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Algumas considerações sobre a prescrição e a decadência no direito administrativo

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Agenda 18/10/2010 às 15:59

Compositor de destinos

Tambor de todos os ritmos

Tempo, tempo, tempo, tempo

Entro em um acordo contigo

(C. Veloso)


Viver em sociedade implica na assunção de normas de convivência que são moldadas por princípios, para se garantir um equilíbrio nas relações sociais. A estabilidade e a segurança jurídicas são princípios que sustentam a existência do próprio ordenamento, sem o qual não se poderia afirmar a existência de um Estado de Direito. Assim, na lição de Canotilho, esses princípios decorrem da "determinabilidade das leis e da proteção da confiança, consubstanciado na existência de normas estáveis e previsíveis quanto aos seus efeitos". [01]

A prescrição e a decadência são instrumentos do princípio da segurança jurídica que visam à limitação no tempo do exercício de um direito ou de uma pretensão com a finalidade de contribuir com a pacificação social, razão da existência do próprio direito [02]. Segundo Pablo Stolze Gagliano, "o tempo é um fato jurídico natural de enorme importância nas relações travadas na sociedade, uma vez que tem grandes repercussões no nascimento, exercício e extinção de direitos" [03], não sendo razoável, portanto, o estabelecimento de relações jurídicas perpétuas que obriguem uns em relação à titularidade do direito de outros.

A concepção dos institutos não foi exatamente teorizada pelos romanos, apesar de mais de dez séculos de contribuição ao conhecimento jurídico, visto que culturalmente tinham por hábito resolver questões de ordem prática. A praescripitio se formou em Roma como uma exceção (exceptio) – momento em que o réu alegando direito próprio ou alguma situação jurídica, fulminava o direito arguido pelo autor – e não significava, a princípio, aquisição ou perda algum direito. Tratava-se de um momento processual revelando uma concepção própria de "escrito posto antes" – prae (antes) e scripitio (escrito) –, ou seja, momento em que o réu "fazia valer a alegação de que a ação do autor estava extinta ou de que ele o réu não podia ser expulso da posse da coisa, porque essa posse já havia durado algum tempo e era fundada em justo título e boa-fé". [04]

Desse modo, se fazia o brocardo "praescriptiones sunt exceptiones temporis", porquanto a praescriptiones se "revelava como um meio de defesa processual, isto é, uma prescrição extintiva da ação reivindicatória [05], instrumento que foi estabelecido formalmente (Lei Furia de Sponsu de 204 a.C.) mais de dois séculos depois da usucapio (449 a.C – Lei das Doze Tábuas) [06], quando passaram a coexistir. Portanto, apesar do caráter perpétuo das ações que vigia em Roma, o tempo fez surgir o axioma: Dormientibus non succurrit jus. [07]

Essa coexistência histórica legou ao direito brasileiro duas prescrições: a aquisitiva e a extintiva. Lourenço Prunes leciona que "são dois institutos afins, com diversos fundamentos e elementos comuns, nascidos o primeiro da atividade do titular, o segundo da inércia; mas enquanto um gera direitos, o outro extingue pretensões; a usucapião age positivamente, capitalizando posse com o tempo, enquanto a prescrição capitaliza tempo contra quem deveria invocar um direito". [08] Neste sentido, completa Benedito Silvério Ribeiro, "a prescrição é, por conseguinte, um modo pelo qual se adquire direitos, sendo também meio de ilidir ou de se liberar de uma obrigação". [09]

Com efeito, dispõe o atual Código Civil (art. 189) que "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que se referem os arts. 205 e 206". Portanto, em matéria de prescrição, a lei assegura a extinção da pretensão e não do direito de ação que a acompanha. Tal positivação colocou por terra uma polêmica alimentada por muitos anos pela doutrina. Não foram poucas as manifestações a favor da extinção do direito pela perda da ação que o assegurava, sendo inclusive um posicionamento até então majoritário.

No entanto, há que se render aos argumentos da corrente que preconiza que o direito de ação (judicial ou administrativa) tem natureza constitucional, porquanto público, abstrato e indisponível, em face do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV) e do próprio direito de petição (art. 5º, XXXIV). Visto assim, sempre haverá o direito de postular ao Estado uma atuação jurisdicional ou administrativa para por fim a um conflito de interesse no caso concreto. Assim, independente de haver ou não razão (direito que ampare a pretensão jurisdicional ou administrativa), a ordem jurídica sempre garantirá ao interessado o direito de ação ou de petição para provocar a jurisdição ou a atuação administrativa do Estado.

Portanto, o objeto da prescrição é a pretensão e não o direito de ação que ampara essa pretensão. Por pretensão podemos entender, na lição de Pontes de Miranda, que é "a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa" [10], tal faculdade, dessa forma, representa uma garantia à eficácia dos direitos subjetivos, porquanto sempre haverá, como conseqüência, órgãos públicos para a sua proteção.

Qual seja, extingue-se pela prescrição o direito subjetivo de exigir de outrem, se não for exercido no tempo que a lei condiciona. Paulo Nader professa que: "o titular de um direito violado não pode deixar o tempo escoar indefinidamente sem tomar iniciativa de buscar a tutela judicial. A pendência de um conflito é fator de inquietação social e reclama solução. Em relação àquele contra o qual a pretensão se dirige, a pendência atua como uma espada de Dâmocles, provocando a incômoda incerteza que envolve as ações judiciais". [11]

Completaríamos, nós, no mesmo sentido, também com as ações administrativas, porquanto, sob o ponto de vista do cidadão, não importa que a solução do seu conflito venha de uma decisão judicial ou não, desde que o Estado se manifeste em razão da pretensão do administrado revelando regras que assegurem o princípio da segurança jurídica.

Todavia, há direitos violados cuja pretensão do titular não prescreve o que se manifesta como exceção; a lei excetua os direitos personalíssimos, como à vida, à honra, à liberdade, ao nome, os relativos ao estado da pessoa, como o de filiação e o conjugal. [12] Outros direitos nascem com prazo determinado para o seu exercício, o que leva a inércia do seu titular, combinado com o decurso de tempo previsto em lei, à sua extinção. Não se trata de violação de direito que faz nascer uma pretensão, mas de um direito potestativo – aquele confere ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por um ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma sujeição [13] - que nestas circunstâncias se sujeita à caducidade ou a decadência.

O instituto da decadência, que também atua em favor da estabilidade e da segurança jurídica consiste "na perda efetiva de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado em lei ou pela vontade das próprias partes" [14]; ou "na morte de um direito subjetivo em face da inércia de seu titular, que optou por não ajuizar uma ação constitutiva no prazo de lei" [15], ou ainda, na "extinção de um direito que não foi exercido no prazo assinalado em lei". [16]

Para Celso Antônio Bandeira de Mello trata-se da "perda do próprio direito, em si, por não utilizá-lo no prazo previsto para o seu exercício, evento, este, que sucede quando a única forma de expressão do direito coincide conaturalmente com o direito de ação". [17] Ou seja, "quando o exercício do direito confunde-se com o exercício da ação para manifestá-lo". [18]

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Deste modo, os institutos da decadência e da prescrição não se confundem, mais guardam inúmeras semelhanças entre si. A teoria mais consistente para diferenciá-los, uma vez que não foi possível fazê-la no Código Civil de 1916 e muito menos houve no período de sua vigência consenso na doutrina e na jurisprudência, foi apresentada em 1961 pelo professor Agnelo Amorim Filho, o que restou adotado, primeiramente, pelos artigos 26 e 27 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8068/90) e posteriormente pelo novo Código Civil (Lei 10406/02) [19].

Segundo o brilhante professor paraibano: "reunindo-se as três regras deduzidas acima, tem-se um critério dotado de bases científicas, extremamente simples e de fácil aplicação, que permite, com absoluta segurança, identificar, a priori, as ações sujeitas à prescrição ou a decadência, e as ações perpétuas (imprescritíveis).  Assim: 1ª) -     Estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): - todas as ações condenatórias, e somente elas; 2ª) -     Estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei; 3ª) -     São perpétuas (imprescritíveis): - a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias. Várias inferências imediatas podem ser extraídas daquelas três proposições.  Assim: a) não há ações condenatórias perpétuas (imprescritíveis), nem sujeitas a decadência; b) não há ações constitutivas sujeitas a prescrição; e c) não há ações declaratórias sujeitas à prescrição ou a decadência". [20]

Assim, em um exercício de condensação, podemos resumir que no caso de pretensão constitutiva, positiva ou negativa, com prazo previsto em lei, por se tratar de direito potestativo – que implica a sujeição de outrem, sem um dever correspondente – revela-se a decadência ou a extinção do direito dentro do prazo legalmente assinalado. Se a pretensão for condenatória, bem como a execução dessa pretensão, o prazo previsto em lei para o seu exercício é de prescrição.

Por outro lado, se a natureza da pretensão for do mesmo modo constitutiva, mas sem um prazo definido em lei, salvo as ações anulatórias que tem previsão especial no artigo 179 do Código Civil [21], trata-se de ação imprescritível ou perpétua, como as de direito personalíssimo.

Por fim, as pretensões declaratórias também adquirem um caráter perpétuo (imprescritível). Ou seja, "significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada. O CPC, art. 4º, parágrafo único, estabelece que é admissível a ação declaratória, ainda que tenha havido violação do direito, numa clara e expressa demonstração da adoção pelo CPC, da teoria de Agnelo Amorim Filho, que proclama como imprescritíveis as pretensões declaratórias". [22]

Com efeito, neste cenário normativo, podemos encontrar as ações constitutivas cuja decadência, por força de lei, se opera, por exemplo, em três dias – caso de ação de preferência de coisa móvel (art. 513 do Código Civil) – até quinze anos – direito de retenção do credor anticrético (art. 1423 do Código Civil). Os prazos especiais de prescrição estão previstos no artigo 206 do Código Civil e pode variar de um a cinco anos, nas diversas hipóteses em que elenca. Por sua vez, prescreve em dez anos a pretensão condenatória, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, de acordo com a regra geral disposta no artigo 205 do Código Civil.

Desse modo, o tempo produz, seja na decadência seja na prescrição, como elemento que repercute com enorme importância nas relações jurídicas, os seus efeitos em nome da segurança, pois para que haja estabilidade social é necessário que o enorme cardápio normativo à disposição do titular de um direito seja previsível quanto à duração de um evento. Assim, diante do nascimento, exercício e extinção de direitos, há que haver uma previsibilidade de limitação temporal, assegurando a todos uma relação jurídica estável, com a produção de efeitos que importam ao interesse social.

Já há muito preconizava Pontes de Miranda que "os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o Direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade". [23]

No mesmo sentido, a lição de Aníbal Bruno: "o tempo que passa, contínuo, vai alterando os fatos e com estes as relações jurídicas que neles se apóiam. E o Direito, com o seu senso realista, não pode deixar de atender a essa natural transmutação de coisas (...). Além disso, o fato cometido foi-se perdendo no passado, apagando-se os seus sinais físicos e as suas circunstâncias na memória dos homens; escasseiam-se e tomam-se incertas as provas materiais e os testemunhos e assim crescem os riscos de que o juízo que se venha a emitir sobre ele se extravie, com grave perigo para a segurança do Direito. Umas e outras razões fazem da prescrição um fato de reconhecimento jurídico legítimo e necessário. Em todo caso, um fato que um motivo de interesse público justifica" [24].

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No direito administrativo a decadência e a prescrição não se apresentam de forma diferenciada e podem ser analisados sob três aspectos: a invalidação do ato administrativo; a sanção aplicada ao responsável pelo ato ilícito administrativo; e, nas ações de ressarcimento de dano. Não se diferencia, por sua vez, por ser a estabilidade e a segurança jurídicas princípios informadores de todo o ordenamento jurídico. No dizer de Renato Sobrosa Cordeiro: "é regra geral de ordem pública, que se inscreve nos estatutos civis, comerciais e penais, submetendo-se as relações jurídico-administrativas a tal postulado". [25] Para o professor José dos Santos Carvalho Filho "a segurança jurídica é axioma que deve inspirar todo o mundo jurídico, e não especificamente este ou aquele ramo do direito ou da administração". [26]

O princípio da segurança jurídica, no âmbito administrativo, está previsto expressamente pelo artigo 2º da Lei nº 9784/99 [27], devendo-se sujeitar-se a Administração Pública. No escólio de Mauro Roberto Gomes de Mattos "o acolhimento do princípio da segurança jurídica, nos termos dessa nova visão, possibilitou, mormente pela força integradora da democracia como fator de busca permanente da equalização e uniformização das diferenças, que se utilizasse tal princípio como forma de instrumento de obstaculização da atividade da administração pública, em específico nas circunstâncias em que a sua inação a caracterizava por um período dilargado de tempo, desde que inocorrendo qualquer conduta informada por má-fé dos administrados interessados, ou eventualmente beneficiados por tal inação administrativa. Transpondo tais princípios para a esfera das relações disciplinadas pelo (...) Direito Público, a prescrição funciona também como fator de estabilidade na relação dos administrados com a administração pública, e vice-versa". [28]

Desse modo, sob esse contexto de imposição normativa, é dever da Administração Pública zelar pela estabilidade e pela ordem nas relações jurídicas, como condição de subsunção ao ordenamento. "Aestabilidade fará, por exemplo, que, em certos e excepcionais casos, a Administração tenha o dever de convalidar atos irregulares na origem. É que sem estabilidade não há justiça, nem paz, tampouco respeito às decisões administrativas". [29]

O prazo geral previsto no ordenamento administrativo para o exercício de uma pretensão, que não tem caráter potestativo e nenhum outro prazo fixado em lei especial, é de um ano, a teor do que dispõe a regra do artigo 6º do Decreto 20.910, de 06.01.1932 – editado com força de lei -, ao regulamentar a reclamação administrativa. Trata-se, portanto, de prazo de natureza prescricional que dispôs que o direito à reclamação administrativa, que não tiver prazo fixado em disposição de lei para ser formulada, prescreve em um ano a contar da data ou fato da qual a mesma se originar.

Não havendo, portanto, prazo em lei especial para se fazer uma reclamação, aplica-se a regra geral do artigo 6º do Decreto 20.910/32. No caso tem-se por fulminada a pretensão reclamatória, mas não há impedimento de que a Administração Pública conheça do recurso administrativamente, por força da sua subsunção ao princípio da legalidade, que tem previsão constitucional (art. 37) e legal (art. 2º da Lei nº 9784/99), mas com um limite específico em respeito à segurança jurídica.

Com efeito, a Administração Pública informada pela reclamação extemporânea (decurso do prazo previsto no art. 6º acima mencionado) não pode contemporizar com atos violadores de direitos, sendo cogente a sua obrigação de revê-los. Por outro lado, há que haver um limite para essa obrigação. Celso Antônio Bandeira de Mello anota que "o recurso ou a reclamação administrativa valerão como denúncia. Entretanto, se, por força de prescrição da ação judicial, não mais existir a possibilidade de insurgência em juízo, isto significa que decorreu o lapso de tempo a partir do qual o Direito considerou necessário promover a definitiva estabilização da sobredita situação jurídica" [30]. Deste modo, o limite temporal é a prescrição da pretensão também na via judicial, oportunidade que a pretensa ilegalidade apontada na reclamação administrava vai convalidar-se, não cabendo mais a Administração intervir.

Merece destaque que a pretensão do administrado em desfavor da fazenda pública (federal, estadual ou municipal) com relação a dívidas e todo e qualquer direito ou ação, seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos contados da data do fato do qual se originar (art. 1º do Decreto 20.910/32). No entanto, a jurisprudência consolidou o entendimento, ainda na vigência do Código Civil anterior, de que esse prazo só se aplica às ações de natureza pessoal, excetuando as de direito real. Tal entendimento, como se observa é literalmente contrário ao art. 1º do Decreto 20.910/32, que dispõe ser aplicado o dispositivo a qualquer ação ou direito, seja qual for a sua natureza. [31]

Neste caso, a prescrição atinge apenas as parcelas vencidas pelo decurso de cinco anos e não o total da dívida da Administração Pública, que se obrigou a saldá-la em obrigações periódicas (art. 3º do Decreto 20.910/32). Segundo a Súmula 443 do Supremo Tribunal Federal não há prescrição das prestações anteriores ao período de cinco anos quando não tiver sido negado o direito do administrado antes desse prazo.

Dessa forma, se uma prestação pretendida é saldada de forma periódica pela Administração Pública, ultrapassado o decurso de cinco anos fica prescrito o direito de requerer os valores mensais (prestações) relativo ao período coberto por esse prazo. Mas se requerido depois, faz jus o administrado às parcelas que se venceram após o quinto ano. [32]

Assim, em caso de negativa da administração a direito que faz jus o administrado, o prazo de prescrição flui em cinco anos, não havendo mais nenhuma prestação a ser postulada perante o Judiciário, uma vez que prescreveu a ação relativa ao próprio direito concernente.

Também em relação ao administrado, prescreve em cinco anos o direito de propor ação judicial objetivando indenização por danos causados a terceiros por Pessoa Jurídica de Direito Público (art. 1-C da Lei nº 9494/97 com redação da MP 1984-16/2000) [33].

A ação popular [34] (direito constitucional do cidadão) que tem por objeto anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (art. 5º, LXXIII), prescreve igualmente em cinco anos.

A prescrição pode ser impedida, suspensa (art. 197 e seguintes) ou interrompida (art. 202 e seguintes), nos termos da lei civil. Somente em caso de disposição legal expressa, entretanto, pode haver impedimento, suspensão ou interrupção da decadência (art. 207 do Código Civil).

Com relação à Administração Pública, as hipóteses de impedimento e suspensão são as previstas pelo artigo 198 e seguintes do Código Civil, não correndo a prescrição, por exemplo, em caso de incapazes, contra ausentes do país em serviço público, contra os que estão servindo as Forças Armadas em tempo de guerra, etc. Também a prescrição em desfavor da Administração Pública é suspensa quando da interposição de recurso administrativo (art. 56 e seguintes da Lei nº 9784/99) e reclamação administrativa (art. 6º do Decreto nº 20.910/32).

As hipóteses de interrupção da prescrição com relação à Administração Pública também estão elencadas na lei civil (artigo 202), que deve ser conjugada com o artigo 3º do Decreto-lei nº 4597, de 19.08.1942 que dispõe no seu artigo 3º que a prescrição das dívidas, direitos e ações a que se refere o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, somente pode ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, "pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper". [35] No entanto, destaca Celso Antônio Bandeira de Mello que "a Súmula 383 do STF deu-lhe interpretação segundo o qual: ‘a prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo’. Com isso amenizou os efeitos restritivos que resultariam da dicção da norma em causa". [36]

As ações da Administração Pública em desfavor do administrado também têm prazo para serem exercitadas, seja administrativamente, seja judicialmente. No caso, entretanto, não se trataria de extinção da pretensão administrativa em relação ao administrado (prescrição), mas, sim, configuraria a hipótese de decadência. Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta brilhantemente que: "a perda da possibilidade da administração prover sobre dada matéria em decorrência do transcurso de prazo dentro do qual poderia se manifestar não se assemelha a prescrição. (...) não se trata, como nesta, do não-exercício tempestivo de um meio, de uma via, previsto para defesa de um direito que se entenda ameaçado ou violado. Trata-se, pura e simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (não adjetiva) da Administração, isto é, de seu dever-poder; logo, o que estará em pauta, in casu, é o não-exercício, a bom tempo, do que corresponderia, no Direito Privado, ao próprio exercício do direito. Donde configura-se situação de decadência, antes de prescrição". [37]

Certamente, como corolário desta construção, caso não haja prazo legalmente definido em lei, o prazo da decadência jamais poderá exceder àquele correspondente à ação judicial de que disporia [38].

Caso que se apresenta particularmente interessante é o prazo imposto pelo artigo 54 da Lei nº 9784/99 que prevê que o direito da Administração Pública de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Segundo a lei, portanto, trata-se de extinção do direito substantivo da administração, de desfazer um ato administrativo que está inquinado de vício de legalidade (competência, forma, finalidade, motivo e objeto).

Para o professor José dos Santos Carvalho Filho, ao contrário do preceituado por Celso Antônio Bandeira de Mello, o prazo previsto pelo artigo 54 para anular ato administrativo que decorra efeito favorável ao administrado, a despeito da literal expressão legal (decai em cinco anos) é de prescrição. Sustenta o mestre que "há uma razão para tal pensamento. De plano é fácil notar que a questão de poder anular ou não os atos administrativos nada tem a ver com a natureza daqueles direitos que já nascem com prazo determinado para serem exercidos, esses sim, ensejadores de decadência. Ademais, a mens legis, no caso, não é a de condicionar o direito a exercício em certo prazo, mas sim o de não admitir que a inércia da Administração se perpetue no tempo. A idéia central é a de que, se a Administração se queda omissa em seu dever de anular o ato que traga benefício ao titular, a omissão, em certo momento, vai gerar em favor deste uma situação contrária, qual seja, a de ver a subsistência do ato que lhe é favorável. Ora, inércia dessa ordem propicia a ocorrência de prescrição, e não decadência". [39]

Com todas as permissões possíveis, não me parece com razão o ilustre professor. Quando a Administração Pública se encontra diante de uma situação em que é titular de um direito (direito de anular o ato administrativo que decorre efeito favorável ao destinatário) com o condão de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, "por ato unilateral, sem que haja um dever correspondente, apenas uma sujeição" [40], estamos diante de um direito potestativo. A decadência se consubstancia na perda desta potestade pela falta do seu exercício. O direito (de anular) nasce para a Administração Pública com prazo determinado, em razão do seu poder-dever (de agir), e que é fulminado de forma substancial e não adjetiva pelo decurso do prazo legalmente assinalado.

A falta de exercício de um direito potestativo no prazo previsto pela lei, pela teoria preconizada por Agnelo Amorim Filho – que para a maioria dos doutrinadores modernos se consubstancia no melhor critério para distinguir a decadência da prescrição [41] – revela a ocorrência da decadência. Assim, no caso do artigo 54, não houve impropriedade do vocábulo adotado.

A complexidade da questão, para não pontuar como perplexidade, decorre do fato do §2º do artigo 54 dispor que considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. Ou seja, dentro do prazo decadencial de cinco anos se a Administração Pública no ultimo dia impugnar a validade do ato administrativo que se pretende anular, é considerado, pela própria lei, como exercício de direito, mesmo que em se tratando a anulação de ato complexo que necessite estabelecer o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, XL, da Constituição) para ao final, se for o caso, proceder à invalidação desejada.

Em outras palavras, exercício do direito importa em interrupção do prazo, condição que a princípio não se aplica à decadência. Portanto, seria como conseqüência, a melhor solução apontar se tratar de fato de prazo prescricional, como sugere o professor Carvalho Filho. Todavia, apesar da expressão inusitada, o caso revela exatamente a interrupção da decadência, que apesar de todo esforço doutrinário em demonstrar que não se aplica as regras de impedimento, suspensão ou interrupção, como nos casos de prescrição, restou ressaltado expressamente tal condição pelo artigo 207 do Código Civil, aplicável à espécie.

A perplexidade decorre da rara exceção. A decadência pode ser interrompida, necessitando apenas de expressa previsão legal. Para tanto, o Superior Tribunal de Justiça, reunido na Primeira Seção, já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que no caso de exercício temporal de direito de impugnar ato administrativo pela Administração Pública ocorre a interrupção da decadência. Em parte da ementa do acórdão restou assim consignado: "Entretanto, verifica-se que, em 22.08.00, houve a interrupção do prazo decadencial, em face de pendência administrativa e judicial para discutir-se o ato concessivo da imunidade. Assim, afasta-se a alegação de decadência que só se consumaria em janeiro de 2004" [42].

Existe ainda a previsão na lei que regula prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública pelo exercício do Poder de Polícia, que ocorrerá em cinco anos, conforme dispõe o artigo 1º da Lei nº 9873 de 23.11.1999.

Do mesmo modo, as normas administrativas que reconhecem a ocorrência da prescrição também nos seguintes casos: no direito de requerer quanto aos atos de demissão e de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou que afetem interesse patrimonial e créditos resultantes das relações de trabalho (cinco anos - artigo 110, I), e nos demais casos (cento e vinte dias - artigo 110, II); da ação disciplinar para demissão, suspensão e advertência, respectivamente em cinco anos, dois anos e cento e oitenta dias, todos da Lei nº 8112, de 11.12.1990.

Assim o tempo que passa produz seus inexoráveis efeitos na vida do Direito, qualificando a relação jurídica entre os particulares e entre esses e a Administração Pública. O tempo é sempre uma potestade, atributo ou condição do que manda, impõe sua vontade. Contra o tempo, de fato não há argumentos. Mas, contra os efeitos jurídicos do tempo, muitos argumentos ainda se juntarão para buscar uma melhor racionalização, em nome da indelegável estabilidade social consubstanciada pela segurança jurídica.

Sobre o autor
Fernando Antônio Calmon Reis

Defensor Público do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Fernando Antônio Calmon. Algumas considerações sobre a prescrição e a decadência no direito administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2665, 18 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17651. Acesso em: 5 nov. 2024.

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