª Região em julgamento de Relatoria do hoje Exmo. Sr. Desembargador Luiz Otávio Renault em avaliação do trabalho de profissional jornalista correspondente:
EMENTA - PARASSUBORDINAÇÃO - JORNALISTA CORRESPONDENTE - NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO RELACIONADO COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - Encontra-se sob o manto da legislação trabalhista, porquanto presentes os pressupostos do art. 3º., da CLT, a pessoa física que prestou pessoalmente os serviços de correspondente jornalístico, onerosamente. Ao exercer a atividade relacionada com a busca de notícias, bem como com a respectiva redação de informações e comentários sobre o fato jornalístico, o profissional inseriu-se no eixo em torno do qual gravita a atividade empresarial, de modo que, simultaneamente, como que se forças cinéticas, a não eventualidade e a subordinação, esta última ainda que de maneira mais tênue, se atritaram e legitimaram a caracterização da relação empregatícia. As novas e modernas formas de prestação de serviços avançam sobre o determinismo do art. 3º., da CLT, e alargam o conceito da subordinação jurídica, que, a par de possuir diversos matizes, já admite a variação periférica da parassubordinação, isto é, do trabalho coordenado, cooperativo, prestado extramuros, distante da sua original concepção clássica de subsunção direta do tomador de serviços. Com a crescente e contínua horizontalização da empresa, que se movimenta para fora de diversas maneiras, inclusive via
(TRT/MG - Proc 00073.2005.103.03.00.5 - Rel. Designado: Juiz Luiz Otávio Renault. DJ/MG
1 de outubro de 2005).Portanto, entendemos que na parassubordinação, os elementos da continuidade, pessoalidade, coordenação (ou seu eufemismo: colaboração) e dependência econômica revelam, assim como a terceirização ilícita e a desvirtuação do trabalho autônomo, a necessidade da reformulação ou adequação do conceito clássico de subordinação com especial atenção à impositiva obrigação de atingir resultados sucessivos e ao status de sujeição e correlação da prestação contínua do trabalho para a sobrevivência do prestador de serviços que diretamente se enquadra nas necessidades organizacionais dos tomadores de seus serviços, contribuindo para atingir o objeto social do empreendimento.
Some-se às figuras acima indicadas a contemporânea (corriqueira e odiosa) prática da "pejotização". Tal fenômeno apresenta inequívoca importância no presente estudo, ao passo que também evidencia a fragilidade do atual conceito de subordinação em face das mais recentes realidades funcionais verificadas no atual cenário econômico-produtivo.
Em argumentos sumários, a "pejotização" consiste, na intenção da empresa em tentar camuflar ou desconfigurar típica relação empregatícia com a celebração de contrato de prestação de serviço com uma pessoa jurídica. A prática acaba por demonstrar verdadeira imposição (condicionamento como garantia da manutenção ou obtenção do emprego) feita pelos tomadores de serviço para que os trabalhadores constituam pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego.
A prática comumente instituída acabou sendo viabilizada pelo art. 129 da Lei 11.196/2005 que assim dispõe:
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
Tal disposição legal acabou por revigorar a antiga discussão que parecia estar sendo totalmente aniquilada acerca da possibilidade ou não do trabalhador poder renunciar à proteção justrabalhista. Portanto, o debate sobre o despojamento de direitos celetistas recuperou forças (a título de viabilidade e legalidade do "pejotismo") ganhando destaque duas correntes contraditórias, (i) uma sustentando de um lado que a proteção trabalhista decorre da hipossuficiência do trabalhador, não sendo relevante o debate sobre suas condições econômicas ou prestígio frente ao poderio econômico do empregador (com incisiva ênfase do caráter cogente da legislação laborativa e a inexistência de diferença entre o trabalho intelectual, técnico ou manual pelo que dispõe o art. 7°, inciso XXXII da CF); (ii) e outra defendendo que serviço intelectual seria capaz de eliminar a hipossuficiência do trabalhador, sendo relevante apenas o seu próprio critério no que tange à escolha da lei que regerá a prestação de seus serviços, sendo certo que os incentivos fiscais e previdenciários compensariam os benefícios trabalhistas.
A altercação é de grande importância, porém, quedamo-nos satisfeitos ao momento em apenas informar o leitor acerca do que a matéria compreende e do reflexo da recente figura na deturpação dos elementos fático-jurídicos próprios da relação empregatícia. Ademais, valemo-nos da oportunidade para esclarecer que estamos inclinados em favor da primeira corrente, contra a possibilidade de renúncia da proteção justrabalhista.
O fenômeno do "pejotismo" já foi ventilado no TST através de abordagem em Agravo de Instrumento interposto com o intuito de destrancar Recurso de Revista denegado pelo TRT da 1ª Região (tratou-se de célebre caso envolvendo uma reconhecida jornalista e a Rede Globo de Televisão). O Exmo. Sr. Ministro Horácio Senna Pires referendou os argumentos do Tribunal Regional para não dar provimento à manobra recursal sob os seguintes argumentos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA COM O INTUITO DE DISSIMULAR O CONTRATO DE TRABALHO. DISCREPÂNCIA ENTRE O ASPECTO FORMAL E A REALIDADE. O acórdão recorrido contém todas as premissas que autorizam o exame do enquadramento jurídico dado pelo TRT aos fatos registrados. Nesse contexto, verifica-se que se tratava de típica fraude ao contrato de trabalho, consubstanciada na imposição feita pelo empregador para que o empregado constituísse pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego havida entre as partes. Não se constata violação dos artigos 110 e 111 do Código Civil, uma vez que demonstrada a ocorrência de fraude, revelada na discrepância entre o aspecto formal (contratos celebrados) e a realidade. Agravo de instrumento improvido.
(TST; 6ª Turma; Processo AIRR:
1313/2001-051-01-40; Julg. em 22/10/2008; Relator: Ministro Horácio Senna Pires.)Da forma como objetivamos expor no presente capítulo intitulado "A Modificação do Sistema Produtivo", as ideologias capitalista ultraliberais e desregulamentadoras (ou seu eufemismo: flexibilização) acabaram por criar e viabilizar posturas precarizantes das relações de trabalho sob o argumento de necessidade de adequação à nova realidade sócio-economica.
Neste ínterim, o que exsurge é um novo debate acerca do conceito de subordinação com especial importância ao critério da dependência econômica e da inserção do trabalhador na dinâmica empresarial/produtiva do tomador de serviços com ênfase a revitalizar a assunção de riscos pelo tomador (o que aparentemente busca se esfacelar) e uma especial análise da alteridade presente na relação de trabalho.