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O Direito de superfície no Estatuto da Cidade

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Agenda 28/10/2010 às 09:59

APONTAMENTOS FINAIS

Vimos ao longo do trabalho a volta de um instituto há muito esquecido pelo legislador brasileiro: o Direito de Superfície. Não se trata, como a expressão volta denota, de inovação, mas de restabelecimento de um regime que muito tem a somar com as políticas urbanas.

O Direito de Superfície assume lugar na cena urbanística nacional no seguinte contexto: da Função Social, de desordenado agrupamento populacional nas cidades e da existência de terrenos, imóveis em geral, em total dissonância com a ordem vigente.

Ainda que falemos na existência de crescimento desordenado nas cidades, muitas vezes em razão da limitação física, é bem verdade que em muitos casos o crescimento desordenado é determinado pela existência de propriedades em sua faceta absolutista. Em muitos casos até existem locais que poderiam bem atender à demanda do crescimento, mas estes se encontram nas mãos de uns poucos que mantém a propriedade com a simples função especulativa. Por isso é que encontramos terrenos baldios em locais já desenvolvidos, quando na verdade poderiam estar ocupados, atendendo assim sua finalidade precípua.

Visando a impedir que existam locais vazios, que poderiam estar ocupados, é de bom alvitre se conjugar com o Direito de Superfície o IPTU progressivo com função extrafiscal. Com este se "convence" o proprietário do solo que não é legitima a propriedade pelo simples fato desta, mas sim pelo cumprimento de seu papel social na sociedade. Vemos no advento desse a possibilidade de que o Direito de Superfície seja realmente efetivo em nossa sociedade, que infelizmente só atende aos reclamos da pecúnia.

Certamente, se a idéia da Função Social já estivesse arraigada entre a população brasileira desnecessário seria o tomamento de medidas com caráter coercitivo, com natureza jurídica verdadeiramente acautelatória. Como não está, as medidas extrafiscais tem tudo para fazer o trabalho de "conscientização".

O regime da superfície, uma vez introjetado em nossa sociedade tem tudo para fomentar o desenvolvimento urbano, já que levará a um melhor aproveitamento da propriedade imobiliária urbana.

Trará certamente benefícios para os dois lados do negócio, já que o proprietário do solo, o cedente, se verá livre do pagamento de tributos como o IPTU e, sendo a superfície onerosa retirará um quantum da cessão.

Para o cessionário também será interessante o regime, já que poderá ocupar uma região melhor dentro do plano citadino sem ter de arcar um valor muito alto para isso. Com isso se atenderá ao preceito fundamental da Função Social. Assegurar-se-á certamente ao atendimento do princípio da dignidade da pessoa humana que não mais terá de ocupar regiões inóspitas.

Por fim inferimos que o Poder Público tem muito a fazer nessa fase de volta do Direito de Superfície. Como este tem em mãos instrumentos de coerção, terá a prerrogativa de fazer o trabalho "pedagógico" com o proprietários urbanos que vêem na propriedade apenas esse fato. A contrapartida disso refletirá inclusive na esfera da estética urbana, que se verá livre de locais vazios e terrenos baldios.

Tem o poder municipal, como visto, importantes instrumentos. Basta agora que os utilize, mesmo incorrendo no risco de se adotar políticas pouco populares. Este mostra ser o preço da vida em sociedade: o cedimento dos Direitos individuais frente aos Direitos sociais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS

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BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito real de superfície. Teresina: Jus Navigandi. Disponível em <jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2360> Acesso: 12 agosto 2010.

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DREGER, Rony. O Direito Real de superfície como instrumento de transformação da propriedade. Teresina: Jus Navigandi. Disponível em <jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=5601> Acesso: 10 agosto de 2010.

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TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em <http://fdir.uerj/publicacoes/publicacoes/diversos/malcino.html> Acesso: 16 agosto 2010.


Notas

  1. Pelo menos expressamente, eis que doutrinadores há a sustentar que o Decreto-lei n. 271/1967, consagrara verdadeiro Direito de Superfície. Tal consagração teria havido no artigo 7º do citado decreto, cuja dicção ora se transcreve: "É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito resolúvel, para fins específicos de urbanização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social." GORAIEB, Rima. O Direito de Superfície. Rio de Janeiro: PUC-RJ. Disponível em <www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/Direito/catalog.htm> Acesso: 15 agosto 2010.
  2. Como se revogam as normas jurídicas? O princípio geral é o de que as normas se revogam por outras da mesma hierarquia ou de hierarquia superior. Assim, uma nova Constituição revoga a Constituição anterior e todas as leis, regulamentos, portarias, etc. que lhe sejam contrários, e passam a ser inconstitucionais. Uma lei ordinária revoga as leis anteriores e as normas de menor hierarquia como os regulamentos, portarias e outros preceitos inferiores contrários a suas disposições. MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, 20. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991, p. 393.
  3. GOMES, Orlando. Direitos Reais. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 85.
  4. Determinou-se através dessa continuasse em vigor no Brasil a legislação do Reino, mantendo-se as Ordenações Filipinas.
  5. A Superfície foi tacitamente extinta do Direito positivo brasileiro com a edição da lei 1257 de 29 de setembro de 1864, já que não foi elencada dentre os Direitos reais, numerus clausus que são.
  6. ‘Os períodos de formação do sistema de direito privado romano, de forma geral, classificam em 3 fases: 1ª do direito antigo ou pré-clássico clássico – das origens de Roma até a Lei de Aebuitia; 2ª do direito clássico até o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C.; e a 3ª do direito pós-clássico ou romano-helênico até a morte de Justinianino, em 565 d.C." Esclarecimentos prestados pela professora de Direito Civil da Universidade de Ribeirão Preto, Roseane Abreu Gonzáles Pinto, em artigo publicado em mídia eletrônica: DERBLY, Rogério José Pereira. Direito de Superfície. Rio de Janeiro: Femperj. Disponível em <www.femperj.org.br/artigos/intdif/ai13.htm#_ftn1> Acesso: 21 agosto 2010.
  7. CHAMOUN, Ebert. Instituições de Direito Romano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 281. Apud TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Rio de Janeiro: UERJ. Disponível em <www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/diversos/malcino.html> Acesso: 12 agosto 2010.
  8. MARCHI, Eduardo C. Silveira. A Propriedade Horizontal no Direito Romano. São Paulo: Edusp - Ed. Universitária, 1995, p. 12.
  9. TEIXEIRA, Jose Guilherme  B. O Direito Real de Superfície. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 16.
  10. NOBREGA, Vandick Londres. História e Sistema do Direito Privado Romano. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 297.
  11. CHAMOUN, Ebert. Op. cit.p. 281.
  12. NOBREGA, Vandick Londres. Op. cit., p. 297.
  13. Ibidem.
  14. DREGER, Rony. O direito real de superfície como instrumento de transformação da propriedade. Teresina: Jus Navigandi. Disponível em <jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=5601> Acesso: 10 agosto 2010.
  15. Ibidem.
  16. Professor titular de Direito Civil da Universidade de Léon – Espanha, e professor visitante da pós-graduação em Direito da UFRGS.
  17. GÓMEZ, J. Miguel Lobato. Código Civil e Estatuto da Cidade. Teresina: Jus Navigandi. Disponível em <jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=4933> Acesso: 24 setembro 2010.
  18. LIRA, Ricardo. O Moderno Direito de Superfície: Ensaio de uma teoria Geral. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 35, ano 1979, p. 15.
  19. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Edição Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. p. 307.
  20. Orlando Gomes. Apud CHALHUB, Melhin Namem. Direito de Superfície. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, v. 53, a. 19, 1995, p.76.
  21. Carlos Maximiliano. Apud CHALHUB, Melhin Namem. Ibidem.
  22. Devido à informação aduzida pelo senso comum, há países que não admitem a existência do Direito de Superfície sobre o subsolo, sob a justificativa que tal aceitação subverteria o próprio conceito da locução, que significa "a parte exterior de um corpo". FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 2003, verbete superfície.
  23. Messineo. Apud DEDA, Artur Oscar de Oliveira. Direito de Superfície. Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 26, 1979, p. 337-338.
  24. A transcrição da legislação internacional foi feita a partir da citação desta em artigo doutrinário publicado em mídia eletrônica, cuja referência é a que segue: BAPTISTA, Bruno de Albuquerque. Direito real de superfície. Teresina: Jus Navigandi. Disponível em <jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2360> Acesso: 12 agosto 2010.
  25. Ibidem.
  26. Ibidem.
  27. LIRA, Roberto. Op. cit., p. 66.
  28. Mota Pinto. Apud TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em <http://fdir.uerj/publicacoes/publicacoes/diversos/malcino.html > Acesso: 16 agosto de 2010.
  29. Dizemos fato porque, no mais das vezes, a viabilidade prática da instituição da superfície se dá pelo estabelecimento de retiradas de certos valores em períodos pré-estabelecidos. Portanto, claro se mostra que é o decurso do tempo que ensejará a retirada de valores pecuniários pelo cedente.
  30. Diz-se que opera um "fato do príncipe" quando o poder público toma medidas que refletem diretamente nas relações particulares.
  31. SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 32.
  32. O princípio da capacidade contributiva, de acordo à determinação constitucional, faz referência à capacidade econômica do contribuinte. De imediato se afasta a idéia da adoção de medida única – exteriorizada através das alíquotas – no tratamento das pessoas, físicas ou jurídicas. Tendo estas características que as distinguem, devem também ser distinguidas frente poder tributante. Por isso, na formulação do princípio o legislador buscou garantir justiça fiscal. Assim o fim da norma tributária não deve buscar apenas arrecadação. Em verdade, com o princípio em tela, estará sendo buscando o postulado fundamental da justiça: tratar desiguais na proporção em que se desigualam.
  33. Sabemos que a responsabilidade neste caso é propter rem, mas no caso aventado o cedente tem a possibilidade, caso venha a responder pelo pagamento do ônus da "coisa", de intentar procedimento judicial – denunciação à lide ou ação de regresso – para receber os valores despendidos do cessionário, já que se sub-rogará nos Direitos de credor.
  34. Vemos similitude entre o IPTU progressivo extrafiscal com o instituto da prisão civil do devedor de alimentos. Nenhum nem o outro são bens a se perseguir. Antes, são medidas de que se pode valer, naquele o poder público, e neste o alimentando, para ver a propriedade atendendo a sua função social ou o recebimento das verbas alimentarias, sucessivamente.
  35. SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 82.
  36. Idem., p. 87.
  37. Idem., p. 61.
  38. NEVES, Maria Carolina Scheidgger. Desapropriação para fins de reforma urbana e o Estatuto da Cidade (Lei n. 10257/2001). Teresina: Jus Navigandi. Disponível em <jus.com.br/revista/doutrina/texto.Asp?id= 5084> Acesso: 27 setembro 2010.
  39. Carlos Ari Sundfeld in: DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico. Vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 4.
  40. SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
  41. Art 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: XVII – É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.
  42. Art. 170, CF: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II - propriedade privada; III - função social da propriedade; Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (destacou-se)
  43. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
  44. III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

  45. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
  46. O urbanismo "impõe normas de desenvolvimento, de funcionalidade, de conforto e de estética da cidade, e planifica suas adjacências, racionalizando o uso do solo, ordenando o traçado urbano, coordenando o sistema viário e controlando as construções que vão compor o agregado humano, a urbe." MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 483.
  47. Art. 24, I.
  48. Art. 21, XX.
  49. COSTA, Regina Helena. O Estatuto da Cidade e os novos instrumentos da política urbana. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, v. 24, n. 51, jul./dez. 2001, p. 81.
  50. Assegura preferência (preempção) ao poder público na aquisição de imóveis urbanos desde que, devidamente notificado pelo proprietário, manifeste o interesse pela aquisição, no prazo de trinta dias, findo o qual o direito deixa de prevalecer. Objetiva permitir a formação de estoque de terras públicas sem a necessidade de procedimentos de desapropriação.
  51. MEDAUAR, Odete e ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001. Comentários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 63.
  52. Maria Helena Costa. In: DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 111.
Sobre a autora
Joana Sarmento de Matos

Juíza de Direito em Roraima. Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA. Professora licenciada de Direito Penal da FACSUM. Pós-Graduada em Direito Público pela UNIGRANRIO. Associada ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pelo Instituto Vianna Júnior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Joana Sarmento. O Direito de superfície no Estatuto da Cidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2675, 28 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17712. Acesso em: 23 dez. 2024.

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