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A reparação de prejuízos decorrentes da indevida antecipação dos efeitos da tutela

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Agenda 02/02/2011 às 18:11

8 DA POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA

Uma vez que a lei é clara no sentido de determinar a liquidação dos prejuízos nos próprios autos, surge a indagação com relação ao cabimento de uma ação autônoma, com o objetivo de cobrar os prejuízos sofridos pelo requerido onde obteve êxito ao final de uma demanda onde foi deferida a antecipação de tutela.

Poder-se-ia concluir que a propositura da ação autônoma é flagrantemente desprovida de interesse processual na modalidade da adequação ao procedimento, já que a liquidação nos próprios autos não é apenas uma possibilidade, mas uma imposição legal, de procedimento muito mais econômico e, ao menos em teoria, célere, ou seja proveitosa à parte que busca o ressarcimento. Contudo, não é dessa forma seca, e inflexível que a doutrina tem abordado o tema, vide o posicionamento do autor Daniel Roberto Hertel em obra sobre a instrumentalidade substancial das formas:

Ademais, mesmo nesse caso em que o processo tramitou pelo rito incorreto, o instrumento processual terá atingido o seu fim, que é propiciar a apresentação da solução da lide no plano material, exatamente pelo fato de o rito adotado ser mais elástico. Assim, nenhuma nulidade, pelo menos em relação à ausência de interesse-adequação, deve ser acatada. [39]

O entendimento do citado autor encontra respaldo na jurisprudência mais moderna do STJ, consoante se destaca de excerto extraído do julgado abaixo, que trata também da insignificância do rito adotado quando o efeito prático é alcançado.

RECURSO ESPECIAL. Processual civil - Dissídio jurisprudencial - Comprovação - Modo de procedimento - adoção do rito sumario no lugar do ordinário - Tentativa de conciliação - Ausência - Inocorrência de prejuízo às partes - Nulidade do processo inexistente. I - Não se conhece o Recurso Especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §2º, do RISTJ. II - No moderno direito processual pátrio, a teoria das nulidades orienta-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, não se decretando a nulidade sem que tenha havido prejuízo para a parte, pelo que não se justifica a declaração de nulidade do processo em razão da adoção do rito sumário em lugar do ordinário na hipótese em que não se demonstrou a existência de qualquer prejuízo às partes e em que houve a dilação da instrução probatória de modo a propiciar a ampla defesa. III - A conciliação é uma forma de composição da lide, de modo que, se houve a prestação jurisdicional por meio da sentença, a ausência de tentativa de conciliação entre os litigantes não justifica a declaração da nulidade do processo, máxime quando as partes se insurgem somente em sede recursal. lV - A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial (Súmula nº 7 do STJ). Recurso Especial a que não se conhece. (STJ; RESP 268696; MT; Terceira Turma; Relª Min. Fátima Nancy Andrighi; Julg. 03/04/2001; DJU 07/05/2001; pág. 00139) (Publicado no DVD Magister nº 17 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

No caso, ora analisado, com a proposição inadequada da ação autônoma em desconformidade com a lei processual, que determina a apuração dos prejuízos nos mesmos autos o exemplo do julgado supra é válido. Bem como o procedimento ordinário é mais amplo que o sumário, e sua adoção, em detrimento do procedimento mais simplificado, não traz prejuízos ao demandado, a propositura de ação autônoma em lugar da liquidação nos próprios autos prevista no artigo 475, inciso II, não traz qualquer prejuízo que não ao autor da demanda.

É, justamente, o prejuízo das partes que se consolida como fator preponderante ao se analisar a nulidade da demanda. Como visto, onde não existe prejuízo, não pode ser acatada qualquer nulidade. Obviamente, a existência dos prejuízos deve sempre ser apurada com o máximo de cuidado, principalmente, com relação às prerrogativas da parte demandada, já que é em desfavor desta que se será tolerado o procedimento inadequado.

Ressalve-se que, caso seja o Magistrado diligente no sentido de detectar a inadequação, antes mesmo de citar a parte contrária a integrar o pólo passivo, perfeitamente razoável que extinga o processo sem resolução de mérito, pois nesse momento não haverá qualquer vantagem na complacência com relação à inadequação do procedimento, muito pelo contrário, haverá um inútil desperdício da atividade jurisdicional promovida pelo Estado. O provimento do extintivo nesse sentido é oportuno, pois indiretamente tem o condão de oferecer ao demandante, a oportunidade de iniciar a perseguição do seu direito da forma mais célere e adequada.

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Logo, não se deve concluir que o ajuizamento de uma demanda autônoma para o fim ora debatido, seja correta naquilo que se entende por técnica processual adequada, muito pelo contrário. O que não se pode admitir é que a decretação de nulidade se dê em avançada fase do processo, após ampla dilação probatória, através de uma sentença resolutiva.

Se o magistrado possui os mesmos elementos que seriam reunidos no procedimento de liquidação, deve, através da sentença, proferir decisão que afirme ou afaste a existência dos prejuízos e sua quantificação, o nexo de causalidade e o quantum debeatur, já que o dever de indenizar já é uma situação jurídica consolidada em decorrência do processo onde foi deferida a tutela antecipada. Procedendo de forma diversa, estaria colocando o processo como fim em si mesmo, e não como instrumento para entrega do direito material, ou seja, da justiça.


9 CONCLUSÃO

O presente trabalho objetivou encontrar a melhor interpretação dos dispositivos legais inerentes à responsabilização objetiva do requerente da tutela antecipada. A perspectiva que se buscou foi a da doutrina e jurisprudência mais proeminente.

Interessante observar que os estudos que trouxeram a contribuição mais densa ao presente trabalho foram justamente aqueles em sentido contrário à responsabilidade objetiva do requerente da tutela antecipada, com destaque à doutrina de Ovídio Baptista da Silva.

Como visto, até o momento não se confirma a previsão de que com a responsabilização objetiva pelo requerimento, o instituto da tutela antecipada tenha diminuído de relevância ou de eficiência. Muito pelo contrário, da forma que a prática forense tem se apresentado, a preocupação deve se voltar aos excessos que com o deferimento de tutelas de urgência (nem sempre realmente urgentes) de cunho satisfativo vêm sido perpetrados em favor das partes autoras, em detrimento da parte adversária que normalmente suporta prejuízos sem posterior reparação.

Diante de tal situação e dos frutos da pesquisa realizada no presente trabalho, pode-se afirmar com convicção que a reparação dos mencionados prejuízos têm sim fundamento legal, com imputação de responsabilidade objetiva, à semelhança dos regramentos inerentes à execução provisória. Foi exatamente esta equiparação, que quando da regulamentação inaugural da antecipação de tutela no CPC não existia, foi introduzida em posterior alteração legislativa [40], no art. 273, §3° daquele diploma legal.

Assim, não é por falta de previsão legal que as partes prejudicadas com o deferimento da tutela antecipada em seu desfavor, deixam de perseguir a reparação quando se sagram vencedoras ao final do processo, com a consequente revogação do provimento antecipatório. O que transparece é a falta de orientação e conhecimento desta possibilidade garantida em lei. Ao que parece, tais considerações apresentam-se como único fator capaz de justificar que mesmo com o elevado número de antecipações de tutela deferidas verificados na prática, tão escassos sejam os pedidos de reparação.

De outro lado, há que se admitir que, antes de afastar definitivamente a possibilidade de concretização das previsões pessimistas com relação à responsabilização objetiva do requerente da tutela antecipada, é preciso esperar que os pedidos de reparação fundados nessa responsabilidade se popularizem, para então avaliar um possível efeito negativo sobre o sistema e o acesso a justiça.

Contudo, não é o que se pode concluir atualmente, posto que o quadro é exatamente o oposto: a tutela antecipada vem sendo requerida e concedida indiscriminadamente, ignorando-se o periculum in mora inverso, e causando prejuízos injustos, o que, como já dito anteriormente, torna aceitável o uso do termo banalização para a popularização do instituto.

Afastada a responsabilidade do magistrado, e a inconstitucionalidade da lei, é imperioso que ela seja aplicada, ou seja, haja a responsabilização objetiva do requerente da tutela antecipada. Como já dito, é indispensável a pretensão da parte contrária nesse sentido, que deve ser manifestada nos mesmos autos, através de petição que além de requerer a reparação, descreverá os prejuízos sofridos e o nexo de causalidade com a medida provisória injustamente deferida seu desfavor. A partir daí, é mesmo na liquidação que será averiguado se a reparação tem lugar, mediante a produção de provas tal como ocorreria em uma ação autônoma.

Aliás, um erro muito comum é a proposição de ação autônoma para a cobrança de indenização. Como já foi suscitado, tal conduta pode e deve ocasionar a resolução do processo sem julgamento de mérito por ausência de interesse na modalidade adequação. Contudo, a inadequação deverá ser relevada caso o processo se encontre em fase avançada, já que o maior prejuízo, que é o desperdício da atividade jurisdicional, já terá se consolidado e só será agravado em caso de resolução sem mérito, não havendo prejuízos para as partes no seu prosseguimento.

Em síntese, almeja-se que o presente trabalho tenha alcançado seus objetivos no sentido de contribuir para a ciência jurídica, principalmente diante da pouca relevância dada pela doutrina ao tema, e a própria imprecisão dos dispositivos legais correspondentes, que dificultam a tentativa de se estabelecer uma solução definitiva para a interpretação da lei.

Contudo, foi justamente a sobreposição dos entendimentos doutrinários encontrados e seus respectivos fundamentos que possibilitou, através do amadurecimento de todos os conceitos até então verificados, firmar uma conclusão, que se espera, possa contribuir no sentido ampliar a segurança jurídica, e com isso estimular a aplicação da lei de forma fiel à intenção do legislador, sem perder a coesão e harmonia com todo o sistema vigente.


10 REFERÊNCIAS

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Notas

  1. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 4. ed., ver. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.13.
  2. BEDAQUE, op.cit., p.17, nota 1.
  3. BEDAQUE, op. cit., p 26, nota 1.
  4. BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2. ed. rev.; atual. e ampl. (de acordo com a emenda constitucional n.45/2004 e com as leis n.11.280/2006 e 11.382/2006). São Paulo: Saraiva, 2007. p. 10.
  5. LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.49.
  6. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: medidas de urgência, tutela antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais. São Paulo: Atlas, 2005. v. 3. p. 41.
  7. ORIONE NETO, Luiz. Liminares no processo civil e legislação processual civil – extravagante. 1962. 2.ed. São Paulo: Editora Método, 2002. p. 38.
  8. FERREIRA, Willam Santos. Tutela antecipada no âmbito recursal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. v.8. p.134.
  9. FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva 1996. p. 44.
  10. TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das tutelas de urgência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. v. 4. p.189.
  11. "If I have seen a little farther than others it is because I have stood on the shoulders of giants." Célebre frase de Isaac Newton.
  12. Na verdade o art. 273, §3° faz remissão ao art. 588, que foi revogado pelo art. 9° da lei 11.232, de 22.12.2005. Não há maiores divergências no sentido de que o novo artigo que rege a execução provisória, o 475-O deixou de ser referenciado apenas por um esquecimento do legislador, mas substitui o art. 588 em sua integralidade.
  13. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência. 1. ed., 1998. São Paulo. Malheiros, p. 407.
  14. BEDAQUE, op.cit., p.413, nota 13.
  15. BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2. ed. rev.; atual. e ampl. (de acordo com a emenda constitucional n.45/2004 e com as leis n.11.280/2006 e 11.382/2006). São Paulo: Saraiva, 2007. p. 138.
  16. CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. , 1925. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 79.
  17. LOPES, op. cit., p. 153, nota 5
  18. ORIONE NETO, Luiz. Liminares no processo civil e legislação processual civil extravagante. 1962. 2. ed. São Paulo:Editora Método, 2002. p. 100.
  19. ORIONE NETO, op. cit., p. 100, nota 18.
  20. ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. penhora INDEVIDA DE VEÍCULO. ART. 133, DO CPC. DANO MATERIAL E MORAL. INOCORRÊNCIA. 1. A independência funcional e a liberdade de consciência do Magistrado restariam seriamente comprometidas, em prejuízo do jurisdicionado, se Estado pudesse ser acionado para reparar prejuízos causados à parte por causa de uma determinação judicial. A responsabilidade existirá apenas se houver dolo ou culpa grave do Juiz, nos termos do art. 133 do CPC, o que certamente não é o caso porque o equívoco decorreu da existência de homônimos. 2. Incabível a indenização por danos materiais e morais postulados pela parte autora pela equivocada penhora incidente sobre bem de terceiro estranho à reclamatória trabalhista, visto que não houve dolo ou culpa grave do magistrado. 3. Apelação improvida. (TRF 4ª R.; AC 2004.71.08.006837-4; RS; Quarta Turma; Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler; Julg. 06/08/2008; DEJF 25/08/2008; p. 469)
  21. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo (2003). 16. ed., São Paulo: Atlas.
  22. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Antecipação de Tutela e Responsabilidade Objetiva. Revista dos Tribunais. ano 87, v. 748, fevereiro de 1998. p. 32.
  23. BRASIL. Lei 8.952. Altera dispositivos do Código de Processo Civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Diário Oficial da União, Poder Executivo. Brasília, DF. Publicada em13 de dezembro de1994.
  24. ______. Lei nº 10.444. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Poder Executivo. Brasília, DF. em 07 de maio de.2002)
  25. ______, op.cit., nota 24.
  26. SILVA, op.cit., p. 42, nota 22.
  27. BRASIL, op. cit., nota 24
  28. GOMES, Fábio Luiz. Responsabilidade objetiva e antecipação de tutela: a superação do paradigma da modernidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.244.
  29. YARSHELL, Flávio Luiz Tutela Jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1998. p.28.
  30. GOMES, Fábio Luiz. Responsabilidade objetiva e antecipação de tutela: a superação do paradigma da modernidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.244.
  31. CARPENA, Marcio Louzada. Do Processo Cautelar Moderno. 1975. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 376.
  32. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida Cautelar ou medida de antecipação de tutela . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2905>. Acesso em: 19 set. 2008.
  33. BRASIL, op. cit., nota 23.
  34. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência). 3. ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. v. 3. p. 210.
  35. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 3. ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1993. p.517.
  36. ZAVASCKI, Teori Albino. Título executivo e liquidação 1. ed., 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.196.
  37. HERTEL, Daniel Roberto. Curso de execução civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.99.
  38. ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 3.ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. p.280.
  39. HERTEL, op. cit., p.154, nota 37.
  40. BRASIL, op. cit., nota 23.
Sobre o autor
Fábio Neffa Alcure

Advogado - Especialista em Direito Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALCURE, Fábio Neffa. A reparação de prejuízos decorrentes da indevida antecipação dos efeitos da tutela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2772, 2 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18407. Acesso em: 25 nov. 2024.

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