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O controle jurisdicional do mérito do ato administrativo no Estado Democrático de Direito.

Apontamentos para um Direito Administrativo contemporâneo

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Agenda 14/01/2011 às 18:26

2. O ESTADO SOCIAL

Com a consolidação do liberalismo político e a afirmação da soberania popular, houve uma reconceitualização dos modelos políticos dos Estados e novos referenciais foram surgindo no tempo. A mentalidade particularista, individualista e elitista foi diminuindo. O constitucionalismo social começou a surgir.

O liberalismo político havia resolvido sérios problemas, tais como a inexistência de garantias de direitos individuais e a instauração da representação política, fazendo com o patamar dos direitos subjetivos se realçasse, mas a esfera dos direitos sociais estava longe de se concretizar.

Foi somente no século XX que o constitucionalismo começou a formar sistemas jurídicos fundamentados na idéia de proteção dos direitos coletivos. Com o Estado Social surgiram os direitos coletivos, principalmente o direito do trabalho, e com este, se abriram largos passos para a diminuição das desigualdades sociais. A afirmação liberalista de que os direitos individuais tinham valor não era suficiente para resolver e sanar os problemas sociais. Era necessário um Estado ou uma Administração Pública intervencionista, que buscasse resolver os problemas sociais e gerir a organização político-administrativa do Estado com uma teleologia diferente da do direito liberal. Era necessário que o Estado deixasse de ser focado em uma ótica privatista-civilista, para analisar a ordem jurídica e o ordenamento político e jurídico com uma visão volvida ao direito público, ao reconhecimento de uma nova axiologia jurídico-constitucional.

É daí que surgiu a questão da interação entre os direitos privados e os direitos públicos, de forma a constitucionalizar os direitos sociais e publicizar toda uma série de interesses axiologicamente direcionados a melhoria das prestações sociais. O Estado Liberal não foi um estado interventor, até mesmo porque sua ótica individualista não permitia a coletivização dos interesses. Foi com o advento do constitucionalismo social que todos os direitos subjetivos passaram a ser direitos públicos subjetivos, e que a constitucionalização dos interesses privados mesclou os interesses do direito público com as próprias determinações ideológicas do Estado Social. A questão do interesse público, da ordem e da justiça social, da paz e da segurança nacional se realçaram, até mesmo em razão da 1ª e da 2ª guerra mundial. A respeito do direito social, diz José Afonso da Silva que:

A Revolução de 1848 já inscreve no texto de sua Constituição provisória o direito de trabalho. Depois, a Constituição do México de 1917 sistematiza, pela primeira vez [08], o conjunto de direitos econômicos e sociais do homem. Em seguida, a Revolução Soviética proclama a "Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado". E veio a Constituição de Weimar e consigna, ao lado dos direitos individuais, os direitos sociais e econômicos. Assim, numa forma transacional e de compromisso, as constituições contemporâneas, palmilhando a trilha da Constituição de Weimar, trazem sempre um capítulo sobre a ordem econômica e social, como elementos sócio-ideológicos, ao lado de uma declaração dos direitos individuais, como elementos limitativos do poder, e um conjunto de normas estruturadoras do Estado e de seus órgãos, como elementos orgânicos, entre outras normas formais ou de aplicabilidade e determinadoras da rigidez e defesa da constituição (normas de estabilização constitucional). (Silva, 1998, p. 181 e 182).

É com a Constituição do México de 1917 que adveio o constitucionalismo social, positivando direitos econômicos e sociais. Ele buscou romper com a miséria existente em vários países, inclusive na América Latina, de forma a remodelar a ideologia político-social, fundando normas programáticas. Nesse sentido, André Copetti diz que:

Cede assim o Estado liberal-burguês às exigências dos trabalhadores. Entrega os anéis para não perder os dedos, vendo-se forçado a conferir, constitucionalmente, direitos do trabalho, da previdência, da educação, a ditar o salário, a manipular a moeda, a intervir na economia como distribuidor, a comprar a produção, regular preços, combater o desemprego, proteger o trabalhador, controlar as profissões, enfim, passa a intervir na dinâmica socioeconômica da sociedade civil. (Copetti, 2000, p. 54).

Não se pode dizer que o Estado Liberal garantiu a concretização de todos os interesses da sociedade, pois que a miséria sempre existiu, assim como os abusos de poder; ele conseguiu limitar o poder administrativo e regulou politicamente os direitos subjetivos, mas a esfera das relações entre o governo e povo ainda era muito fraca e tênue, prevalecendo à tese de que cada um deveria resolver seus problemas e o que o governo nada teria a ver com esses. Ora, na medida em que sociologicamente se torna inadmissível a negação política dos deveres sociais de mútua assistência entre todos os cidadãos, o governo, como representante da sociedade, deveria agir para o povo, e não para si mesmo. Pois não seria possível haver coerência no sistema político enquanto o direito administrativo e as leis estivessem voltadas para os interesses dos governantes e não para os interesses sociais (ou dos governados). Sendo o Direito uma criação da cultura social, a sua teleologia política deve ser voltada para o interesse público.

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A respeito do direito social, diz Anderson Lobatto:

O processo de constitucionalização dos direitos do homem seguiu a mudança de concepção do Estado de Direito que, partindo de uma compreensão estritamente liberal e individualista do homem, passou a compreende-lo a partir de seu contexto social, econômico e cultural. Trata-se justamente de uma mudança radical no papel do Estado na vida em sociedade que além de garantir os direitos de liberdade, passa a ser compreendido enquanto promotor do bem-estar social, permitindo a necessária correção das desigualdades econômicas e sociais. (LOBATO, Anderson Cavalcante. O reconhecimento e as garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Revista dos Tribunais. n. 22, p. 142, jan.– março 1998).

Após esse constitucionalista afirma que "A idéia de Estado social parte da constatação de que a não intervenção do Estado nas relações particulares teria trazido uma desigualdade entre os indivíduos. Os mais fortes economicamente estariam sendo beneficiados em detrimento dos indivíduos menos favorecidos pelas relações econômicas". (LOBATO, Anderson Cavalcante. O reconhecimento e as garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Revista dos Tribunais. n. 22, p. 144, jan.– março 1998).

O reconhecimento constitucional dos direitos sociais está na nossa atual Constituição, nos artigos 6 a 11, 170 a 192 e 192 a 232. (Silva, 1998, p. 183). A nossa constituição é liberal no artigo 5o, mas é social no artigo 6º. O artigo 6º da nossa atual Constituição diz que "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". O direito ao trabalho está nos artigos 7 a 11, e do artigo 170 ao 232 temos regulados todos os outros direitos sociais.

Os direitos sociais são, para José Afonso da Silva, "normas constitucionais sócio-ideológicas, as que consubstanciam os elementos ideológicos, de compromisso, de natureza econômica e social, nas constituições contemporâneas". (Silva, 1998, p. 183). Analisando as normas constitucionais sócio-ideológicas, notaremos que elas são programáticas, ou seja, tem programaticidade, pois são normas que determinam as políticas públicas e os fins sociais que o Estado almeja atingir, sendo então princípios programáticos sócio-ideológicos, pois que representam a ideologia social voltada na busca de finalidades comuns à ordem pública e ao princípio do interesse público.

O Liberalismo havia buscado a legalização dos interesses individuais, mas não havia sanado grande parte dos problemas sociais. Pois enquanto havia declarações internacionais de direitos e positivações em inúmeros países dos direitos individuais e das normas constitucionais limitativas, existia ainda muita pobreza e muita carência de recursos. O Estado não atacava mais a liberdade individual como no Absolutismo, e isso era uma garantia importante, mas, ao lado disso, ele era omisso, não realizava intervenções na Economia e não buscava auxiliar diretamente as pessoas.

A ideologia não explícita era de que o Estado estaria desvinculado do interesse público e se constituiria em uma mera máquina reprodutora de leis formais, sem sentimentos e aspirações. Seria indiferente a crise existente, pois se preocuparia somente com os interesses jurídico-formais da nação; dessa ideologia política, que tinha no seio principiológico uma indiferença política a dor moral dos povos, surgiram novas reviravoltas que modificaram a política liberal então vigente. Uma série de revoluções incitaram o governo a notar que a mera formalidade das leis não garante a equidade social, pois é a aplicabilidade ou a efetividade material da norma jurídica que pode assegurar isso. A 1ª guerra mundial, com suas crises humanitárias, não deixou de ser um estímulo ao desenvolvimento da solidariedade pela dor.

Era necessário agregar ou incorporar ao Estado Liberal novos elementos políticos, suprindo as suas lacunas, buscando a evolução dos modelos de Estado e a melhoria das condições sociais; no século XIX pode-se dizer que houveram uma série de revoluções que não deixaram de representar novas forças políticas atuando sobre o governo. Com o acréscimo progressivo das exigências sobre o Estado, com as críticas sucessivas a inexistência e a lacunosidade das práticas estatais necessárias e urgentes, o sistema político, para não entrar em outra crise política, posterior a revolução francesa, teve que se moldar às ideologias sociais.

A Administração Pública ficou vinculada a uma série de interesses sociais e desde então deve viver almejando a concretização dos ideais sociais. É evidente que não foram sanadas todas as mazelas sociais, mas houve uma atenuante as dores do povo, pois o Estado aos poucos foi intervindo na Economia e na sociedade, de forma a buscar auxiliar as pessoas. É evidente que a realidade social do Brasil está em construção e que estamos longe de assegurar as condições almejadas pelo Estado Social, mas temos, ao menos, tido o interesse de realizar esses ideais e certas políticas públicas tem auxiliado para que, aos poucos, a realidade socioeconômica melhore, em um processo lento e progressivo.

No Brasil, o constitucionalismo democrático se consolidou com a nossa atual Constituição Federal, que tem em seus fundamentos ontológicos a idéia de democracia. O princípio democrático foi implementado pelo Poder Constituinte e aceito pela sociedade como um novo ideal a ser atingido. É evidente que estamos em uma fase de construção política e social, e que a Constituição Federal de 1988 não implementou de forma absoluta a democracia, pois o regime democrático de governo pressupõe a aproximação entre a Política e a sociedade, e isso ainda está engatinhando no Brasil. A democracia é muito recente no Brasil, pois não faz muito tempo que o país viveu a ditadura militar. Com a instalação da democracia, pode-se dizer que surgiram muitos direitos e garantias políticas. O constitucionalismo atual no Brasil tende a se aprimorar a etapas cada vez mais aperfeiçoadas.


3. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O compromisso democrático, no Brasil, é decorrência da observância de que o constitucionalismo social era insuficiente para a realização do interesse público, pois não bastava somente que o governo se preocupasse com os problemas sociais, era vital que a sociedade pudesse interagir com o governo, influenciar a decisão política, para que o relacionamento mais íntimo entre o governo político e a sociedade pudesse tornar mais evidente ao Estado quais os anseios mais diretos da população. Em certo sentido, a democratização da sociedade pressupõe a valorização de interesses difusos transindividuais, além dos interesses metaindividuais do Estado Social. É nesse ponto que o princípio democrático tende a buscar que a sociedade influa no poder de forma a permitir que haja um relacionamento mais profundo e menos distante com a política.

Sobre o Estado Democrático de Direito, diz André Copetti que os direitos democráticos pressupõem uma intensa valorização do Poder Judiciário e do Ministério Público, no sentido de buscarem concretizar os valores democráticos (Copetti, 2000, p. 56). A seguir, também afirma esse penalista que

"Sucedeu-se com a formação dos modernos Estados constitucionais, que o direito positivo incorporou grande parte dos conteúdos ou valores de justiça elaborados pelo jusnaturalismo racionalista e ilustrado: o princípio da igualdade, o valor à pessoa humana, os direitos civis e políticos, e, também, todas as demais garantias penais e processuais de liberdade e certeza"... (Copetti, 2000, p. 57).

A nossa Constituição de 1988 estruturou a fundamentalidade de uma série de direitos subjetivos, coletivos, difusos, universais e naturais. O constitucionalismo de 1988 não deixou de representar a tutela de novos direitos, e de institucionalizar uma série de garantias ao cidadão. É dessa forma que o constitucionalismo democrático no Brasil abriu brechas para a instalação de uma série de novas garantias às pessoas, moldando no direito constitucional positivo a idéia de que não somente a organização política e administrativa do Estado deve ser consolidada, mas também a proteção de direitos subjetivos liberais e de ideologias políticas devem ser protegidas, ao mesmo tempo em que normas que protegem a Constituição devem ser respeitadas.

É dessa forma que os direitos humanos foram incorporados a nossa Constituição e cabe ao Poder Judiciário, de forma muito intensa, dentro do Estado Democrático, a consolidação da própria democracia, de forma a se tornar uma instituição política aberta aos interesses sociais e capaz de garantir os direitos fundamentais necessários a preservação do princípio da dignidade humana. Ao Poder Judiciário e ao Ministério Público compete também a preservação do interesse público, de forma a garantir que os ideais democráticos da nação possam ser preservados, mesmo contra o governo político, se este buscar viola-los, pois isso é o que a sociedade espera.

Uma outra alteração substancial dentro da lógica do Estado Democrático de Direito foram às novas idéias construídas pelos juristas para a complementação das teorias jurídicas do Liberalismo e do Estado Social. No Estado Liberal a Administração Pública já começava a sofrer certas restrições, mas somente dentro dos parâmetros legais, o que significa dizer que unicamente a lei poderia ser um critério legítimo para reter o poder; os assuntos que a lei não disciplinava representavam um espaço de liberdade quase que absoluta ao poder estatal, pois que o princípio da legalidade instituía a idéia de que somente a lei aprovada dentro de determinadas regras legislativas e com um quorum de votação determinado poderia ter a força política para funcionar com norma limitadora do Estado.

O Estado Democrático de Direito analisa o sistema jurídico de forma diferente que o Estado Liberal. Amplia o conteúdo do Direito e faz com que as leis sejam regidas por princípios, que devem ser respeitados pelo Judiciário, que não pode ficar adstrito a uma ótica meramente liberal, deve interpretar a Constituição com um enfoque democrático. O princípio do interesse público é vital. O Judiciário não deve mais ficar restrito somente a lides interindividuais, mas sim proteger interesses coletivos e difusos, transindividuais e metaindividuais. É necessário repensarmos a função do Poder Judiciário. Ele deve tutelar o interesse público nos casos em que for invocada a sua tutela, agindo imparcialmente, moldando seus fins e estruturas para fins democráticos, fazendo com que os interesses da sociedade não sejam violados.

O princípio democrático pressupõe responsabilidade política de todos os poderes com a sociedade. É necessário pensar que todos os poderes da República tem seus fins, e que estes devem ser buscados com o máximo de eficiência possível, sem permitir que omissões gerem prejuízos às pessoas. O sentido da hermenêutica principiológica é fazer com que se repense a amplitude e as possibilidades do Direito.

Sobre o autor
Logan Caldas Barcellos

Advogado. Mestre em Direito Público pela UNISINOS/RS. Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade IDC/RS. Graduado em Direito pela UNISINOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELLOS, Logan Caldas. O controle jurisdicional do mérito do ato administrativo no Estado Democrático de Direito.: Apontamentos para um Direito Administrativo contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2753, 14 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18275. Acesso em: 23 nov. 2024.

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