8. INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA EDIÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO UNIDROIT DE 2004
O conselho de direção do UNIDROIT resolveu, em 1997, estabelecer um Grupo de Trabalho para a preparação da Parte II da obra, com vistas ao aperfeiçoamento de matérias contempladas nos Princípios (1994) e introdução de novos temas e artigos, em face da aceitação dos Princípios do UNIDROIT. A renovação dos Princípios resultou num aumento do número total de artigos que antes era de 120 para 185. [343]
Tendo em vista a recente aprovação dos Princípios do UNIDROIT em 2004 pelo conselho de direção, e pelo fato das normas ainda não terem passado por uma análise aprofundada por parte da comunidade jurídica internacional, neste trabalho irei realizar, a seguir, uma análise sucinta do novo conteúdo introduzido na nova edição de 2004 dos Princípios do UNIDROIT.
8.1 Preâmbulo
O Preâmbulo dos Princípiosfoi acrescido de dois parágrafos (4 e 6), que resultaram da experiência prática dos Princípios, e declaram o seguinte:
O Preâmbulo dos Princípiosfoi acrescido de dois parágrafos (4 e 6), que resultaram da experiência prática dos Princípios, e declaram o seguinte:
PREÂMBULO
(Propósitos dos Princípios)
Os Princípios seguintes estabelecem regras gerais para os contratos do comércio internacional.
São aplicáveis quando as partes convencionem sujeitar-lhes o seu contrato.
Podem aplicar-se quando as partes acordarem que o contrato seja regido pelo "princípios gerais do direito", pela "lex mercatoria" ou outra formula semelhante.
Podem aplicar-se quando as partes não houverem escolhido um direito em particular para reger seu contrato.
Podem ser utilizados para interpretar ou integrar outros instrumentos de direito internacional uniforme.
Podem ser utilizados para interpretar ou complementar o direito nacional.
Podem servir de modelo aos legisladores nacionais e internacionais. [344]
O parágrafo 4 é aplicável quando as partes não escolheram nenhuma lei aplicável para o seu contrato. Desta forma, os Princípios poderão ser usados para interpretar ou complementar uma lei nacional, assim como menciona o artigo 6. O acréscimo desses artigos vem demonstrar que durante a experiência prática dos Princípios do UNIDROIT durante esses anos, quanto à sua aplicação, mostrou ser cada vez maior pelos tribunais arbitrais e como pelos tribunais nacionais. [345]
8.2 Proibição de Comportamento Contraditório (Inconsistent Behaviour) - Artigo 1.8
O princípio da proibição do comportamento contraditório ou vemire contra factum proprium é uma aplicação do princípio geral da boa-fé – conforme o artigo 1.7 (boa – fé e lealdade negocial). Este princípio da proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) inspirou vários artigos nos Princípios do UNIDROIT, tais como 2.1.4(2) (b); 2.1.18; 2.2.20 e 10.4; e como nas disposições gerais, em que foi inserido o artigo 1.12 (que trata da contagem de prazos pelas partes nas práticas de atos relativos ao contrato). Ressalta-se ainda que este princípio também se encontra presente, embora implicitamente, no artigo 1:201 dos Princípios do Direito Contratual Europeu – que trata da boa-fé e lealdade negocial. [346]
Em virtude do artigo 1.8 o direito pode ser criado, perdido ou modificado como resultado direto da proibição nele contida, independente da intenção da parte interessada. Assim, no caso de uma das partes desejar liberar a outra parte da obrigação, ela deverá se atentar ao artigo 5.1.9. dos Princípios, o qual requer para a renúncia um acordo entre as partes, até mesmo quando uma das partes renunciou o seu direito gratuitamente. Este princípio teve como escopo definir melhor as operações do comércio internacional. [347]
8.3 Renúncia Mediante Acordo (Release By Agreement) - O Artigo 5.1.9
Este artigo trata da hipótese em que uma das partes deseja liberar a outra parte da sua obrigação, ou, de quando o devedor tiver mais de uma obrigação. [348]
Esta renúncia pode se dar através de ato em separado ou dentro de uma operação mais complexa, como um processo de solução de controvérsias. De toda forma, é exigido do credor realizar a renúncia através de convenção entre as partes, que independerá de caráter gratuito ou oneroso. [349]
8.4 Poder de Representação dos Agentes Comerciais (Authority of Agents) - Capítulo 2 – Seção 2
Esta foi mais uma inovação em que houve a inclusão de uma seção no capítulo 2, em dez artigos, tratando sobre o poder de representação dos agentes comerciais, disciplinando a autoridade do representante com relação ao vínculo estabelecido como o nome do representado em contrato firmado com terceiro. Esta atividade é muito difundida no comércio internacional. Entretanto, as regras disciplinam as relações externas entre representante ou representado, de um lado, e terceiros, do outro. [350]
No artigo 2.2.1, as normas desta seção 2, capítulo 2, não distingue a representação direta da representação indireta, ou seja, quando o representante esteja agindo em nome do representado ou em seu próprio nome. O artigo 2.2.1 no seu item (3) rege a disciplina da representação voluntária. [351] Ao contrário disso, os artigos 2.2.3 e 2.2.4 irão delimitar a diferença entre a representação divulgada e a representação não divulgada. Na primeira, a representação divulgada (art. 2.2.3), para que haja relação direta entre o representado e o terceiro, é suficiente que o contrato de agência tenha sido divulgado. Ou seja, o terceiro tem que ter conhecimento de que o representado age em seu nome; é interessante do ponto de vista econômico se o terceiro tem conhecimento de que a pessoa com quem está contratando possui autoridade suficiente para agir, e realmente age, não em seu próprio interesse, mas no de uma outra pessoa. No segundo caso, de representação não-divulgada (art. 2.2.4) o contrato vincula somente o agente e o terceiro. Isto visa preservar a expectativa da outra parte que firmou contrato com determinada pessoa que acreditava ser o principal, e se depara depois com outra pessoa, que reclama tal qualidade, mas que sua existência até então lhe era inteiramente desconhecida. [352]
8.5 Direitos de Terceiros (Third Party Rights) - Capítulo 5 – Seção 2
O capítulo 5 disciplina a renúncia mediante acordo (artigo 5.1.9), que conta, também, com os direitos de terceiros ("third party rights"), divididos em seis artigos.
A essencialidade desta seção se desdobra no seu primeiro artigo, o 5.2.1, que versa sobre a estipulação em favor de terceiro. [353]
A estipulação em favor de terceiro, por meio de negócio jurídico, um terceiro determinado, pode exigir o cumprimento da estipulação em seu favor, mesmo não sendo parte do contrato, a não ser que exista convenção em contrário. É disciplinado da seguinte forma pelos princípios: primeiramente a intenção das partes no sentido de conferir direito a um terceiro não necessita de declaração expressa, podendo inferir-se dos termos do contrato e das circunstâncias do caso. No presente, caso o direito conferido a um terceiro pode se sujeitar a qualquer tipo de condição ou limitação, como também estabelecendo a possibilidade de revogá-lo mesmo após a aceitação do beneficiário. Num segundo plano, temos a presença marcante da autonomia da vontade, ou seja, as partes têm a liberdade de conferir direito a um terceiro e de excluir a criação de tal direito. [354]
8.6 Os Novos Capítulos 8, 9 e 10 nos Princípios do UNIDROIT 2004.
O capítulo 8 trata da compensação. Já o capítulo 9 trata da cessão de créditos, da transmissão de dívidas e a cessão de contratos e o capítulo 10 disciplina prazos de prescrição.
8.6.1 Capítulo 8 – Compensação (Set-Off)
A compensação é muito freqüente no comércio internacional, bem como no nacional. Entretanto no Brasil é tratado como extinção de obrigação, em que as duas partes são ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra, de obrigação em dinheiro ou em outros bens fungíveis e uma delas pretende compensar a sua obrigação com a da outra parte. Assim evita-se o movimento desnecessário de dinheiro e mercadorias. [355]
Normalmente, as condições exigidas para que aconteça a compensação, são: a) que as partes sejam ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra; b) que as dívidas da compensação sejam certas, líquidas e exigíveis; e que c) sejam relativas a bens fungíveis e de mesma qualidade. Assim, cada parte pode compensar sua dívida com a da outra parte, extinguindo-se as obrigações até onde se compensarem. [356] Os requisitos para a compensação encontram-se descritos no artigo 8.1 dos Princípios do UNIDROIT. [357]
Nos Princípios do UNIDROIT a fungibilidade das dívidas (que é objeto de compensação) foi substituída pela exigência de dívidas de mesma natureza. [358]
Assim o artigo 8.2 permite a compensação de dinheiro expresso em diferentes moedas ou títulos desde que conversíveis. [359]
Os Princípiosnão acolhem a hipótese de compensação legal, ou seja, a que independe de convenção e se impõe à parte mesmo contra a sua vontade, nem exigem declaração judicial para este fim. [360]
De modo que nos Princípios do UNIDROIT a compensação é exercida através de notificação dirigida pelo interessado a outra parte (artigo 8.3 e 8.4). [361]
Quanto aos efeitos, a compensação: a) elimina as dívidas recíprocas; b) se os montantes são diversos, extingue as obrigações até onde elas se compensarem; e c) tem efeito a partir da data da notificação. [362]
8.6.2 Capítulo 9 – Cessão de Créditos, Transmissão de Dívidas e Cessão de Contratos (Assignment of Rights, Transfer of Obligations, Assignment of Contracts)
O princípio do UNIDROIT no seu capítulo 9 contempla três seções regulando sobre os institutos da cessão de créditos, da transmissão de débitos e da cessão de contratos.
8.6.2.1 Cessão de Créditos (Assignment of Rights) - Capítulo 9, Seção 1
O capítulo 9, seção 1, trata da cessão de créditos em quinze artigos. Esta seção regula todas as cessões convencionais, incluindo aquelas transferências realizadas de pessoa (o cedente – "assignor") para outra pessoa (o cessionário – "assignee") de um crédito relativo à quantia em dinheiro ou outra prestação, detido pelo cedente em face de uma terceira pessoa (devedor – "obligor"). [363] Sobre o exposto vide o artigo 9.1.1, que trata sobre as cessões convencionais. [364]
O artigo 9.1.2 exclui da matéria cessões relacionadas com transferência de créditos que se opera mediante títulos negociáveis (como por exemplo, as letras de câmbio), títulos de propriedade (ex. warrants) e instrumentos financeiros (ex. ações ou debêntures). Exclui, também, a cessão de crédito que deriva da sucessão comercial – como por exemplo a transferência de uma empresa, haja vista que neste caso estão sujeitas a normas especiais, nacionais ou internacionais, que geralmente exigem certas formalidades que os Princípios do UNIDROIT não tratam. [365]
A cessão pode ser parcial, tanto na obrigação em dinheiro, como na obrigação de prestação não-pecuniária. Porém, neste último caso, sua possibilidade fica restrita às obrigações divisíveis, sendo claramente vedada na hipótese de a prestação torna-se substancialmente mais onerosa ao devedor. [366]
Os Princípios admitem cessão de créditos futuros conforme disciplinado no artigo 9.1.5, desde que sejam determináveis. [367] Autoriza, também, a cessão de uma universalidadecreditória, que são créditos sem designação individual no artigo 9.1.6. [368]
A cessão de crédito se aperfeiçoa através de convenção entre cedente e cessionário, sem que seja necessária a notificação do devedor, nem exige o consentimento do devedor, salvo se a obrigação possuir caráter personalíssimo, assim como dispõe o artigo 9.1.7. [369]
O artigo 9.1.8 menciona que o devedor terá direito a indenização, pelas despesas suplementares em que tiver despedido, em virtude da cessão. [370]
A cessão sem o consentimento do devedor pode ser afetada pela cláusula de não-cessibilidade constante no artigo 9.1.9, que pode limitar ou proibir o negócio, firmado entre o credor original (cedente) e o devedor (cedido), com a finalidade que o devedor mantenha o vínculo com o credor original. Assim, há que existir um justo equilíbrio aos interesses do devedor e do cessionário, para que o primeiro não tenha um direito contratual violado pela cessão e o segundo, também seja protegido, se tiver agido de boa-fé. O artigo 9.1.9 (1) assegura a proteção ao cessionário de crédito pecuniário contra os efeitos da cláusula proibitiva da cessão, permitindo que o negócio alcance plena eficácia. Nos casos de obrigação não-pecuniária, (do qual não goza das mesmas atribuições que uma obrigação pecuniária) a cláusula de não-cessão opera efeitos em relação ao cessionário, invalidando a cessão, a menos que o cessionário dela não tivesse (ou não devesse ter) conhecimento. [371]
Quanto aos efeitos da cessão para o devedor, o artigo 9.1.10 trata que até o recebimento da notificação sobre a cessão, o devedor pode se desobrigar mediante pagamento ao credor original – o cedente. Após a notificação, o devedor só será liberado mediante pagamento ao cessionário. [372]
A cessão de crédito aperfeiçoa-se sem o consentimento do devedor, na presunção de que não prejudicará a sua posição jurídica. O devedor detém a prerrogativa de opor ao cessionário todas as exceções – meios de defesa que lhe competirem, inclusive a que tinha contra o cedente no momento em que tomou ciência da cessão. [373]
Com relação ao artigo 9.1.11 que regula a exoneração do devedor em caso de sucessões sucessivas, Lauro Gama menciona:
Embora o artigo 9.1.11 regule a exoneração do devedor na hipótese de cessões sucessivas de um mesmo crédito, afirmando a eficácia do pagamento feito ao cessionário que o tenha notificado em primeiro lugar, os Princípios do UNIDROIT 2004 deixaram deliberadamente de reger a ordem de preferência entre o cessionário e demais credores privilegiados ou quirografários do cedente. A razão disso está na relação entre tais questões e o direito de propriedade, cuja disciplina ultrapassa as pretensões de um instrumento de soft law como os Princípios e se acha melhor colocada nas regras do direito aplicável à relação." [374]
8.6.2.2 Transmissão (ou Cessão) de Débitos (Transfer of Obligations) - Capítulo 9 – Seção 2
A seção 2 do capítulo 9 trata em oito artigos sobre a transmissão (ou cessão) de débitos, que por sua vez tem grande importância no cenário do comércio internacional.
Conforme o artigo 9.2.1 a transmissão poderá ocorrer de duas formas: a) mediante acordo entre o devedor primitivo e o novo devedor, respeitando-se, no entanto, o artigo 9.2.3; e b) por acordo entre o credor e o novo devedor do qual o novo devedor assuma a obrigação. [375]
Já o artigo 9.2.3 menciona que o negócio exige o consentimento do credor. [376]
Diferentemente do que ocorre na cessão de créditos, a substituição do devedor pela transmissão de dívida pode trazer queda na qualidade do crédito na posição do credor, motivo pelo qual há a necessidade de sua anuência. Nada obsta que a anuência da operação pelo credor seja antecipada, assim como preceitua o artigo 9.2.4. [377]
A liberação do devedor original fica a cargo do credor, e somente na hipótese do artigo 9.2.1 (b), também do novo devedor. Pelo artigo 9.2.5 dos Princípios, o credor possui três alternativas: a) exonerar integralmente o devedor original; b) manter o devedor original como co-obrigado para responder, subsidiariamente, com o novo devedor; e c) estabelecer a solidariedade entre os devedores (novo e original). No artigo 9.2.5(3) trata que na ausência da escolha do credor, aplica-se a solidariedade entre o devedor original e o novo. [378]
O artigo 9.2.6 menciona que quando há recusa do credor em consentir com a cessão do débito, pode o devedor delegar a outra pessoa a execução da obrigação, com exceção das hipóteses em que se caracterize obrigação personalíssima. [379]
O artigo 9.2.7 informa que o novo devedor pode opor ao credor todos os meios de defesa (exceções) que o devedor original tinha em relação àquele, como por exemplo: a execução defeituosa das obrigações próprias do credor ou uma cláusula de arbitragem. Isto porque as obrigações que foram cedidas são as mesmas que obrigavam o devedor primitivo. Entretanto, não poderá exercer o direito à compensação em face do credor que tinha um direito atribuído ao devedor original em razão de não haver reciprocidade de débitos entre o credor e o novo devedor que justifique tal operação. [380]
O artigo 9.2.8, irá tratar dos direitos relativos à dívida cedida. Este artigo menciona que a dívida é transferida ao novo devedor como ela é, com todos os direitos de pagamento, bem como os meios de defesa que o devedor original detinha em seu favor. No entanto, a cessão muda o contexto em que as garantias foram apresentadas. Nesse sentido, o artigo 9.2.8(2) prevê a exoneração dodevedor primitivo e determina primeiramente a extinção de qualquer garantia pessoal da obrigação cedida, salvo se o garantidor resolver mantê-la em favor do credor. Se a garantia tiver sido prestada por aquele que se tornou o novo devedor, sua extinção será automática devido ao devedor não poder prestar garantia pessoal de suas próprias obrigações. Também se extingue a garantia real sobre algum ativo do devedor primitivo, exceto quando tal ativo venha ser transferido ao novo devedor como elemento de cessão de débitos. [381]
8.6.2.3 Cessão de Contratos (Assignment Of Contracts) - Capítulo 9 – Seção 3
Esta seção possui normas que disciplinam e promovem a transferência total de um contrato.
Tendo um valor econômico, o contrato poderá também ser transmitido. A transferência do contrato implica na transferência de toda sua unidade, tanto de direitos como obrigações da parte cedente. Trata-se da circulação do contrato mediante cessão, que não se confunde com a mera cessão de créditos nem com a transmissão de débitos. [382]
Assim como determina o artigo 9.3.1 é uma transferência negocial, mediante acordo, em que um dos contratantes é substituído por outra pessoa, que assumirá a posição de cedente, com seus direitos e obrigações. Assim, neste ato, três figuras são importantes: a) o cedente ("assignor"), que é tido como o contratante originário; b) o cessionário ("assignee") que o substitui; e c) a outra parte, que permanece na relação contratual e outorga o consentimento. [383]
O artigo 9.2.3 restringe a aplicação das normas aqui tratadas somente para a cessão negocial, não alcançando assim as hipóteses de cessão legal de contratos – que estão sujeitas às normas de direito aplicável relativas à cessão decorrente de negócios de compra e venda de empresas, assim como o direito societário brasileiro impõe a cessão de direitos e obrigações entre empresas nas operações de incorporação e fusão de sociedades anônimas. [384]
Os Princípios exigem, para tanto, a convenção entre cedente e cessionário, como também o consentimento da outra parte, mesmo que antecipado (artigos 9.3.3 e 9.3.4). [385]
A liberação do cedente fica a critério da outra parte: no artigo 9.3.5, há três alternativas para este ato: a) exonerar totalmente o cedente; b) manter o cedente como devedor co-obrigado para responder subsidiariamente pelas obrigações do cessionário; e c) estabelecer a solidariedade entre o cedente e o cessionário. Na hipótese da ausência de escolha pela outra parte, aplica-se a solidariedade entre o cedente e o cessionário. [386]
A cessão do contrato consiste numa cessão de crédito e de débito concomitantemente do cedente para o cessionário. Quanto aos meios de defesa e a compensação, se constituirão como parte integrante do processo na medida em que o contrato suportá-los. O artigo 9.3.6 reporta-se às regras pertinentes da cessão de créditos – reguladas no artigo 9.1.13, na medida que a cessão de contrato comportá-las. Também menciona-se que será aplicada igualmente à cessão de contratos, a norma pertinente da cessão de débitos, disciplinadas no artigo 9.2.7. [387]
Ao regular os direitos transmitidos com o contrato, o artigo 9.3.7 segue a mesma linha do que foi falado anteriormente, ou seja, o artigo 9.3.7 aplica-se na medida que a cessão de contratos comportá-lo às regras pertinentes da cessão de créditos contidas no artigo 9.1.14. De igual modo, indica a aplicação das normas pertinentes da cessão de débitos contidas no artigo 9.2.8. [388]
8.6.3 Capítulo 10 – Prazos de Prescrição (Limitation Periods)
Para segurança jurídica de atos realizados entre quaisquer indivíduos, o decurso de prazo é fator essencial para o negócio. Os Princípios do UNIDROIT 2004 adotaram o sistema segundo o qual a expiração de prazo não finda direitos e ações, mas constitui um meio de defesa. [389]
As normas do Capítulo 10 referem-se à prescrição extintiva – conforme artigo 10.1, excluindo-se a prescrição aquisitiva da qual se adquire direitos após o decurso de certo prazo. No item (2) do artigo 10.1 exclui-se da disciplina dos princípios certos prazos especiais – como aqueles relativos à aquisição ou exercício de um direito do qual exigem notificação ou a prática de determinado ato. [390]
Tais prazos especiais, normalmente denominados de "prazo razoável", exercem funções semelhantes às dos prazos prescricionais, porém não são por estes afetados, eis que visam a fins e necessidades específicos, produzindo efeitos independentemente dos prazos de prescrição. Excepcionalmente se um "prazo razoável" for mais longo que o prazo prescricional aplicável, o primeiro prevalecerá, tendo em vista sua finalidade especial. [391]
Há alguns artigos, entre outros, que estão sujeitos ao prazo especial, tais como: artigos 2.1.1 a 2.1.22 – relativos à comunicações no contexto da formação do contrato; artigo 3.15 – anulação do contrato; artigo 6.2.3 – renegociação; artigo 7.2.2 (e) – execução; e artigo 7.3.2 (2) – resolução do contrato por inexecução. [392]
Quanto às normas imperativas de direito nacional que regulam sobre os prazos de prescrição, de acordo com o artigo 1.4 dos Princípios do UNIDROIT, devem prevalecer sobre as normas deste capítulo.
Segundo Lauro Gama, o regime da prescrição nos Princípios obedece a um sistema dualista, o qual se apóia na idéia que o credor da obrigação não deve enfrentar os riscos de oposição de um prazo prescricional antes de ter uma real possibilidade de exercer o seu direito. [393]
Seguindo essa idéia, o artigo 10.2 (1) estabelece um prazo geral de três anos de prescrição, contados a partir do momento em que o credor tomou ciência dos fatos que lhe permitam exercer o seu direito. Ainda no seu item (2), há a previsão de um prazo máximo ao fim do qual o credor pode dar seu caso por encerrado, independentemente do conhecimento do devedor. Este prazo é de dez anos, contados a partir do momento que o direito poderia ser exercido pelo credor. [394]
Os Princípios não adotaram o sistema da data da lesão, utilizado pela Convenção da ONU (1974), que serve para determinar que o prazo começa a correr a partir da data da inexecução do contrato de compra e venda, ou, da data de entrega, se a demanda de produtos, assim o permitir. Os Princípios optaram pela adoção do sistema de descoberta, em que a prescrição começa a correr da ciência real ou presumida do titular a respeito de seu direito e da possibilidade de seu respectivo exercício. [395]
Podemos também destacar que os Princípios realizaram a previsão sobre a autonomia da vontade neste capítulo, através do seu artigo 10.3, o qual permite que as partes, mediante convenção, reduzam ou aumentem os prazos de prescrição, desde que respeitados os limites impostos no pelo artigo mencionado. [396]
O artigo 10.4 irá tratar da possibilidade de um prazo prescricional que se opera pelo reconhecimento, isto é, o prazo geral de prescrição é interrompido, e volta a correr em sua totalidade se, antes de expirado, o devedor reconhecer o direito do credor. O prazo máximo se mantém inalterado, e não volta a correr, mas pode ser ultrapassado por um novo prazo geral de prescrição – como previsto no artigo 10.2. [397]
O artigo 10.5 disciplina causas de suspensão do prazo, no caso de um processo judicial, o qual abrange: (a) a citação em ação judicial; (b) a habilitação de crédito em processo falimentar; (c) a habilitação de crédito em processo de dissolução de uma sociedade; e determinam a suspensão do prazo pelo tempo que durar o processo. O artigo 10.6, seguindo a mesma linha, rege os casos de suspensão decorrentes de um processo arbitral. Em caso de solução alternativa de controvérsias serão seguidas as regras do artigo 10.7, e também serem aplicadas as regras do art. 10.5 e 10.6. Já o artigo 10.8 irá tratar sobre os casos de suspensão relativas às hipóteses de força maior, morte ou incapacidade. [398]
O artigo 10.9 irá disciplinar os efeitos da expiração do prazo prescricional. Este artigo menciona que o prazo prescricional não extingue o direito, mas sim impede somente a sua execução. E não produzirá efeito automaticamente, ou seja, deverá ser invocado pelo devedor como meio de defesa em qualquer processo. Deste modo, é sempre possível utilizar um direito prescrito como meio de defesa, de acordo com os princípios aqui tratados, já que na sua visão a expiração do prazo não extingue o direito – o direito de credor não cessa de existir. [399]
Portanto, como seu direito continua a existir, o credor poderá exercer o seu direito de compensação – desde que satisfaça os requisitos presentes no artigo 8.1, mesmo que o devedor alegue a expiração do prazo de prescrição, opondo-se ao credor, conforme o artigo 10.10. [400]
O artigo 10.11 irá tratar da restituição, tendo-se em vista que no sistema dos Princípios, a expiração de um prazo de prescrição não acaba com o direito subjacente, podendo ser apenas invocado como meio de defesa o artigo 10.11 que determina que se o devedor executa sua obrigação, nada o impede de alegar a prescrição. Contudo, a expiração de um prazo de prescrição não pode ser utilizada como fundamento para uma ação de restituição – isto devido à existência de princípios que vedam o enriquecimento sem causa. [401]