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Consequências jurídicas do concubinato adulterino

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Agenda 05/01/2011 às 16:45

6. A INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS DOMÉSTICOS PRESTADOS

O concubinato adulterino, por si só, não gera qualquer direito aos seus partícipes. É necessária a prova da efetiva colaboração financeira de um dos concubinos na construção de patrimônio para que este possa pleitear a correspondente reparação, equiparando-se o concubinato a uma sociedade de fato.

É imperioso o fato de que em muitos relacionamentos concubinários duradouros um dos cônjuges passa a viver em situação de dependência financeira do outro. Em geral a mulher depende financeiramente do homem. Comuns são os relatos de casos extramatrimoniais onde o concubino provê em todos os aspectos a sua amante. [42]

Importante destacar que a peculiaridade de gênero é significativa. Apesar das transformações sociais e culturais ocorridas no Brasil na segunda metade do século XX, que garantiram a mulher posição jurídica similar a do homem, ainda se faz marcante a atribuição dada à mulher de responsável pelos afazeres domésticos e pela educação da prole. A mulher nunca perdeu tal função, apenas agregou tarefas ao seu cotidiano.

Neste diapasão, a contribuição indireta da concubina da construção de patrimônio comum é questão controvertida nos tribunais. Ora se entende possível o reconhecimento desta contribuição para fins de reparação econômica e ora não se atribui qualquer efeito à mesma.

É cediço que em muitos casos as mulheres participantes de um relacionamento concubinário vivem em situação de dependência financeira de seus amásios. A duração do concubinato e a sua estabilidade acabam gerando uma situação de simultaneidade afetiva para o cônjuge adultero que mantêm e provêm múltiplas residências. Em alguns casos os concubinos têm filhos e a concubina acaba sendo encarregada dos afazeres domésticos e da educação da prole, suprindo a relativa omissão paterna.

O aplicador do Direito não está adstrito a esta realidade. É ser humano dotado de sentimentos que influem nos pronunciamentos jurisdicionais que efetiva. Ao apreciar feitos que envolvam relacionamentos concubinários duradouros está plenamente ciente de que a lei não assegura qualquer direito às concubinas. Todavia, com vistas a assegurar um meio de subsistência à concubina que não possui fonte própria de renda e passou anos de sua vida na dependência do seu concubino acaba por reconhecer meios transversos de garantir a manutenção das concubinas. Eis a indenização por serviços domésticos prestados.

A indenização por serviços domésticos prestados consiste no reconhecimento de reparação financeira pelos anos em que a concubina viveu cuidando dos afazeres domésticos da residência paralela de seu amante. É como se a concubina recebesse numerários pelo serviço doméstico que realiza, transformando parte do relacionamento concubinário em vínculo do âmbito do Direito do Trabalho.

Camila Jales, em seu artigo "O Concubinato Adulterino sob o prima do Código Civil de 2002" [43] aduz que antes mesmo da entrada em vigor do CC/2002 a jurisprudência já vinha concedendo indenização por serviços prestados ao concubino, na hipótese de não provada da contribuição direta para o acréscimo do patrimônio adquirido pelos concubinos e na inexistência de formação desse acervo patrimonial. Sustenta que a reivindicação da aludida indenização será feita através de ação ordinária de indenização a ser intentada contra o concubino, ou, sendo o caso, seu espólio.

A jurisprudência pátria é controvertida com relação ao tema. Os tribunais possuem entendimentos diferenciados de estado para estado e até mesmo de uma câmara para outra.

Alguns tribunais, a exemplo do TJRS, já reconheceram o direito à referida indenização. Senão vejamos:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRETSDOS. AMPARO À CONCUBINA. RETRIBUIÇÃO PELA VIDA EM COMUM. NÃO É RAZOÁVEL DEIXAR AO DESAMPARO A COMPANHEIRA DE MAIS DE UMA DEZENA DE ANOS, O QUE REPRESENTA O LOCUPLETAMENTO Á CUSTA DO AFETO E DEDICAÇÃO ALHEIA, SENDO CABÍVEL ESTIMAR-SE INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE AO TEMPO DE CONVIVÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA, PARA FIXAR INDENIZAÇÃO. [44]

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina é um dos que possui entendimento no sentido da impossibilidade de concessão da indenização por serviços domésticos prestados.

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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS CUMULADA COM PEDIDO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. CONCUBINATO IMPURO. RELAÇÃO ADULTERINA. UNIÃO ESTÁVEL NÃO CONFIGURADA. PRETENSÃO ALIMENTAR E INDENIZATÓRIA INSUBSISTENTE. RECURSO DESPROVIDO.

A união estável não se constituirá quando qualquer das partes for casada, segundo interpretação sistemática do Art. 1.525, VI e Art. 1.723, § 1o, ambos do novo Código Civil. A convivência adulterina entre as partes, mesmo que pública e duradoura, não tem por fim precípuo a formação da verdadeira entidade familiar, tratando-se, pois, de mero concubinato impuro, incapaz de gerar os efeitos jurídicos almejados. Por conseguinte, não merece guarida a pretensão alimentar fulcrada em sociedade concubinária, porquanto desprovida de fundamento legal, assim como não procede o pedido de partilha de bens ou de indenização pelos serviços prestados pela mulher se os concubinos jamais uniram seus esforços com o escopo de constituir patrimônio, mas, quando muito, tão-somente para garantir a sua própria sobrevivência. [45]

O entendimento contemporâneo do STJ também está no sentido da impossibilidade de reconhecimento do direito à indenização por serviços domésticos prestados por parte da concubina. Por ser deverás elucidativo do tema o presente acórdão merece transcrição. In verbis:

EMENTA: Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados.

- Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse.

- A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fixadas pelo Art. 226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido.

- A relação de cumplicidade, consistente na troca afetiva e na mútua assistência havida entre os concubinos, ao longo do concubinato, em que auferem proveito de forma recíproca, cada qual a seu modo, seja por meio de auxílio moral, seja por meio de auxílio material, não admite que após o rompimento da relação, ou ainda, com a morte de um deles, a outra parte cogite pleitear indenização por serviços domésticos prestados, o que certamente caracterizaria locupletação ilícita.

- Não se pode mensurar o afeto, a intensidade do próprio sentimento, o desprendimento e a solidariedade na dedicação mútua que se visualiza entre casais. O amor não tem preço. Não há valor econômico em uma relação afetiva. Acaso houver necessidade de dimensionar-se a questão em termos econômicos, poder-se-á incorrer na conivência e até mesmo estímulo àquela conduta reprovável em que uma das partes serve-se sexualmente da outra e, portanto, recompensa-a com favores.

- Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele, expressamente, no Art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fins de tutela do Direito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda, por unanimidade, dar provimento ao recurso do espólio e julgar prejudicado o recurso de M. A. R., nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. [46]

(grifos nossos)

Depreende-se que a indenização por serviços domésticos prestados está sendo gradativamente extirpada da jurisprudência pátria. E isto porque o referido instituto não conta com qualquer previsão legal e por garante às concubinas reparação por serviços domésticos que sequer no casamento existe.

Ora, impossível garantir reparação por serviços domésticos às concubinas que sequer existe no casamento ou na união estável. Até porque quando um dos consortes assume a responsabilidade pelo lar em favor do outro não o faz mediante qualquer espécie de contrato e não espera remuneração pecuniária por tal. Assumir os afazeres domésticos e a educação da prole é um ato de amor do cônjuge, geralmente da mulher. Ainda que se entenda que esta abdica de sua vida profissional em favor do lar não se pode imprimir natureza laboral ao trabalho doméstico que a concubina, esposa ou companheira realiza.

Entende-se, inclusive, que tal designação é depreciativa. Maria Berenice Dias, uma das maiores defensoras do concubinato, repita-se, julga humilhante a indenização por serviços domésticos prestados. Afirma a eminente desembargadora que a indenização por serviços domésticos prestados é um subterfúgio utilizado pela jurisprudência quando as uniões extramatrimoniais não tinham assento legal nem eram reconhecidas como merecedoras de tutela no âmbito do direito das famílias. Afirma, ainda em sentido oposto que "(...) Já que vem sendo rejeitada a concessão de alimentos [pelo cônjuge varão à concubina] (...) é ao menos de se lhe impor a obrigação de indenização serviços domésticos prestados.(...)" [47]

Pelo exposto, verifica-se que a indenização por serviços domésticos prestados foi um subterfúgio utilizado pelos doutrinadores para, sem atingir o princípio da monogamia, garantir meio de subsistência às concubinas que viveram o concubinato por muitos anos. Entrementes, tal instituto não merece guarida no ordenamento jurídico ou na jurisprudência pátria na medida em que não há caráter trabalhista ou de prestação de serviços no trabalho doméstico realizado pela concubina. Se sequer o casamento ou a união estável contam com esta espécie de garantia não se pode assegurar á concubina tal indenização.

O amor e o sentimento explanado pela concubina, esposa ou companheira quando abdica de sua vida profissional em favor do lar e da educação da prole não pode ser mensurado tampouco indenizado monetariamente.


7. O CONCUBINATO E O DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Muito se discute acerca da (im)possibilidade de o(a) concubino(a) ter a qualidade de beneficiário da Previdência Social, tendo como segurado o(a) seu(ua) amásio(a). A inconstância dos pronunciamentos judiciais acerca do tema é preocupante, visto que traz instabilidade jurídica tanto para os partícipes do concubinato, quanto para os cônjuges traídos e o próprio órgão previdenciário.

O certame gira, fundamentalmente, na possibilidade de concessão de benefício previdenciário (pensão por morte) em favor de concubino, isoladamente ou em paralelo com o(a) cônjuge do(a) falecido instituidor do benefício.

A legislação do Regime Geral de Previdência Social (Lei nº 8.213/1991) dispõe que podem ser beneficiários, na qualidade de dependentes:

Art. 16 da Lei nº 8.213/1991: São beneficiários do regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I – O cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;(...)

Neste diapasão, a possibilidade de concessão da pensão por morte em favor do(a) concubino(a) estaria configurada caso o(a) mesmo(a) fosse enquadrado(a) na qualidade de companheiro/cônjuge ou pessoa que do falecido depender financeiramente, compreendendo-se o concubinato como entidade familiar paralela à união estável.

Ocorre que, como visto, definitivamente não é possível no ordenamento jurídico vigente equiparar o concubinato à união estável ou ao casamento na medida em que aquele ofende o princípio da monogamia e é repudiado pela legislação civil vigente. Além disto, garantir á concubina a qualidade de beneficiária por ser dependente financeiramente de seu consorte seria prejudicar não somente o(a) cônjuge traído, que teria o valor de sua pensão minorado, mas também a previdência que seria coagida a manter o benefício de pensão por morte a múltiplos beneficiários, tornando deverás dispendioso o custeio.

Mesmo assim ainda há doutrina e jurisprudência que entendem de modo diverso e pugnam pela inclusão do(a) concubino(a) no rol de beneficiários da Previdência Social. Outrora, a jurisprudência dos tribunais superiores contemplava o direito da concubina a parcela da pensão por morte deixada por seu amásio, em concorrência com a concubina. Neste sentido:

PENSÃO PREVIDENCIÁRIA - PARTILHA DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA - COEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA - CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. "Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo". Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime, no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido. [48]

SERVIDOR PÚBLICO - FALECIMENTO - ESPOSA - CONCUBINA - PENSÃO - DIREITO. Comprovada a existência de concubinato, inclusive com reconhecimento de paternidade por escritura pública, devida é a pensão por morte à concubina, que passa a concorrer com a esposa legítima. [49]

A jurisprudência dos tribunais ainda não está pacificada, mas existe manifesta tendência a negativa do pedido de partilha da pensão por morte entre concubina .

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento não unânime, manifestou-se no sentido da impossibilidade de inclusão da concubina como beneficiária de pensão por morte em concorrência com a companheira do falecido.

EMENTA: COMPANHEIRA E CONCUBINA – DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel.

PENSÃO – SERVIDOR PÚBLICO – MULHER – CONCUBINA – DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina. Recurso a que se nega provimento, por maioria de votos. (STF, RE 590770-ES, Relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, Data de julgamento 10/02/2009)

Pelos motivos acima expostos constata-se que a acertada jurisprudência dos tribunais superiores vem indeferindo pedido de partilha de pensões previdenciárias entre concubinos e esposos(as) ou companheiros(as) de segurados falecidos da Previdência Social. Contudo, a ausência de legislação específica ou de súmula vinculante definindo tal aspecto do Direito Previdenciário ainda causa insegurança jurídica, razão pela qual faz-se urgente e necessária uma regulamentação maior sobre o tema.

Sobre a autora
Manuela Passos Cerqueira

Bacharela em Direito, Assessora Jurídica dos municípios de Ipecaetá e Santo Estevão/BA, Conciliadora do TJ/BA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA, Manuela Passos. Consequências jurídicas do concubinato adulterino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2744, 5 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18206. Acesso em: 24 nov. 2024.

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