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A posição jurídica do progenitor não-guardião em Portugal

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Agenda 07/12/2010 às 18:46

SUMÁRIO: 1. Considerações sobre guarda e responsabilidades parentais em Portugal; 2. Considerações iniciais sobre o progenitor não-guardião; 3. Direito-dever de convivência; 3.1 Negação do direito de convivência; 3.2 Execução; 3.3 Suspensão da obrigação de alimentos por incumprimento do direito de convivência; 4. Direito de vigilância; 5. Obrigação de alimentos; 5.1 Quantificação; 5.2 Execução; 5.3 Suspensão do direito de convivência por incumprimento da obrigação de alimentos; 6. Considerações finais; Referências.


1.Considerações sobre guarda e responsabilidades parentais em Portugal

O termo guarda teve sua origem nos vocábulos guardare (latim)e wardem (alemão), podendo ser traduzido nas elocuções conservar, vigiar, proteger, olhar. [01] Nas palavras de Guilherme Strenger guarda de filhos seria "o poder-dever submetido a um regime jurídico-legal, de modo a facultar a quem de direito prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar nessa condição". [02]

Pode-se asseverar que guarda de menores ou filhos é o complexo de relações jurídicas entre um indivíduo e o menor, resultantes do fato deste estar submetido ao poder ou à companhia daquele, e da responsabilidade daquele em relação ao infante, no tocante à educação, direção e vigilância.

Deste modo, é manifesto que a guarda compõe a estrutura das responsabilidades parentais, que está inserta naquele conjunto, uma vez que entre os direitos-deveres que a lei civil impõe aos progenitores em relação à sua prole, se faz presente a guarda.

Em Portugal, com a reforma de 1977 ocorreu aclamação do princípio do exercício exclusivo do poder paternal pelo pai que obteve a guarda do infante, originando, desta forma, ligação instantânea entre exercício do poder paternal e guarda. [03] Tal fato se manteve até o ano de 2008, quando a Lei n. 61/2008 de 31 de Outubro alterou o regime jurídico do divórcio, modificando significativamente tal situação.

Atualmente, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, da mesma forma em que eram levadas a cabo na constância do casamento, exceto na ocorrência de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir unilateralmente, devendo informar o outro progenitor assim que possível. [04] Note-se que tais disposições também são aplicáveis aos casais que vivam em união de facto, [05] e também aos que não vivam em condições análogas à dos cônjuges, [06] desde que a filiação esteja estabelecida quanto a ambos.

Sobre a inadequação da terminologia "poder paternal", substituída no texto da nova lei por "responsabilidades parentais", já afirmava Jorge Duarte Pinheiro que, era adequada a tutela do poder de guarda do menor mas, no entanto, era lamentável a terminologia legal. Em sua opinião, o vocabulário utilizado evocava o sinistro período pré-filiocêntrico do poder paternal em que o filho não passava de um objeto pertencente ao pai. [07]

Maria Clara Sottomayor também já evidenciava, antes mesmo do advento da nova normativa, desaprovação por tal expressão, uma vez que o termo poder denota posse, domínio, hierarquia, e defendia, de acordo com a atual percepção da família proposta pela Carta Magna e Código Civil portugueses, "uma família participativa e democrática, baseada na igualdade entre os seus membros e em deveres mútuos de colaboração". O vocábulo paternal, de acordo com seu juízo, diz respeito à supremacia do progenitor varão, que assinalava a família patriarcal, caracterizada pela colocação hierarquicamente superior do chefe masculino, em relação à mulher e aos filhos. Assim, a autora já dava preferência ao emprego de termos como "responsabilidade parental" ou "cuidado parental". [08] Hodiernamente, com a entrada em vigor da nova lei do divórcio, tal entendimento passou do campo meramente doutrinário para o campo legislativo.

A Constituição da República Portuguesa, em seu art. 36º, n. 5, consagra a isonomia entre homem e mulher, uma vez que em tal dispositivo encontra-se a previsão de que o poder paternal é um direito e dever de ambos os pais na educação e manutenção dos filhos.

Todavia, na ocorrência de uma separação, o poder paternal era, via de regra, confiado ao genitor a quem fosse deferida a guarda. Aquele que não detivesse a guarda, muito embora não perdesse a sua titularidade, se via privado do exercício assim como da participação das decisões concernentes à educação e criação do filho, de acordo com o texto revogado do art. 1906º do Código Civil português.

Por conseguinte, ao progenitor não guardião cabia unicamente a possibilidade de visitar sua prole, mantendo assim, relações pessoais, bem como a prerrogativa de fiscalizar o modo como estavam sendo educados pelo genitor que possuía a guarda. Ficava ele desprovido de poderes decisórios em relação aos filhos. Desta forma, cabia ao mesmo apenas o papel de "observador passivo". [09]

Atualmente, diversa é a situação. De acordo com a atual redação do art. 1906º do CC português, como já referido anteriormente, "as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho". [10]

Não obstante a modificação terminológica e substancial trazida pela nova normativa, ainda se observa uma ligação entre a guarda física e o exercício unilateral das responsabilidades parentais, em virtude do disposto no art. 1906º, n. 3.

O argumento, dos que defendiam a ligação instantânea entre guarda e poder paternal – e que levava os dois institutos a terem um conteúdo operante igual - é a unidade na educação da criança, além de obstar a presença do filho em ambiente aguerrido, oriundo da altercação entre os pais. Existiam também outros motivos de natureza prática, como o de afastar dificuldades do genitor guardião em obter a anuência do outro, relativamente às decisões importantes da vida do infante.

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Todavia, os que já se posicionavam em sentido contrário alegavam que, esse sistema levava a um rompimento nos laços afetivos da criança com o genitor que não detém a guarda, coibindo-o de participar na educação da criança e cooperar para a formação da sua personalidade e seu brio. [11]

Tal entendimento não deixava de merecer concordância, tendo em vista que a limitação da relação entre a prole e o pai ou mãe que não possui a guarda às visitas e à vigilância leva a uma grave confinação de uma relação, que por si só é sublime.


2.Considerações iniciais sobre o progenitor não-guardião

Em Portugal, assim como no Brasil, o progenitor não detentor da guarda não fica completamente desprovido de prerrogativas e deveres. Antes do advento da lei n. 61/2008, existia a conservação da titularidade do poder paternal. Mas, apesar de titular dos poderes inerentes ao poder paternal, o progenitor não guardião não estava autorizado a exercê-los.

Entretanto, imperioso ressaltar que, independente da modalidade de exercício do poder paternal, já existiam atos que requeriam a participação de ambos os pais, como o consentimento para adoção [12] e a escolha do nome e sobrenome da prole, [13]em consonância do o disposto no Diploma Civil. Ademais, os pais podiam acordar que determinadas questões fossem resolvidas por ambos [14] ou que a administração dos bens da prole fosse assumida pelo progenitor que não detivesse o poder paternal.

O pai desprovido da guarda, conservava para além do dever de alimentos, o direito de visita e o direito de vigilância. Nas palavras de Maria Clara Sottomayor, a cada direito reconhecido ao progenitor guardião correspondia, mas em grau menor, um direito acordado ao outro progenitor. [15]

Atualmente, não existe a necessidade de um acordo para que as decisões de particular importância sejam tomadas por ambos os pais. Via de regra, as responsabilidades parentais nesse âmbito (particular importância) deverão ser exercidas por ambos os pais, salvo quando a situação se mostrar contrária ao melhor interesse da criança. [16]

Não obstante isto, as decisões acerca do dia-a-dia do filho continuam cabendo ao progenitor com quem ele reside normalmente, ou com quem se encontrar temporariamente. [17] Pode-se afirmar, portanto, que agora continua a existir uma conexão entre as responsabilidades parentais e a guarda física infante.


3.Direito de convivência

O direito-dever de convivência [18] vem para substituir o trato diário do progenitor não guardião e sua prole, uma vez que não existe mais coabitação entre os mesmos. Como no direito brasileiro, é entendido num sentido mais amplo, num sentido não apenas de ter a companhia da criança por algumas horas, mas abarcando a retirada da mesma do local onde vive, conferindo ao titular deste direito a permissão para hospedar o infante por alguns dias, seja nos finais de semana ou nas férias, por exemplo.

Deste modo, tal prerrogativa objetiva fomentar as relações e fortalecer os laços de afetividade, que se enfraqueceram com a separação dos pais. É composto por contatos esporádicos, passando por pernoites, indo até várias semanas de convívio, como no caso das férias. E consiste, ainda, em qualquer forma de comunicação, como carta, correio eletrônico, telefonemas, etc. [19]

De acordo com o art. 1906º, n. 5 do CC, "o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamenteo eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro".

Tal direito, como já observado, assumiu um caráter de direito-dever, uma vez que é direito do progenitor em conviver com o filho e também direito daquele de ter a companhia do pai com quem não reside.

Importante relembrar que tal direito-dever não possui caráter absoluto, estando dependente do interesse do menor, podendo ser circunscrito ou até mesmo eliminado quando o seu exercício for incompatível com a saúde emocional do infante ou este manifestar oposição ao exercício, entendendo-se que a vontade do adolescente deverá, de pronto ser atendida, e a da criança, avaliada. [20]

Três são os elementos norteadores da decisão do juiz acerca do direito de convivência, a saber: as prerrogativas do detentor da guarda, o interesse do titular do direito de convivência e o interesse do menor na conservação daquela relação. Entende-se na doutrina que "é este último elemento que constitui o ponto de referência privilegiado e o princípio fundamental de que o juiz faz uso na configuração do direito de visita". [21]

Importante ressaltar que a normativa aplicável não regulamentou o direito de convivência de forma pormenorizada. Restringiu-se a citá-lo, não especificando quais os padrões que deveriam ser aplicados, entendendo que tal papel cabe ao Juiz, que pode apreciar as circunstâncias fáticas do caso concreto. Excetuando-se o caso de acordo das partes envolvidas, o Judiciário poderá determinar de forma discricionária a duração, a assiduidade e local de convívio. Note-se que em ambas as situações – no caso de acordo ou decisão judicial – a resolução deverá sempre ter como vetor o melhor interesse da criança.

3.1. Negação do direito de convivência

É assente que a tendência normativa e da prática judicial é a de estimular a manutenção dos vínculos entre a criança e ambos os pais. Entretanto, em relação àquele que não detém a guarda, numa medida de caráter excepcional, tal prerrogativa poderá ser obstada, se o interesse da prole assim evidenciar. [22]

Quando a visitação entra em choque com o interesse do menor, é este último que deverá predominar. Todavia, tal medida (a negação do direito de visita) só deverá ser aplicada em último caso, tendo em vista que o Judiciário poderá dispor de outras providências menos gravosas para salvaguardar o interesse da prole, a saber: a suspensão provisória [23] ou a subordinação do exercício da visitação a condições especiais. [24]

Mister ressalvar que a intervenção do Estado, negando o direito de visita, apenas se justifica quando se evidencie as mesmas razões que legitimam uma medida de assistência educativa [25] ou uma inibição do exercício das responsabilidades parentais. [26]

3.2.Execução

A Organização Tutelar de Menores prevê no art. 181, para os casos em que um dos pais não satisfaça a sentença ou acordo que regula o exercício do poder paternal, a possibilidade daquele cuja pretensão à visitação for obstada solicitar ao Judiciário as providências cabíveis para o cumprimento coercitivo e a condenação do negligente em multa de ate $50.000$00 (€ 249,90, conversão operada pelo art. 1º/2 do DL 323/2001, de 17/12) e em indenização a favor do filho ou do requerente, ou, ainda, de ambos.

A prática judiciária tem entendido o direito de convivência como um direito judicialmente exigível, passível de ser realizado contra a vontade daquele que detém a guarda. Todavia, não há jurisprudência em Portugal relativa à execução forçada do direito de convívio contra a passividade do progenitor não guardião. Tal acontecimento talvez se dê pelo fato de os pais nunca a terem requisitado ou pelo juízo dos Tribunais, que supõem ser improfícua a manutenção de uma relação com o auxílio de sanções e não pelo afeto que, teoricamente, une os pais à prole.

Não obstante, mostra-se possível, por meio de uma sanção pecuniária compulsória [27] a ser satisfeita pelo progenitor sem a guarda por cada dia, semana ou mês de atraso no cumprimento da visitação, criar uma forma de pressão ao exercício positivo do direito de convivência.

É imperioso, no panorama dos direitos da criança, que o Estado obrigue os progenitores sem a guarda a cumprir o direito-dever de convivência ao invés de forçar os infantes, mediante a intervenção de forças policiais ou de psicólogos, a estar com o progenitor não guardião, quando não deseja s prole tal ocorrência. [28]

Quanto ao amparo penal do direito de convivência, este se verifica na circunstância de serem satisfeitos os pressupostos do tipo legal descrito no art. 249º, n. 1, al. "c" do Código Penal. [29] Comete o ilícito e está sujeito à pena qualquer um dos progenitores: tanto o que impedir ou dificultar a convivência do filho com o pai não-guardião, como aquele que não cumprir o regime estabelecido, na regulação do exercício das responsabilidades parentais, de convivência com o filho.

3.3Suspensão da obrigação de alimentos por incumprimento do direito de convivência

Argumento habitualmente utilizado pelos pais para esquivar-se do pagamento da obrigação de alimentos é o incumprimento, por parte do genitor guarda, do regime de convivência consagrado na decisão relativa à regulação das responsabilidades parentais.

A doutrina portuguesa [30] entende que os tribunais não devem fazer uso da suspensão da obrigação de alimentos como um meio de coagir o progenitor que detém a guarda a consentir a convivência, pois se trata de uma providência que pune o comportamento ilícito de um dos pais à custa do bem-estar material da prole.

A convivência e a obrigação de alimentos são institutos distintos, com regimes próprios. Ademais, não se justifica permitir que uma criança que já está privada do convívio com o outro progenitor, por quem, habitualmente, nutre profunda estima, seja também privada do seu conforto material.

Não bastando tais fatos, admitir-se a solução de suspender judicialmente a obrigação de alimentos estimularia comportamentos estratégicos de pais que, de má fé, não queiram cumprir com sua obrigação, além de permitir que a criança seja utilizada como joguete, no meio da altercação dos pais.


4.Direito de vigilância

No ordenamento português, o Diploma Civil prevê, a favor do progenitor que não detém a guarda do filho, o direito de vigilância referente às condições de vida e à educação do mesmo. [31] Entretanto, a normativa restringe-se a citar este direito sem pormenorizar seus contornos e, conseqüentemente, sua aplicação prática. Tal incumbência ficou por conta, portanto, da doutrina e da prática judicial.

Ao progenitor não guardião cabe o direito de fiscalizar as decisões adotadas por aquele que detém a guarda, além de poder agir diretamente em relação às questões de particular importância na vida da prole. Note-se, porém, que tal prerrogativa não poderá se transformar em um direito de imiscuição.

No âmbito da vida corrente dos infantes , o progenitor guarda tem a vantagem da decisão. Nesta seara ao outro pai só resta a prerrogativa de apelar ao Judiciário para contestar os atos do guardião, quando o interesse do menor estiver ameaçado. Desta forma, o dever de vigilância poderá emergir somente quando o pai guardião atuar com irregularidade, omissão, desmazelo. Sempre que houver um desempenho anômalo da função, pode o genitor que não detém a guarda opor-se e exigir a reparação do lapso, fazendo-se a ressalva de que o requisito para tal atuação é a presença de um genuíno perigo para o interesse do menor, nomeadamente para a sua saúde, educação ou segurança. [32]

O direito de vigilância englobava, tacitamente, o direito de informação. Agora o direito de vigilância compreende expressamente o direito de informação, nos termos do qual o progenitor não guardião tem a permissão de requerer do progenitor guardião todas as informações relativas à educação, ao desenvolvimento, à saúde, às relações do menor com terceiros, etc., assim, como a todas as decisões essenciais relativas a esses âmbitos.


5.Obrigação de alimentos

Ao pai guardião caberá a responsabilidade da criação e educação dos filhos, assim como o sustento dos mesmos dentro das suas possibilidades, competindo ao outro prestar alimentos no valor determinado pelo Magistrado. No caso em tela (alimentos devidos aos filhos menores), é assente na doutrina portuguesa que a lei determina, desde que os rendimentos do genitor que não detém a guarda o possibilitem, que seja assegurado ao menor um nível de vida análogo ao que este desfrutava antes da separação dos pais, com as mesmas regalias e confortos.

5.1Quantificação

Quanto à quantificação dos alimentos, no ordenamento português [33], assim como no brasileiro, se encontra presente o princípio da proporcionalidade. Habitualmente, traz-se à baila o binômio necessidade-possibilidade, ou seja, investiga-se as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante para determinar o montante da pensão.

Entretanto, no entendimento de Maria Berenice Dias, "essa mensuração é feita para que se respeite a diretriz da proporcionalidade. Por isso, se começa a falar, com mais propriedade, em trinômio: proporcionalidade-possibilidade-necessidade." [34] Para tal efeito, nas ações de alimentos e nas ações de regulação do exercício das responsabilidades parentais, deverá proceder-se a uma avaliação do patrimônio do progenitor sem a guarda.

Para a demarcação da receita do pai sem guarda não é suficiente a mera apresentação da declaração do I.R.S., mas deve ser possível calcular rendimentos em conformidade com determinados indicadores, sendo admitida a prova testemunhal para constatar os rendimentos do alimentante. Importante ressaltar que, no caso de um pai que se encontra voluntariamente numa situação de desemprego, incabível é a dispensa da obrigação de alimentos. [35]

Todavia, dispõe o Diploma Civil português que quando os filhos estão em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, os encargos com a sua segurança, saúde e educação, os pais estão dispensados da obrigação de alimentos. [36]

Importante relembrar que o mero alcance da maioridade não pode ensejar a perda compulsória [37] da pensão alimentícia por parte dos filhos, como bem assevera o art. 1880º [38] do Código Civil português, tendo em vista que, quase invariavelmente a formação profissional ou universitária da prole só ocorrerá posteriormente à maioridade, devendo assim, ser prolongada a prestação de alimentos. De tal entendimento perfilha a jurisprudência [39] e a doutrina brasileira. [40]

5.2Execução

Analogamente ao ordenamento brasileiro, estipulada a pensão alimentícia e não cumprindo o devedor com a sua obrigação, possui o credor a prerrogativa de executá-lo. Assim, em Portugal, o sistema de execução, após atrasos no cumprimento da obrigação de alimentos, é composto, para além do processo de execução especial por alimentos previsto no art. 1118º e ss. do CPC, por uma dedução do valor da pensão nos rendimentos do devedor, de acordo com o art. 189º [41] da OTM e por uma sanção penal prevista no art. 250º do CP [42].

À dívida de alimentos paga com atraso deve ser acrescida uma indenização dos danos causados ao credor com atraso, de acordo com o art. 804º do CC e uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento por meio da aplicação analógica do art. 829º-A do mesmo Diploma.

Observa-se na doutrina lusitana [43]que, apesar da previsão em lei, na prática, raramente a aplicação de uma pena de prisão é decretada. Tal pena possui um propósito ao mesmo tempo punitiva e preventiva [44]. Uma vez adimplida a obrigação, o Tribunal pode dispensar de pena ou declarar extinta, total ou parcialmente, a pena ainda não cumprida, de acordo com o disposto no n. 3 do art. 250º do CP. [45]

5.3Suspensão do direito de convivência por incumprimento da obrigação de alimentos

Presente na doutrina brasileira, também emerge em Portugal o debate acerca do cabimento da suspensão do direito de convivência do progenitor não-guardião em virtude do incumprimento do dever de alimentos. Questão controversa. Pode-se entender que o não pagamento da obrigação de alimentos constitui causa legítima da negativa do progenitor guarda em permitir ao outro que exercite o seu direito de visita.

Maria Clara Sottomayor, entende em sentido diverso quando afirma que "a obrigação de alimentos e a obrigação de permitir visitas, ambas essenciais para o desenvolvimento da personalidade da criança, não são sinalagmáticas, nem uma é condição da outra". [46]

Parece justo manter um posicionamento intermediário, sendo cabível a suspensão do direito de convivência apenas, e rigorosamente apenas, quando evidenciado que o pai, solvente, reiteradamente se nega, culposa e voluntariamente, ao pagamento das prestações alimentícias, deixando seus filhos sujeitos a dificuldades de ordem material.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Marianna. A posição jurídica do progenitor não-guardião em Portugal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2715, 7 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17986. Acesso em: 22 nov. 2024.

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