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A mediação de conflitos como instrumento de acesso à justiça e incentivo à cidadania

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Agenda 26/10/2010 às 15:21

4. O PROJETO "BALCÃO DE JUSTIÇA E CIDADANIA DO ESTADO DA BAHIA" COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) possui sua sede no Palácio da Justiça, prédio situado no interior do Centro Administrativo da Bahia (CAB). É composto por 35 desembargadores atualmente. É dirigido pela Mesa Diretora, constituída de um Presidente, dois Vice-Presidentes, um Corregedor Geral e um Corregedor das Comarcas do Interior.

O Projeto "Balcão de Justiça e Cidadania", do Tribunal de Justiça da Bahia foi criado em junho de 2003, através da resolução n. 1/2003, com o objetivo de incentivar o acesso gratuito à Justiça pela população desprovida de recursos financeiros através de orientação jurídica e meios alternativos ou complementares de solução de conflitos. As causas abarcadas são de menor complexidade e versam sobre separação judicial, divórcio, fixação de alimentos, regulamentação de visitas, adoção, entre outras2.

O Balcão de Justiça se consolidou como o instrumento eficaz de acesso à Justiça por pessoas carentes. Suas instalações situam-se próximas de bairros periféricos. O Balcão possui 26 unidades na capital Salvador e 23 no interior do estado. Há ainda uma unidade móvel para atendimento e mediação que se dirige a localidades que não tenham unidade fixa.

No bairro do Imbuí, sua unidade situa-se no interior do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade Ruy Barbosa (sede Paralela), proporcionando aos acadêmicos de Direito uma experiência humanística de fomento da cidadania e participação democrática junto às comunidades.

A tabela abaixo contém o resumo das atividades dos Balcões nos últimos três anos:

Atividades dos Balcões de Justiça e Cidadania

2007

2008

2009

2010*

Orientação/Encaminhamentos

10.690

20.659

28.808

8.157

Reclamações Recebidas

9.799

17.184

25.666

7.220

Total de Atendimentos

20.489

37.843

54.474

15.377

Acordos de Família

2.843

5.980

9.008

2.833

Acordos Cíveis

875

1.877

1.209

403

Total de Acordos Celebrados

3.718

7.857

10.217

3.236

Sessões realizadas

5.481

13.535

20.356

6.213

*1º Trimestre

FONTE: TJBA

Conforme se aufere dos dados apresentados, o número de atendimentos e de acordos firmados é crescente. Nota-se, porém, uma pequena redução dos acordos cíveis celebrados em 2009 em relação aos de 2008, entretanto, não se pode afirmar com certeza absoluta os motivos que ocasionaram tal redução. Ainda que não seja possível a celebração de acordos na totalidade da demanda, o fato é que, ao fim de um processo de mediação, o indivíduo tem a possibilidade de mudar a sua perspectiva diante do conflito, atenuando a idéia do belicismo e da disputa para ter seus pleitos atendidos.

4.1. O PROCEDIMENTO DA MEDIAÇÃO NOS BALCÕES

Os acadêmicos passam por processo de capacitação no qual conhecem as técnicas e mecanismos dos meios alternativos de solução de conflitos (MASC), incluindo a mediação.

A prática da mediação consiste no procedimento mais utilizado uma vez que possui maior eficácia em relação às demandas que chegam ao Balcão. Isso por que dentro de uma relação continuada, a mediação promove o respeito, a comunicação, a tolerância, a compreensão e a paz, fatores necessários para a convivência dos mediados. A mediação também previne o surgimento de novos conflitos na medida em que insere no arcabouço cultural do cidadão, o diálogo como fundamento para adequada abordagem dos conflitos. O mediado passa a ter a consciência de que é de sua responsabilidade deliberar sobre seus problemas e encontrar a solução que melhor se adeque a seu caso.

Tal processo difere da conciliação, que se propõe a dirimir conflitos em esferas onde não existe relação continuada, como, por exemplo, em brigas eventuais cujas partes não se conheçam. A conciliação é muito aplicada na ocorrência de colisão entre veículos e na compra e venda de objetos. Trata-se da busca por uma solução rápida em que o conciliador interfere a fim de dirimir os conflitos gerados em tais situações, diferente da mediação, que encerra em seu âmago emoções de naturezas diversas, compartilhadas pelos mediados em sua convivência.

O processo é conduzido por dois estagiários sob a supervisão de uma advogada. Aos mediados, de início se agradece pela voluntariedade do comparecimento, os estagiários apresentam suas credenciais e perguntam os nomes das partes, explicam em que consiste o processo de mediação e quais benefícios eles irão auferir ao empregarem tal meio para dirimir suas controvérsias.

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Em seguida cabe aos estagiários mediadores indagarem qual dos assistidos deseja falar primeiro, garantindo sigilo do que será dito e assegurando ao que escutar, que ele terá igual direito ao fim, conquistando a confiança deles. Tal procedimento irá de imediato proporcionar o senso da inclusão social de pessoas que na maioria das vezes nunca tiveram oportunidade de deliberar sobre os problemas que lhes afligem.

Os mediadores passam então a escutar atentamente o que os mediados expõem, procurando observar seus gestos e posturas no sentido de detectar aquilo que estão sentindo.

Em síntese, os estagiários irão então incentivar (sem interferir) aos litigantes a construção de uma solução diante do problema. Irão ressaltar que a eles cabem encontrar tal solução de forma criativa dentro de suas relações, pensando sobre o problema daquele momento para o decorrer do tempo.

Ao fim do diálogo, firmar-se-á um acordo com validade de título executivo judicial (após a homologação) que conterá o que foi estipulado entre os litigantes de outrora. Para a homologação de tal acordo, o Balcão dispõe de um mensageiro que recolhe os documentos uma vez por semana e os encaminha a uma secretaria jurídica onde existe um juiz específico do Tribunal de Justiça da Bahia para homologá-los. Há ainda a possibilidade de ser marcado um retorno dos assistidos se no primeiro processo de mediação não for possível firmar um acordo.

O Projeto "Balcão de Justiça e Cidadania", portanto, vem atender à necessidade crescente de aproximar a justiça da sociedade. O indivíduo que procura o Balcão para ter seus litígios dirimidos, tem a real oportunidade de dispor acerca de seus problemas de forma célere e descomplicada. O senso de respeito ao mediado é um dos pilares em que se fundamentam os atendimentos no Balcão.

Com base nos dados apresentados neste artigo, firma-se de forma indubitável, que o Balcão de Justiça e Cidadania representa um referencial de grande importância, dada a sua eficácia em conferir o direito fundamental de acesso à justiça e o incentivo à cidadania no Estado Democrático de Direito.


CONCLUSÃO

Com base no estudo apresentado, conclui-se que a mediação é um mecanismo que possibilita a visão do conflito a partir de um prisma diferenciado. O indivíduo é estimulado a desenvolver habilidades de diálogo e cooperação, relegando o belicismo e a ignorância de outrora em favor de práticas altruístas, que melhor atendem às necessidades e expectativas dos mediados.

Ante um judiciário permeado por problemas estruturais e burocráticos que dificultam o acesso por parte de pessoas carentes, a mediação desponta como um instrumento de justiça, cuja eficácia pode ser comprovada. A mediação baseia-se no bom senso e no humanismo, se contrapondo a práticas burocráticas e institucionalizadas que cristalizam a efetivação da justiça.

Neste prisma, e tomando como referência os conceitos de justiça apresentados por Kelsen e Aristóteles, a mediação vem a se coadunar com a chamada terceira onda renovatória do Direito, que propõe um olhar diferenciado e restaurador da justiça, com vistas a uma aproximação cada vez maior entre o direito e a sociedade.

A implantação do Projeto "Balcão de Justiça e Cidadania", criado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) em 2003, além de proporcionar uma visão diferenciada aos acadêmicos de Direito, contemplados com a oportunidade de estágio, cuja principal atividade desenvolvida é a mediação de conflitos interpessoais, se revela como instrumento auxiliar do Poder Judiciário na promoção e acesso à justiça. O Projeto possibilita também, que os mediados tenham a oportunidade de desenvolver sua autonomia e cidadania, na medida em que são os mesmos que criam a solução para seus conflitos. Os dados apresentados no presente artigo corroboram tal entendimento, demonstrando resultados notáveis que favorecerem, sobretudo, a comunidade periférica do Estado.

O procedimento da mediação também inclui o indivíduo socialmente, ampliando seu universo cultural, possibilitando o conhecimento de seus direitos e deveres, dirimindo o belicismo e a hostilidade como forma de solução das controvérsias. O que se aufere com este procedimento é o necessário fomento à paz e o incentivo a práticas de cidadania, requisitos essenciais no contexto do Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA BRASIL. Haddad diz que Brasil deve erradicar analfabetismo até o fim da década. Folha Online. São Paulo, 14 abr 2010. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u721225.shtml> Acesso em: 20 abr. 2010.

AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O direito de acesso à justiça e a mediação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

BAHIA. Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://www.tjba.jus.br/site/pagina.wsp?tmp.id =186&tmp.idpai=36> Acesso em: 4 fev. 2010.

BRASÍLIA (DF). Decreto n. 1.572, de 28 de Julho de 1995. Regulamenta a mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 31.7.1995. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/1995/ D1572.htm>. Acesso em: 1º mar. 2010.

GRUNVALD, Astried Brettas. A mediação como forma efetiva de pacificação social no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi. Teresina, ano 8, n. 289, 22 abr. 2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/5117/a-mediacao-como-forma-efetiva-de-pacificacao-social-no-estado-democratico-de-direito>. Acesso em: 13 mar. 2010.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 26ª. ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

SALES, Lília Maia de Morais; VASCONCELOS, Mônica Carvalho. Mediação familiar, um estudo histórico-social das relações de conflitos nas famílias contemporâneas. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006.

VADE MECUM. 9ª.ed.São Paulo: Saraiva, 2010.


Notas

1 Decreto nº 1.572, de 28 de julho de 1995.

2 BAHIA. Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://www.tjba.jus.br/site/pagina.wsp?tmp.id=186&tmp.idpai =36>. Acesso em: 4 fev. 2010.

Sobre o autor
Daniel Carneiro Carneiro

Bacharel em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa (BA). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Candido Mendes (RJ). Mediador Judicial. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARNEIRO, Daniel. A mediação de conflitos como instrumento de acesso à justiça e incentivo à cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2673, 26 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17698. Acesso em: 2 nov. 2024.

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