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O julgamento antecipado da lide no tribunal do júri

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Agenda 21/03/2011 às 15:53

7.ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA COMO PRERROGATIVA DO RÉU

Consoante já explicitado acima, o instituto do Tribunal do Júri surgiu como uma garantia ao indivíduo. Até então, o cidadão era julgado pelos doutos que detinham a atribuição e o conhecimento sob o Direito, todavia, com o surgimento do instituto, e em determinadas situações, passou-se a realização de julgamentos por seus "iguais", ou seja, por cidadãos da sociedade em que o mesmo se encontrava inserido.

Desta forma, foi afastado o sentimento de injustiça que permanecia na alma do homem condenado por seus "superiores" visto que a legitimidade da decisão proferida pelo Conselho de Sentença seria infinitamente superior àquela emanada dos denominados "doutos" no conhecimento jurídico, por inúmeras justificativas, inclusive políticas.

Com esse espírito, em sentido contrário do que foi trazido até então, encorpada corrente doutrinária entende o instituto da absolvição sumária no rito do Júri como uma prerrogativa conferida ao réu, acusado do cometimento de crime doloso contra a vida, já que, comprovado a ocorrência de situação elencada no art. 415 do CPP, de logo estaria este livre do peso que é a submissão à persecução criminal feita pelo Estado.

Nesta senda, fundamenta-se que inocorre qualquer violação à competência do Conselho de Sentença, garantida constitucionalmente, visto que o espírito basilar e essencial do instituto do Júri estaria sendo corroborado com a preservação do indivíduo no tocante ao constrangimento que é estar no pólo passivo de uma lide criminal.

O professor Marcellus Polastri Lima [12], citando Vicente Greco Filho, afirma que antes mesmo da reforma, este já defendia que, em se tratando de prova irrefutável de que o delito não ocorreu ou de que o réu não é seu autor, aplicar-se-ia, também, a absolvição sumária, verbis:

Apesar de não haver referência na lei, também deverá o juiz absolver sumariamente o réu se se convencer da inexistência do fato ou de que, sem qualquer dúvida, o réu não é o autor, porque não tem cabimento remeter-se o réu a júri, mantendo, pois o constrangimento do processo se já esta provado que o fato não existiu ou que o réu não é o seu autor. A impronúncia... manteria o réu com a possibilidade de voltar a ser processado, situação incompatível com a certeza do juiz da inexistência do fato ou da autoria. (grifos aditados)

Corrobora ainda o entendimento acima exposto o fato de que a construção do convencimento dos jurados que compõem o Conselho de Sentença perpassa não só pelo território jurídico, mas também pela dramaticidade e emoção que marcam a atuação da defesa e acusação em plenário, confirmados através do princípio da plenitude de defesa, previsto constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "a".

Desta forma, constata-se que mesmo provado na primeira fase do procedimento ter o réu agido dentro de uma das hipóteses elencadas nos incisos do artigo 415 do CPP, poderá, ainda, vir a ser condenado pelo Conselho de Sentença mediante uma atuação pessoal do membro do parquet responsável pela acusação mais convincente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da apresentação do todo exposto acima, verifica-se que o tema apreciado desperta posicionamentos e opiniões bastante divergentes, fato este que enseja uma apreciação mais apurada em determinados pontos considerados mais relevantes.

De logo, impende afirmar que o Tribunal do Júri é instituto jurídico bastante simbólico e singular. Neste sentido, independentemente da política legislativa processual penal adotada por determinado Estado, tal instituto deve manter status de considerável importância, visto que, se traduz como a força representativa e decisória do povo no âmbito do Poder Judiciário consubstanciada através de sua participação no Conselho de Sentença.

Desta forma, a consonância do instituto com a previsão constitucional que o conjetura deve ser pormenorizadamente apurada a cada reforma realizada na legislação que o disciplina, o que justifica os questionamentos surgidos e retro demonstrados diante da mudança ocorrida em 2008.

Tal alteração, atendendo a anseios e reivindicações de determinada parte da doutrina processual penal brasileira, estendeu demasiadamente as hipóteses de cabimento da absolvição sumária no rito do Júri.

Observa-se que em momento anterior o instituto em tela limitava-se a situações onde ocorria julgamento pelo magistrado instrutor de matéria unicamente de direito, isentando este de ponderação mais aprofundada no montante probatório produzido até então.

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Destarte, de certa forma, em instante precedente à sessão de julgamento, ocorria um "filtro" que retirava desta a análise referente às situações cabalmente provadas de exclusão do crime ou isenção de pena do réu, que evidentemente não violava, de forma alguma, a competência do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, constitucionalmente prevista.

No entanto, com a ocorrência da alteração datada de 2008, ampliou-se de sobremaneira as hipóteses de cabimento do julgamento de absolvição sumária, legitimando inclusive, análise de matéria de fato por parte do magistrado, fato este que despertou grandes dúvidas quanto à possível violação ao princípio do Juiz Natural.

A doutrina moderna sedimentou entendimento no sentido de que tal princípio é consequência lógica de duas garantias constitucionais, quais sejam: "não haverá juízo ou tribunal de exceção" e "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (CF, art. 5º, XXXVII e LIII).

Desta forma, uma vez apreciado o mérito de processo penal, que trata de crime doloso contra a vida, por órgão diverso do Conselho de Sentença, há nítida violação ao referido princípio constitucional, bem como à previsão que garante a competência do Tribunal do Júri Popular para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida  (art.5º, inciso XXXVIII, alínea "d"), e conseguintemente latente inconstitucionalidade.

Em sentido oposto, parte da doutrina que entende como relevante a ampliação realizada nas hipóteses de aplicação da absolvição sumária, argumenta que tal decisão é harmônica em relação ao "espírito" instituto já que se evita a desgastante submissão do réu ao plenário popular, bem como, afasta em definitivo uma possível condenação.

Em que pese tal argumento, não se justifica em hipótese alguma qualquer violação à Carta Magna.

Ocorre que o dispositivo legal notado, que versa sobre a decisão de absolvição sumária do réu, afasta do juízo competente a matéria posta à análise do Poder Judiciário e conseqüentemente viola o principio do juiz natural.

Assim, observada a hierarquia dos instrumentos normativos do sistema jurídico pátrio, a lei maior não pode ser contrariada, em detrimento de norma inferior, sendo imperioso o entendimento pela inconstitucionalidade do preceito normativo em tela.

Destarte, afirma-se, e defende-se, que apenas os jurados podem analisar o mérito e decidir quanto à autoria ou materialidade, e absolver ou condenar o réu de pena, pois só estes possuem a competência de julgar o delito posto sob exame judicial, em tais casos, por força de norma constitucional.


REFERÊNCIAS

AMBOS, KAI, CHOUKR, Fauzi Hassan. A Reforma do Processo Penal no Brasil e na América Latina. São Paulo: Ed. Método, 2001, p.106

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p 198.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Direito Processual Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Publicado pelo Diário Oficial da União no dia 13.10.1941.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Brasília: Senado, 2009.

FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 7ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010.

LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

_______. Lei 11.689 de 09 de junho de 2008. Altera os dispositivos do Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativo ao Tribunal do Júri, e dá outras providências.


Notas

  1. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 78.
STF – 2ª T – HC nº 71.617-2 – Rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 19 maio 1995, p. 13.995.
  • STF - 2ª T. – HC 70.581 – AL, RTJ 150.832-3, STF – Pleno – HC nº 69.325-3.GO – Rel. Min. Néri da Silveira – DJU, 4 dez. 1992, p.23.058.
  • BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Direito Processual Penal, 4ª edição – Saraiva: São Paulo, 2009.
  • Tribunal de Justiça de São Paulo: RT, 656/279.
  • RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
  • OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo Penal, 10ª edição - Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008.
  • LIMA, Marcellus Polastri, Curso de Processo Penal, 2ª edição - Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
  • AMBOS, KAI, CHOUKR, Fauzi Hassan. A Reforma do Processo Penal no Brasil e na América Latina. São Paulo: Ed. Método, 2001, p.106.
  • BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p 198.
  • CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, 16ª edição – São Paulo: Saraiva, 2009.
  • LIMA, Marcellus Polastri, Curso de Processo Penal, 2ª edição – Lumen Júris: Rio de Janeiro, 2009.
  • Sobre o autor
    Eduardo José Garrido Teixeira

    Bacharel em Direito formado pela Faculdade Ruy Barbosa de Salvador/BA. Advogado. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia-UFBA

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    TEIXEIRA, Eduardo José Garrido. O julgamento antecipado da lide no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2819, 21 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18721. Acesso em: 24 nov. 2024.

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