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A (in)aplicabilidade do Código Florestal em zona urbana

Agenda 30/10/2010 às 13:22

Muito se tem discutido acerca da aplicabilidade da Lei nº 4.771/65, popularmente conhecida como Código Florestal, em zona urbana.

A discussão surge por conta da redação dada ao art. 2º, parágrafo único, da dita Lei:

"Art. 2º -

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal,  e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo."

Balizados autores seguem o entendimento de que o Código Florestal não se aplica às áreas urbanas; em primeiro lugar, porque o citado dispositivo ressalta que são as leis municipais e planos diretores que regulamentam as regras a serem observadas nessas áreas e, em segundo lugar, pelo próprio nome dado a Lei, qual seja, Código FLORESTAL.

"Trata-se de um grande equívoco, pois esse diploma legal é de nítida aplicação nas zonas rurais. O meio ambiente é de vital importância, mas não se pode defendê-lo ignorando a legislação vigente ou interpretando-a de forma errada.

Sem examinar o conteúdo da Lei 4.771/65, poder-se-ia afirmar que ela não teria aplicação no âmbito urbano. Essa colocação seria feita apenas com base no seu nome: "Código Florestal". Pelo simples nome do diploma legal, a sua incidência ficaria afastada em relação às zonas urbanas, já que não se poderia aplicar na cidade uma lei destinada à floresta." [01]

Ademais, ainda nessa parte da doutrina, há o fundamento do princípio federativo e autonomia concedida aos Municipios pela Constituição de 1988 e, principalmente no que concerne ao tema, competência para dispor sobre política urbana (art. 182 e parágrafos). [02] Tal argumento não procede.

Ora, em 1965, os Municípios não gozavam de "status" de ente integrante da Federação. Somente a partir de 1988, os Municípios tornaram-se entes federativos, com autonomia, Executivo e Legislativo próprios. O legislador ordinário de 65 obviamente não pensou na autonomia federativa dos Municípios. Ademais, mesmo pós-88, alguns entendem que Municípios não têm dita autonomia. Embora minoritários, os argumentos são fortes: 1) não há representantes municipais no Senado; 2) não há Judiciário próprio; 3) a competência originária do STF não inclui Municípios em um de seus pólos na lide; e 4) o artigo 24 da Constituiçao, ao tratar da competência comum, não inclui Municípios em seu caput.

Além disso, em um país tão vasto como o nosso, vários são os Municípios em que não há legislação sobre assuntos básicos, como saúde, educação, meio ambiente... O próprio plano diretor somente é obrigatório em se tratando de Municípios com mais de vinte mil habitantes (art. 41, inciso I, Estatuto da Cidade). Como defender o meio ambiente em casos como esses? Não se pode defender a total inaplicabilidade do Código Florestal em zona urbana com base nos argumentos acima ilustrados, sob pena de se ferir a proteção constitucional dada ao meio ambiente no art. 225 e incisos.

A jurisprudência tentou dar uma solução para isso. Apegaram-se à interpretaçao literal do art.2º, parágrafo único do CFLO:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO AMBIENTAL. ÁREA URBANA. ART. 2º, § ÚNICO DO CÓDIGO FLORESTAL. ATUAÇÃO SUPLETIVA DO IBAMA. ARTIGO 11, § 1º DA LEI Nº 6.938/81. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. COMPETÊNCIA COMUM. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INOBSERVÂNCIA DA LICENÇA MUNICIPAL. 1. A Fundação Municipal de Meio Ambiente autorizou a supressão de vegetação secundária, a qual estava em estágio médio de regeneração natural, na zona urbana de Blumenau. 2. A obra consistiu na terraplanagem de um terreno para construção de uma oficina mecânica, sendo que a área total do imóvel é de 7.232,08 m2, sendo autorizados 2.700 m2, ou seja, aproximadamente 1/3 do terreno. 3. O Código Florestal determina para as áreas urbanas que se observe o Plano Diretor do Município. 4. Não ocorrência de omissão ou inércia, pois houve o licenciamento para a construção da oficina mecânica. Para que seja admitida a atividade supletiva do IBAMA deve ocorrer a inépcia, ou, em outras palavras, a falta absoluta de aptidão técnica do órgão municipal para o licenciamento. 5. Apelação e remessa oficial improvidas." [03]

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Então, conclui-se, por essa parte da jurisprudência, que o art.2º, parágrafo único do CFLO aplica-se apenas à zona rural, salvo quanto aos seus princípios e limites de preservação, que devem ser observados em zona urbana.

Não se trata de total inaplicabilidade do Código Florestal no âmbito urbano, mas de aplicabilidade apenas quanto aos seus princípios e limites de preservação. Muitos se limitam a dizer que tal corrente veda a aplicação do CFLO na zona urbana. Não é isso! Aplicam-se os princípios e limites constantes do CFLO. Os limites referentes às APP`S (áreas de preservação ambiental) são aplicados em qualquer área. São eles:

"a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;  (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;  (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;  (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer  que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989.

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal,  e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.(Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras;

b) a fixar as dunas;

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

§ 1° A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

§ 2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei."

Ainda nesse diapasão, cabe ressaltar que o Código Florestal versa, em quase todo o seu texto, sobre áreas de preservação permanente, que não se limitam à zona rural.

Como exemplo, cita-se o art.2º, alínea f do Código Florestal:

"f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;"

A Resolução CONAMA nº 07, de 1996, conceitua restinga como "conjunto das comunidades vegetais, fisionomicamente distintas, sob influência marinha ou fluvio-marinha". Melhor dizendo, restinga é a vegetação encontrada em superfícies arenosas, como praias e dunas.

No Rio de Janeiro, por exemplo, utiliza-se a definição do Código Tributário Nacional de zona urbana para incidência de IPTU. Como não há legislação específica, a Municipalidade utiliza o CTN, considerando zona urbana:

"(...)toda área em que existam, pelo menos, dois dos seguintes melhoramentos:

-meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

-abastecimento de água;

-sistema de esgotos sanitários;

-rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para iluminação domiciliar;

-escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel.

Quem já passou pela Cidade Maravilhosa sabe que as praias ali localizadas encontram-se em zonas urbanas. A altíssima alíquota de IPTU não nos deixa mentir...

Voltando ao argumento inicialmente esposado de que o Código Florestal aplica-se apenas em florestas e estas não estão localizadas em área urbana, lembrem-se de nossa tão falada e castigada Mata Atlântica. Apesar de não mais percorrer o litoral brasileiro de ponta a ponta, ainda se encontram vestígios da floresta em meio à ocupação desenfreada dos grandes centros urbanos.

Concluindo, não se pode limitar totalmente o âmbito de aplicação do Código Florestal Brasileiro, dada a redação do seu parágrafo único, art. 2º. Entretanto, essa aplicação também limitada pode desvirtuar a intenção do Constituinte de 1988, que almejou a ampla proteção do meio ambiente, tendo em vista ao crescimento econômico que ocorre no país.

De lege ferenda, tendo em vista o recente projeto de lei que alterará o CFLO, completa-se o texto com o pedido ao legislador, deixando de lado eventuais críticas feitas pelos ambientalistas ao projeto, para que aumente expressamente o âmbito de aplicação da Lei, deixando ao legislador municipal apenas a especialização da norma dado o interesse local. Isso não é enfraquecer a autonomia municipal, é proteger, com mais eficácia, o meio ambiente.


Notas

  1. http://www.oeco.com.br/convidados/64-colunistas-convidados/16750-oeco_15034
  2. http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=690
  3. AP – REEX 200772080036820, TRF4, Terceira Turma, Relator Joao Pedro Gebran Neto, DJ 30-09-2009
Sobre a autora
Fabiana de Oliveira Coutinho

Advogada formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), especializada em Direito Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Fabiana Oliveira. A (in)aplicabilidade do Código Florestal em zona urbana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2677, 30 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17735. Acesso em: 22 nov. 2024.

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