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Reflexões sobre o combate ao bullying no direito brasileiro e norte-americano

Agenda 28/09/2010 às 07:53

O combate à prática debullying representa um enorme desafio para a sociedade moderna. O bullying nas escolas é reflexo de uma cultura de individualismo, desrespeito à autoridade e exclusão social. Ele representa um fenômeno caracterizado por uma conduta contra estudantes, funcionários e professores por meio de assédio físico ou moral, com o propósito de humilhar, intimidar ou até mesmo afastar os alunos do convívio social, transformando de forma negativa o ambiente escolar e reduzindo a auto-estima das vítimas e seu rendimento acadêmico. O bullying ainda pode ser praticado por intermédio da internet ou por meios eletrônicos. Trata-se do chamado cyber-bullying, que nada mais é do que a divulgação de mensagens, fotos e textos por meio de mídias eletrônicas e sítios de relacionamento virtual (orkut, facebook, entre outros) com o intuito de intimidar, humilhar e assediar estudantes e professores. [01][02][03][04][05][06]

Nos Estados Unidos, vários estados já tem legislação contra a prática de bullying. Entre eles, o Estado de Washington, que define bullying como sendo o assédio ou intimidação representado por qualquer manifestação escrita, verbal ou física, que tenha por objetivo: agredir fisicamente um estudante, empregado da escola ou voluntário; destruir a propriedade pública; ou interferir substancialmente na educação ou na manutenção do aluno na escola. Além disso, o bullying pode ser definido como a conduta que tenha o efeito de alterar de forma significativa a rotina de trabalho da escola, bem como causar uma inquietação no aluno e nos empregados da escola que prejudique o ambiente escolar. [07]

No Estado de Massachusetts, define-se bullying como sendo a prática de qualquer expressão, gesto ou padrão de comportamento físico ou verbal com a intenção clara de causar abalo físico ou emocional aos estudantes na área das escolas públicas e nas suas adjacências. [08]

Já no Estado de Delaware, entende-se por bullying a prática reiterada de qualquer ato escrito, eletrônico, verbal ou físico, de forma intencional contra uma pessoa, que tenha o efeito de: causar na vítima medo razoável de sofrer um mal substancial; criar um ambiente educacional hostil, por meio de ações persistentes praticadas contra a vítima; interferir no ambiente escolar, prejudicando o rendimento acadêmico dos alunos; ou, ainda, praticar assédio contra um indivíduo com o intuito de desumanizar, embaraçar ou causar agressão física, emocional ou psicológica. [09]

Outro estado que tem legislação sobre o assunto é a Florida. A lei estadual define bullying como sendo qualquer conduta crônica ou sistemática que cause danos físicos ou psicológicos em um ou mais estudantes ou que possa envolver a prática de atos, tais como humilhação pública, exclusão social, ameaças, intimidação, perseguição, violência física, assédio físico ou sexual e destruição de propriedade pública ou privada. [10]

Já o assédio moral, no Estado da Florida, é definido como qualquer ameaça, insulto ou gesto praticados diretamente contra estudante ou empregado da escola com o intuito de causar na vítima um medo razoável de sofrer um dano. Também se define bullying pela conduta que tenha o efeito de interferir substancialmente com o rendimento dos estudantes; ou, ainda, a conduta que tenha o efeito de interromper ou causar inconvenientes para o desenvolvimento das atividades da escola. [11]

É interessante observar que a legislação do Estado da Florida prevê a prática de incitamento ao bullying, ao estabelecer que comete incitamento quem acessa dados ou sistemas informatizados, no intuito de facilitar a prática de bullying ou sua promoção. [12]

Após uma breve retrospectiva sobre as principais normas estaduais norte-americanas acerca da prática de bullying, cabe destacar que, recentemente, nos Estados Unidos, houve a morte de uma adolescente por causa do bullying. A tragédia ocorreu quando Phoebe Prince, uma estudante da Irlanda, mudou-se para South Hadley e começou a namorar um estudante que era o astro do time de futebol americano da escola. [13]

As outras estudantes de South Hadley, enciumadas com seu namoro, passaram a assediá-la por meio de cartazes, mensagens e comentários abusivos no sítio de relacionamento Facebook. Aprática do bullying ocorreu sistematicamente durante meses, com omissão da Diretoria e dos professores da escola. Por fim, em 14 de janeiro de 2010, Phoebe Prince, depois de ter sido assediada na biblioteca da escola, nos corredores e no caminho para casa, inclusive com o arremesso de uma lata de refrigerante em sua cabeça com os dizeres: "Sua prostituta irlandesa", chegou a sua residência, pegou um cachecol e cometeu suicídio por enforcamento. Após sua morte, os estudantes responsáveis pelo assédio acessaram a internet para fazer brincadeiras sobre o suicídio de Phoebe Prince. [14]

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Como resultado do presente caso, 07 (sete) estudantes foram acusadas pelos crimes de assédio criminoso (criminal harassment) e perseguição (stalking). Além disso, elas também foram acusadas pela prática de violação dos direitos civis e 02 (dois) estudantes também foram acusados de estupro por violência presumida (statutory rape: estupro que consiste na prática de conjunção carnal com menor de 16 anos, mesmo com seu consentimento). [15]

No Brasil, o fenômeno bullying também tem se manifestado de forma freqüente. Não raro, há reportagens com a divulgação de cenas de violência e de assédio físico e moral contra alunos e funcionários de escolas públicas e privadas.

No que tange à criminalização do bullying, verifica-se que no Brasil ainda não há o crime de bullying. Sendo assim, sua prática é tipificada como crime de ameaça, racismo, injúria, calúnia, estupro, difamação ou lesão corporal, conforme o caso.

No entanto, é importante ressaltar que também não há um consenso sobre a necessidade, ou não, da criminalização do bullying. Entende-se, salvo melhor juízo, que a melhor forma de se combater o bullying seja por meio de ações educativas e preventivas contra a discriminação e a banalização da violência praticada nas escolas. No entanto, ainda há a necessidade de elaboração de maiores estudos para se verificar a conveniência, ou não, da criminalização do bullying, uma vez que há fortes argumentos a favor e contra a criação de um tipo penal específico para essa conduta.

No Brasil, há algumas iniciativas estaduais para combater a prática do bullying nas escolas. Por exemplo, o Estado de Santa Catarina aprovou a Lei Estadual nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009, que propõe a instituição de um "Programa de Combate ao Bullying", de ação interdisciplinar e de participação comunitária, nas escolas públicas e privadas do estado. [16]

A Lei do Estado de Santa Catarina define bullying como sendo a prática de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotadas por um indivíduo ou grupo de indivíduos contra outros, sem motivação evidente, causando dor, angústia e sofrimento e, executadas em uma relação desigual de poder, o que possibilita a vitimização. [17]

A legislação catarinense dispõe que o bullying pode ser evidenciado por meio de diversas atitudes praticadas contra estudantes, entre as quais: a) insultos pessoais; b) apelidos pejorativos; c) ataques físicos; d) grafitagens depreciativas; e) expressões ameaçadoras e preconceituosas; f) isolamento social; g) ameaças; e h) pilhérias. [18]

Além disso, a legislação do Estado de Santa Catarina apresenta uma interessante classificação do fenômeno bullying, levando-se em conta as ações praticadas: a) bullying verbal: apelidar, falar mal e insultar; b) bullying moral: difamar, disseminar rumores e caluniar; c) bullying sexual: assediar, induzir ou abusar; d) bullying psicológico: ignorar, excluir, perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, tiranizar, chantagear e manipular; d) bullying material: destroçar, estragar, furtar, roubar; e) bullying físico: empurrar, socar, chutar, beliscar, bater; e f) bullying virtual ou cyber-bullying: divulgar imagens, criar comunidades, enviar mensagens e invadir a privacidade, com o intuito de assediar a vítima ou expô-la a situações vexatórias. [19]

Também é oportuno destacar a existência de outras classificações de bullying, tais como o bullying vertical descendente (ex: praticado por professor contra aluno), o bullying vertical ascendente (ex: praticado alunos contra professor) e, ainda, o bullying horizontal, quando é praticado por pessoas em mesma situação (alunos contra aluno, professores contra professor).

Cabe salientar, ainda, que se tem notícia de que uma Comissão da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 10 de março de 2010, projeto de lei que traz a obrigatoriedade de as escolas públicas e privadas adotarem medidas de prevenção e de combate ao bullying. Para o referido projeto, bullying consiste na prática de atos de violência física ou psíquica de modo intencional e repetitivo, exercida por um indivíduo ou por grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de constranger, intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vítima. [20]

Por todo o exposto, percebe-se que o bullying pode se manifestar por diversas maneiras, tais como a exclusão da vítima do grupo social, a injúria, calúnia ou difamação, a perseguição, a discriminação, bem como o uso de redes sociais para incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais (cyber-bullying). Ademais, entende-se que ações tímidas têm sido adotadas contra a prática do bullying. As iniciativas legislativas, no Brasil, têm se concentrado principalmente no combate ao bullying por meio da criação de programas de prevenção e de combate ao assédio físico e moral nas escolas.

Já nos Estados Unidos, o combate ao bullying também enfrenta enormes desafios, principalmente, no que se refere à tipificação da conduta e em relação à responsabilidade civil das escolas pelo descaso que os alunos, muitas vezes, enfrentam ao tentar denunciar os abusos a que são submetidos. Por fim, cumpre destacar que 41 (quarenta e um) estados norte-americanos já possuem leis contra bullying e que, atualmente, o Congresso Nacional dos Estados Unidos tem debatido a criação de uma lei federal para disciplinar a prática do bullying e do cyber-bullying. [21]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. ASHFORTH, Blake. Petty Tyranny in organizations. Human Relations, v. 47, nº. 7, 1994.
  2. BATSCHE, GM & KNOFF, H.M. Bullies and their victims: Understanding a pervasive problem in the schools. School Psychology Review, v. 23, nº 02, 1994.
  3. BRASIL. Santa Catarina. Lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a instituição do Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.alesc.sc.gov.br/escola/docs/cartilhabullying.pdf>. Acesso em: 30 de ago. 2010.
  4. BRASIL. Distrito Federal. Projeto de Lei nº 5.369/09. Disponível em: <www.camara.gov.br/sileg/MontarIntegra.asp>. Acesso em:24 de ago. 2010.
  5. BRODSKY, C. The Harassed Worker. Lexington: D.C. Health and Company, 1976.
  6. CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2009.
  7. EINARSEN, S., HOEL, H., ZAPF, D, COOPER, C.L. Bullying and emotional abuse in the workplace. Internacional perspectives in research and practice. London: Taylor & Francis, 2003.
  8. ESTADOS UNIDOS. Leis sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  9. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado de Delaware sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  10. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado da Flórida sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  11. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado de Massachussets sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  12. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado de Washington sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  13. GIBBS, Nancy. When Bullying goes from cruel to criminal. Time magazine. Disponível em: <http://www.time.com/time/magazine/article/>. Acesso em: 03 de set. 2010.
  14. HURLEY, Laurie. When the child is the target of a bully or excessive criticism. Disponível em: <http://www.edarticle.com/character-education/bullying/when-your-child-is-the-target-of-a-bully-or-excessive-criticism.html>. Acesso em: 03 de set. 2010.

NOTAS:

  1. ASHFORTH, Blake. Petty Tyranny in organizations. Human Relations, v. 47, nº. 7, 1994.
  2. BATSCHE, GM & KNOFF, H.M. Bullies and their victims: Understanding a pervasive problem in the schools. School Psychology Review, v. 23, nº 02, 1994.
  3. BRODSKY, C. The Harassed Worker. Lexington: D.C. Health and Company, 1976.
  4. CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2009.
  5. EINARSEN, S., HOEL, H., ZAPF, D, COOPER, C.L. Bullying and emotional abuse in the workplace. Internacional perspectives in research and practice. London: Taylor & Francis, 2003.
  6. HURLEY, Laurie. When the child is the target of a bully or excessive criticism. Disponível em: <http://www.edarticle.com/character-education/bullying/when-your-child-is-the-target-of-a-bully-or-excessive-criticism.html>. Acesso em: 03 de set. 2010.
  7. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado de Washington sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  8. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado de Massachussets sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  9. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado de Delaware sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  10. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado da Flórida sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  11. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado da Flórida sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  12. ESTADOS UNIDOS. Lei do Estado da Flórida sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
  13. GIBBS, Nancy. When Bullying goes from cruel to criminal. Time magazine. Disponível em: <http://www.time.com/time/magazine/article/>. Acesso em: 03 de set. 2010.
  14. GIBBS, Nancy. When Bullying goes from cruel to criminal. Time magazine. Disponível em: <http://www.time.com/time/magazine/article/>. Acesso em: 03 de set. 2010.
  15. GIBBS, Nancy. When Bullying goes from cruel to criminal. Time magazine. Disponível em: <http://www.time.com/time/magazine/article/>. Acesso em: 03 de set. 2010.
  16. BRASIL. Santa Catarina. Lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a instituição do Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.alesc.sc.gov.br/escola/docs/cartilhabullying.pdf>. Acesso em: 30 de ago. 2010.
  17. BRASIL. Santa Catarina. Lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a instituição do Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.alesc.sc.gov.br/escola/docs/cartilhabullying.pdf>. Acesso em: 30 de ago. 2010.
  18. BRASIL. Santa Catarina. Lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a instituição do Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.alesc.sc.gov.br/escola/docs/cartilhabullying.pdf>. Acesso em: 30 de ago. 2010.
  19. BRASIL. Santa Catarina. Lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a instituição do Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.alesc.sc.gov.br/escola/docs/cartilhabullying.pdf>. Acesso em: 30 de ago. 2010.
  20. BRASIL. Distrito Federal. Projeto de Lei nº 5.369/09. Disponível em: <www.camara.gov.br/sileg/MontarIntegra.asp>. Acesso em:24 de ago. 2010.
  21. ESTADOS UNIDOS. Leis sobre a prática de bullying. Disponível em: <http://www.bullypolice.org/>. Acesso em: 21 de ago. 2010.
Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões sobre o combate ao bullying no direito brasileiro e norte-americano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17501. Acesso em: 5 nov. 2024.

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