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Presunção de enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa

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Agenda 02/03/2011 às 17:12

6 PRESUNÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Os fatos presumidos independem de prova para que a Ação proposta seja apreciada pelo juiz, mas não significa que nada deverá ser provado, pois a presunção, além de relativa (admite prova que a afaste), parte de um determinado fato provado para conferir a suposta existência de outro (presumido).

6.1 Da prova

Provar, na sistemática do processo civil, diz respeito à atividade desenvolvida pelas partes no processo, com o objetivo de trazer para os autos informações que demonstrem a veracidade de suas alegações. Nesse contexto, a prova pode ser definida como "a soma dos fatos produtores da convicção, apurados no processo" (SANTOS, 1999, p. 329).

6.1.1 Aspectos gerais

A norma jurídica é um comando abstrato que tem como objetivo regular o comportamento humano para que a vida em sociedade seja organizada e, neste sentido, incidirá apenas quando um fato da vida se adequar a ela. Assim, mediante a necessidade de intervenção jurisdicional, o processo será o instrumento hábil para buscar a tutela estatal (WAMBIER, 2008).

Todavia, para que o juiz proceda ao julgamento da lide é necessário que ele tenha conhecimento dos fatos que se amoldam à norma.

À demonstração dos fatos descritos no processo dá-se o nome de prova, cujo objetivo é a busca da verdade para posterior convencimento do juiz.

Segundo Marinoni e Arenhart (2008, p. 251):

A idéia de prova evoca, naturalmente, e não apenas no processo, a racionalização da descoberta da verdade [...]. Também o juiz, no processo (de conhecimento), tem por função precípua a reconstrução dos fatos a ele narrados, aplicando sobre estes a regra jurídica abstrata contemplada pelo ordenamento positivo; feito esse juízo de concreção da regra aos fatos, extrai-se a consequência aplicável ao conflito, disciplinando-o na forma como preconizada pelo legislador (MARINONI; ARENHART 2008, p. 251).

A interpretação do Direito é efetuada mediante a análise da situação fática trazida ao conhecimento do juiz, portanto, as partes (autor e réu) têm a obrigação de demonstrar os fatos alegados que permitem a aplicação de determinada norma. Um dos princípios essenciais do processo é a função de buscar a verdade substancial.

A prova tem como objeto os fatos controvertidos, pertinentes e relevantes para o processo e, por sua vez, os elementos trazidos ao processo para orientar o juiz na busca da verdade são chamados de meios de prova.

Giovanni Verde resume os elementos probatórios como: "todos aqueles instrumentos na base dos quais se pode fixar a hipótese à qual a norma torna possível implicar os efeitos jurídicos pretendidos". (MARINONI; ARENHART, 2008, p. 263).

Ainda acerca da prova, os mesmos autores complementam que:

[...] a prova não se destina a provar os fatos, mas sim a afirmação de fatos [...]. É a alegação do fato que, em determinado momento, pode assumir importância jurídico-processual e, assim, assumir relevância a demonstração da veracidade da alegação do fato (MARINONI; ARENHART, 2008, p. 263).

Quanto à prova dos atos de improbidade administrativa, observam Ferraz e Benjamin (1995):

Um dos grandes e tormentosos problemas relativos à repressão dos atos de improbidade administrativa é o da sua prova. É quase impossível romper o vínculo de cumplicidade naturalmente existente entre corruptor ativo e passivo. Depois, a sofisticação das relações comerciais, as "brechas" facilmente encontradas no sistema de escrituração fiscal ou contábil, a proliferação de bancos, a possibilidade de remessa de recursos financeiros para o exterior, o sigilo bancário, tudo isso torna muito difícil demonstrar o ato de corrupção específico e concreto que deu origem ao ganho patrimonial ilicitamente obtido pelo agente público.

Apesar de facultativa, a investigação dos atos ímprobos é decisiva para o ajuizamento da persecução judicial. É o que será analisado a seguir.

6.1.2 Investigação preliminar

Para proceder à apuração dos indícios de improbidade administrativa, o Ministério Público poderá valer-se, facultativamente, do inquérito civil, inquérito policial, procedimento administrativo, relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), relatórios de auditorias e inspeções do Tribunal de Contas. No entanto, o primeiro é o meio mais utilizado para a colheita de provas.

A possibilidade de investigação dos atos ímprobos encontra-se prevista no artigo 22 da Lei de improbidade administrativa, in verbis:

Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo (BRASIL, 1992).

Segundo Fazzio Jr. (2008, p. 219):

O inquérito civil, no âmbito da persecução aos atos de improbidade administrativa, é procedimento administrativo de caráter investigatório, cujo objetivo é coletar subsídios para a ação civil destinada a responsabilizar os autores de atos de improbidade, eventualmente promover o ressarcimento do erário lesado ou a recuperação de produtos de enriquecimento ilícito e, de forma geral, vindicar a aplicação das sanções estipuladas na Lei n° 8.429/92.

Sobre o inquérito civil, Martins Jr. (2010) destaca que:

Para instruir a ação civil pública o Ministério Público poderá valer-se, não obrigatoriamente, de instrumentos de investigação do fato, de natureza inquisitiva, visando apurar materialidade e autoria, que são o inquérito civil (inclusive a requisição de exames, perícias, documentos, informações, certidões) e procedimentos sob sua direção (art. 8º da Lei Federal 7.347/85, Lei Federal 8.625/93, arts. 25 inc. IV e 26 inc. I), o inquérito policial e o procedimento administrativo (art. 22 da Lei Federal 8.429/92), instaurados de ofício, a requerimento de qualquer pessoa, ou mediante representação de autoridade administrativa.

Por se tratar de ação com rito ordinário, o titular poderá valer-se de qualquer espécie de prova admitida no processo civil, podendo, inclusive, requerer a produção antecipada de provas em ação cautelar preparatória. O que importa é a submissão das mesmas ao contraditório e à ampla defesa para que sejam acolhidas em juízo.

Acerca do valor probatório das provas colhidas no inquérito civil, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 849841?MG, manifestou que:

PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INQUÉRITO CIVIL: VALOR PROBATÓRIO.

1. O inquérito civil público é procedimento facultativo que visa colher elementos probatórios e informações para o ajuizamento de ação civil pública.

2. As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório.

3. A prova colhida inquisitorialmente não se afasta por mera negativa, cabendo ao juiz, no seu livre convencimento, sopesá-las, observando as regras processuais pertinentes à distribuição do ônus da prova.

4. Recurso especial provido igual ao inicio da referencia. (BRASIL, 2007, grifo nosso)

Quanto à prova dos atos ímprobos, bem coloca Martins Jr. (1996):

Em regra, não é tarefa fácil a prova de ato de improbidade administrativa, qualquer que seja a sua modalidade. Denúncias da imprensa, anônimas, de cidadãos, ou de políticos, na maioria das vezes, são destituídas de provas firmes, e até de indícios, de improbidade administrativa, não obstante se apresentem graves e exigentes de justa e imediata resposta social. A lei oferece meios próprios para investigação da improbidade administrativa, e o ordenamento jurídico positivo a completa com outros meios, para que os co-legitimados do art. 17 promovam a ação visando a aplicação das penalidades previstas no art. 12 [...]. Entretanto, frise-se que o inquérito civil, o inquérito policial e o procedimento administrativo são meras faculdades, dispensáveis e prescindíveis se o Ministério Público possuir elementos probatórios de convicção da prática de improbidade administrativa, como depoimentos, documentos, laudos, enfim, provas lícitas. A ação civil pública de improbidade administrativa de modo algum subordina-se a prévia conclusão ou instauração de inquérito civil, policial ou procedimento administrativo.

Na Lei de Improbidade Administrativa, para a demonstração da prática do ato ímprobo que gerou a vantagem patrimonial indevida, basta a comprovação do enriquecimento incompatível com a renda percebida para sujeitar o agente às suas penalidades.

No entanto, a questão remete ao ônus da prova, instituto este que tem provocado muita polêmica dentro deste contexto. É o que será analisado a seguir.

6.1.3 Ônus probatório

No aspecto jurídico, o ônus probatório é um imperativo do próprio interesse, uma espécie de faculdade e, de acordo com Badaró (2003, p. 168), "trata-se de uma posição jurídica ativa, onde não há posição contrária (contraposta) e sequer sanção em caso de descumprimento [...]. É um encargo a ser desincumbido pelo próprio sujeito ativo (e em seu proveito)".

Questões de fato que se apresentam incertas no processo dão abertura para que o juiz faça uso de técnicas capazes de resolver a questão. De acordo com o entendimento de Cintra, Dinamarco e Grinover (2005, p. 359), o juiz teria como alternativas:

[...] a) ou ele prescinde de resolver aquela questão de fato, b) ou insiste em resolvê-la. A primeira opção importaria em deixar o juiz de decidir a causa, pronunciando o non liquet (que não é admissível no direito moderno), ou em decidi-la de maneira tal que não exigisse a resolução daquela questão de fato (de que seriam exemplos o julgamento por sorteio e o julgamento salomônico). A segunda opção implica: a) o adiamento do problema, através da prolação de uma decisão provisória (no estado do processo), b) ou o uso de um meio mecânico de prova, necessariamente decisório (como o duelo ou o juramento); c) ou, enfim, o emprego das regras da distribuição do ônus da prova (grifo nosso).

O Código de Processo Civil Brasileiro acolheu a última hipótese elencada pelos autores acima e, assim, previu a distribuição do ônus probatório nos incisos do artigo 333, in verbis:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

A regra distribui o ônus da prova entre as partes e, segundo Marinoni e Arenhart (2008, p. 266), "funda-se na lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou extinção".

No entanto, a produção da prova não é obrigatória, como destacam os mesmos autores acima:

Na verdade, o ônus da prova indica que a parte que não produzir prova se sujeitará ao risco de um resultado desfavorável. Ou seja, o descumprimento desse ônus não implica, necessariamente, um resultado desfavorável, mas o aumento do risco de um julgamento contrário, uma vez que [...], certa margem de risco existe também para a parte que produziu a prova. A idéia de ônus da prova não tem o objetivo de ligar a produção da prova a um resultado favorável, mas sim o de relacionar a produção da prova a uma maior chance de convencimento do juiz (MARINONI; ARENHART, p. 269, grifo nosso).

Para alguns autores, a regra trazida pelo Código de Processo Civil não é tão rígida, pois deve levar em conta, principalmente, a situação fática. É este o entendimento de Marinoni e Arenhart (2008, p. 268):

A exigência de convencimento varia conforme a situação de direito material e, por isso, não se pode exigir um convencimento unitário para todas as situações concretas. Como o convencimento varia de acordo com o direito material, a regra do ônus da prova também não pode ser vista sempre do mesmo modo, sem considerar a dificuldade de convicção própria ao caso concreto.

Feriani (2000, p. 250), complementa que:

No processo civil, mesmo existindo as regras do art. 333 com atribuição de ônus a cada uma das partes, é importante o empenho de ambas com relação à prova e à contra-prova, uma vez que se o juiz ficar em dúvida, perderá a causa aquele que deveria provar para convencê-lo a respeito da verdade.

Portanto, o ônus probatório é distribuído com o propósito de que, ao longo do processo, visando à vitória na causa, a parte que produziu a prova crie no espírito do juiz a convicção de julgar a seu favor. O juiz deverá julgar conforme as provas produzidas, daí decorre o encargo (ônus) de provar os fatos alegados (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2005).

O inciso VII, do artigo 9°, da Lei de Improbidade Administrativa não prevê com clareza a quem cabe provar a origem do enriquecimento ilícito desproporcional. Em razão disso, surgiram entre os doutrinadores três correntes que explicam a quem caberia o ônus probatório da origem do patrimônio desproporcional à renda do agente público.

Uma primeira corrente, tradicionalista, defende que cabe ao autor da ação por improbidade provar que a evolução patrimonial desproporcional à renda do agente público decorreu da prática de ato ímprobo. Portanto, a regra prevista no Código de Processo Civil deve ser aplicada, ipsis litteris, uma vez que o princípio da presunção de inocência estende-se à ação por improbidade administrativa.

A segunda corrente entende que o inciso VII, do artigo 9°, da Lei 8429/92, prevê clara inversão do ônus da prova, ou seja, neste caso, o agente público é que seria responsável pela prova de que, mesmo desproporcional à sua renda, o patrimônio amealhado não decorreu de ato de improbidade administrativa.

Por fim, uma terceira corrente, que tem como expoente Wallace Paiva Martins Júnior, defende que há neste caso uma espécie de presunção relativa de enriquecimento ilícito.

As três correntes acima mencionadas serão estudadas a seguir.

6.1.3.1Regra geral

Com fulcro na regra prevista no artigo 333, do Código de Processo Civil, os defensores do primeiro posicionamento entendem que cabe ao autor da ação provar que o enriquecimento ilícito do agente público decorreu da prática de determinado ato ímprobo.

Portanto, para que seja possível a incidência do dispositivo previsto no inciso VII, do artigo 9°, da Lei 8429/92, faz-se necessária a prova de que o aumento patrimonial do agente público deu-se por causa ilícita. Entretanto, esta causa deve ser decorrente do uso indevido da função pública, pois a norma em questão tutela a probidade administrativa (PAZZAGLINI FILHO; ROSA; FAZZIO Jr., 1999).

Os mesmos autores acima afirmam que o inciso VII, do artigo 9º, é uma extensão do caput que, ao conceituar o enriquecimento ilícito, refere-se à vantagem patrimonial indevida em razão do exercício da função pública. Ou seja, deve haver um nexo causal entre o acréscimo patrimonial do agente e a conduta ilícita por ele praticada no exercício da função pública.

Neste sentido, cabe ao autor da ação por improbidade a prova do nexo causal entre o acréscimo patrimonial e a conduta ilícita.

É o que argumenta Fazzio Jr. (2008, p. 110):

O Ministério Público ou quem, eventualmente, promover a competente ação civil de improbidade, tem o ônus de especificar e provar o ato de improbidade causador do enriquecimento indevido do agente público. Portanto, o que ainda existe é o enriquecimento sem causa conhecida, e não o mero enriquecimento sem causa; vale dizer, há que ficar demonstrada a ilicitude da causa do enriquecimento ou não se poderá presumir sua origem antijurídica. [...] Tal prova, na ação civil de improbidade, cabe fazê-la o Ministério Público ou a pessoa jurídica autora, dado que, na lei n° 8429/92 ou na sua subsidiária instrumental, nenhuma previsão há de transferência do ônus probatório (FAZZIO Jr., 2008, p. 110).

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Figueiredo(1999, p. 70) salienta que cabe ao Estado a comprovação da ilicitude do enriquecimento, pois, "em síntese, o dispositivo não afasta a necessidade de demonstração, pelo Estado, da ilicitude ou desproporção das aquisições dos bens ou rendas tidas por ‘atos de improbidade’".

Consoante com esse entendimento, leciona Moraes (apud FAZZIO Jr., 2008, p. 113) que "há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal".

Para esta corrente, o princípio da presunção de inocência, comumente invocado na seara penal, norteia o entendimento de que ônus probatório pertence exclusivamente ao autor da ação.

A Constituição Federal prevê, no inciso LVII, do artigo 5°, que:

Art. 5° [...]

[...]

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

A presunção de inocência ocupa status de direito sagrado, conforme o entendimento de Gomes Filho (1991, p. 9-11):

O apelo à Presunção de Inocência como direito natural, inalienável e sagrado do homem, surgiu como resposta às exigências iluministas, que partiam da premissa de que era preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente. Em última instância, clamava-se pela substituição do procedimento inquisitório do ancien régime por um processo penal que assegurasse a estrita legalidade das punições, bem como a igualdade entre a acusação e a defesa.

O princípio da presunção de inocência é um dos pilares que sustentam o Estado Democrático de Direito e mantém estreitas relações com o princípio da isonomia. No bojo da ação penal, não pode haver precipitação ao decidir o futuro do réu e, se houver dúvidas a respeito dos fatos ou provas, a máxima in dubio pro reo deverá prevalecer.

O inciso que remete ao princípio da presunção de inocência foi inserido na Constituição Federal como forma de preservar a dignidade da pessoa humana, para que esta não se torne objeto de perseguição estatal, ou vítima de quem ostenta o poder persecutor (MATTOS, 2010).

Segundo entendimento de Osório (2008):

As regras e princípios de natureza penal são aplicáveis, por simetria e analogia, com matizes, ao Direito Administrativo Sancionador, considerado o regime jurídico incidente na matéria. A equação de responsabilidades penal e de improbidade, em se tratando de ilícitos contra a Administração Pública, pode ter um desfecho unitário, dependendo da relação que houver entre os ilícitos e os tipos em jogo. Cada vez mais, há uma tendência em se aquilatar a chamada unicidade do ilícito, o que suscita a importância de conhecimentos interdisciplinares nos campos do Direito Penal e do Direito Administrativo Sancionador, porque tais áreas transitam por fronteiras crescentemente contíguas e não raro mescladas.

O referido princípio atua como limitador da acusação penal ou administrativa, que deve ser provada através de elementos sérios de convicção pelo autor da ação, não competindo ao acusado demonstrar a sua inocência (MATTOS, 2010).

O Supremo Tribunal Federal manifestou-se, no julgamento do HC nº 73.338/RJ, sobre a presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo:

Nenhuma acusação pessoal presume-se provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao MP comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência. (BRASIL, 1996)

"Nesse ponto, resulta do princípio da presunção de inocência que não pode existir, como regra, inversão do ônus da prova em processo tendente à imposição de sanções e restrições de direitos" (FAZZIO Jr, 2008, p. 113).

Para a configuração do ato de improbidade capitulado no inciso VII, do artigo 9°, da Lei 8429/92, é necessário, para esta corrente, que o autor da ação civil por improbidade comprove que a evolução patrimonial do agente é incompatível com sua condição de servidor público, que este se portou de forma ilícita ou abusiva e que esse comportamento foi a causa do seu enriquecimento desproporcional.

6.1.3.2 Inversão do ônus probatório

Em casos específicos, a responsabilidade pela produção da prova poderá recair sobre a parte determinada por lei ou, até mesmo, sobre aquela que tiver mais facilidade ou melhores condições para produzi-la. A inversão do ônus da prova torna-se, por conseguinte, um importante instrumento para a solução de determinadas lides.

Segundo Marinoni (2006), "existem situações de direito substancial que exigem que o convencimento judicial possa se formar a partir da verossimilhança do direito sustentado pelo autor".

O mesmo autor acrescenta que:

Da mesma forma que a regra do ônus da prova decorre do direito material, algumas situações específicas exigem o seu tratamento diferenciado. Isso pelo simples motivo de que as situações de direito material não são uniformes. A suposição de que a inversão do ônus da prova deve estar expressa na lei está presa à idéia de que qualquer incremento do poder do juiz deve estar definido na legislação, pois de outra forma estará aberta a possibilidade de o poder ser utilizado de maneira arbitrária (MARINONI, 2006).

Sobre as reais possibilidades de as partes produzirem prova, o entendimento de Marinoni e Arenhart (2008, p. 274) caminha no sentido de que:

Quando se inverte o ônus, é preciso supor que aquele que vai assumi-lo terá a possibilidade de cumpri-lo, pena de a inversão do ônus da prova significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus. Nessa perspectiva, a inversão do ônus da prova somente deve ocorrer quando o réu tem a possibilidade de demonstrar a não existência do fato constitutivo.

O projeto que deu origem à Lei 8429/92 foi alterado para incluir, de forma expressa, a inversão do ônus da prova para os casos de enriquecimento ilícito desproporcional à renda, mas, na reanálise do projeto, a Câmara Federal não aprovou a referida alteração, como observa Franco Jr. (2001): "O projeto inicial da lei de improbidade previa, expressamente, a regra de inversão do ônus da prova em tais casos. Caberia ao agente, assim, demonstrar a licitude das aquisições ou gastos".

No entanto, o fato de a Câmara dos Deputados ter suprimido o dispositivo que o explicitava não é suficiente para entendimento contrário, pois a mens legis sempre prevalece sobre a mens legislatoris e é do texto legal que se deve extrair os fatos e elementos que devem ser objeto de prova pelo autor da ação. E diante da redação da lei, o autor estará obrigado apenas a demonstrar a desproporção entre o patrimônio e a renda do agente público (FERRAZ; BENJAMIN, 1995).

É este também o entendimento de Gomes (apud SAMPAIO, 2002, p. 267-268), ao acrescentar que "após a prova da aquisição de bens cujo valor seja desproporcional à evolução patrimonial do réu, caberá a este a demonstração da licitude do seu enriquecimento".

O mesmo entendimento é compartilhado por Meirelles (2006, p. 504):

Dentre os diversos atos de improbidade administrativa, exemplificados nessa lei, o de "adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou renda do agente público" (art. 9°, VII) merece destaque, dado seu notável alcance, pois inverte o ônus da prova, sempre difícil para o autor da ação em casos como o descrito pela norma. Nessa hipótese, quando desproporcional, o enriquecimento é presumido como ilícito, cabendo ao agente público a prova de que ele foi lícito, apontando a origem dos recursos necessários à aquisição (grifo nosso).

A inversão do ônus da prova, para esta segunda corrente funda-se na dificuldade que tem o autor da ação, nestes casos, de provar a visível desproporção do patrimônio e a renda do agente. Argumentam que entendimento diverso tornaria letra morta o dispositivo, uma vez que, se fosse necessário provar também o fato específico de corrupção que originou a vantagem indevida, esta modalidade já estaria certamente prevista em algum outro dispositivo da lei de improbidade (FERRAZ; BENJAMIN, 1995).

A inversão do ônus probante tem previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (BRASIL, 1990, grifo nosso)

Conforme Marinoni e Arenhart (2008, p. 275-277), o inciso em questão "indica os pressupostos para a inversão do ônus da prova nas relações de consumo" e, ao conjugar verossimilhança e inversão do ônus da prova, "está querendo dizer que basta a verossimilhança preponderante, embora chame a técnica da verossimilhança preponderante de inversão do ônus da prova".

Em se tratando de direito consumerista, a regra geral incidente sobre o ônus da produção de provas poderá sofrer alterações a critério do juiz. Neste sentido, o legislador inovou ao facultar ao magistrado determinar, em favor do consumidor, a inversão do ônus da prova, excepcionando a regra geral prevista no art. 333 do Código de Processo Civil.

Quanto à aplicação da inversão do ônus probatório na Ação por improbidade administrativa, Martins (2001, p. 156) afirma que:

As disposições processuais contidas no Código de Defesa do Consumidor podem ser aplicadas por integração à LIA. Assim, uma vez instaurado inquérito civil público que contenha elementos bastantes que não justifiquem a evolução patrimonial do agente, seria possível aplicar a inversão do ônus da prova, podendo o juiz determinar que o réu demonstre a lisura de seu patrimônio. Adverte, porém, que deverá assim proceder em última hipótese, para que seja observado o princípio da proporcionalidade, visando a não ferir os direitos fundamentais do agente público.

Diante da redação do inciso em questão (aquisição de bens cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda), Ferraz e Benjamin (1995) destacam que "estará o autor da ação obrigado a demonstrar apenas a desproporção entre patrimônio e renda do funcionário, é a partir desse ponto que se inverte o ônus da prova".

De acordo com o entendimento de Medeiros (2003, p. 62):

Não visualizamos no inciso VII qualquer afronta à Lei Maior. A Constituição não veda a previsão de inversão do ônus da prova, tanto que no Direito do Consumidor a matéria encontra-se pacificada, não se tendo conhecimento de discussões sérias acerca de sua constitucionalidade.

Consoante com este posicionamento tramita atualmente na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 5581/09 (ANEXO B), de autoria do deputado Fernando Chiarelli, que permite ao juiz inverter o ônus da prova quando houver indícios de enriquecimento ilícito do agente público. O projeto aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça, pois já foi aprovado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público

De acordo com o mentor do projeto, é difícil para o autor da ação por improbidade comprovar a origem de recursos utilizados no aumento ilícito de patrimônio pessoal. Por isso, segundo ele, é necessário autorizar, expressamente, o juiz a inverter o ônus da prova.

6.1.3.3 Dispensa de prova do fato presumido

Embora o sistema de valoração da prova no processo civil contemporâneo seja o do livre convencimento do juiz, existem algumas orientações, de caráter abstrato, que limitam essa liberdade.

Uma dessas orientações diz respeito às normas que estabelecem presunções relativas. Estas isentam a parte de produzir prova do fato presumido e dispensam o juiz de examinar a veracidade de sua afirmação, exceto quando há possibilidade de a parte contrária produzir a respectiva prova.

A presunção é uma maneira de raciocinar que parte de um fato provado para a constituição de outro que realmente interessa para a decisão do conflito (FERIANI, 2000).

Segundo Dinamarco (2002, p. 113):

Presunção é um processo racional do intelecto, pelo qual, do conhecimento de um fato infere-se com razoável probabilidade a existência de outro ou o estado de uma pessoa ou coisa. A experiência pessoal do homem e a cultura dos povos mostram que existem relações razoavelmente constantes entre a ocorrência de certos fatos e a de outros, o que permite formular juízos probabilísticos sempre que se tenha conhecimento daqueles. Daí por que o homem presume, apoiado na observação daquilo que ordinariamente acontece. O momento inicial desse processo psicológico é o conhecimento de um fato-base, ou indício revelador da presença de outro fato. Seu momento final, ou seu resultado, é a aceitação de um outro fato, sem dele ter um conhecimento direto. [...] As presunções não são privilégio dos juristas. Também o homem comum faz suas ilações e comporta-se voluntariamente de acordo com elas, a partir da experiência comum e observação daquilo que ordinariamente conhece. São da sabedoria popular certos pensamentos reveladores dessa realidade, como onde há flano há fogo, ou quem cala consente. Todos sabem que se de algum lugar emana uma fumaça, é porque provavelmente ali está em curso alguma combustão; quando alguém não nega algo afirmado ou proposto por outrem, é bastante provável que esteja de acordo (DINAMARCO, 2002, p. 113, grifo nosso).

A presunção de um fato tem por objetivo facilitar a produção da prova, seja em razão de previsão legal ou a critério do magistrado. No entanto, presunção alguma tem fundamento em um juízo de certeza, pois, a probabilidade existente entre o fato-base e o presumido é apoiada em confiança razoável, e não absoluta.

São duas as espécies de presunção: presunção absoluta (juris et de jure) e presunção relativa (juris tantum).

A primeira tem força tal que, o fato presumido desconsidera qualquer prova contrária. Mas, tanto no direito material, quanto no processual, as presunções absolutas são todas legais, ou seja, não são admitidas as presunções absolutas estabelecidas pelo juiz.

As presunções relativas são aquelas que, dispensam a prova do fato presumido, mas podem ser anuladas em razão da produção de prova contrária. Partindo de um indício de veracidade, o interessado não tem a obrigação de provar o fato relevante para o processo. Estas podem ser de ordem legal ou judicial.

Enquanto a presunção legal encontra-se expressa na lei e é aplicada em todos os casos que se enquadram em suas previsões, a segunda (presunção judicial) decorre de um raciocínio humano, pois parte de um indício para um fato relevante.

Todas as espécies de presunção constituem processos de raciocínio dedutivo que levam à conclusão de que determinado fato ocorreu, quando se sabe que outro haja acontecido (DINAMARCO, 2002).

Quanto ao ônus da prova referente ao enriquecimento ilícito desproporcional, a terceira corrente entende ser aplicável a presunção relativa da origem ilícita do patrimônio do agente público. Mas, por se tratar do objeto de estudo deste trabalho este posicionamento será analisado no último tópico deste capítulo.

6.1.4 Mecanismos de controle do enriquecimento dos agentes públicos

Em razão da previsão da modalidade de improbidade decorrente do enriquecimento desproporcional do agente em comparação com as suas rendas, torna-se necessário o uso de mecanismos que visem a um melhor monitoramento da evolução patrimonial dos agentes públicos (BARBOSA, 2009).

Um dos mecanismos utilizados para verificar a evolução patrimonial do agente público está disciplinado no artigo 13 da lei 8429/92, que prevê a obrigatoriedade da apresentação e atualização anual da declaração de bens que compõem o patrimônio do agente público, sob pena de demissão a bem do serviço público, como segue:

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.

§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.

§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.

§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo. (BRASIL, 1992, grifo nosso)

Essa espécie de controle visa acompanhar a evolução patrimonial dos agentes públicos com o objetivo de avaliar a sua legitimidade, como também tem utilidade para instruir eventual pedido de indisponibilidade de bens.

Por sua vez, a Lei 8730/93 estabelece a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário prevê, no caput do artigo 2°, a abrangência da declaração, in verbis:

Art. 2º A declaração a que se refere o artigo anterior, excluídos os objetos e utensílios de uso doméstico de módico valor, constará de relação pormenorizada dos bens imóveis, móveis, semoventes, títulos ou valores mobiliários, direitos sobre veículos automóveis, embarcações ou aeronaves e dinheiros ou aplicações financeiras que, no País ou no exterior, constituam, separadamente, o patrimônio do declarante e de seus dependentes, na data respectiva. (BRASIL, 1993)

Essa Lei (8730/93) instituiu o controle externo da matéria ao exigir dos agentes públicos nela mencionados a remessa de cópia da declaração de bens ao Tribunal de Contas da União. Consequentemente caberá ao controle interno de cada órgão ou entidade fiscalizar o cumprimento da exigência de entrega das declarações, bem como verificar a compatibilidade entre as variações patrimoniais e os rendimentos declarados.

O artigo 13, da Lei 8429/92, foi regulamentado pelo Decreto 5483/2005, que prevê, no âmbito do Poder Executivo Federal, a competência da Controladoria Geral da União para analisar a evolução patrimonial do agente público, conforme dispõe o caput do artigo 7°, in verbis:

Art. 7º-A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patrimônio, na forma prevista na Lei no 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei no 8.730, de 10 de novembro de 1993 (BRASIL, 2005, grifo nosso).

Esse Decreto, além de regulamentar o artigo 13 da Lei de Improbidade Administrativa, instituiu a sindicância patrimonial, procedimento administrativo investigativo que tem como objetivo a apuração de indícios de enriquecimento ilícito de servidores públicos federais que possuem patrimônios incompatíveis com a renda declarada. Entretanto, a sindicância patrimonial é um procedimento sigiloso investigatório sem caráter punitivo

Também a Lei 9504/97, que estabelece normas para as eleições, prevê no artigo 11, § 1°, IV, a obrigatoriedade de entrega da declaração de bens para o registro da candidatura dos postulantes a cargos eletivos:

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições.

§ 1º O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos:

[...]

IV - declaração de bens, assinada pelo candidato; (BRASIL, 1997).

O caput do artigo 14, da Lei de Improbidade, também assegura a qualquer pessoa o direito de peticionar à autoridade administrativa a instauração de investigação, noticiando fato que possa caracterizar improbidade administrativa:

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. (BRASIL, 1992)

No entanto, muitas vezes, os agentes ímprobos fazem uso de diversos artifícios com o objetivo de manter em sigilo a aquisição de vantagens econômicas indevidas, utilizando para tanto pessoas interpostas (laranjas) e declaração de bens com valores abaixo dos reais (BARBOSA, 2009).

6.2 Presunção de inocência X Supremacia do interesse público

O princípio da presunção de inocência foi legalmente previsto, pela primeira vez, no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França, como segue:

Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei (FRANÇA, 1789).

Em dezembro de 1948, o princípio da presunção de inocência atingiu o cenário mundial após a Assembléia das Nações Unidas editar a "Declaração Universal dos Direitos do Homem". Considerada um dos documentos básicos da Organização das Nações Unidas, esta declaração prevê o princípio em questão no artigo XI, ipsis litteris:

Artigo XI.

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (FRANÇA, 1948)

Por sua vez, o princípio da Supremacia do interesse público tem o objetivo de promover o bem-estar coletivo, pois, a partir do final do século XIX, após um período de transformações sociais, econômicas e políticas, o Direito passou a ser visto como instrumento de garantia dos direitos coletivos e meio apto para a concretização da justiça social.

O individualismo que até então predominava deu lugar a um Estado ativo e garantidor das necessidades coletivas, como preconiza Mello (apud MEIRELLES, 2006, p. 103):

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele [...]. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social.

Os interesses sociais encontram-se acima dos estatais, pois são anteriores a este. Segundo a doutrina de Mello (2006, p. 90), o interesse público propriamente dito, ou primário, "é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à competência do Estado como representante do corpo social".

No Direito contemporâneo, os princípios deixaram seu caráter subsidiário para assumir papel de norma de aplicação imediata à resolução de conflitos.

De acordo com Grau (1990, p. 76) "osprincípiossãonorma jurídica, ao lado dasregras– o que convertenorma jurídicaemgênero, do qualsão espécies os princípioseas regras jurídicas".

O princípio da presunção de inocência é um dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, e como tal, assegura a liberdade e a dignidade humana e deve ser respeitado pelo ordenamento jurídico, como forma de diminuir o poder estatal e evitar a condenação de pessoas inocentes. Deste princípio decorrem algumas consequências, tais como: direito a ampla defesa, duplo grau de jurisdição, direito ao contraditório e inviolabilidade.

Nesse sentido, o princípio da presunção de inocência, como corolário das Constituições Democráticas de Direito, foi inserido no artigo 5º, LVII, da nossa Constituição, com o objetivo de proteger os indivíduos do arbítrio do poder estatal.

A supremacia do interesse público sobre o particular impõe limites aos atos abusivos praticados pelos administradores e tem como razão de ser, a dignidade da pessoa humana, pois o fim visado pelo Estado é o bem-estar da coletividade.

A presunção de inocência é uma garantia que não se limita à esfera penal, como manifestou o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, no julgamento da "Arguição de descumprimento de preceito fundamental" (ADPF) n°144, do Distrito Federal:

[...] a presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, projetando-se para esferas processuais não criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves conseqüências no plano jurídico - ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na própria Constituição, que se formulam, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou, então, que se imponham ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente condenação judicial transitada em julgado. (BRASIL, 2010)

Dessa forma, os princípios que prescrevem a proteção tanto do interesse público quanto do interesse privado devem ser ponderados por meio de um terceiro princípio: da proporcionalidade. Somente assim será possível alcançar resultados satisfatórios em face de um caso concreto (SILVA, 2002).

Os princípios jurídicos são concretizados conforme as condições fáticas e jurídicas, portanto, um mesmo princípio terá diferentes graus de aplicação na resolução de situações da vida cotidiana. O valor conferido a determinado princípio, em uma dada situação fática, poderá ser diverso em outro caso, podendo até ter sua aplicação afastada em determinadas situações.

Cabe ao julgador a aplicação da proporcionalidade a cada caso concreto, uma vez que a ponderação entre os princípios será feita mediante a argumentação jurídica das partes e a análise dos interesses pleiteados.

O uso da ponderação faz com que o raciocínio jurídico do julgador, frente aos argumentos das partes, o leve à resolução do caso concreto mediante a prolação de decisão razoável e coerente com o sistema normativo constitucional, decisão esta capaz de fortalecer e conferir legitimidade à atuação do Poder Judiciário.

6.3 Presunção de enriquecimento ilícito

O posicionamento defendido por uma terceira corrente entende que o inciso VII, do artigo 9°, da lei 8429/92, contém carga normativa que confere uma presunção legal relativa (juris tantum) do enriquecimento ilícito do agente público, mas admite a explicação e a comprovação da legitimidade patrimonial, pois a simples desproporção não pode ser considerada uma espécie de ilícito insuscetível de prova em contrário.

Mostra-se oportuno transcrever o dispositivo supracitado, ipsis litteris:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

[...]

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; (BRASIL, 1992, grifo nosso)

Na primeira hipótese (aquisição de bens desproporcionais à evolução do patrimônio), a aquisição de bens não se justifica pela variação patrimonial, ou seja, o agente não consegue demonstrar que a aquisição de bens originou-se com valores obtidos na alienação de outros bens que já integravam o seu patrimônio. Neste caso, se o agente adquiriu bens com sua renda legítima ou com o resultado da alienação de outros bens já integrantes do seu patrimônio, estará justificada a sua variação patrimonial.

Já a segunda hipótese (aquisição de bens desproporcionais à renda do agente público), diz respeito ao agente público que, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, adquire bens ou direitos de qualquer natureza sem que possua rendimentos de origem comprovada que possam justificar essas aquisições. Como o agente não tem justificativa financeira para a aquisição dos bens pressupõe-se que os seus recursos são de origem ilícita (BARBOSA, 2009).

A vantagem da existência do artigo 9°, inciso VII, para Martins Jr. (2003):

A grande vantagem do art. 9º, inc. VII, é que ele é norma residual para punição do enriquecimento ilícito no exercício de função pública. De fato, se não se prova a prática, ou a abstenção, de qualquer ato de ofício do agente público que enriqueceu ilicitamente, satisfaz o ideário de repressão à imoralidade administrativa provar-se que seu patrimônio tem origem inidônea, incompatível, desproporcional, sendo manifestamente insólito à normalidade da evolução de sua riqueza e absolutamente incongruente com a sua disponibilidade financeira, porque foi construído a partir das vantagens proporcionadas pelo exercício de sua função pública, ou seja, da condição de agente público, bem conhecido o dado sociológico da estrutura das relações do poder político e da autoridade (grifo nosso).

A presunção do enriquecimento ilícito do agente público tem como fundamento a observância do princípio da moralidade administrativa, pois, segundo Ferraz e Benjamin (1995), "é razoável que sobre os agentes públicos pese esse encargo de comprovar a origem lícita de seu patrimônio".

Os mesmos autores acrescentam que:

Sendo assim, deve o servidor saber, desde o momento em que ingressa no serviço público (momento em que fará sua primeira declaração de bens), que a relevância e a responsabilidade de suas funções dele exigirão comportamento exemplar, assim como o ônus de, ao longo de sua vida funcional, demonstrar a licitude da eventual evolução de seu patrimônio. Deve ele saber que se presumirá obtido por meios ilícitos qualquer acréscimo patrimonial que não possa justificar de modo transparente. É o mínimo que se pode exigir de quem está investido numa função pública, zelando pelo interesse social e lidando com o patrimônio de toda a coletividade. Se todas as pessoas devem, em respeito à lei, formar seu patrimônio de forma lícita, com maior razão ainda o funcionário público, que além disso deverá estar sempre apto a demonstrar a regularidade da aquisição de seus bens. Se os acréscimos forem efetivamente lícitos, nenhuma dificuldade enfrentará o funcionário em fazê-lo (FERRAZ; BENJAMIN, 1995, grifo nosso).

Vale ressaltar que não faria sentido a existência do inciso VII do artigo 9º, caso fosse necessário apresentar provas do "fato antecedente", pois, outras condutas já se encontram tipificadas como crimes e ou atos de improbidade administrativa. Portanto, o objetivo desse preceito é justamente permitir que o agente ímprobo demonstre em juízo a idoneidade de sua evolução patrimonial, sob pena de o dispositivo em questão ficar reduzido à condição de "letra morta" da lei.

É desnecessário que o autor da ação de improbidade demonstre qual o ato praticado pelo agente que originou o acréscimo patrimonial desproporcional, portanto, não há que se falar em inversão do ônus da prova, pois, a dissonância entre a evolução patrimonial do agente e a contraprestação que lhe é paga pelo Poder Público é indício veemente de enriquecimento ilícito. Resta ao agente demandado o ônus de provar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos da pretensão do autor e a prova pelo agente de que os bens adquiridos têm origem lícita trata-se de fato impeditivo da pretensão do autor (GARCIA, 2002).

Ainda segundo Garcia:

Acaso fosse exigida a prova dos atos ilícitos que teriam motivado a evolução patrimonial indevida, culminar-se-ia em coroar a perspicácia de ímprobos cujo patrimônio aumenta em progressão geométrica e que possuem atividade extremamente diversificada, o que inviabilizaria a identificação do momento e da forma em que operou o ilícito deflagrador de tal prosperidade (GARCIA, 2002, p. 207).

Essa corrente doutrinária, no sentido de que existe uma presunção de enriquecimento ilícito com inversão do ônus da prova, também é compartilhada por Figueiredo (1995) e Capez (2000).

Para a propositura da Ação por improbidade, com fundamento no inciso VII, do artigo 9°, da lei 8429/92, basta ao autor demonstrar que houve uma evolução patrimonial não justificada pelo agente, em razão deste não possuir rendimentos suficientes ou outras rendas que legitimem essa evolução, pois ninguém aumenta o seu patrimônio sem a obtenção de alguma espécie de recurso (BARBOSA, online, 2009).

Os indícios da ocorrência do enriquecimento, produto do trabalho investigativo, são documentos aptos para instruir a Inicial e, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INQUÉRITO CIVIL: VALOR PROBATÓRIO – REEXAME DE PROVA: SÚMULA 7/STJ

1. O inquérito civil público é procedimento facultativo que visa colher elementos probatórios e informações para o ajuizamento da ação civil pública.

2. As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório.

3. A prova colhida inquisitoriamente não se afasta por mera negativa, cabendo ao juiz, no seu livre convencimento, sopesá-las. [...] (BRASIL, 2003, grifo nosso)

O projeto que deu origem à Lei 8429/92 previa expressamente a inversão do ônus probatório, no entanto, o dispositivo não foi aprovado na votação na Câmara dos deputados. Acerca deste pormenor, observa Martins Jr. (2003) que:

Não obstante a eliminação da regra explícita da inversão do ônus da prova, o texto aprovado não aboliu esse instrumento, porque para o autor da ação, repita-se, basta a prova de que o agente público exercia alguma função pública, e adquiriu bens ou valores incompatíveis e desproporcionais com a evolução de seu patrimônio ou renda, constatação que é feita, segundo o art. 13 da Lei Federal 8.429/92 e a Lei Federal 8.730/93, a partir das informações constantes das declarações de bens prestados por ele próprio, ou de informações patrimoniais ou de rendimentos em seu nome existentes em instituições bancárias, serviços notariais e de registros públicos, repartições públicas, etc., de modo que sempre caberá a ele provar a origem lícita dos recursos empregados na aquisição.

A explicitação da regra pareceu "assustar" os legisladores, embora nada tenha de arbitrária, pois as providências tomadas com fundamento na razoabilidade constituem-se instrumentos válidos e eficazes na tutela do interesse público, e em prol dele é instituída, no combate às complexas e organizadas formas de enriquecimento ilícito no exercício da função pública (FERRAZ; BENJAMIN, 1995).

Sobre a importância da declaração patrimonial e de rendimentos prestadas pelo agente, Martins Jr. acrescenta que:

A exigência da apresentação de bens, e sua atualização anual, nos termos do art. 13 da Lei Federal 8.429/92 e da Lei Federal 8.730/93 (abrangendo não só o agente público, mas outras pessoas como o cônjuge e filhos, e outrem sob sua dependência econômica), proporciona o exercício de um controle permanente e automático da legitimidade do enriquecimento de agentes públicos, pois compete à Administração Pública e ao Tribunal de Contas constatar a licitude do enriquecimento a partir das informações prestadas pelo agente público, de modo que, se cumprida a legislação e levada a sério, os resultados serão profícuos no campo da legitimidade do enriquecimento dos agentes públicos (MARTINS Jr., 2003).

Ao autor da Ação por improbidade basta provar que o agente público, no exercício da função pública, adquiriu bens ou valores incompatíveis e desproporcionais com a evolução de seu patrimônio ou renda, de modo que, ao demandado caberá provar a origem lícita dos recursos empregados na aquisição (MARTINS Jr., 2002).

Segundo Medeiros:

O réu [...] deverá provar que o crescimento de seu patrimônio é sim fruto da natural evolução ou compatível com as rendas obtidas, ou que embora sendo superior, como alegado pelo autor, não tem qualquer relação direta, ou indireta, com a atividade pública desempenhada, podendo ter origem numa herança, do desempenho de atividades empresariais, de profissão liberal, do conjunto da renda familiar, de premiações em sorteios ou loterias, ou, até mesmo, de atividades ilícitas (não relacionadas com o exercício da atividade pública), ainda que seja pouco provável que esta última hipótese seja aventada como tese de defesa (MEDEIROS, 2003, p. 60).

Esse posicionamento encontra apoio na jurisprudência, embora ainda não tenha alcançado status de matéria pacífica. O Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação cível n° 35570-5/0 (ANEXO C), entendeu que o inciso VII, do artigo 9°, da lei 8429/92 prevê que, neste caso, o ato de improbidade é legalmente presumido, como segue:

[...] basta a análise de todos os demais incisos do artigo 9º do referido diploma legal, cada um deles descrevendo a prática de um determinado ato reputado como de improbidade administrativa, para se perceber que o inciso VII excepcionalmente se satisfaz com a aquisição de bens cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou renda do agente público, pouco importando a inexistência de prova da prática de qualquer ato, senão do próprio ato de acumular fortuna sem justa causa. Trata-se, pois, de caso de responsabilidade objetiva, em que é suficiente, para a caracterização da presunção de enriquecimento ilícito, o exame dos chamados sinais de fato exteriores de riqueza – aquisição de bens e movimentação financeira – que conduzam à evidência da evolução desproporcional do patrimônio à renda do agente público, cabendo a este demonstrar a origem lícita de seu patrimônio desproporcional, com inversão do ônus da prova (BRASIL, 2000, grifo nosso).

No corpo do mesmo acórdão, manifestou-se o relator acerca dos documentos colhidos no inquérito e da alegada inépcia da Inicial:

Ao contrário do alegado, os documentos instrutórios da petição inicial são adequados e suficientes para a propositura de uma ação de responsabilização civil de agente público e seus familiares, por suposto enriquecimento durante o exercício de cargos públicos: são provas do exercício dos cargos, do patrimônio dos réus e de seus rendimentos. No caso em exame, sem dúvida elas bastam, embora possam ser passíveis de complementação no correr do processo, com a participação da parte adversa, o que aconteceu, já que a esta sempre foi concedida a oportunidade de falar sobre as novas provas documentais trazidas aos autos. A petição inicial não é inepta, pois preenche todos os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil, contendo os fatos e os fundamentos jurídicos dos pedidos, baseados em elementos colhidos em inquérito civil e em indícios de responsabilidade, elementos que possibilitaram a ampla e irrestrita defesa de todos os apelados. Da descrição fática decorre as conseqüências jurídicas pretendidas pelo autor (BRASIL, 2000, grifo nosso).

Sobre o entendimento manifestado pelo juiz prolator da sentença recorrida, manifestou-se o relator:

Na opinião do douto Magistrado, calcada, aliás, em ensinamentos de respeitáveis doutrinadores, cabe ao autor da ação comprovar, mesmo na hipótese em exame, que o enriquecimento ilícito do agente público decorreu de determinado ato de improbidade praticado no exercício de função pública. Entretanto esse entendimento, "data máxima venia", destoa do texto legal e está em desarmonia com a melhor doutrina aplicável à espécie. Com efeito, a simples leitura revela que o aludido preceito legal presume o enriquecimento ilícito quando houver a aquisição, pelo funcionário público (em sentido lato), de bens cujo valor seja desproporcional à evolução de seu patrimônio ou renda. Nesse caso, o ato de improbidade é legalmente presumido (BRASIL, 2000, grifo nosso).

O aumento injustificado e expressivo do patrimônio, sem a necessidade da demonstração pormenorizada de sua origem, foi suficiente para que o referido Tribunal julgasse pela procedência do recurso interposto, pois salienta o respectivo acórdão que:

[...] a regra do inciso VII do artigo 9º da Lei nº 8.429/92, traduz a responsabilidade objetiva e presume o enriquecimento ilícito – estando implícito o prejuízo ao patrimônio público – quando houver a aquisição de bens cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou renda do agente, independentemente de demonstração do nexo entre os atos de improbidade administrativa e o aumento do patrimônio, provocando a inversão do ônus probatório (BRASIL, 2000, grifo nosso).

Acerca da responsabilidade objetiva e procedência do recurso interposto pela parte autora, assevera o relator:

[...] os réus tiveram extraordinário aumento patrimonial a descoberto, não contestado de modo convincente e de origem não devidamente explicada [...]. Isso tudo foi satisfatoriamente provado pelo autor da ação [...].O fato é que, diante de todos esses elementos, não conseguiram os réus provar a origem lícita de seu enorme patrimônio, sem dúvida desproporcional às suas rendas e às receitas que ganharam. Não lograram justificar de onde vieram os recursos necessários ensejadores do extraordinário aumento patrimonial. [...] dessas circunstâncias todas, emerge clara a presunção de enriquecimento ilícito sem a correspondente prova da origem lícita do desproporcional patrimônio [...]. Pelo exposto, rejeitado o agravo retido [...], dá-se provimento integral ao recurso (BRASIL, 2000, grifo nosso).

Trata-se de norma residual, pois sua finalidade é a punição do agente ímprobo contra o qual não se consiga apontar o ato ilícito original. Todavia, se o enriquecimento do servidor é lícito, para este não haverá dificuldade alguma para provar sua legitimidade, basta demonstrar de onde vieram os recursos financeiros usados na aquisição dos bens ou valores. Portanto, o ônus de provar a licitude, aqui cogitado, não acarreta prejuízo algum ao servidor probo e honesto (BARBOSA, 2009).

Não há que se falar em violação aos direitos fundamentais, por exemplo, a presunção de inocência, pois, conforme leciona Medeiros (2003, p. 62-63):

O que a Constituição exige é que o devido processo legal seja estritamente observado, respeitando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa. A interpretação proposta não vulnera esses princípios. O réu tem amplo direito de provar que os bens questionados são produto do seu trabalho ou da multiplicação de seu patrimônio. Para tanto, pode apresentar documentos, exibir sua movimentação financeira, demonstrar a normal evolução de seu patrimônio e fornecer quaisquer outras informações sujeitas a sigilo legal que possam ser úteis à sua defesa, valendo-se, enfim, de todas as formas de prova em direito admitidas. Nem mesmo ao princípio do estado de inocência, de aplicação na esfera penal, que se pode cogitar de aplicar por analogia, há qualquer ofensa, haja vista que o réu demandado em ação de improbidade, com esteio no inciso VII, somente será considerado culpado com o transito em julgado da sentença condenatória. Não procede, destarte, apesar da excelência dos argumentos que visam a respaldá-la, a tese que repudia o reconhecimento da inversão do ônus da prova, na forma do inciso VII (MEDEIROS, 2003, p. 62-63).

Assim, cumprido o ônus da prova pelo autor e desatendido o do réu, agente público portador do dever legal de comprovação da legitimidade de seu enriquecimento, resulta incontestável a ilicitude dos bens ou valores constantes na petição inicial proposta.

É a partir daí que incide a presunção do enriquecimento ilícito do agente público que adquire bens cujo valor mostra-se desproporcional à evolução de seu patrimônio ou renda auferida durante o exercício de mandato, emprego ou função pública.

Sobre a autora
Karline dos Santos Nascimento Paié

Funcionária pública. Licenciada em Pedagogia. Bacharel em Direito. Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil. Bacharelanda em Administração Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIÉ, Karline Santos Nascimento. Presunção de enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2800, 2 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18607. Acesso em: 18 mai. 2024.

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