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Refis e a questão da exclusão do regime de parcelamento

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Agenda 28/01/2011 às 06:26

4. Exclusão e princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.

A expressão mais adequada é "rescisão" e não "exclusão", como aludem os dois primeiros instrumentos normativos referidos no item 2 deste trabalho. A partir do Refis III passou-se a empregar corretamente o termo "rescisão".

De fato, com o inadimplemento do devedor, que deixa de efetuar o pagamento das parcelas mensais, ocorre a rescisão do respectivo termo de parcelamento. Esse termo de parcelamento, na verdade, configura um instrumento de natureza contratual, aonde estão presentes, as partes, o objeto e o elemento volitivo.

O importante é saber se essa exclusão, ou rescisão opera-se de pleno direito ante o implemento da condição prevista em lei, ou se há necessidade de observar os princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF), como proclamam vários estudiosos da matéria. Transcrevemos, para facilitar a compreensão do leitor, os textos constitucionais pertinentes a esses princípios:

"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV – ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela interentes".

4.1 Noções prévias

É importante recapitularmos, ainda que de forma resumida, os conceitos sobre os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa.

4.1.1 Princípio do devido processo legal

Trata-se de "direito fundamental assegurado pelo art. 5º, LIV, da CF, que evita a improvisação de regras pelo aplicador da lei. Abrange a ampla defesa com os recursos a ela inerentes. Em seu desdobramento, compreende a necessidade de correta e regular elaboração de leis, o substantive due processo of law" [02].

Não se confunde, portanto, com o simples fato de a matéria estar previamente disciplinada em lei. Impõe-se a observância de uma lei conformada com os textos constitucionais.

Esse princípio tem aplicação tanto no plano processual, como no plano do direito substantivo.

4.1.2 Princípio do contraditório e ampla defesa

"O contraditório, como elemento essencial à ampla defesa, é garantia do devido processo legal (due processo of law), compreendendo a ciência dos fatos e da imputação com a respectiva fundamentação legal, à vista do processo e a oportunidade de contestação e de produção de provas admitidas em direito, assim como de utilização dos recursos cabíveis" [03].

Logo, o contraditório se exerce contra atos de terceiros, nunca em relação a atos praticados pelo próprio contribuinte como proclamado, equivocadamente, por certos setores da doutrina, que vêm exigindo a formalidade do contraditório antes de inscrever na Dívida Ativa o ICMS escriturado, apurado e comunicado ao fisco pelo contribuinte, por meio de GIA.

Parece ferir o princípio constitucional da razoabilidade exigir que o contribuinte seja notificado para contestar o ato que ele próprio praticou. Na hipótese de ter havido engano na apuração e informação quanto ao montante do imposto devido sempre restará ao contribuinte o exercício da faculdade da denúncia espontânea referida no art. 138 do Código Tributário Nacional. Bastará re-ratificar a GIA anteriormente apresentada e efetuar o pagamento da diferença, acrescida de juros moratórios e atualização monetária, sem o pagamento da multa.

Diferente será a hipótese em que o fisco discorda do montante apurado pelo contribuinte e promove lançamento direito da diferença encontrada, Neste caso, cabe ao fisco promover a notificação do contribuinte para que, em o querendo, exerça o direito ao contraditório e ampla defesa. Impugnada a diferença cobrada instaura-se o processo administrativo tributário para solução da lide. Em havendo pagamento extingue-se aquele crédito tributário constituído pelo lançamento de ofício.

4.2 O exame da jurisprudência

A jurisprudência do STJ, na hipótese de inadimplemento das prestações mensais do débito parcelado, é no sentido da aplicação automática do preceito legal disciplinador da matéria. Aquela Corte de Justiça vem decidindo na esteira da Súmula 248 do antigo Tribunal Federal de Recursos no sentido de que:

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"O prazo de prescrição interrompido pela confissão da dívida fiscal recomeça a fluir no dia em que o devedor deixar de cumprir o acordo celebrado".

Entretanto, em recente julgado, o Plenário do TRF da 1ª Região, representado por seu Órgão Especial, por maioria absoluta de votos, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução CG/REFIS 20, de 27-9-2001, na parte em que deu nova redação ao art. 5º e parágrafos 1º a 4º da Resolução CG/REFIS 9/2001, suprimindo o contraditório e ampla defesa para exclusão do contribuinte do Refis. Para maior clareza transcrevemos a ementa do V. Acórdão:

"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CABIMENTO. EXCLUSÃO DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS. RESOLUÇÃO CG/REFIS 20 DE 2001. OFENSA ÀS GARANTIAS E AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. RESERVA DE PLENÁRIO.

1. O art. 97 da Constituição dispõe que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

2. O Código Tributário Nacional, no art. 100, I, define como normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas.

3. Considerando a natureza de ato administrativo normativo das resoluções e portarias elaboradas pelo Comitê Gestor do Programa de Recuperação Fiscal, instituído pela Lei 9.964/2000, estão sujeitas ao controle de constitucionalidade.

4. A Resolução CG/REFIS 20 de 2001, ao conferir nova redação ao art. 5º da Resolução CG/REFIS 9 de 2001, suprimiu a notificação prévia do contribuinte, passando a dispor que a pessoa jurídica terá o prazo de 15 dias, desde a publicação do ato de exclusão, para se manifestar quanto aos respectivos motivos, manifestação esta sem efeito suspensivo.

5. A arbitrariedade do procedimento de exclusão do REFIS trazido pelo art. 5º e respectivos §§ 1º ao 4º, na redação dada pelo art. 1º da Resolução CG/REFIS 20/2001, em contraponto àquele conferido na Resolução CG/REFIS 9/2001 (art. 4º, § 4º), decorre da inobservância aos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, bem como às garantias estabelecidas no art. 37 da CF/1988.

6. Declarada a inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução CG/REFIS 20, de 27/09/2001, na parte em que deu nova redação ao art. 5º e parágrafos 1º a 4º da Resolução CG/REFIS 9/2001". (Argüição de inconstitucionalidade nº 2007.34.00.022211-3/DF, Rel. Des. Maria do Carmo, DJ de 16-11-2009, p. 100).

Infelizmente, da leitura atenta da íntegra do V. Acórdão proferido pelo Órgão Especial do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede no DF, não foi possível descobrir qual das vinte e uma hipóteses de exclusão, previstas no art. 5º da Lei nº 9.964/2000, foi levada em conta no julgamento.

Muito provavelmente a própria autora da ação, em sua petição inicial, não tenha invocado expressamente a razão de sua exclusão do Refis, limitando-se a insurgir contra a supressão do direito constitucional do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa evitando-se, dessa forma, a discussão do mérito.

Contudo, ao se examinar o precedente daquela Corte, consistente no V. Acórdão proferido pela sua Quarta Turma é possível concluir que a declaração de inconstitucionalidade ocorreu no exame da hipótese de exclusão do contribuinte devedor por falta de pagamento das parcelas mensais do programa ao qual aderiu voluntariamente . Vejamos a ementa desse V. Acórdão:

"EMENTA. REFIS. EXCLUSÃO SUMÁRIA DO PROGRAMA. LEI EM TESE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INOCORRÊNCIA. PRELIMIINARES REJEITADAS. COMUNICAÇÃO DEFICIENTE. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA. LEI Nº 9.964/2000. ESCOPO PRETENDIDO. INTERESSE PÚBICO.

1.Não se trata de mandado de segurança contra lei em tese, mas contra efeitos concretos e imediatos de ato administrativo praticado pela autoridade eleita coatora;

2.Possuindo a Autarquia Federal autonomia administrativo-financeira, a autoridade indigitada coatora é competente para praticar o ato e tem poderes para desfazê-lo.

3.Afronta os princípios do contraditório e da ampla defesa a exclusão, de forma impositiva, do programa recuperatório, sem averiguação do descumprimento efetivo das regras previstas na Lei nº 9.964/2000, que o instituiu, nem tampouco a adequada comunicação, à impetrante, do fato.

4.Contrariando o espírito de composição amigável da Lei nº 9.964/2000, o próprio interesse público é atingido, na medida em que a empresa excluída fica praticamente impossibilitada de honrar os pagamentos avençados. No caso, impende salientar haver a impetrante trazido prova, não impugnada, dos pagamentos das prestações no período.

5.Apelação e remessa oficial a que se nega provimento" (AMS nº 2002.34.00.003194-9/DF, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, DJ de 18-6-2003 – sem grifos no original).

Como se vê nesse V. Acórdão proferido pela Quarta Turma do E. TRF da 1ª Região transparece claro tratar-se de infração consistente na falta de pagamento das prestações mensais avençadas, hipótese prevista no inciso II, do art. 5º, da Lei nº 10.684/2000.

Todavia, no caso da Argüição de inconstitucionalidade não há clara indicação da hipótese de exclusão do contribuinte que aderiu ao Programa. Se a exclusão foi motivada pela infração ao inciso II, do art. 5º, da Lei nº 9.964/2000 (falta de pagamento de três prestações consecutivas ou seis prestações alternadas) penso que o V. Acórdão distanciou-se da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

É que a Resolução CG/REFIS 9/2001, modificada pela Resolução CG/REFIS 20/2001, limitava-se a regulamentar, dentre outras matérias, o disposto no art. 9º, III da Lei nº 9.964/2000, para estabelecer normas quanto "às formas de homologação da opção e de exclusão da pessoa jurídica do Refis, bem assim às suas conseqüências".

O Comando legal para exclusão do contribuinte inadimplente já estava previsto no art. 5º, inciso II, da Lei nº 9.964/2000 que, salvo melhor juízo, estabelece a exclusão automática do contribuinte que deixar de efetuar o pagamento de três prestações mensais consecutivas, ou de seis prestações interpoladas. É o caso de se aplicar o princípio dies interpellat pro homine.

O V. Acórdão nenhuma referência faz ao art. 5º, II, da Lei nº 9.964/2000. O Ministério Público Federal, por sua vez, opinou pela declaração de inconstitucionalidade, formal e material, do art. 9º, III, da Lei nº 9.964/2000 e das Resoluções do Comitê Gestor do Refis quanto à forma de exclusão dos contribuintes do referido Programa. Com a devida vênia, sem regulamentação da forma de homologação da opção e de exclusão do contribuinte faltoso não haverá meio de implementar o Programa. A exclusão não tem sede no art. 9º, III, mas, no art. 5º, II, da Lei em questão.

Impõe-se, apenas, uma pergunta: o art. 5º, inciso II, da Lei nº 9.964/2000 está conformado com os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa?

A resposta é positiva, pois, não é razoável que alguém tenha que ser notificado para impugnar o próprio ato que praticou ou deixou de praticar.

No caso, o devedor aderiu espontaneamente ao Refis sabendo de antemão que o não pagamento de três prestações consecutivas, ou de seis intercaladas acarreta sua exclusão do Regime Especial de Pagamento. A eventual falta de recursos financeiros não é, e nunca foi, hipótese de exclusão, de suspensão ou de extinção do crédito tributário. Essas três hipóteses são regidas pelo princípio da reserva legal. E não há lei que justifique o não pagamento de tributo por falta de recursos financeiros. Então, pergunta-se, qual a finalidade de se instaurar o processo administrativo tributário para exclusão do contribuinte que deixou de pagar as parcelas devidas? Note-se que estamos falando apenas da hipótese abrangida pela primeira parte do inciso II, do art. 5º, da Lei nº 9.964/2000 (não pagamento de parcelas de débitos confessados). No caso da parte final do inciso II (não pagamento de tributos vencidos após 29-2-2000), bem como na maioria das outras dez hipóteses de exclusão impõe-se a notificação do contribuinte considerado infrator, para apresentar a defesa que tiver, na forma determinada pela Lei nº 9.784/1999. O procedimento, bem como os recursos cabíveis são aqueles previstos no Decreto-lei nº 70.235/1972, com as alterações introduzidas por leis supervenientes.

O exame do V. Acórdão do E. TRF da 1ª Região não permite concluir se os princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa devem ser aplicados, também, na hipótese de falta do pagamento das parcelas mensais, matéria já prevista em dispositivo legal auto-aplicável.

No nosso entender não basta apenas invocar os princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, que constituem direitos e garantias individuais protegidos por cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF). É preciso, antes de mais nada, examinar a pertinência desses princípios em relação à matéria considerada. Do contrário, acabaria por exigir a aplicação do princípio do contraditório e ampla defesa na esfera policial, transformando o inquérito policial para apuração de fato delituoso e dos indícios de autoria desses fatos em um verdadeiro processo administrativo, cuja finalidade é solucionar a lide mediante decisão de autoridade competente. Na esfera policial nada se decide, apenas se relata os fatos e se apura os indícios de autoria. Tudo o mais fica a cargo do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Não se deve confundir processo administrativo, que reclama a aplicação dos princípios constitucionais retrorreferidos para solução da lide, com procedimento administrativo em que não há partes litigantes.


5. Conclusões

Os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa são aplicáveis, tanto nos processos judiciais, como nos processos administrativos.

Para exclusão do contribuinte, que deixa de efetuar o pagamento das prestações mensais não é preciso a instauração prévia de processo administrativo, salvo se a lei de regência da matéria dispuser em sentido contrário.

A eventual notificação do contribuinte em falta com os pagamentos mensais, depois de decorridos vários anos a partir da data da infração, a pretexto de cumprir formalidades previstas em instrumentos normativos de menor hierarquia (Portaria, Resolução, Instrução Normativa etc.) configura tentativa do fisco de burlar os dispositivos legais concernentes ao termo inicial da prescrição, que é causa de extinção do crédito tributário.

Nessa hipótese, deve-se ignorar a notificação do fisco considerando não interrompida a fluência do prazo prescricional, impondo-se o exame, caso a caso, e decisão de acordo com o princípio da razoabilidade.


Notas

  1. Esta lei não será objeto de exame neste trabalho por se tratar de uma lei de natureza permanente que disciplina, dentre outras matérias, o regime de parcelamento ordinário de débitos junto à Fazenda Nacional. O benefício, ao contrário das leis de natureza temporária, poderá ser requerido pelo devedor interessado a qualquer tempo.
  2. Cf. nosso Dicionário de direito público. 2ª ed. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 133.
  3. Cf. nossa ob. cit. p. 51.
Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Refis e a questão da exclusão do regime de parcelamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2767, 28 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18365. Acesso em: 23 dez. 2024.

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