Recentemente, circularam notícias com o seguinte teor:
"Empresas brasileiras com capital estrangeiro terão as operações de compra de terras rastreadas no Brasil. A corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou ontem que os cartórios de notas e de registro de imóveis repassem informações sobre esse tipo de negócio a cada três meses. A medida aumenta o controle do avanço estrangeiro sobre o território brasileiro. Atualmente, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) registra apenas a compra de terras diretamente por pessoas físicas ou empresas estrangeiras. (Fonte- Agência Estado)"
Entretanto, essas notícias deixam escapar o principal. O CNJ não pretende somente catalogar as terras em mãos de estrangeiros, mas realmente LIMITAR e PROIBIR a aquisição de terras por pessoas jurídicas brasileiras controladas por capital estrangeiro.
PARA ENTENDER A QUESTÃO:
A lei 5.709 de 1971, diploma da época da ditadura, proibia a aquisição de grandes lotes de terra por pessoas físicas estrangeiras, pessoas jurídicas estrangeiras e pessoas jurídicas brasileiras com capital predominantemente estrangeiro.
O foco da questão é a limitação de compra por empresas brasileiras de capital estrangeiro. Veja-se bem, essa limitação é claramente discriminatória, porque a pessoa jurídica brasileira é brasileira (!), independentemente da origem de seu capital.
Num exemplo simplista, seria como proibir brasileiros de pais europeus que adquirisse bem imóveis, por suspeita de uma possível "contaminação" dos interesses do brasileiro por uma "malévola" influência estrangeira.
Pois bem, essa aberração de iniquidade só subsistia porque a própria Constituição definia a diferença entre empresas brasileiras de capital nacional e de capital estrangeiro (CR, Art. 171).
Mas, pela boa obra dos legisladores, o referido artigo 171 foi revogado. Ou seja, perante a constituição não pode haver diferença entre empresas brasileiras. Reina o princípio de que todos são iguais perante a lei.
Com isso, encerrou-se o assunto. Qualquer discriminação quanto à origem do capital passa a ser ilegal, inconstitucional.
Aliás, o absurdo da situação não poderia ser mais claro: Como a opinião pública reagiria se a injustiça tivesse sido cometida no sentido contrário? Isto é, se a partir de amanhã somente empresas brasileiras de capital estrangeiro pudessem adquirir terras?
CNJ PROIBE AQUISIÇÃO POR VIAS INDIRETAS
Leia-se com calma o que o CNJ noticiou em seu WEB Site:
"No entendimento da Corregedoria Nacional de Justiça os cartórios extrajudiciais de notas e de registro de imóveis estão submetidos às regras e procedimentos disciplinados na Lei n. 5.709, de 1971. De acordo com a lei, se os tabeliães não prestarem as informações estarão sujeitos à perda do cargo. As aquisições de terras podem ser anuladas, caso sejam denunciadas e comprovadas irregularidades nos limites impostos pela legislação."
Os limites a que se refere o CNJ não são a mera exigência de declaração e registro. O Art. 10 da lei é bem claro ao mencionar que os cartórios deverão manter em registro a "Autorização do órgão competente, quando for o caso.
Art. 10 - Os Cartórios de Registro de Imóveis manterão cadastro especial, em livro auxiliar, das aquisições de terras rurais por pessoas estrangeiras, físicas e jurídicas, no qual deverá constar:
I - menção do documento de identidade das partes contratantes ou dos respectivos atos de constituição, se pessoas jurídicas;
II - memorial descritivo do imóvel, com área, características, limites e confrontações; e
III - transcrição da autorização do órgão competente, quando for o caso.
Essa autorização é necessária em vários casos. Por exemplo, sempre que as pessoas jurídicas estrangeiras (ou brasileiras de capital nacional) desejarem adquirir imóveis rurais:
Art. 5º - As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no art. 1º desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.
§ 1º - Os projetos de que trata este artigo deverão ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente de desenvolvimento regional na respectiva área.
Para quem tem olhos e quer ver, a consequência é clara. O CNJ, que deveria garantir o funcionamento da justiça, está repristinando uma limitação inconstitucional.
Ora, esse ímpeto regulatório do CNJ tem endereço certo. A Amazônia, que o governo tenta de todas as maneiras cercar à influência estrangeiras.
E o Governo foi ardiloso, uma vez que, juntamente com essa iniciativa, sancionou a lei 12.249. Esta lei, num de seus numerosos artigos, impõe restrições ao empréstimo de empresas estrangeiras às suas controladas e coligadas no Brasil. Ou seja, o governo não só tenta evitar a compra com capital estrangeiro trazido ao Brasil, mas, antecipando-se a uma estratégia comum, impede que empresas estrangeiras financiem, através de empréstimos, a aquisição de terras em solo nacional.
Infelizmente, por mais bem intencionadas que possam ser as ações do governo nesse tema, elas estão completamente mal orientadas. Este texto abster-se-á de comentar o caso sob o ponto de vista da teoria econômica e das consequências funestas de uma limitação arbitrária de mercado. Os economistas se encarregarão de demonstrar essa verdade pela milésima vez.
Contudo, sob o ponto de vista do Direito e da Justiça, é deve falar: nenhuma limitação baseada em premissas inconstitucionais deve subsistir. As empresas brasileiras que se sentirem prejudicadas devem procurar a justiça, que certamente impedirá que uma manobra burocrática solape garantias constitucionais.