I.INTRODUÇÃO
Hodiernamente não é impossível nos depararmos com decisões totalmente absurdas, em total dissonância com o Direito ou com a pacífica jurisprudência dos tribunais superiores, ainda mais com a definição de metas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Felizmente, das decisões definitivas proferidas pelos tribunais estaduais e do Distrito Federal, é possível interpor os chamados recursos extraordinários, ou para o Supremo Tribunal Federal, quando a decisão ferir a Constituição Federal, ou para o Superior Tribunal de Justiça, quando o deslinde da questão ferir legislação infraconstitucional.
Contudo, um grave problema se apresenta, qual seja, quando a decisão proferida pelas turmas recursais dos juizados especiais estaduais violar jurisprudência pacífica do STJ.
Nesse sentido, qual o caminho a percorrer? Conformar-se com a decisão totalmente divorciada da lei infraconstitucional e jurisprudência pacífica do STJ e cumpri-la? A resposta para esta indagação é negativa, haja vista que há remédio para extirpar do mundo jurídico este tipo de decisão.
Em síntese, conforme será exposto adiante, das decisões proferidas por turmas recursais dos juizados especiais estaduais cabe reclamação para o STJ, nos termos do art. 105, I, f, da Constituição Federal/1988.
II. FUNÇÃO PRECÍPUA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A principal função do Superior Tribunal de Justiça é a de guardião das leis federais. Nesse sentido a sábia doutrina de Luiz Orione Neto [01]:
Com a promulgação da nova Carta Constitucional – mormente a partir da instalação do STJ – o papel de guardião das leis federais, que era desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de recurso extraordinário, foi substituído pelo Superior Tribunal de Justiça, que, na condição de Corte Superior da Justiça Comum federal e estadual, tornou-se o guardião do direito federal comum no Estado Federal brasileiro. Assim, a partir da CF/1988, cabe precipuamente ao STJ – no julgamento de recursos especiais – velar pela inteireza positiva, a validade, a autoridade e a uniformidade de interpretação das leis federais (CF, art. 105, III, a, b e c).
Do entendimento acima, não destoam os eminentes juristas Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustárroz [02]:
O Superior Tribunal de Justiça originou-se da Constituição de 1988, a partir da necessidade de se resolver a propalada "crise do Supremo". Entendia-se que a excessiva competência do Supremo Tribunal Federal, aliada ao volume de trabalho que havia décadas crescia em proporção geométrica, poderia comprometer o funcionamento da mais alta Corte, razão pela qual era impositiva a criação de outro Tribunal Federal, com a missão de zelar pela uniformização do direito infraconstitucional.
(...)
O recurso especial será o remédio para o cidadão instar o pronunciamento da Corte sempre que considerar que a decisão definitiva de uma causa afetou ilegitimamente a ordem jurídica infra-constitucional. O Superior, contudo, possuindo papel de destaque no plano federativo, ao analisar os recursos desta índole, não apenas estará preocupado com a sorte do litigante a ou x, mas sim em verificar o apreço dispensado pelos Tribunais locais ao direito federal. A atuação se dá em prol do Direito, embora os resultados dessa atuação beneficiem as partes (em detrimento do interesse de outras). (grifamos)
Não obstante a competência precípua do Superior Tribunal de Justiça, este editou a Súmula nº 203, a qual prevê:
Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
A redação da aludida Súmula foi determinada pela Corte Especial do STJ, em sessão extraordinária de 23 de maio de 2002 (DJU de 03.06.2002).
Todavia, relevante esclarecer que é cabível recurso extraordinário das decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais. Eis o teor da Súmula nº 640, do Supremo Tribunal Federal:
É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.
Outrossim, não é demais lembrar o teor da Súmula nº 283, também do STF:
É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
Portanto, com base no que se viu até aqui, temos que não cabe recurso especial das decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais, porém cabe recurso extraordinário, desde que presentes, por óbvio, os pressupostos de sua admissibilidade.
Além disso, consoante o teor da Súmula nº 283, do STF, não caberá recurso extraordinário se, por exemplo, a decisão recorrida estiver fundamentada em direito infraconstitucional e direito constitucional, desde que, qualquer dos fundamentos, isolados, servirem para a manutenção da decisão.
Em resumo, partindo-se de uma análise superficial, não há como defender-se de uma decisão, proferida por turma recursal dos juizados especiais, eivada de ilegalidade e injustiça, seja por infringir legislação infraconstitucional, seja por ser contrária à reiteradas decisões do STJ.
III-NÃO CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL CONTRA AS DECISÕES PROFERIDAS PELAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS
Ao analisarmos os dispositivos da Lei nº 9.099/95 podemos verificar que não está prevista a possibilidade de interposição dos recursos excepcionais (especial e extraordinário) para os tribunais superiores.
A possibilidade de interposição do recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, está assentada no art. 102, III, da Constituição Federal, o qual prevê que compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância.
É claro que para o cabimento do recurso extraordinário, a referida decisão de única ou última instância deverá versar sobre a Constituição Federal ou julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Além disso, para o cabimento do recurso extraordinário, deve-se observar o disposto na Súmula nº 283, do STF, a qual transcrevemos no tópico anterior.
Por sua vez, a impossibilidade de interposição de recurso especial, das decisões das turmas recursais dos juizados especiais estaduais, também advém da própria Constituição da República.
Com efeito, o art. 105, III, da Carta Magna, prevê que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios.
Considerando que as turmas recursais dos juizados especiais não integram os tribunais, torna-se incabível a interposição de recurso especial contra as decisões daqueles órgãos. Nesse sentido a esclarecedora lição de Alexandre Freitas Câmara [03]:
Por fim, é preciso dizer que não cabe recurso especial contra das decisões das Turmas Recursais. A inadmissibilidade deste recurso se dá em função do disposto no art. 105, III, da Constituição da República, que estabelece o cabimento do recurso especial contra decisões proferidas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. Sendo assim, não cabe recurso especial contra os acórdãos das Turmas Recursais simplesmente porque tais Turmas não integram, na esfera estadual (que ora se analisa), os Tribunais (de Justiça ou de Alçada). O ponto está, hoje, sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim estabeleceu no verbete nº 203 da Súmula de sua Jurisprudência Dominante: "Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
Despiciendo trazermos à tona decisões do Superior Tribunal de Justiça, contrárias à interposição de recurso especial contra decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais, haja vista que a matéria, conforme dito pelo autor retro destacado e já referido no presente estudo, encontra-se sumulada.
Portanto, resta evidente o não cabimento de recurso especial para atacar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais.
IV-BREVE ANÁLISE ACERCA DA RECLAMAÇÃO APRESENTADA NO STJ CONTRA DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS
Antes de adentrarmos ao tema principal do presente trabalho, convém destacar que, no âmbito do STJ, antes da edição da Resolução nº 12, de 14.12.2009, a matéria não estava pacificada, pois havia decisões que entendiam pelo cabimento da reclamação, a fim de combater decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais, assim como havia decisões que entendiam pelo não cabimento. Destacam-se as ementas abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. DEMANDAS RELATIVAS À LEGITIMIDADE DA COBRANÇA DA TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA DE TELEFONIA. DECISÕES DE JUIZADOS EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1.A Reclamação não é via adequada para controlar a competência dos Juizados Especiais.
2.Igualmente inadequada a via da reclamação para sanar a grave deficiência do sistema normativo vigente, que não oferece acesso ao STJ para controlar decisões de Juizados Especiais Estaduais contrárias à sua jurisprudência dominante em matéria de direito federal, permitindo que tais Juizados, no âmbito de sua competência, representem a palavra final sobre a interpretação de lei federal.
3.Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg na Rcl 2704/SP, Primeira Seção do STJ, Relator Min. Teori Albino Zavascki, j. 12.03.2008, DJe 31.03.2008)
PROCESSO CIVIL – RECLAMAÇÃO – SERVIÇOS DE TELEFONIA – INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DA ANATEL – TARIFA DE ASSINATURA MENSAL – LIMINAR CONCEDIDA – RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1.A reclamação é recurso procedimental excepcional, só admitido quando a competência do STJ é desrespeitada ou foi usurpada.
2.Já está pacificado no âmbito deste STJ a inexistência do litisconsórcio passivo necessário entre a ANATEL e as concessionárias de telefonia.
3.Acórdãos proferidos pela 1ª e 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Fortaleza/CE que afrontam decisões prolatadas pela Primeira Seção desta Corte.
4.Reclamação julgada procedente. (Rcl 2547/CE, Primeira Seção do STJ, Relatora Minª. Eliana Calmon, j. 09.04.2008, Dje 29.09.2008)
Depreende-se que os dois julgamentos retro relatados foram proferidos no intervalo de um mês apenas, com entendimentos diversos. Por isso, presume-se que a questão não é pacífica no âmbito do STJ.
Contudo, em agosto de 2009 tivemos conhecimento da seguinte decisão, proferida pelo STF:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO ÀS CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. RECLAMAÇÃO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CABIMENTO EXCEPCIONAL ENQUANTO NÃO CRIADO, POR LEI FEDERAL, O ÓRGÃO UNIFORMIZADOR. 1. No julgamento do recurso extraordinário interposto pela embargante, o Plenário desta Suprema Corte apreciou satisfatoriamente os pontos por ela questionados, tendo concluído: que constitui questão infraconstitucional a discriminação dos pulsos telefônicos excedentes nas contas telefônicas; que compete à Justiça Estadual a sua apreciação; e que é possível o julgamento da referida matéria no âmbito dos juizados em virtude da ausência de complexidade probatória. Não há, assim, qualquer omissão a ser sanada. 2. Quanto ao pedido de aplicação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, observe-se que aquela egrégia Corte foi incumbida pela Carta Magna da missão de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional, embora seja inadmissível a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais. 3. No âmbito federal, a Lei 10.259/2001 criou a Turma de Uniformização da Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão da turma recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a provocação dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela citada Turma de Uniformização. 4. Inexistência de órgão uniformizador no âmbito dos juizados estaduais, circunstância que inviabiliza a aplicação da jurisprudência do STJ. Risco de manutenção de decisões divergentes quanto à interpretação da legislação federal, gerando insegurança jurídica e uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz para resolvê-la. 5. Embargos declaratórios acolhidos apenas para declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional. (RE 571572 ED/BA – Bahia – Emb. Decl. no Recurso Extraordinário, Tribunal Pleno do STF, Relatora Minª. Ellen Gracie, j. 26.08.2009)
Relevante reparar que a decisão proferida pelo STF é bem posterior àquelas proferidas pelo STJ, razão pela qual este editou a Resolução nº 12, publicada em 14 (catorze) de dezembro de 2009, a qual dispõe sobre o processamento das reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do STJ.
V.CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO PARA O STJ, DAS DECISÕES PROFERIDAS PELAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS
Perpassados os itens introdutórios, relevante destacar que é cabível a reclamação para o STJ, na hipótese de decisão proferida pelas turmas recursais dos juizados estaduais, em virtude da edição, pelo próprio STJ, da Resolução nº 12, de 14.12.2009. Referida resolução foi editada em virtude da decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal nos Edcl no RE nº 571.572-8/BA, referida anteriormente.
No entanto, ainda que não fosse editada a referida resolução, nosso entendimento é de que caberia a reclamação para o STJ, contra decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais estaduais. Senão vejamos.
Em primeiro lugar, nos parece de uma clareza solar o disposto no art. 105, I, f, da Constituição da República, o qual reproduzimos:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
(...)
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
Por outro lado soa bastante paradoxal a existência de um tribunal superior, cuja função precípua é "zelar pela uniformização do direito infraconstitucional", que não possuísse competência para controlar decisões proferidas pelos juizados especiais estaduais totalmente divorciadas da sua pacífica jurisprudência, bem como em total desacordo com a lei infraconstitucional.
Não é demais lembrar, ainda, que toda a sociedade clama por segurança jurídica. Nesse sentido, destaca-se brilhante lição de Marisa Ferreira dos Santos e Ricardo Cunha Chimenti [04]:
O § 4º do art. 14 da Lei n. 10.259/2001 confere ao STJ competência para julgar um tipo de incidente de uniformização: o decorrente de decisão proferida pela Turma Nacional de Uniformização que contrariar sua súmula ou jurisprudência dominante, conforme será analisado adiante.
Novamente entra em cena o princípio da segurança jurídica.
A Lei n. 10.259/2001 instituiu um sistema especial, mas não uma justiça especial, separada da Justiça Federal. E o § 4º referido reflete perfeitamente a intenção do legislador: a par de dar celeridade às causas que especifica, quis também dar uniformidade de tratamento às decisões judiciais. Não faria sentido que a Turma Nacional de Uniformização decidisse, nas causas de competência dos Juizados Especiais, de uma forma, e, nas mesmas questões de direito material, porém submetidas ao procedimento comum, a jurisprudência do STJ desse tratamento diverso. Estar-se-ia diante de situações idênticas, com resposta judicial diferente, acentuando desigualdades sociais, o que a CF não admite (v. itens 45.5 e 45.6).
No âmbito estadual não há, por ora, incidente de uniformização junto ao STJ, porém em julgado de 2008 (Agravo Regimental na Reclamação n. 2.704) o Min. Teori Zavascki sugere a aplicação analógica do § 4º do art. 14 da Lei n. 10.259/2001 caso a decisão da Turma Recursal estadual seja contrária à jurisprudência daquele tribunal superior. Ao julgar, em 2009, os Embargos de Declaração no RE 571.572 o STF reconheceu que cabe Reclamação ao STJ quando a decisão de Turma Recursal desconsiderar a interpretação dada a lei federal por aquele Tribunal Superior."
Partindo da lição acima, mostra-se inconcebível que haja julgamentos distintos para uma mesma questão, na hipótese de ser submetida perante o juizado especial estadual, do que se fosse submetida ao juízo comum, haja vista que neste é possível chegar-se ao STJ, enquanto que através do juizado especial não há esta possibilidade.
O terceiro fundamento para o cabimento da reclamação é a utilização, por analogia, do disposto no § 4º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001.
Com efeito, em que pese inexistir nos juizados especiais estaduais a denominada Turma de Uniformização, deve-se valer da reclamação para que o STJ reveja a decisão que foi contrária a sua jurisprudência dominante, sob pena, inclusive, de violar-se o princípio da igualdade insculpido no art. 5º, caput, da Constituição Federal.
Não é demasiado afirmar, também, que a não apreciação da reclamação, contra decisão de turma recursal dos juizados especiais estaduais, viola o disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, uma vez que para aqueles que ingressam com ação cuja competência é dos juizados especiais federais é possível a apreciação da matéria até pelo STJ, após julgamento realizado pela Turma de Uniformização.
Nesses termos, não há dúvidas no sentido de que cabe reclamação para o STJ quando a decisão da turma recursal dos juizados especiais estaduais contrariar súmula ou jurisprudência dominante deste tribunal superior.
VI-DO PROCEDIMENTO
A seguir abordam-se alguns requisitos necessários para viabilizar a Reclamação ao STJ contra decisão proferida pelas Turmas Recursais Estaduais.
VI.1 PETIÇÃO INICIAL
Quanto ao procedimento para ingressar-se com a reclamação, com o objetivo de extirpar do mundo jurídico decisão proferida pelas turmas recursais dos juizados especiais estaduais, importante atentar para o que dispõe o Regimento Interno do STJ e, também, a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de 2009.
Conforme salientado anteriormente, a reclamação é procedimento cujo julgamento é de competência originária do Superior Tribunal de Justiça, consoante dispõe o art. 105, I, f, da Constituição Federal.
Assim, nos parece que o procedimento inicial se dá através de petição inicial, obedecidos os requisitos dos artigos 282 e seguintes do Código de Processo Civil.
Aliás, nos parece que outra interpretação não há, em face do disposto no parágrafo único do artigo 187 do Regimento Interno do STJ, o qual dispõe:
Art. 187. (...)
Parágrafo único. A reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal e instruída com prova documental, será autuada e distribuída ao relator da causa principal, sempre que possível.
Na mesma senda, o § 1º do art. 1º da Resolução nº 12/09 do STJ assevera que "a petição inicial será dirigida ao Presidente" do STJ.
VI.2PRAZO E PREPARO
Relevante observar que há prazo para interposição da reclamação, contra decisão proferida por turma recursal dos juizados especiais estaduais.
Com efeito, o art. 1º, da Resolução nº 12/09, do STJ, prevê que a reclamação deverá ser oferecida no prazo de quinze (15) dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, ou seja, contados da intimação [05].
O mesmo art. 1º, in fine, dispõe que o oferecimento da reclamação prescinde de preparo.
Embora sedimentado o prazo através de resolução, ousamos discordar do mesmo, embora tenhamos que obedecê-lo.
Com efeito, a reclamação para o STJ funciona, no caso ora estudado, como verdadeira ação rescisória, ainda que esta não esteja prevista no rito dos juizados especiais estaduais.
Assim, entendemos que o prazo poderia ser aquele previsto para o ingresso de ação rescisória, qual seja, dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 495, do Código de Processo Civil.
Ressalvado o entendimento particular exposto, mostra-se bastante razoável o prazo de quinze dias, haja vista que o interesse da parte prejudicada é obstruir o cumprimento de decisão contrária à orientação do STJ.
Em outras palavras, se o interessado esperasse até dois anos para oferecer a reclamação, é muito provável que já tivesse cumprido a decisão que pretende impugnar.
VI.3 CONCESSÃO DE LIMINAR E ABRANGÊNCIA
Tratando-se de verdadeira ação, entendemos, também, que é possível realizar pedido de tutela antecipada, a fim de suspender-se o ato impugnado e, estando presentes os requisitos do art. 273, do CPC, é possível a suspensão, pelo relator, do ato impugnado. Nesse sentido interessante decisão do STJ:
RECLAMAÇÃO – DECISÃO SUSPENSIVA DO ATO IMPUGNADO – AGRAVO REGIMENTAL – IMPROVIMENTO.
Presentes fortes indícios de afronta à autoridade de decisão proferida por esta Corte, deve ser suspenso o ato impugnado. Agravo improvido. (AgRg na Rcl 1383/BA, Segunda Seção do STJ, Relator Min. Castro Filho, j. 10.12.2003, DJ 02.02.2004)
Corroborando o entendimento acima transcrito, a Resolução nº 12/09,, em seu art. 2º, I, previu a possibilidade de concessão de liminar para "suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia".
O interessante é que a medida liminar poderá ser concedida de ofício pelo relator. Destaca-se o teor do inciso I do art. 2º da Resolução nº 12/09:
Art. 2º. Admitida a reclamação, o relator:
I – poderá, de ofício ou a requerimento da parte, presentes a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de dano de difícil reparação, deferir medida liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, oficiando aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, a fim de que comuniquem às turmas recursais a suspensão;
Sendo certa a possibilidade de concessão de liminar, outro ponto de destaque é sua abrangência, isto é, a concessão de liminar em apenas um caso poderá paralisar o andamento de todos os processos, em todo o território nacional, que tenham o mesmo objeto [06].
Em síntese, a concessão de liminar contém eficácia erga omnes.
VI.4 CONTRADITÓRIO
Embora a Resolução nº 12/09, do STJ, não tenha previsto expressamente a citação da parte adversa, nos parece evidente a possibilidade de instaurar-se o contraditório e a ampla defesa.
Tal afirmação decorre dos dispositivos da própria Resolução nº 12/09, haja vista que a mesma prevê, após admitida a reclamação, será dada ampla publicidade para dar ciência aos interessados para se manifestar, querendo, no prazo de trinta dias (art. 2º, III).
Por sua vez, o relator poderá, acaso entenda necessário, dar vistas dos autos ao Ministério Público para parecer (art. 3º).
Nesses termos, não há dúvidas acerca da possibilidade do contraditório na reclamação em exame.
VI.5 OUTRAS QUESTÕES RELEVANTES
A exemplo do disposto no art. 557, do Código de Processo Civil, a reclamação será decidida de plano se "manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicada, em conformidade ou dissonância com decisão proferida em reclamação anterior de conteúdo equivalente", após realizado, pelo relator, prévio exame de admissibilidade, nos termos do art. 1º, §§ 1º e 2º, da Resolução nº 12/09. Seguindo o disposto no art. 6º desta resolução, não caberá recurso da decisão que decidir a reclamação de plano [07].
Outra questão é a possibilidade de terceiros interessados intervirem na reclamação, inclusive podendo produzir sustentação oral quando do julgamento da reclamação [08].
Após a lavratura do acórdão proferido na reclamação, cópia do mesmo será enviada "aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, bem como ao presidente da turma recursal reclamada", nos termos do art. 5º, da Resolução nº 12/09, do STJ.
Por fim, o reclamante poderá ser condenado nas penas de litigância de má-fé, cuja multa não será excedente a um por cento do valor da causa principal, consoante prevê o art. 7º, da Resolução nº 12/09, do STJ [09].