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Aspectos jurídicos do desmatamento e inexistência de cobertura florestal mínima por micro-bacia hidrográfica (o desmatamento no Pantanal)

Agenda 12/03/2011 às 14:19

"Podemos perdoar a destruição do passado, causada pela ignorância. Agora, no entanto, temos a responsabilidade de examinar eticamente; o que herdamos e o que passaremos às gerações futuras." Dalai Lama


INTRODUÇÃO

O início do Século XXI está sendo marcado por grandes tragédias ambientais que vêm assolando a população de forma preocupante e estarrecedora, causando milhares de mortes entre os seres-humanos e ameaçando a preservação de várias espécies de animais e plantas existentes na Terra.

São tufões, furacões, secas, enchentes, queimadas, dentre outros desastres supostamente "naturais" que, em verdade, são reflexo da forma como os homens trataram o planeta até este momento.

Para quem tem o mínimo de informação era possível saber que este momento chegaria, uma vez que desde a década de 1970, cientistas e ambientalistas vêm alertando para os problemas que as agressões ao meio ambiente causariam em termos globais.

Diante deste cenário, os operadores do Direito não podem quedar-se inertes, sem reação, como meros espectadores do que a irresponsabilidade de algumas pessoas e empresas, na busca de lucros fáceis vêm causando à toda a população.

Se é certo que o Direito cria suas próprias realidades, também é certo que não se pode prostar-se sem reação diante da realidade da vida, em que a cada dia se vem dizimado mais e mais espaços naturais, colocando em risco a sobrevivência de todos.

Nesta perspectiva, a situação do desmatamento no Brasil não se mostra diferente, pois ano a ano são anunciados os índices de devastação na Amazônia que consomem em mata áreas maiores do que o território de vários países.

Note-se que se na Amazônia os índices de desmatamento pelo menos são monitorados e anunciados à sociedade, em outras localidades sequer há este controle, como no caso de Mato Grosso do Sul.

Objetivando a melhor integração dos Promotores de Justiça que trabalham na área de influência do Pantanal, a Procuradoria de Justiça deste Estado, no ano de 2004, criou as Promotorias do Pantanal, que trabalha na Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai e busca a defesa do meio ambiente.

Em iniciativa pioneira as Promotorias do Pantanal em cooperação com a Organização não Governamental Conservação Internacional, somaram as licenças de desmatamento emitidas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente na área da Bacia de Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso do Sul, constatando-se informações alarmantes, já que no período de janeiro de 2002 a setembro de 2004, foram autorizadas as supressões de aproximadamente 250.656,57 hectares de mata nativa.

Note-se que em vários municípios é ponto pacífico que há menos de 5% de cobertura vegetal natural, sendo que em termos de micro-bacia hidrográfica os dados são ainda mais escassos.

Também é de se registrar que em levantamento feito pela Conservação Internacional, que a Bacia do Alto Paraguai tem somente 56% de sua cobertura vegetal original, sendo que só na área de pantanal (planície), suprimiu-se cerca de 17% de vegetação nativa, conforme informações da revista Veja (11/12/2005), da Folha de São Paulo de 11/12/2005 e do site campograndenews (12/12/2005).

Registre-se que, caso seja mantido o mesmo índice de desmatamento atual, em 45 anos não restará nenhuma vegetação nativa.

Frente a esta situação, é necessário se repensar a questão do desmatamento e da concessão das licenças ambientais para esta atividade, interpretando-se o Código Florestal sob as luzes da Constituição Federal de 1988.


DA NATUREZA JURÍDICA DAS FLORESTAS COMO DIREITO DIFUSO

O artigo 225, da Constituição Federal diz que o meio ambiente equilibrado e essencial à qualidade de vida é direito de todos, sendo obrigação do Poder Público sua proteção estabelecendo como obrigatório a sua preservação para as presentes e futuras gerações.

Contudo, o que se vê na prática é que o meio ambiente não está sendo preservado nem mesmo para esta geração, o que se dirá para as gerações futuras.

Tal situação impõe uma atuação imediata de todos os órgãos públicos que tenham o mínimo de comprometimento com sua destinação constitucional, exigindo empenho de seus agentes, pois caso contrário serão eles cobrados pelas gerações futuras por esta omissão em momento tão delicado de nossa história.

Dentre as atuações necessárias está a defesa do meio ambiente natural, e no caso presente, das florestas e demais formas de vegetações naturais porventura ainda sobreviventes na área do pantanal.

Ao traçar que o meio ambiente é bem comum do povo, a Constituição Federal estabelece um terceiro gênero de bens, separado do público e privado, reconhecendo a existência do bem difuso, aquele que não pertence a uma pessoa particular e nem ao estado, mas sim à toda uma coletividade.

Tratando-se as florestas de um bem ambiental necessário à preservação dos ecossistemas, é evidente serem elas consideradas bens difusos, de tal forma que, ainda que estejam dentro de propriedades privadas, deverão ser respeitadas como direito de todos.

Aliás, esta visão não foi criada pela Constituição Federal de 1988, mas sim tem raízes mais remotas, dentre elas, o próprio Código Florestal que, já em 1965, teve visão avançadíssima para a época e estabeleceu o seguinte em seu artigo 1º

"Art. 1º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem."

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Para que não reste dúvida, repita-se o que estabelece o artigo: "as florestas existentes no território nacional ... são bens de interesse comum a todos os habitantes do País".

Portanto, não resta dúvida da importância deste bem ambiental a todos os habitantes do País, sendo que a propriedade privada deverá curvar-se a esta importância, até porque, deverá ela atender sua função ambiental, conforme determinado pelo art. 186, II, da Constituição Federal:

"Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

...

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;"

Em assim sendo, afigura-se como necessária a proteção a este bem difuso, competindo ao Poder Público atuar para que o mesmo seja preservado para as presentes e futuras gerações.


DA RESERVA LEGAL E SUA MANUTENÇÃO

Justamente nesta visão de necessidade de que a propriedade rural cumprisse sua função ambiental e tendo em vista a importância das florestas e demais formas de vegetação para todos os habitantes do País, o Código Florestal em seu artigo 16 estabeleceu a obrigação de manutenção de Reserva Legal:

"Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País."

Portanto, no Estado de Mato Grosso do Sul, toda propriedade rural deve possuir no mínimo 20% de cobertura vegetal nativa, não se computando nestas áreas aquelas consideradas de preservação permanente (matas ciliares, topos de morros, etc...). De outro norte, uma vez instituída – e esta obrigação existe, no mínimo, desde 1965 – não poderá ela sofrer alteração, nos termos do que determina o parágrafo oitavo do dispositivo em questão:

"§ 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código."

Esta imutabilidade visava – visava, uma vez que tal norma não foi cumprida a contento – a preservação de no mínimo 20% do território com cobertura vegetal nativa, uma vez que, caso assim não fosse, haveria – como houve – verdadeira burla à finalidade da norma, pois a cada desmembramento do imóvel, haveria – como houve – redução das florestas nele existentes. É o que se extrai da lição de Nicolao Dino de Castro e Costa Neto (Proteção Jurídica do Meio Ambiente – florestas – Ed. Del Rey, 2003, p. 216):

"A

perpetuidade e a inalterabilidade da destinação evidenciam, a seu turno, que, em face do interesse público na proteção das florestas, a restrição é perene e imutável, não podendo ser modificadas a reserva e sua destinação, inclusive nas hipóteses de transmissão do imóvel, seja a que título for, bem como em caso de desmembramentos. A limitação administrativa acompanha o imóvel, para que o interesse na conservação do ecossistema florestal sobressaia e seja resguardado, a despeito dos interesses particulares mais imediatos. ...

Noutras palavras, em caso de venda de parte do imóvel em que esteja inserida a reserva legal florestal, se fosse admitida a redefinição do percentual da reserva legal, adequando seu percentual à dimensão da área desmembrada (nova propriedade), estar-se-ia aceitando, por via oblíqua, a redução do espaço territorial protegido, com ofensa adicional às características de imutabilidade e perpetuidade. O Direito não pode ser instrumento viabilizador de fraudes, razão pela qual a hipótese de diminuição não deve ser admitida, mantendo-se a limitação administrtiva no mesmo percentual, por ser imutável e perpetua."

(grifo nosso)

Tão importante é a função da Reserva Legal para o legislador que, ao contrário do que se costuma imaginar, não é o proprietário quem define o local da reserva legal, mas sim o órgão ambiental, o qual poderá até concordar com a proposta daquele, desde que ela atenda às finalidades ambientais pertinentes (art. 16, par. 7º).

Em assim sendo, percebe-se que a instituição por lei da Reserva Legal não se trata de um mero capricho ou uma burocracia sem sentido, trata-se sim, da proteção ao interesse de todos, o que configura a natureza de direito difuso desta obrigação, conforme ensina Paulo Bessa Antunes (Direito Ambiental, 6ª Edição, Lumen Juris, p. 397):

"A norma é sabia, vez que o bem tutelado é a sanidade das terras, a higidez do ar, enfim aquilo que o texto constitucional de 1988 chamou como ‘meio ambiente ecologicamente equilibrado’. Merece ser ressaltado, ademais, que o

caput do artigo 255 da Lei Fundamental recepcionou expressamente o artigo 1º do Código Florestal, pois entendeu o direito ao meio ambiente equilibrado a ‘todos’; veja-se que aqui, em tese, qualquer indivíduo que esteja em território brasileiro, ainda que não o habite em caráter permanente, é sujeito ativo do aludido direito."

Resta evidente, assim, que a Reserva Legal tem natureza de direito difuso que beneficia a toda a sociedade, devendo para tanto ser protegida pela atuação do Ministério Público.


RESERVA LEGAL - RECUPERAÇÃO E COMPENSAÇÃO – CRITÉRIO DA MICRO-BACIA HIDROGRÁFICA

Ficou evidenciado que, pelo menos na maioria dos Estados Brasileiros, o Código Florestal no que diz respeito à Reserva Legal mostrou-se letra morta, pois são inúmeros os casos de propriedades rurais que não possuem 20% de sua área com cobertura de vegetação nativa. Tanto isto é verdade que foi necessário alterar-se esta lei para se estabelecer a obrigação de recuperação/compensação das Reservas Legais.

Tal situação foi regulamentada pela Medida Provisória n. nº 2.166-67/01 (em vigor conforme o art. 2º da EC nº 32/2001), que alterou o artigo 44 e passou a dar-lhe a seguinte redação:

"Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:

I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente;

II - conduzir a regeneração natural da reserva legal; e

III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

§ 1º Na recomposição de que trata o inciso I, o órgão ambiental estadual competente deve apoiar tecnicamente a pequena propriedade ou posse rural familiar.

§ 2º A recomposição de que trata o inciso I pode ser realizada mediante o plantio temporário de espécies exóticas como pioneiras, visando à restauração do ecossistema original, de acordo com critérios técnicos gerais estabelecidos pelo CONAMA.

§ 3º A regeneração de que trata o inciso II será autorizada, pelo órgão ambiental estadual competente, quando sua viabilidade for comprovada por laudo técnico, podendo ser exigido o isolamento da área.

§ 4º Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma microbacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre a propriedade desprovida de reserva legal e a área escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, e respeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III.

§ 5º A compensação de que trata o inciso III deste artigo deverá ser submetida à aprovação pelo órgão ambiental estadual competente, e pode ser implementada mediante o arrendamento de área sob regime de servidão florestal ou reserva legal, ou aquisição de cotas de que trata o art. 44-B.

§ 6º O proprietário rural poderá ser desonerado, pelo período de 30 anos, das obrigações previstas neste artigo, mediante a doação, ao órgão ambiental competente, de área localizada no interior de Parque Nacional ou Estadual, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva Biológica ou Estação Ecológica pendente de regularização fundiária, respeitados os critérios previstos no inciso III deste artigo."

Depreende-se do dispositivo que o proprietário rural que não tiver em sua propriedade o percentual mínimo de vegetação nativa, deverá adotar providências para recuperá-la ou compensá-la, seja fazendo plantio de mudas, regenerando a área ou compensando a reserva por outra área equivalente. Existe, ainda, a possibilidade de desoneração por trinta anos mediante aquisição de área em Unidade de Conservação, com sua doação para o Poder Público.

Contudo, o que se deve chamar a atenção é para o caso de compensação da reserva legal, principalmente pelo critério preferencial adotado pelo legislador, qual seja, o critério de micro-bacia hidrográfica. Adotou-se, neste caso, o critério de classificação seguido pela Lei de Recursos Hídricos, como unidade de gestão para questões de mananciais, nos seguintes termos:

"Art. 1º. A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:

...

V - a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;"

Portanto, a análise da existência de percentual mínimo de vegetação nativa, por força do Código Florestal atual, deve necessariamente adotar o critério da micro-bacia hidrográfica, e, somente em casos de exceção, adotar-se o critério de bacia hidrográfica, priorizando sempre a maior proximidade possível.

Note-se que a escolha na forma de recuperação e/ou compensação da reserva legal não é uma liberalidade do proprietário; ao contrário, deve ser baseada em critérios técnicos supervisionados e aprovados pelo órgão ambiental, já que, como razão final desta obrigação, está o equilíbrio do meio ambiente como condição à sadia qualidade de vida.


DA IMPOSSIBILIDADE DE AUTORIZAÇÃO DE DESMATAMENTO ANTES DE ANÁLISE DA COBERTURA VEGETAL POR MICRO-BACIA HIDROGRÁFICA E REGULARIZAÇÃO DAS RESERVAS LEGAIS NELA EXISTENTES

Do que foi exposto acima, é possível concluir que as florestas e demais formas de vegetação nativas são protegidas como direitos difusos e a propriedade particular deve respeitá-las para cumprir sua função sócio-ambiental.

Também se conclui que o critério jurídico adotado para a avaliação do objetivo da norma protetiva estabelecida no Código Florestal – proteção de 20% da vegetação nativa de um ecossistema – foi o de micro-bacia, tanto que se determinou a compensação nos casos de impossibilidade de recuperação da Reserva Legal, dentro deste espaço territorial.

Aliás, é de se registrar que no Estado de Mato Grosso do Sul, o objetivo implícito da instituição da Reserva Legal – manutenção de, no mínimo, 20% da cobertura nativa do território - ficou muito mais evidente no art. 2º, do Decreto 11.700/2004 (Institui o Sistema de Recomposição, Regeneração e Compensação da Reserva Legal no Estado de Mato Grosso do Sul):

"Art. 2º O Sistema de Recomposição, Regeneração e Compensação da Reserva Legal tem por finalidade garantir que o território do Estado de Mato Grosso do Sul tenha, no mínimo, o índice de vinte por cento de cobertura vegetal nativa, por meio da conjugação de esforços do Poder Público e da iniciativa privada."

Partindo-se destas premissas, chega-se à interpretação que é obrigação do órgão ambiental, ao analisar um pedido de licença de desmatamento, observar a questão ambiental como um todo, e não simplesmente avaliar isoladamente o imóvel objeto da solicitação.

Ora, pode até ser possível que no imóvel objeto do pedido haja mais de 20% de vegetação nativa. Contudo, ao observar-se a micro-bacia hidrográfica é possível que a mesma já não tenha este mesmo percentual, sendo que neste caso, somente após toda a regularização das reservas legais dos imóveis ali situados é que poderá ser decidido o pedido.

Note-se que decidir de forma contrária – autorizando o desmatamento sem esta prévia análise – é confrontar o art. 44, III, do Código Florestal em que se determina que as compensações de reservas legais devem ser feitas na mesma micro-bacia hidrográfica, pois, a cada desmatamento autorizado em uma micro-bacia deficitária, mais está se impossibilitando que as outras reservas legais que deverão ser compensadas sejam alocadas na mesma micro-bacia.

Assim, somente após definido em todas as propriedades da micro-bacia a situação das Reservas Legais, com sua averbação em cartório, comprovação de existência ou forma de recuperação e/ou compensação, é que poderão ser decididos os pedidos de desmatamento.

E não se argumente que a posição que aqui se defende fere o direito de propriedade, primeiramente, porque este direito não é absoluto. Segundo, porque não se está defendendo a proibição deste desmatamento, mas, apenas, o aguarde para que toda a situação ambiental da micro-bacia seja resolvida.

Note-se que, conforme o caso, tal posição levará até mesmo à valorização das propriedades que têm cobertura nativa superior a 20%, pois quando os proprietários que não tenham o percentual mínimo necessitarem regularizar suas áreas – e tendo-se em vista o alto custo da recuperação – é bem provável que aumentará o preço das mesmas dado à lei da oferta e da procura.

Ademais, é de se registrar que assim agindo os órgãos ambientais somente estarão cumprindo o que determina a Constituição Federal em seu art. 225, par. I, que determina que cabe ao Poder Público "preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;".

Alie-se, ainda, que é plenamente aplicável ao caso o princípio constitucional da prevenção, segundo o qual, não se pode admitir qualquer intervenção no meio ambiente antes de que se tenha certeza de que foram tomadas todas as medidas para evitar e mitigar os danos delas decorrentes.

Portanto, não tendo o órgão ambiental certeza da extensão da cobertura florestal naquela micro-bacia hidrográfica, não pode ele conceder licença para desmatamento antes de adquirida esta informação.

Por fim, não adotando os órgãos ambientais a postura aqui defendida, e, continuando a emitir licenças para desmatamento sem assegurar-se que aquele ecossistema ainda tem sua proteção mínima, adotando-se o critério da micro-bacia hidrográfica, é cabível ação civil pública visando obrigá-lo judicialmente a suspender as licenças de desmatamento, até que faça o levantamento de cobertura vegetal de todas as micro-bacias do Estado e também a regularização das reservas legais nas propriedades nelas existentes.

Sobre o autor
Luciano Furtado Loubet

Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Aspectos jurídicos do desmatamento e inexistência de cobertura florestal mínima por micro-bacia hidrográfica (o desmatamento no Pantanal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2810, 12 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18653. Acesso em: 22 dez. 2024.

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