6. DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR
6.1 ART. 233 – ATO OBSCENO E ART. 234 – ESCRITO OU OBJETO OBSCENO
Ato obsceno
Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Escrito ou objeto obsceno
Art. 234 - Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem:
I - vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;
II - realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter;
III - realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.
No que concerne aos delitos de ato obsceno, disposto no artigo 233 do CP e de escrito ou objeto obsceno, no artigo 234, estes não foram alterados pela lei em estudo. Assim, não cabe discorrer sobre eles, porque fugiria às pretensões estabelecidas ao presente artigo.
7. DISPOSIÇÕES GERAIS
7.1 ART. 234-A - AUMENTO DE PENA
Aumento de pena
(Incluído
pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
I – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - de metade, se do crime resultar gravidez; e (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
A lei 12.015/2009 fez inserir, também, duas novas causas de aumento de pena. Uma delas é o aumento da metade da pena se o crime resultar gravidez. Para Nucci (2009, p. 97), essa causa deveria ser facultativa, tendo em vista a possibilidade de a vítima constituir família, o que seria razoável para a aplicação da proporcionalidade. Nos termos do inciso IV, também ocorrerá o aumento se o agente transmitir doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. Nesse caso, o quantum será de um sexto até a metade. Sobre a necessidade do dolo para ensejo dessa última causa, importante mencionar a posição de Greco (2009, p. 169):
Discute-se se tais expressões são indicativas tão-somente de dolo ou podem permitir também o raciocínio com a modalidade culposa.
A Exposição de Motivos da parte especial do Código Penal, ao cuidar do art. 130, que contém expressões similares, consigna expressamente que, nelas, se pode visualizar também a modalidade culposa, conforme se verifica da leitura do item 44, que diz:
44. O crime é punido não só a título de dolo de perigo, como a título de culpa (isto é, não só quando o agente sabia achar-se infeccionado como quando devia sabê-lo pelas circunstâncias).
Com a devida venia das posições em contrário, devemos entender que as expressões de que sabe ou deva saber ser portador dizem respeito ao fato de ter o agente atuado, no caso concreto, com dolo direto ou mesmo com dolo eventual, mas não com culpa.
Merece ser frisado, ainda, que, quando a lei menciona que o agente sabia ou devia saber ser portador de uma doença sexualmente transmissível está se referindo, especificamente, a esse fato, ou seja, ao conhecimento efetivo ou possível da contaminação, e não ao seu elemento subjetivo no momento do ato sexual, ou seja, não importa saber, para que se aplique a causa de aumento de pena em estudo, se o agente queria ou não a transmissão da doença, mas tão somente se, anteriormente ao ato sexual, sabia ou poderia saber que dela era portador.
É merecedora de aplausos a inovação trazida pelo legislador no inciso IV, pelo fato de a majorante criar uma maior probabilidade da utilização de preservativo pelo agente do delito, o que já contribuiria para a diminuição de muitos danos que esse delito tão repugnante causa à vítima e à sociedade.
Vale mencionar que outras duas causas de aumento que estavam previstas no Projeto de Lei original e inseriam os incisos I e II no tipo em exame foram corretamente vetadas pelo Presidente da República, pelo fato da existência de teor semelhante nos inciso I e II do artigo 226 do CP, já examinados.
7.2 ART. 234-B
Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Não havia, anteriormente à Lei 12.015/2009, dispositivo no Código Penal que explicitasse o segredo de justiça, porém os juízes costumeiramente, na ação penal dessa natureza, garantiam esse direito às partes, dado o alto grau de intimidade que envolve os sujeitos. Já assegurava essa postura o art. 201, §6 do CPP, inserido pela Lei 11.690/2008, com o seguinte teor: "o juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação".
Quanto à aplicabilidade da norma, esta é imediata, pelo fato de se tratar de norma processual. Vale dizer que ela também se aplica aos inquéritos que investiguem delitos de tal natureza, sob o argumento de que ocorreria o esvaziamento do sentido da norma pretendida pelo legislador (2009, p. 164).
7.3 ART. 234-C
Art. 234-C. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
A figura prevista no artigo 234-C buscava abranger a exploração sempre que alguém fosse vítima dos delitos contra a dignidade sexual. Esse dispositivo foi vetado, sob o argumento de se diferenciar o termo "exploração sexual" da "violência sexual".
Deduz-se que foi correto o argumento do veto, tendo em vista que nem todos os delitos expostos no Título VI são, necessariamente, formas de exploração sexual. Esta somente se dá quando ocorre o aproveitamento com a sexualidade de outrem, como se a dignidade sexual fosse um objeto de relação comercial.
Novamente, vale citar o conceito de Eva Faleiros (2009, p. 58), que define a exploração sexual como: "uma dominação e abuso do corpo de crianças, adolescentes e adultos (oferta), por exploradores sexuais (mercadores), organizados, muitas vezes, em rede de comercialização local e global (mercado), ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos (demanda)". A mesma admite quatro modalidades: a prostituição, o turismo sexual, a pornografia e o tráfico para fins sexuais, definindo-as da seguinte forma:
a)prostituição – atividade na qual atos sexuais são negociados em troca de pagamento, não apenas monetário;
b)turismo sexual – é o comércio sexual, bem articulado, em cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros e principalmente mulheres jovens, de setores excluídos de países de terceiro mundo;
c)pornografia – produção, exibição, distribuição, venda, compra, posse e utilização de material pornográfico presente também na literatura, cinema, propaganda etc.; e
d)tráfico de pessoas para fins sexuais – movimento clandestino e ilícito de pessoas através de fronteiras nacionais, com o objetivo de forçar mulheres e adolescentes a entrar em situações sexualmente opressoras e exploradoras, para lucro dos aliciadores, traficantes.
8. CONCLUSÃO
Conforme proposto inicialmente, o presente artigo tratou apenas das questões polêmicas e inovadoras surgidas com o advento da Lei 12.015/2009. Deduz-se que, embora a nova Lei tenha pacificado algumas controvérsias, também deu ensejo a outras, o que é característico no mundo jurídico. Desse modo, foi possível verificar avanços e retrocessos referentes à matéria.
No que tange aos aspectos positivos, vale mencionar a inserção do termo "dignidade sexual" para substituir "costumes", o que derruba de vez as velhas barreiras do preconceito herdadas de uma sociedade machista e patriarcal.
O legislador também avançou ao tutelar de forma mais abrangente a dignidade sexual do menor e do incapaz, de forma a lhes conferir um Capítulo específico, sob a rubrica "Dos crimes sexuais contra vulnerável". No que concerne à natureza da ação penal, a regra que era da ação penal privada foi corretamente substituída para a pública condicionada à representação, o que acaba por conciliar a intimidade da vítima e a relevância do delito.
Outra mudança importante adveio com a fusão do delito de estupro e atentado violento ao pudor em um tipo penal próprio (art. 213), o que encerrou muitas divergências anteriormente existentes, não obstante deu ensejo a outras.
Quanto aos aspectos negativos, vale dizer que esses foram proporcionados muito mais pela falta zelo do legislador do que pela sua má intenção. Exemplo disso é a lacuna surgida à situação do adolescente que mantém conjunção carnal consentida no dia do seu 14º aniversário. Por falta de previsão legal, o fato só poderá ser considerado atípico. Outra crítica contundente versou sobre a mudança realizada no art. 216-A do CP, no qual foi inserido o §2º, mesmo ante a inexistência do §1º. Para agravar a situação, o citado parágrafo dispôs sobre uma causa de aumento de "até um terço", quando o correto seria "de um terço".
Também é notável o contra-senso no delito de corrupção de menores (art. 218 do CP), pelo fato da manutenção do verbo "induzir" ter acarretado no surgimento de uma norma mais benéfica ao agente "instigador" (analogia in bonam partem), que, pela reprovação de sua conduta, merecia a punição dada ao autor do delito de estupro de vulnerável (art. 217-A). A dissonância também se constata da leitura dos artigos 218-B e o art. 228 do CP. Da comparação desses dois dispositivos depreende-se que a pena de multa sempre será aplicada quando o delito for de favorecimento da exploração sexual de adultos (art. 228, caput, CP), necessitando da comprovação da vantagem econômica quando o delito for o de prostituição juvenil (§1º c/c §3º do art. 228).
Frise-se que, simultaneamente ao surgimento de novas críticas e elogios, a nova lei também resulta na criação de novas teses, através de calorosos debates jurisprudenciais e doutrinários. Dentre as mais relevantes expostas no presente trabalho, pode-se citar: a interpretação a ser dada ao art. 59 do Estatuto do Índio, a ocorrência da abolitio criminis do delito de estupro com violência presumida, a subsistência da Súmula 608 do STF e a natureza da ação penal dos crimes sexuais contra vulnerável.
Diante do exposto, depreende-se que as opiniões antagônicas sempre existirão e serão necessárias. Não só porque elas instigam e provocam o debate democrático, mas também pela inexorável constatação de que o Direito se transforma juntamente com sociedade. Foi através de exposições e enfrentamentos de temas polêmicos que a Lei 12.015/2009 evoluiu. Do mesmo modo, o presente artigo pretende dar a sua parcela de contribuição para a construção dessa importante dialética cognitiva, objetivando novos avanços e um Direito Penal mais justo.
REFERÊNCIAS
BARROS, Francisco Dirceu. Crimes contra a dignidade sexual para concursos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/proposicoes> Acesso em: 21 mar. 2010.
CAPANO, Evandro Fabiani. Dignidade sexual. Comentários aos novos crimes do Título VI do Código Penal (asrts. 213 a 234-B) alterados pela Lei 12.015/2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
ESTEFAM, André. Crimes sexuais. Comentários à Lei n. 12.015/2009. São Paulo: Saraiva, 2009.
GOMES, Luiz Flávio. CUNHA, Rogério Sanches. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à reforma criminal de 2009 e à convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
GRECO, Rogério. Adendo. Lei 12.015/2009. Dos crimes contra a dignidade sexual. Niterói: Impetus, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp> Acesso em: 25 fev. 2010.