5 Considerações finais
Em conformidade com o entendimento, agora sumular, do Superior Tribunal de Justiça, resta superada a discussão quanto à possibilidade de se adotar inquéritos policiais e ações penais em andamento para a exasperação da pena-base como sendo causa de caracterização de maus antecedentes. Assim, diante da Constituição Federal de 1988, não há como se dar outra interpretação ao conceito de maus antecedentes, pois considerar inquéritos policiais e processos penais em andamento como maus antecedentes caminha em sentido contrário a um dos princípios reitores e estruturadores do processo penal do Estado Democrático de Direito – a presunção de inocência [06].
Em meio a tantas pressões por um Direito Penal e Processo Penal máximos um alento à necessidade de um processo penal instrumental e garantista. Lembrando que Bobbio (1992) já dizia que o problema não está mais na questão da existência dos direitos fundamentais, mas sim no da sua efetividade, e aqui, o Superior Tribunal de Justiça, de forma vitoriosa, e até mesmo contrária aos postulados atuais de uma justiça penal repressiva e utilitarista e de um Direito Penal e Processual Penal do autor, deu fôlego a efetividade do garantismo [07].
Referências bibliográficas
ANDRADE, Vera Regina Pereira. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d].
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 1990.
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol 1. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009a.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. 2. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009b.
LOPES JR., Aury. A instrumentalidade garantista do processo penal. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B34561569-847D-4B51-A3BD-B1379C4CD2C6%7D_022.pdf> Acesso em: janeiro, 2010.
NIKITENKO, Viviani Gianine. Aspectos do princípio da presunção de inocência e do princípio do in dúbio pro reo. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8513 Acesso em: setembro, 2010.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 12 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
Notas
"... a denominada presunção de inocência constitui princípio informador de todo o processo penal, concebido como instrumento de aplicação de sanções punitivas em um sistema jurídico no qual sejam respeitados; fundamentalmente, os valores inerentes à dignidade da pessoa humana; como tal as atividades estatais concernentes à repressão criminal." (GOMES FILHO, 1991, p. 37).
- "Numa concepção autoritária do Estado, o processo penal é então dominado, exclusivamente, pelo interesse do Estado, que não concede ao interesse das pessoas qualquer consideração autônoma e, ligado a uma liberdade inteiramente discricionária do julgador (embora exercida sempre em favor do poder oficial), constitui o único vector processualmente relevante. O argüido, por seu turno, é visto não como sujeito co-actuante no processo, mas como mero objeto de inquisição, como algo que é afeito ao processo mas que nele não participa ativamente." (FERNANDES, 2002, p. 15).
- "No Estado liberal, no centro da consideração está agora o indivíduo autônomo, dotado com os seus direitos naturais originários e inalienáveis (portanto de uma lide, disputa de controvérsia) entre o Estado que quer punir os crimes e o indivíduo que quer afastar de si quaisquer medidas privativas ou restritivas de sua liberdade. Por seu lado, a lide, para que seja ‘fair’, supõe a utilização de armas e a disponibilidade, pelos contendores, de meios tanto quanto possíveis iguais; por isso o indivíduo não pode ser abandonado ao poder do Estado, antes tem de surgir como verdadeiro sujeito de processo, armado com o seu direito de defesa e com as suas garantias individuais." (FERNANDES, 2002, p. 16).
- "Disso decorre – se é verdade que os direitos dos cidadãos são ameaçados não só pelos delitos mas também pelas penas arbitrárias – que a presunção de inocência não é apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança ou, se quisermos, de defesa social: da específica "segurança" fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça, e daquela específica "defesa" destes contra o arbítrio punitivo." (FERRAJOLI, 2006, p. 506).
- A cultura jurídica penal que se desenvolveu com o nascimento do Estado moderno, desenvolveu uma ciência juspositivista, baseada no princípio da legalidade e nos direitos naturais, que teve como conseqüência a elaboração, em grande parte, das garantias de liberdade do cidadão e as formas do moderno Estado de Direito, como sistema político submetido a regras e limites jurídicos (FERRAJOLI, 2006). A Escola Penal Clássica foi o marco desta transição, sendo sua fase fundacional marcada pela obra "Dos Delitos e das Penas", de Beccaria, 1764, que, simultaneamente, combate a justiça penal do Antigo Regime e projeta uma nova forma de controle dos desvios, mais humanitária e utilitária, contratualmente modelada. A obra de Beccaria pode ser analisada a partir de duas dimensões: uma crítica (negativa) e outra reconstrutora (positiva). Quanto à dimensão crítica, a obra serviu como denúncia do sistema de controle de delitos até o momento existente. Na dimensão reconstrutora, o livro estabelece as bases fundacionais do moderno Direito Penal e Processual Penal orientado pela exigência de segurança individual frente ao arbítrio do controle de desvio existente, sendo a questão central a instauração de um regime de legalidade capaz de evitar esse regime de insegurança e incerteza punitiva.
- Lopes Jr. traz a conhecimento aspectos relacionados à doutrina de Perfecto Andrés Ibáñez: "Podemos extrair da presunção de inocência que: a) Predetermina a adoção da verdade processual, relativa, mas dotada de um bom nível de certeza prática, eis que obtida segundo determinadas condições. b) Como conseqüência, a obtenção de tal verdade determina um tipo de processo, orientado pelo sistema acusatório, que impõem a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento (rechaço à figura do juiz-inquisidor – com poderes investigatórios/instrutórios – e consagração do juiz de garantias ou garantidor). c) Dentro do processo, se traduz em regras para o julgamento, orientando a decisão judicial sobre os fatos (carga da prova). d) Traduz-se, por último, em regras de tratamento do acusado, posto que a intervenção do processo penal se dá sobre um inocente." (2009a, p. 192).
- Resta um questionamento acerca do que poderia então, diante do aparente esvaziamento do conceito, ser considerado como maus antecedentes a fim de exasperação de pena na fixação da pena-base, assim segue entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça "Por maus antecedentes criminais, em virtude do que dispõe o art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República, deve-se entender a condenação transitada em julgado, excluída aquela que configura reincidência (art. 64, I, CP), excluindo-se processo criminal em curso e indiciamento em inquérito policial" (HC 31.693/MS, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 6/12/2004, p. 368).
- "A efetividade da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional, principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais. Como conseqüência, o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição. Nesse contexto, a função do juiz é atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal." (LOPES JR., 2010, p. 7).