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Presunção de enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa

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RESUMO

Com o objetivo de tutelar a probidade administrativa, a Lei 8.429/92 tornou-se um importante instrumento jurídico de combate à corrupção, pois previu expressamente algumas espécies de atos ímprobos, dentre os quais o aumento patrimonial desproporcional à renda legítima do agente público. No entanto, a interpretação do inciso que trata desta subespécie de enriquecimento ilícito tem causado grande polêmica entre os juristas, além de abrir caminho para a impunidade. O presente trabalho tem por objetivo estudar o cabimento da presunção de enriquecimento ilícito nas ações que visem à apuração dos atos de improbidade administrativa que tem como fundamento o inciso VII do artigo 9° da referida lei, aspecto polêmico que ainda não se encontra pacificado. O enriquecimento ilícito é uma das principais espécies de corrupção, portanto esta é analisada dentro do contexto do Estado Social e Democrático de Direito. Para tanto, se mostrou essencial o estudo da estrutura e atividade administrativas, dos fundamentos legais e princípios que regem a Administração Pública, principalmente, a moralidade e o dever de probidade. A presunção é técnica processual que mantém relação direta com a teoria geral das provas, matéria esta que se mostrou relevante para contextualizar a presunção de enriquecimento ilícito e, consequentemente, buscar a interpretação que mais se coaduna com o contexto social e político da atualidade.

Palavras-chave: Corrupção. Improbidade administrativa. Enriquecimento ilícito. Prova. Presunção.

ABSTRACT

Aiming primarily administrative probity, law 8,429/92 became an important legal instrument for combating corruption, as provided expressly tremendous acts species, among which the disproportionate to increase equity income legitimate public agent. However, the interpretation of item dealing with this subspecies of illicit enrichment has caused controversy among legal practitioners, as well as pave the way for impunity. This work aims to study the validity of the presumption of illicit enrichment in actions aimed at the assessment of the acts of administrative impropriety as subparagraph VII of article 9 of the Act, aspect controversial but not appeased. Illicit enrichment is one of the main species of corruption, so this is analyzed within the context of Social and democratic State of law.For both, proved essential to the study of administrative structure and activity of legal foundations and principles governing Government, mainly, morality and the duty of probity. The presumption maintains direct relationship with the general theory of evidence, this story that proved relevant to contextualize the presumption of illicit enrichment and consequently seek the interpretation which is consistent with the social and political context.

Keywords: Corruption. Administrative Impropriety. Illicit enrichment. Proof. Presumption.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 PERTINÊNCIA TEMÁTICA. 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 2.1 Conceito. 2.2 Estrutura e atividade administrativa. 2.2.1 Administração Pública direta. 2.2.2 Administração pública indireta. 2.3 Agentes públicos. 2.3.1Conceito e espécies. 2.3.2 Deveres e responsabilidade. 3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 3.1 O Estado Democrático de Direito. 3.2 Princípios da Administração Pública. 3.2.1 Princípios expressos. 3.2.1.1 Legalidade. 3.2.1.2 Impessoalidade. 3.2.1.3 Publicidade. 3.2.1.4 Eficiência. . 3.2.1.5 Moralidade. 3.2.2 Princípios implícitos. 4 MORALIDADE, PROBIDADE E CORRUPÇÃO. 4.1 Moralidade e Direito. 4.2 Moralidade administrativa. 4.3 Probidade Administrativa. 4.4 A corrupção no Brasil. 5 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 5.1 Conceito. 5.2 A Lei 8429/92 e seus antecedentes. 5.3 Competência em matéria de improbidade administrativa. 5.4 Ação civil por improbidade administrativa. 5.4.1 Legitimidade ativa. 5.4.2 Legitimidade passiva. 5.4.3 Sanções previstas. 5.4.3.1 Natureza sancionatória. 5.4.3.2 Autonomia das sanções. 5.4.3.3 Sanções em espécie. 5.5 Espécies de atos de improbidade administrativa. 5.5.1 Improbidade administrativa que causa lesão ao erário. 5.5.2 Atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. 5.5.3 Improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito. 5.5.3.1 Aquisição de bens de valor desproporcional à renda. 6 PRESUNÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 6.1 Da prova. 6.1.1 Aspectos gerais. 6.1.2 Investigação preliminar. 6.1.3 Ônus probatório. 6.1.3.1Regra geral. 6.1.3.2 Inversão do ônus probatório. 6.1.3.3 Dispensa de prova do fato presumido. 6.1.4 Mecanismos de controle do enriquecimento dos agentes públicos. 6.2 Presunção de inocência X Supremacia do interesse público. 6.3 Presunção de enriquecimento ilícito. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

A Administração Pública, como gerenciadora do interesse coletivo, tem como ponto de partida o conceito de Estado, sobre o qual assenta a origem da organização e funcionamento dos serviços públicos.

O Brasil vive hoje sob a égide de uma Constituição que se pauta no Estado Democrático de Direito. Assim, o poder soberano pertence à sociedade e é voltado à consecução do bem comum, tendo como fundamento a idéia de justiça e segurança jurídica.

A organização da Administração pública é definida por lei e suas entidades e órgãos desempenham suas atividades por meio dos agentes públicos. Estes, por sua vez, no desempenho de suas funções, se sujeitam às normas constitucionais a que se submete toda a Administração e, principalmente, aos princípios norteadores da atividade público-administrativa.

A violação de um Princípio é mais abrangente que a violação de uma regra jurídica, pois aquela compromete a fundamentação de todo um sistema jurídico-normativo, enquanto a não observância de uma regra sujeita o agente apenas às sanções previstas por ela. Se os Princípios administrativos fossem observados quando da execução de atividade cujo interesse é público, não haveria necessidade de um tão grande número de normas específicas.

Dentre os princípios constitucionais que norteiam a atividade público-administrativa destaca-se a Moralidade administrativa que, no final do século XX se aproximou ainda mais da Ciência jurídica, em razão da idéia de democracia girar em torno da moral e da ética dentro da vida pública.

Neste mesmo período observa-se uma tendência mundial no tocante ao combate à imoralidade administrativa, por intermédio de acordos e tratados internacionais firmados entre muitos países, dentre eles o Brasil.

A moralidade administrativa está diretamente ligada à legalidade, pois, em se tratando de atividade pública, ao agente só é permitido fazer o que a lei expressamente autoriza sob pena de desvio de finalidade e consequente ofensa ao interesse social. Assim, ao particular cabe o "poder fazer" e ao agente público o "dever fazer".

A preservação dos valores éticos é fundamental à atividade administrativa, pois a esta é inerente. Por conseguinte, o dever de boa administração decorre de dois deveres fundamentais: honestidade e eficiência funcional.

O princípio da Moralidade administrativa, muitas vezes, é infringido através da prática da chamada corrupção administrativa, cuja origem remonta séculos, e tem como característica o desvio ético-funcional baseado no comportamento ilícito tendente à obtenção de vantagens e privilégios particulares, em detrimento dos interesses e necessidades sociais.

Desde a época da colonização do Brasil, a Administração Pública é açoitada pela corrupção e este "hábito" tem acompanhando a atividade administrativa desde então. Algumas características que se tornaram evidentes nos períodos da colonização e Império produziram certos antivalores baseados no distanciamento da lei e na prevalência dos interesses individuais e patrimoniais em detrimento do bem comum.

Essa concepção patrimonialista, trazida pelos descobridores, foi de certa forma absorvida na formação do brasileiro como povo. Neste cenário de ofensa à moral administrativa surge a Constituição Federal de 1988, que previu expressamente, em seu artigo 37, §4?, a aplicação de sanções pela prática de ato de improbidade administrativa e também a sua regulamentação por meio de lei específica.

Com o objetivo de reprimir os atos causadores de lesão ao patrimônio público e ofensa à moralidade administrativa, foi aprovada a Lei 8429/92, denominada "Lei de Improbidade Administrativa". Esta lei regulamentou o artigo supracitado, relacionando as condutas ímprobas e as sanções a estas aplicáveis, bem como o procedimento para a respectiva aplicação. Portanto, tornou-se importante instrumento para garantir a observância dos princípios administrativos e auxiliar no combate à corrupção no serviço público.

A improbidade se manifesta através da ação ou omissão do agente público, de caráter disciplinar, que contraria o dever de boa administração e prevalência do interesse público sobre o particular. Assim, como elemento subjetivo da norma que rege a conduta do agente público, a probidade é um dos deveres a ser observado por este, portanto, o contrário, sujeita o infrator às sanções previstas na Lei 8429/92.

Estão previstas na Lei de improbidade três espécies do gênero: Improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública, improbidade administrativa que causa lesão ao erário e improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito. Cada espécie, por sua vez, se subdivide em vários tipos específicos, conforme será estudado no decorrer deste trabalho, com ênfase na última espécie.

Todavia, com o ingresso de uma nova lei no ordenamento jurídico surgem, paralelamente, questionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca de seu alcance e aplicação; ânimo este, que só é apaziguado quando a jurisprudência é pacificada.

Com a Lei de Improbidade administrativa não foi diferente, tanto que, dezoito anos após ter sido sancionada, algumas questões ainda restam pendentes de consenso jurisprudencial e doutrinário. Dentre estas questões, que dividem os poucos que tratam do assunto, destaca-se o enriquecimento ilícito por ato de improbidade administrativa, especialmente aquele decorrente de evolução desproporcional do patrimônio do agente público durante o exercício de sua função, previsto no artigo 9?, inciso VII, da lei 8429/92.

Seguindo tendência mundial no combate à corrupção dentro do Poder Público, o legislador brasileiro previu uma modalidade de improbidade administrativa caracterizada pelos sinais exteriores de riqueza, sinais estes, incompatíveis com a evolução patrimonial ou renda percebida pelo agente público.

Mediante a análise da norma em questão, surgiram posicionamentos divergentes entre juristas e doutrinadores acerca de sua interpretação, principalmente sobre o ônus de provar que o enriquecimento do agente público decorreu da prática de ato ilícito.

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Na sistemática do processo civil, a qual pertence a Ação por improbidade administrativa, a prova tem como objetivo trazer ao processo informações que demonstrem a veracidade das alegações e fatos suscitados pelas partes envolvidas. Em regra, o encargo de provar pertence ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito e, ao réu, quanto à existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Com o objetivo de buscar o real alcance desta norma, surgiram na doutrina três correntes interpretativas acerca do ônus da prova no processo para apuração de ato de improbidade com fundamento artigo 9?, VII, da lei 8429/92.

A primeira corrente entende que a regra prevista no Código de Processo Civil deve ser aplicada ipsis litteris. Portanto, caberia ao autor da Ação a prova de que o enriquecimento ilícito decorreu da prática de ato ímprobo específico.

A segunda corrente entende que há clara inversão do ônus da prova e, para a terceira corrente, trata-se de espécie que prevê a presunção relativa do enriquecimento ilícito.

Apesar da indiscutível relevância da matéria para a correta interpretação e aplicação da norma, o ônus probatório na Ação Civil por Improbidade Administrativa decorrente de enriquecimento ilícito não se encontra pacificado, até os dias atuais, na doutrina e nem na jurisprudência.

Diante das controvérsias, convém aos operadores e estudiosos do Direito a busca pela correta interpretação e alcance da regra prevista na citada lei, para evitar que haja insegurança jurídica.

Diante do exposto, surgem algumas questões acerca do tema:

-Quando evidente a desproporcionalidade entre patrimônio e renda do agente público, a quem cabe provar sua origem?

- A presunção de enriquecimento ilícito ofende o princípio do estado de inocência?

- A presunção de enriquecimento ilícito é absoluta ou relativa?

A subespécie de improbidade caracterizada pela desproporção entre patrimônio e renda ou evolução patrimonial do agente público foi prevista com o objetivo de dar maior alcance à norma jurídica, pois a prova, nestes casos, dificulta o trabalho do autor da ação. Assim, caberia ao réu demonstrar a licitude de seu patrimônio, apontando, portanto, a origem dos recursos utilizados para sua aquisição.

Entretanto, resulta do princípio da presunção de inocência que não pode existir, como regra, inversão do ônus probatório em processo tendente à imposição de sanções e restrições de direito.

A presunção ora prevista, sendo de natureza absoluta, não admite prova em contrário, mas, se relativa, dá oportunidade ao réu de provar que o crescimento de seu patrimônio é fruto de sua natural evolução ou, embora sendo superior, não tem nenhuma relação, direta ou indireta, com a atividade pública exercida por ele.

O objetivo desse trabalho consiste em estudar a Lei de Improbidade administrativa, os princípios da Administração Pública, principalmente o princípio da moralidade administrativa, através da conceituação e análise da corrupção dentro da Administração, a punição dos agentes públicos na Lei de Improbidade e a possibilidade de inversão do ônus probatório nas Ações civis por improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito.

E, por conseguinte, os objetivos específicos são:

- Situar a probidade dentro dos princípios administrativos;

- Definir as condutas ímprobas e localizá-las no corpo da Lei de Improbidade Administrativa;

- Buscar a origem da corrupção dentro do Poder Público e sua evolução até os

dias atuais;

- Identificar os objetivos do legislador ao criar as normas definidoras das condutas que caracterizam ato de improbidade administrativa;

- Verificar as hipóteses de cabimento da inversão do ônus probatório e as possibilidades de aplicação na referida lei;

- Analisar o alcance da presunção de culpa nas Ações por improbidade Administrativa decorrentes de enriquecimento ilícito e desproporcional à renda do agente público.

A base para a realização deste trabalho foram as pesquisas bibliográfica e documental, tendo como principais fontes a legislação, doutrina e jurisprudência, além da utilização de recursos eletrônicos (Internet). Para tanto os métodos utilizados foram o dedutivo, dogmático e dialético.

O fundamento para a respectiva consecução concentra-se no Direito Positivo Brasileiro, especialmente na Constituição Federal da República, Lei de Improbidade Administrativa e jurisprudência dos Tribunais superiores.

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Sobre a autora
Karline dos Santos Nascimento Paié

Funcionária pública. Licenciada em Pedagogia. Bacharel em Direito. Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil. Bacharelanda em Administração Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIÉ, Karline Santos Nascimento. Presunção de enriquecimento ilícito na Lei de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2800, 2 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18607. Acesso em: 22 nov. 2024.

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