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A questão da indenização por restrições de natureza ambiental ao exercício do direito de propriedade diante do regramento constitucional e da efetivação do princípio da função socioambiental: algumas considerações preliminares

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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: ALGUMAS OBSERVAÇÕES IMPORTANTES. 2. DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE E DA INSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS. 3. DAS RESTRIÇÕES DE NATUREZA AMBIENTAL E A QUESTÃO DA OBRIGAÇÃO (OU NÃO) DE INDENIZAR. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Resumo:

O artigo se propõe a discutir o tema da indenização em casos de restrições de natureza ambiental, a partir da análise do direito de propriedade sob um novo regramento de direito público introduzido pela Constituição Federal de 1988 e a ampla normatização do meio ambiente ali inserida, onde se visualiza a aplicação prática do principio da função socioambiental da propriedade.

Palavras-chaves: indenização. restrições ambientais. direito de propriedade. direito ao meio ambiente sadio. função social da propriedade.

Abstract:

This article presents a study concerning the compensation for limitation on property because environment restriction. For that, it is analyses the property rights by the Federal Constitution from 1988, and how great protection environment has on that, where we can realize the practice application of the environment social function of property principle.

Keywords: compensation. Environment limitation. Property right. Healthy environment right. Social function of property.


INTRODUÇÃO

A matéria da indenização a particular em caso de restrição [01] de natureza ambiental ao conteúdo de seu direito de propriedade se inclui dentre as questões de Direito Ambiental que tem suscitado importante debate doutrinário e jurisprudencial, qual seja: o aparente conflito entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente sadio(Duarte, 2003, p. 90-106). No campo da aplicação prática, tal dilema ainda se torna mais evidente em face dos interesses patrimoniais sempre envolvidos na defesa (limitada) da prevalência do direito de propriedade sobre o direito difuso ao meio ambiente sadio.

Ciente de que a matéria comporta variados aspectos e prismas de análise, o presente ensaio se destina a tratar de alguns elementos considerados essenciais para nortear a discussão do (polêmico) tema em pauta; o que entendemos como fundamental para a compreensão de que, a partir da mudança de paradigma ocorrida no sistema jurídico brasileiro com a promulgação da Constituição Federal de 1988, há que se visualizar os direitos individuais (dentre os quais, o direito de propriedade), na perspectiva da construção de uma sociedade livre, justa e solidária que se constitui um dos fundamentais objetivos da República Federativa do Brasil (art.3°, I, da Constituição Federal de 1988).


1.DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DA FUNÇAO SOCIAL DA PROPRIEDADE: ALGUMAS OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

Para discutir a questão posta, inicialmente se faz necessário considerar a atual configuração do direito de propriedade em nosso ordenamento jurídico.

Certo é que na sociedade contemporânea o direito de propriedade perdeu a feição de direito absoluto de usar, gozar e dispor em qualquer circunstância, sem nenhum limite, como previsto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Leuzinger, 2002).

Afastando o caráter de direito quase absoluto, então concedido no século XVIII ao direito de propriedade, a maioria dos ordenamentos jurídicos dos países ocidentais reformularam o conteúdo de tal direito através de normas restritivas impostas pelo Estado em prol do interesse social, fundamentadas no dever, estabelecido constitucionalmente, de que a propriedade atenda aos interesses e às necessidades coletivas (Figueiredo, 2001).

A Constituição Federal Brasileira de 1988 consagra expressamente o direito de propriedade (art.5º, XXII), mas ao mesmo tempo dispõe que "a propriedade atenderá a sua função social" (art.5º, XXIII). Tal condição (para a configuração do direito de propriedade) foi inserida tanto no capítulo que trata dos Princípios Gerais da Atividade Econômica (através do artigo 170, III), concomitante ao princípio da defesa do meio ambiente na atividade econômica (inc.VI do art.170); como no capítulo referente à Política Urbana [02], ao vincular a função social da propriedade a exigências fundamentais de ordenação da cidade (§2° do artigo 182).

Vê-se, assim, que o direito de propriedade em nosso ordenamento jurídico é condicionado à sua função social. Desse modo, ainda que o artigo 524 do antigo Código Civil brasileiro [03], que assegurava ao proprietário "o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua", tenha, àquela época, sido recepcionado pela Carta Magna de 1988, ficou desde logo patente a opção do constituinte pela função social da propriedade. Em vigor, o novo Código Civil Brasileiro (Lei Federal 10.406/2002) seguiu o mesmo caminho, entretanto com maior alcance, ao proclamar que:

Art.1228: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha

§1º: O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo a que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e a patrimônio histórico e artístico, bem como a evitar a poluição do ar e das águas (destacamos).

Mas o que vem a ser função social da propriedade? Podemos buscar uma resposta em Silva (1991, p.251), segundo o qual:

A função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens.

A seu turno, diz Figueiredo (2001, p.471):

A função social da propriedade, consubstanciada no dever de que a propriedade atenda não apenas os interesses do proprietário, mas também sirva de instrumento para alcançar o bem-estar da coletividade, opera-se internamente o direito de propriedade, como um de seus elementos constitutivos, sem o qual não será plenamente garantida, não se confundindo, portanto, com meras limitações administrativas ao exercício desse direito decorrente do exercício do poder de polícia.

Fica evidente, das sucintas definições acima consignadas, que a função social da propriedade se constitui em um dever imposto à propriedade no sentido de que mesma venha trazer benefícios à sociedade e não só a seu titular.

Ainda que saibamos que profícuo é o debate doutrinário sobre o tema da função social da propriedade, que poderia ser aqui amplamente aprofundado, no sentido de abarcar tantos outros aspectos, o que importa nesse ensaio é tão somente destacar alguns elementos considerados importantes para a avaliação da questão da indenização (ou não) de natureza ambiental ao exercício do direito de propriedade. Nesse intento, importa também destacar que foi a própria Constituição Federal quem introduziu outra dimensão da função social da propriedade, que passa a ser considerada a seguir.

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2.DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE E DA INSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS

Destaca-se que a função social da propriedade inclui a chamada função socioambiental da propriedade, que impõe a preservação do ambiente natural pelo proprietário nos termos em que estabelecidos pela legislação (Leuzinger, 2002, p.117). Nos termos postos por Benjamin (1996, p.237), a função socioambiental é cometida ao proprietário, que não mais pode usar o bem objeto do domínio em detrimento da sociedade. Assim ocorre vez que, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição Federal, o dever de proteção e defesa do meio ambiente para as presentes e futuras gerações foi imposto também à coletividade e não somente ao Poder Público.

Sobre o tema afirma CAVEDON (2003, p. 61):

A propriedade privada, absoluta e ilimitada, torna-se incompatível com a nova configuração dos direitos, que passam a tutelar interesses públicos, dentre os quais a preservação ambiental. Assim, o direito de propriedade adquire nova configuração, e passa a estar vinculado ao cumprimento de uma função social e ambiental. É limitado no interesse da coletividade e a fim de adequar-se às novas demandas de ordem ambiental.

Nesse contexto, necessário recordar as noções de macrobem e microbem que a doutrina pátria [04] vem extraindo da interpretação das normas constitucionais. O meio ambiente sadio ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida (artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988), se constitui no macrobem, bem ambiental (imaterial), de interesse público,submetido a um peculiar regime jurídico de uso e fruição, diferente do estabelecido no Código Civil [05], se revestindo das características de inapropriabilidade, indisponibilidade e indivisibilidade, dada a sua natureza difusa e o interesse transindividual que o perpassa. Seriam bens ambientais, por exemplo, as características ecológicas que advém de uma floresta - ainda que de propriedade particular – como: a beleza cênica, a produção de oxigênio, o equilíbrio térmico gerado pela floresta, etc, estas sim de uso público e que não integrariam o patrimônio disponível de seu proprietário e cujos atributos não podem ser objeto de apropriação privada (mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam ao particular). Os microbens se constituem em entidades materiais, de titularidade dominial pública ou privada, como um rio, um bosque, uma casa de notável valor histórico, o mar, a água potável, etc; se constituindo em elementos indispensáveis à proteção do meio ambiente, quando destinados a uma finalidade pública (a garantia da sadia qualidade de vida).

Dessa compreensão decorre que ao criar um direito subjetivo a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (bem ambiental) a Constituição Federal, em seu artigo 225, deu legitimidade para provocar a ação do Poder Público e nesse sentido ensejou limitações administrativas e intervenções da propriedade; vez que constituiu um bem jurídico próprio distinto daquele sobre o qual se exerce o direito de propriedade. Nesse contexto, por exemplo, o proprietário de uma mata pode estabelecer restrições quanto à presença de estranhos em sua propriedade, porém pode ser obrigado a não degradar as características ecológicas daquela mata, sem que isso lhe confira qualquer direito indenizatório. Isto porque, como sabemos, ao Estado cabe impor normas e prescrever condutas necessárias ao atendimento dos fins públicos, para tanto limitando ou restringindo direitos, dentre os quais se inclui o direito de propriedade.

Nessa mesma linha de análise, sabemos que, como uma das formas de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Federal impôs ao Poder Público:

Definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção (inc.III do §1º do art.225).

Lembre-se que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº6938/81) instituiu como um de seus instrumentos (art.9º) a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal, que tem como objeto a preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Tais espaços ambientais correspondem à totalidade das áreas públicas ou privadas, sujeitas a regimes especiais de proteção, integral ou parcial, de seus atributos naturais.

Sobre o tema lembra Machado (2009, p.146)que:

A tutela constitucional não está limitada a nomes ou regimes jurídicos de cada espaço territorial, pois qualquer espaço entra na órbita do artigo 225, §1°, III, desde que se reconheça que ele deva ser especialmente protegido.

Imposta ao Poder Público, constitucional e legalmente, a obrigação de instituição de espaços ambientalmente, não se justifica que esse dever constitucional e legal implicasse em indenização de toda e qualquer limitação ao direito de propriedade decorrente de seu cumprimento, como se depreende dos argumentos a seguir expostos.


3.DAS RESTRIÇÕES DE NATUREZA AMBIENTAL E A QUESTÃO DA OBRIGAÇÃO (OU NÃO) DE INDENIZAR

Para discutir a questão da indenização nos casos aqui tratados, essencial é a lição de Benjamim (1998, p.67) sobre os limites internos e externos do direito de propriedade. Seriam internos aqueles contemporâneos à formação da relação de domínio, aqueles impostos pelas regras de vizinhança e os deveres de cunho coletivo, decorrentes das exigências de convivência em sociedade, tendo como origem a função social da propriedade. Os externos estariam consubstanciados nas intervenções do Estado na propriedade privada, que geram restrições a algumas das faculdades do domínio, como no caso das restrições administrativas, ou a sua totalidade, como ocorre com as obras públicas.

As restrições impostas pela necessidade de preservação ao ambiente natural, como decorrência do atendimento da função social da propriedade, em sua acepção ambiental, corresponderiam a limites internos ao direito, como elementos constitutivos do próprio direito. Desse modo, a função social que impõe ao proprietário a preservação do meio ambiente, nos moldes estabelecidos em lei, impõe limites internos ao exercício do direito de propriedade, independentemente da vontade do particular, limites esses que, na maioria das vezes, sequer são indenizáveis (Figueiredo, 2001, p.4720); a não ser que tais restrições levem a um total esvaziamento do conteúdo essencial mínimo da propriedade, a caracterizar, nesse caso, a desapropriação indireta (Leuzinger, 2002, p.120). Considera Benjamim que somente haverá desapropriação indireta e, portanto, direito a indenização, quando interferindo no direito de propriedade a Administração Pública: a) aniquilar o direito de exclusão (dando ao espaço privado fins de uso comum do povo, como ocorre com a visitação pública nos Parques Estaduais; b) eliminar, por inteiro, o direito de alienação; c) inviabilizar, integralmente, o uso econômico, ou seja, provocar a total interdição da atividade econômica do proprietário, na completa extensão daquilo que é seu (Benjamin,1993, p.73).

Dessa compreensão decorre que, em se tratando de restrição que configure simplesmente o atendimento à função socioambiental, não há, normalmente, direito à indenização, por não se configurar aniquilamento do conteúdo essencial mínimo do direito de propriedade.(Leuzinger, 2002, p.121). Nesse sentido, acrescenta Leuzinger (2002, p. 121) que para que determinada restrição seja caracterizada como limite interno ao direito de propriedade, decorrente da função socioambiental – e, portanto, não indenizável - deve ser geral e abstrata, ou seja, deve atingir a todos os imóveis que se encontrem em igual situação.

Estudando a mesma matéria, diz Azevedo (2003).:

É sabido que o Poder Público, na sua atividade de proteção ambiental, pratica inúmeros atos que têm como âmbito material a disciplina da conduta de pessoas físicas ou jurídicas, públicas e privadas. O regular exercício desta atividade, lastreado em limitações de caráter geral ex lege, não caracteriza por si só direito à indenização. Assim, aquelas limitações de controle do uso do solo urbano ou rural como, por exemplo, o zoneamento ambiental, restrições do direito de construir, proteção de mananciais, de florestas de preservação permanente, etc., não caracterizam especificidade da restrição. É preciso, pois, que haja um ato que caracterize uma intervenção efetiva e impositiva de uma concreta e real restrição. É hoje praticamente consensual, na jurisprudência, que a mera intenção de preservar não gera direito à indenização.

Também nesse sentido, pode-se extrair a lição doutrinária (Brandão, 2001) de que:

Não há que se falar em indenização quando o Poder Público intervém na propriedade privada regrando sua utilização para adequá-la ao cumprimento de sua função social, especialmente para preservar o meio ambiente, posto que sua ação ocorre para dar cumprimento às determinações constitucionais que impõem à propriedade o cumprimento de sua função social, bem como para impor o conteúdo e os limites estabelecidos pela legislação ordinária. Não esquecendo que essa função social somente se satisfaz plenamente quando ocorre a utilização adequada dos seus recursos naturais disponíveis à preservação do meio ambiente. (destaques nossos)

A partir desse entendimento, temos que a instituição de espaços ambientais especialmente protegidos pelo Poder Público não traria ao mesmo a obrigação de indenizar os titulares de propriedades inseridas em tais áreas.

Ocorre que muitas vezes o Poder Público tem sido obrigado a indenizar os proprietários das áreas afetadas pelas restrições, mesmo quando apenas parciais e compatíveis com o regime privado; o que vem representar o total desvirtuamento dessa nova noção da função sócio-ambiental da propriedade inserida em nosso ordenamento jurídico pela Carta Magna de 1988.

Aqui se destaca que, embora os tribunais superiores já tenham entendido algumas vezes no sentido de minimizar a função socioambiental da propriedade em prol do resguardo de um direito de propriedade individual em casos específicos, essa nova visão de enfrentamento do aparente conflito entre o direito de propriedade e o direito (difuso) ao meio ambiente sadio na linha ora defendida (hoje objeto de manifestação de vários estudiosos do Direito Ambiental), vem trazendo decisões recorrentes do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido, como demonstra o acórdão compilado a seguir:

REsp 849310 / SP - 2006/0040164-0 - Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) - PRIMEIRA . J.18/11/2008. Publ.19/2/2009

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR (DECR. EST.10.251/77). LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS DE CARÁTER GERAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. IMPOSSIBILIDADE. DE INDENIZAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1. A criação do "Parque Estadual da Serra do Mar", por intermédio do Decr.10.251/77/SP não acrescentou qualquer limitação àquelas preexistentes, engendradas em outros atos normativos (Código Florestal, Lei do Parcelamento do Solo Urbano),que já vedavam a utilização indiscriminada da propriedade. Precedentes jurisprudenciais do STJ: 2. Consectariamente, à luz do entendimento predominante desta Corte, revela-se indevida indenização em favor dos proprietários dos terrenos atingidos pelo ato administrativo sub examine – Decreto 0.251/77, do Estado de São Paulo, que criou o Parque Estadual da Serra do Mar - salvo comprovação pelo proprietário, mediante o ajuizamento de ação própria em face do Estado de São Paulo, que o mencionado decreto acarretou limitação administrativa mais extensa do que aquelas já existentes à época da sua edição. 3. É inadmissível a propositura de ação indenizatória na hipótese em que a aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos atos normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis, como ocorrera, in casu, com os decretos estaduais n. 10.251/1977 e n. 19.448/1982 de preservação da Serra do Mar.

Ressalta-se, ainda, que o entendimento que ora se expõe foi objeto de consenso entre os advogados públicos reunidos no V Congresso Brasileiro de Advocacia Pública, realizado em Amparo, Estado de São Paulo, em 2001; tendo como resultado a Carta de Amparo (2001) que, em suas conclusões, diz que:

O princípio da função social da propriedade não admite que a implementação das políticas nacional, estadual, distrital e municipal de defesa do meio ambiente, em seu aspecto de preservação da Mata Atlântica, dos Cerrados, da Floresta Amazônica, das Caatingas, do Pantanal Mato-grossense, da Mata de Araucárias e dos demais biomas, declarados pela Constituição de 1988, pelas Constituições Estaduais e pelas Leis Orgânicas Municipais, possa receber jurisprudencialmente a interpretação no sentido de que constitua hipótese de esvaziamento do conteúdo jurídico e econômico do direito de propriedade.

Retornando ao cerne da questão, tem-se que tal obrigação indenizatória muitas vezes imposta ao Poder Público vem, inclusive, de encontro ao entendimento de parte considerável da doutrina administrativista que diz que limitações em sentido estrito, por serem medidas de caráter geral, e por ocasionar a distribuição do sacrifício imposto pela limitação a todos os cidadãos, não seria indenizável, o que não ocorreria sempre com a servidão administrativa, que poderia gerar ou não a ocorrência de indenização (Gaio, 2002).

Nesse particular, cita-se Birnfield (2000), segundo o qual:

O traço comum a todas as limitações administrativas é exatamente o da sua generalidade e abstração de seus mandamentos, não direcionados jamais a uma propriedade em sua especificidade, mas ao conjunto do qual ela faz parte. Nestes termos, não cabe qualquer tipo de direito à indenização ou de reclamação ao proprietário, excetuando-se, evidentemente, os casos em que haja desvio da finalidade pública que necessariamente deve acompanhar sua instituição." (destaques acrescidos).

Do exposto até aqui, pode-se inferir que as limitações decorrentes do cumprimento da função socioambiental da propriedade não demandam qualquer tipo de compensação econômica ao proprietário.

Considerando, ainda, a premissa de que o direito de propriedade não se confunde com o direito de edificar; pertinente é a observação de Gaio (2000, p.149-150) ao analisar a teoria da vinculação situacional, que fundamenta a não obrigação de indenizar para algumas situações em que se determine a inedificabilidade do imóvel urbano. Conforme tal teoria, existem determinadas restrições às possibilidades de utilização de um terreno que são imanentes à sua situação fática, as quais se constituem com um ônus que incide sobre o terreno, podendo-se citar como exemplo as zonas submersas ou alagadas. Destaca que, em muitas situações, o princípio da vinculação situacional tem sido acolhido pelas legislações brasileira e portuguesa, citando, a título de exemplo: áreas de preservação permanente ao longo dos rios, mangues, parque natural, áreas alagadas, terrenos em declive, faixas de estradas e unidades de preservação do patrimônio histórico. O citado autor diz, ainda, que o que irá determinar o dever de indenizar em caso de supressão do ius edificandi seria a análise da situação especial do bem e da área na qual o mesmo está inserido, a partir da existência ou não da vocação edificatória da área. Assim, em geral os imóveis situados em perímetros urbanos possuem vocação edificatória (conforme, obviamente, as normas que regulam o exercício do direito de construir no meio urbano) e a supressão total do ius edificandi importaria em indenização, excluindo-se naturalmente àquelas situações que se enquadrem na teoria de vinculação situacional da propriedade do solo acima tratada. Desse entendimento decorre a conclusão de que todas as disposições de um determinado plano urbanístico que se limitem a concretizar ou a explicitar restrições de uso, designando proibições de construção que sejam inerentes à situação concreta do terreno ou que derivem de suas qualidades naturais, não são consideradas expropriativas e não concedem direito a qualquer indenização.

Por fim, considerando-se que sendo, nos termos contidos no caput do art.225 da Constituição Federal, também da coletividade (e não só do Poder Público) o dever de defesa e proteção do meio ambiente, cabe também ao particular suportar o ônus correspondente às restrições legais incidentes sobre área de interesse ambiental de sua titularidade dominial [06]; o que não importa, em todos os casos, em anulação de seu direito de propriedade.

Sobre os autores
Ricardo Duarte Jr.

Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL); Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Especialista em Direito Administrativo pela UFRN; Especialista em Direito Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar (UnP); Vice-Presidente do Instituto de Direito Administrativo Seabra Fagundes (IDASF), Coordenador da Pós-Graduação em Direito Administrativo no Centro Universitário Facex (UniFacex), Professor Substituto da UFRN, Advogado e sócio no Duarte & Almeida Advogados Associados.

Marise Costa de Souza Duarte

Procuradora do Município de Natal; mestre em direito ambiental e doutoranda em direito urbanístico, ambos pela UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE JR., Ricardo; DUARTE, Marise Costa Souza. A questão da indenização por restrições de natureza ambiental ao exercício do direito de propriedade diante do regramento constitucional e da efetivação do princípio da função socioambiental: algumas considerações preliminares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2685, 7 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17767. Acesso em: 23 dez. 2024.

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