Um entendimento que vem se consolidando em sede jurisprudencial é a possibilidade de pleitear alimentos complementares de parentes de outra classe, se o mais próximo não conseguir arcar integralmente com o encargo. Com isso passou a ser admitida a propositura de ação de alimentos em desfavor dos avós para complementar alimentos, bastando apenas a comprovação de incapacidade, ou de reduzida capacidade do genitor de cumprir com sua obrigação alimentícia em relação aos filhos.
Na prática, alguns advogados ajuízam ações de alimentos diretamente aos avós, o que constitui erro, devido ao caráter subsidiário de suas obrigações, exceto nos casos de haver prova irrefutável da incapacidade dos genitores, ou quando estes já tenham falecido.
Outro caso que admite a propositura de ação de alimentos em desfavor dos avós é o reiterado inadimplemento do genitor. Neste caso, não haverá cobrança dos débitos anteriores inadimplidos pelo pai, apenas abre a possibilidade de intentar ação em desfavor dos acendestes em relação ao vínculo de parentesco, conforme preceitua o artigo 1696 do Código Civil. Também não é possível intentar execução de alimentos em desfavor dos avós pela obrigação não cumprida pelo genitor, porque seria transferir a terceiro o pagamento de dívida alheia.
Inicialmente, o alimentando deverá recorrer ao parente mais próximo, no caso o(a) genitor(a), para o cumprimento da obrigação alimentícia, mas nada o impede de propor simultaneamente ação em desfavor do(a) genitor(a) e do avô, caso típico de litisconsórcio passivo facultativo sucessivo.
Maria Berenice Dias ensina que:
Ainda que não disponha o autor de prova da impossibilidade do pai, o uso da mesma demanda atende ao princípio da economia processual. Na instrução é que cabe a prova da ausência de condições do genitor, pois só será reconhecida a responsabilidade dos avós se evidenciada a impossibilidade de o genitor adimplir com a obrigação. (DIAS, 2005, p.458).
Os Tribunais Brasileiros geralmente não tem admitido estas ações simultâneas, decidindo na maioria dos casos pela exclusão dos avós no litisconsórcio passivo, se não for demonstrada prova cabal de que os pais não tem condições de suportar tal obrigação.
Nesse sentido, decidiu recentemente o Desembargador Relator Audebert Delage, da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reformando decisão monocrática que tinha admitido a simultaneidade da ação, com o entendimento de que esta obrigação deve ser complementar:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA CONTRA O PAI E OS AVÓS PATERNOS - LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO - ALEGAÇÃO DE QUE O GENITOR NÃO POSSUI CONDIÇÕES DE PROVER O SUSTENTO DO ALIMENTANDO - POSSIBILIDADE - RESPONSABILIDADE COMPLEMENTAR DOS AVÓS - DECISÃO REFORMADA. (MINAS GERAIS, TJ, Ag. 1.0342.07.088607-8/001, Rel. Des. Audebert Delage, 2007).
Um assunto polêmico na atualidade é se constitui ilegalidade pedir alimentos complementares que ultrapassem a sua capacidade financeira dos avós quando os genitores não cumprem de modo satisfatório com a obrigação alimentícia. Tem sido normal aparecer nos noticiários, através de todos os meios de telecomunicação, casos de avós que percebem apenas um salário mínimo mensal e são presos por não adimplirem obrigação alimentícia que inicialmente deveria ser de seus filhos.
Para apreciar a legalidade desta obrigação incidir sobre os avós, devem ser analisados alguns fatores: necessidade do alimentando, capacidade financeira dos genitores e diante da inquestionável e comprovada incapacidade ou reduzida capacidade dos pais de arcar com tal obrigação, serem acionados os avós para participarem como litisconsórcio passivo da demanda.
Nesse sentido, ensina Yussef Said Cahali:
Colocada nesses termos, verifica-se que a questão pertinente à legitimidade passiva do avô para a ação alimentar não pode ser resolvida de plano, eis que atrelada à verificação do pressuposto de possibilidade econômica do genitor; assim a questão atinente à ausência de prova inequívoca da incapacidade econômica do pai é matéria de mérito, devendo, pois, ser certificada durante a instrução do processo, e não ser indeferida da pretensão initio litis'; somente se ficar demonstrado no curso do processo que o autor pode ser sustentado pelo seu genitor é que seus avós serão excluídos da lide.(CAHALI, 1999, p. 706).
O artigo 1694, parágrafo 1º, do Código Civil, é bem explicito ao esclarecer que "os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada". (grifo nosso).
Além disso, o artigo 1695 é claro ao dispor que:
São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao sustento. (BRASIL, 2006) (grifo nosso).
Deve-se considerar ilegal e injusta [01] a complementação dos alimentos pelos avós que tem condição financeira precária e mal sobrevivem com o mísero rendimento que percebem no fim do mês, pois fere assim o binômio necessidade/possibilidade.
Infelizmente alguns juízes do Brasil, aplicam parcialmente o direito, pois no momento de proferir suas decisões, põem em prática os artigos 1696 e 1698 do Código Civil, que tratam da reciprocidade e complementaridade dos alimentos pelos parentes mais próximos, que na falta dos pais seriam os avós, mas esquecem de analisar o binômio necessidade/possibilidade.
Como exemplo, cita-se acórdão proferido pelo Desembargador Relator Eduardo Andrade, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que sabiamente revogou decreto prisional sentenciado pelo juiz monocrático:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR COMPLEMENTAR DO AVÔ - PRISÃO CIVIL DECRETADA -JUSTIFICATIVA AUTORIZATÓRIA DA REVOGAÇÃO DA PRISÃO - RECURSO PROVIDO. - Se a execução é dirigida a avô, com obrigação alimentar complementar, tendo este apresentado justificativa, informando acerca de sua idade avançada, problemas de saúde e dependência material de terceiros, mostra-se razoável a revogação do decreto prisional. - Recurso provido. (MINAS GERAIS, TJ, Ag. 1.0105.06.187915-8/001, Rel. Des. Eduardo Andrade, 2007)
Impor obrigação complementar de fornecer alimentos aos netos apesar da demonstração de provas inquestionáveis sobre a saúde debilitada e integral dependência financeira de terceiros, com decretação de prisão civil constituiu ilegalidade.
Como um avô que depende da ajuda de terceiros para sua sobrevivência poderia complementar a obrigação alimentícia dos netos?
A decisão de 1ª instância que decretou a prisão civil deste avô deixa comprovado o total desrespeito ao art. 1694, parágrafo 1º e ao art. 1695 do Código Civil, demonstrando a conseqüente ilegalidade da obrigação imposta a ele de complementar alimentos ao seu neto, sendo que na verdade quem mais necessita de alimentos nesse caso é o idoso.
A própria Constituição da República deixa claro que o dever de sustentar os filhos é dos pais e não dos avós. O artigo 229 da Constituição da República explica que "os pais têm o dever de assistir, criar, educar os filhos menores".
O artigo 1566, inciso IV do Código Civil também é explícito nesse assunto ao explicar que "são deveres de ambos os cônjuges o sustento, guarda e educação dos filhos".
Há que se ressaltar, ainda, que diante da impossibilidade de um dos genitores arcar com a mantença dos filhos, a obrigação não pode ser repassada integralmente aos avós, devendo o outro genitor também contribuir para a mesma.
A obrigação alimentar no sustento dos netos não pode ser transferida para os avós como se lhes fosse responsabilidade solidária. Essa responsabilidade deve ser sempre subsidiária e complementar.
O que vem sendo presenciado na atualidade é a irresponsabilidade de alguns pais com seus filhos, que mesmo tendo condições de arcar com a obrigação alimentícia, tentam transferir seus deveres e obrigações aos avós; filhos que desejam ter um padrão de vida que seus pais não poderiam lhe fornecer; advogados que procedem à inclusão dos avós no pólo passivo sem que estes tenham a mínima condição financeira de arcar com tal encargo, além de alguns magistrados que não analisam estas questões com a devida cautela.
O resultado disso é o cometimento de várias ilegalidades, decretando a prisão civil de avós que mal conseguem sustentar a si próprios.
Por outro lado, existem avós com boa renda, que poderiam complementar a pensão alimentícia dos netos tranqüilamente, sem com isso alterar de modo significante as suas necessidades essenciais e bem estar.
Nesses casos, quando os genitores não conseguem arcar de modo satisfatório com a obrigação alimentícia dos filhos, nada mais correto que chamar os avós à lide para complementarem a obrigação alimentícia dos seus netos.
CONCLUSÃO
A cobrança de alimentos em face dos avós é cada vez mais rotineira no judiciário brasileiro, em razão da insuficiente condição social e econômica dos genitores. Deste modo, só é possível exigir a prestação alimentícia de ascendentes se os parentes de grau imediato não tiverem em condições de prestá-las, ou seja, os netos só poderão requerer alimentos dos avós quando seus pais não possuírem condições de alimentá-los. É o que determina o artigo 1696 do Código Civil.
Após uma pesquisa aprofundada, sobre o instituto dos alimentos e sobre o litisconsórcio passivo dos avós neste tipo de ação, conclui-se que a complementação dos alimentos pelos avós é legal, desde que comprovada a inquestionável necessidade do alimentando, a incapacidade dos genitores de prover com seu trabalho o sustento dos filhos, além da possibilidade financeira dos avós para suportar tal encargo. Inexistindo um desses requisitos, incabível será a pretensão do fornecimento de alimentos pelos avós.
Quando imposta obrigação alimentícia complementar aos avós, importa que eles tenham meios de fornecê-los. Não pode o juiz, fazendo às vezes do Estado, vestir um santo, desnudando outro. Não há que se exigir sacrifício do avô (ó) alimentante, quando este não tem condição de cumpri-lo.
Esta obrigação é sempre sucessiva e complementar, não sendo admitido o litisconsórcio necessário dos avós na ação de alimentos.
Os avós não poderão suportar o encargo de sustentar os netos ou mesmo complementar-lhes a pensão, se não tiverem plenas condições financeiras de fazê-lo. Se para isso forem obrigados a desfalcar o necessário para o sustento dos mesmos, constituí-se ilegalidade a fixação, por ser contrário ao que é disposto nos artigos 1694, 1695, entre outros, do atual Código Civil.
A obrigação alimentícia dos avós é condicionada as suas possibilidades e possui características próprias que diferenciam do dever de sustento que os pais têm para com os seus filhos.
O juiz deverá apreciar criteriosamente a lei, caso a caso, para evitar que ilegalidades sejam cometidas, para não retirar daquele que com muito esforço e trabalho conseguiu o mínimo necessário para garantir uma velhice digna e merece ter um pouco de conforto no restante de sua vida.
REFERÊNCIAS
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Notas
- Justiça significa em conformidade com o direito. Injusta seria falta de justiça, contrário à justiça (Ferreira, 1999, p.307)