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O direito ao devido processo legal no processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90.

Súmula Vinculante nº 5 do STF e o direito fundamental à ampla defesa

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Agenda 08/04/2011 às 17:56

Defende-se a tese da inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, considerando que o seu enunciado viola o princípio da ampla defesa.

RESUMO

Este trabalho científico discorreu sobre a aplicação do princípio do devido processo legal no âmbito do processo administrativo disciplinar previsto na Lei Federal nº 8.112/90 e defendeu a tese da inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, considerando que o seu enunciado viola o princípio da ampla defesa. Esta pesquisa justifica-se por ser possível o cancelamento ou a revisão das Súmulas Vinculantes, nos termos do artigo 103-A da Constituição da República e, também, pela divergência jurisprudencial existente entre o STF - Supremo Tribunal Federal e o STJ - Superior Tribunal de Justiça. A Súmula Vinculante nº 5 do STF afirma que: "a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição"; O STJ já havia firmado o entendimento em sentido contrário com a Súmula nº 343. O presente estudo observou que o devido processo legal é um direito fundamental aplicável a qualquer tipo de processo e os incisos LIV e LV, do artigo 5º, da nossa Constituição, asseguram a sua aplicação aos litigantes em processo judicial ou administrativo, sem qualquer distinção. Defendeu-se que o advogado é indispensável tanto nos processos judiciais quanto nos processos administrativos disciplinares. Demonstrou-se, ainda, que não houve reiteradas decisões sobre matéria constitucional para a aprovação da Súmula Vinculante nº 5, conforme exige o artigo 103-A do Estatuto Político de 1988, mais um motivo de inconstitucionalidade. Foi esclarecido que não é suficiente garantir ao servidor processado administrativamente somente o direito de informação, de manifestação e de ver seus argumentos considerados, se não lhe é proporcionado o direito à defesa técnica por advogado, não bastando garantir-lhe apenas formalmente o direito à ampla defesa. Verificou-se, a impossibilidade de se comparar o processo administrativo disciplinar com os processos que dispensam a presença de advogado. Observou-se que os motivos que levaram o STF a editar a Súmula Vinculante nº 5 não foram jurídicos. Por fim, concluiu-se que a falta de defesa técnica por advogado, no âmbito do processo administrativo disciplinar viola o princípio do devido processo legal, o que torna inconstitucional a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave:

Processo Administrativo Disciplinar, Devido Processo Legal, Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, Inconstitucionalidade.

ABSTRACT

This paper discussed the application of the due legal suit principle within the realm of administrative disciplinary proceedings as stated in Federal Law No. 8112/90 and defended the thesis that the Supreme Court’s Binding Precedent No. 5 is unconstitutional in that it is in violation of the principle of defense. It is justified by the possible cancellation or revision of Binding Precedents, as stated in Article 103-A of the Constitution, and also by the jurisprudential divergence between the Supreme Court and the Higher Court of Justice. The Supreme Court’s Binding Decision No. 5 states that: "the absence of technical defense by a lawyer within the realm of administrative disciplinary proceedings is not in violation of the Constitution"; The Supreme Court had already signed an agreement to the contrary in the Binding Precedent No. 343.

The due legal suit is a fundamental right applicable to any type of legal procedure. The subsections LIV and LV, in article 5 of our Constitution, ensure its application to litigants in judicial or administrative legal suits, indistinctively. In this paper we argue that the lawyer is indispensable in both - judicial as well as in administrative disciplinary proceedings. We demonstrate that there had not been reinforced decisions on constitutional matters for the approval of Binding Precedent No. 5, as required by Article 103-A of 1988 Political Statute – being so another reason for its unconstitutionality. We clarify that it is not sufficient to ensure that the server who is being sued administratively has the right to information, manifestation and to see their arguments considered unless they are also granted the right to technical defense by a lawyer. Granting only the formal right to full defense is not enough. We verified that it is impossible to compare the administrative disciplinary proceedings with proceedings that preclude the presence of a lawyer. It was concluded that the reasons which led the Supreme Court to issue Binding Precedent No. 5 were illegal. Finally, it was also concluded that the absence of technical defense by a lawyer within the realm of administrative disciplinary proceedings violates the principle of due legal suit, which makes the Supreme Court Binding Precendent No. 5 unconstitutional.

Keywords:

Administrative Disciplinary Procedure, Due Legal Suit, Supreme Court Binding Precedent No. 5, Unconstitutionality.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1. Do Direito Fundamental a um devido Processo Administrativo Disciplinar legal. 1.1.- Devido processo legal em sentido material. 1.2.- Devido processo legal em sentido formal. CAPÍTULO 2. Direito Fundamental à Amplitude de Defesa. CAPÍTULO 3. Requisitos Constitucionais para a Aprovação de Súmulas Vinculantes. CAPÍTULO 4. A aprovação da Súmula Vinculante nº 5. CAPÍTULO 5. Inexistência de Reiteradas Decisões para a Aprovação da Súmula Vinculante nº 5. CAPÍTULO 6. Julgamento do Recurso Extraordinário nº 434.054/DF. CAPÍTULO 7. Análise Crítica dos Principais Argumentos Favoráveis à Aprovação da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal. CAPÍTULO 8. Prováveis Motivos que Levaram o Supremo Tribunal Federal a Editar Súmula Vinculante Possibilitando a Dispensa de Defesa Técnica por Advogado no Processo Administrativo Disciplinar . CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Como se sabe, o estudo do Direito Processual deve ser feito à luz do Neoconstitucionalismo ou pós-positivismo que parte da premissa de que a Constituição e, também, os princípios fundamentais têm força normativa.

Observa-se que a nossa Constituição não faz distinção entre processo judicial e administrativo e assegura aos litigantes e aos acusados em geral, tanto nos processos judiciais como nos administrativos, a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais têm sua gênese no princípio do devido processo legal ou due process of law.

Estando constitucionalmente equiparados os processos judiciais e os administrativos, os princípios constitucionais a serem aplicados são os mesmos para ambos.

Assim, todos os princípios do devido processo legal ou due process of law aplicam-se indistintamente ao processo judicial e ao processo administrativo disciplinar, não podendo o intérprete distinguir onde o texto constitucional não distinguiu.

A partir dessa perspectiva, esta pesquisa tem por objetivo elucidar sobre a constitucionalidade ou não do enunciado da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal que diz, expressamente, que "a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."

O problema consiste em saber se:

- A falta de defesa técnica por advogado viola o princípio da ampla defesa?

- A Súmula Vinculante nº 5 do STF é inconstitucional?

Com o escopo de responder às perguntas supracitadas elaborou-se a seguinte hipótese:

Garantindo a Constituição da República de 1988 que não se priva ninguém da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e, ainda, que todos os litigantes em processo judicial ou administrativo e os acusados em geral têm assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, a falta de defesa técnica por advogado, no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar, viola o princípio da ampla defesa e, por conseguinte, o devido processo legal, o que torna inconstitucional a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Não obstante o poder vinculante da Súmula nº 5 do Supremo Tribunal Federal, essa pesquisa se justifica por ser possível o cancelamento desta súmula e, também, devido à falta de consenso entre doutrina e jurisprudência. O tema é polêmico e a controvérsia emblemática envolvendo essa questão está nas súmulas que se contradizem, editadas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

Não obstante o caráter obrigatório da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, a qual, repita-se, pode ser revista ou cancelada nos termos do artigo 103-A da Constituição da República, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça, anteriormente, já havia editado a Súmula nº 343, cujo enunciado choca-se, frontalmente, com o entendimento sumulado de forma vinculante pela Corte Máxima da Justiça Brasileira.

No que concerne à metodologia empregada neste trabalho científico, procurou-se utilizar a análise bibliográfica da escassa doutrina referente ao assunto, o confronto entre a Constituição e a Lei Federal nº 8.112/90 e, também, entre julgados e súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.


1 - DO DIREITO FUNDAMENTAL A UM DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR LEGAL

No intuito de averiguar se o devido processo legal é comum a todos os processos e, principalmente, se tem aplicação, também, no processo administrativo disciplinar, foco dessa pesquisa, imprescindível conhecer este princípio, mostrando o que é, e quais os principais princípios dele decorrentes.

O devido processo legal é uma cláusula geral, um enunciado normativo aberto do qual se pode extrair infinitas normas. Fredie Didier Jr. [01] lecionando sobre o princípio do devido processo legal diz que:

Trata-se do postulado fundamental do processo. Segundo Nelson Nery Jr., trata-se do princípio base, sobre o qual todos os outros se sustentam. É a norma-mãe. Origina-se da expressão inglesa due process of law. A primeira previsão do princípio ocorreu com a Magna Carta de João Sem Terra, de 1215.

Aplica-se o princípio genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade. Inclusive na formação de leis. Processo é palavra gênero que engloba: legislativo, judicial, administrativo e negocial. Atualmente, é pacífica a aplicação do devido processo legal nas relações jurídicas particulares.

Como se vê, processo, aqui, é qualquer modo de produção do Direito, podendo ser processo legislativo, administrativo e jurisdicional.

A palavra legal não significa legal no sentido de lei, mas, sim, de Direito. Alguns autores referem-se ao devido processo constitucional, não há diferença. Legal tem o sentido amplo, é – repita-se – o devido processo de acordo com o Direito.

Importante, também, esclarecer que o devido processo legal possui dimensão material e formal.

1.1 - DEVIDO PROCESSO LEGAL EM SENTIDO MATERIAL

O conteúdo do Direito não pode ser qualquer conteúdo, sendo necessário controlá-lo. As leis e as decisões devem ser formal e materialmente devidas, não podem ser abusivas, desequilibradas e irrazoáveis. Nem o legislador e nem o juiz podem tudo.

Em resumo, pode-se afirmar que o devido processo legal substancial é o limite ao conteúdo do poder.

Tratando do devido processo legal substancial Fredie Didier Jr. [02] explica que:

As decisões jurídicas hão de ser, ainda, substancialmente devidas. Não basta a sua regularidade formal; é necessário que uma decisão seja substancialmente razoável e correta. Daí, fala-se em princípio do devido processo legal substantivo, aplicável a todos os tipos de processo, também. É desta garantia que surgem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aqui tratados como manifestação de um mesmo fenômeno.

O devido processo legal substancial nada mais é do que o princípio da proporcionalidade que visa a limitar o conteúdo do poder. Nem todo conteúdo pode ser direito. O Direito tem que ter um papel justo, razoável.

1.2 - DEVIDO PROCESSO LEGAL EM SENTIDO FORMAL

Na sua dimensão formal, o devido processo legal é o conjunto das garantias processuais fundamentais. Para exemplificar, cite-se alguns princípios processuais constitucionais como: o direito de acesso à justiça, ao contraditório, ao juiz natural, à ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes, a proibição de produção de prova ilícita etc.

O devido processo legal formal não tem conteúdo determinado é indefinido, não tem fim, é a história que preenche os seus fins, o seu conteúdo.

Valendo-se, ainda, dos ensinamentos de Fredie Didier Jr. [03]:

Segundo a doutrina, o devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito a ser processado e a processar de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio. Os demais princípios processuais são, na verdade, decorrência daquele.

(...)

Como se vê, o devido processo legal é um direito fundamental de conteúdo complexo. Trata-se de uma cláusula geral e, portanto, aberta, que a experiência histórica cuida de preencher. Nesse sentido, tanto se pode referir ao direito fundamental ao processo devido como um direito fundamental dotado de um conteúdo complexo, como também é possível referir-se a cada uma das exigências aninhadas nesse conteúdo complexo como constituindo um direito fundamental. (...) A vantagem em se identificar cada uma dessas exigências e denominá-las individualmente é a de facilitar a sua operacionalização pelo intérprete, isto é, auxiliá-lo na solução de questões relacionadas com a concretização de tais valores.

Assim, pode-se, diante do exposto até agora, afirmar que o devido processo legal, due process of law, é, sem dúvida, aplicável no âmbito de qualquer tipo de processo, quer seja legislativo, administrativo ou jurisdicional.

Diante dessa constatação, consequentemente, a plenitude de defesa (princípio da ampla defesa), decorrente do princípio do devido processo legal, caracteriza um direito fundamental que deve, obrigatoriamente, ser observado, também, em todo e qualquer tipo de processo, inclusive nas relações jurídicas particulares, sendo certa a sua aplicação no processo administrativo disciplinar que, certamente, pode vir a privar o servidor de seus bens.


2 - DIREITO FUNDAMENTAL À AMPLITUDE DE DEFESA

A ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, realiza-se por meio do contraditório. A Constituição da República Federativa do Brasil [04] diz, expressamente, que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

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Cassio Scarpinella Bueno [05] discorrendo sobre o direito fundamental à ampla defesa ensina que:

Vale destacar, a este propósito, que os 'recursos a ela inerentes', a que se refere o art. 5º, LV, da Constituição Federal, devem ser entendidos como a criação de mecanismos, de formas, de técnicas processuais, para que a ampla defesa seja exercitada a contento. Não se trata de "recursos" em sentido técnico, em sentido processual, como mecanismos de revisão ou de controle de decisões judiciais, mas, bem diferentemente, de 'recursos' no sentido de meios, de técnicas, para o exercício de algum direito, aqui, a ampla defesa. Estes 'recursos' são os mais variados. A previsão do sistema de assistência jurídica integral e gratuita, como se lê do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, e a existência de uma Defensoria Pública, como impõe o art. 134 da Constituição Federal, são bons exemplos da criação, pela própria Constituição Federal, de meios suficientes para o exercício da ampla defesa em cada caso concreto.

(...)

O tema, que guarda inegável entrelaçamento com o 'princípio do contraditório' na forma exposta pelo número anterior, quer evidenciar, apenas e tão-somente, que, em um modelo de Estado como o brasileiro, não é suficiente a previsão formal de uma garantia processual. É mister a criação de condições mínimas e suficientes para seu escorreito exercício. Assim, não basta se defender mas também faz-se necessário criar condições de se exercer adequadamente esta defesa.

No que tange também ao caráter meramente formal das garantias enunciadas pela Constituição, convém destacar que a ampla defesa não pode ser entendida como mera garantidora de formas abstratas e vazias de qualquer significado para o atingimento da finalidade da jurisdição.

Não há dúvida de que os princípios constitucionais do processo devem incidir nos casos concretos e o próprio Cassio Scarpinella Bueno [06], propõe uma leitura constitucionalizada ou leitura conforme à Constituição de todos os dispositivos legais.

Todas as normas legais que de certa forma restrinjam a ampla defesa, devem ser lidas conforme a Constituição, possibilitando a máxima efetividade ao direito fundamental à ampla defesa.

Referindo-se aos servidores públicos estáveis, o Estatuto Político de 1988 ainda preceitua que:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada a ampla defesa.

O Supremo Tribunal Federal assegurando a ampla defesa aos servidores públicos editou a seguinte súmula:

Súmula nº 20: É necessário processo administrativo com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos [07], conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, promulgada pelo Decreto do Presidente da República nº 678, de 06 de novembro de 1992, tratando das garantias judiciais, diz, expressamente, no artigo 8º que:

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, as seguintes garantias mínimas:

(…)

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

O item 1 não deixa dúvida, toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e não apenas na apuração de acusação penal, mas, também, para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

O item 2 refere-se às pessoas acusadas de delito e diz que lhes são asseguradas como garantia mínima o direito irrenunciável de ser assistido por um defensor, caso o acusado não se defenda ele próprio ou, ainda, no caso de não nomear defensor dentro do prazo legal.

Note-se que em se tratando de delito o direito a defesa técnica é irrenunciável pelo acusado. Observa-se que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos assegura esse direito a todo e qualquer acusado de delito e não apenas aos considerados hipossuficientes. Trata-se de direito indisponível do acusado, haja vista que poderá ser condenado a perda de sua liberdade, direito fundamental indisponível.

Segundo artigo publicado por Washington Barbosa [08], recentemente os Ministros do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio e Joaquim Barbosa concederam liminares nas Reclamações nº 9164 e 8825, respectivamente, para garantir a defesa técnica a reeducandos que responderam, sem a presença de advogado, a processo administrativo disciplinar, para apuração de falta grave, sob o procedimento estabelecido na Lei de Execução Penal.

Por que não se estender essa garantia, também, aos servidores que estão sendo processados pela Administração Pública, diante da possibilidade de aplicação de sanção? Afinal, o servidor processado, também, é acusado e o inciso LV, do artigo 5º, da Carta Magna garante o contraditório e a ampla defesa aos acusados em geral.

José dos Santos Carvalho Filho [09] explica que:

É importante lembrar que o princípio da ampla defesa não deve ser interpretado restritivamente, quando se trata de processos com litígios e com acusados. Além do mais, deve considerar-se que a tutela jurídica do direito à defesa é dever do Estado, qualquer que seja a função que esteja desempenhando.

Registre-se que a eventual aplicação de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade; destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada, são penas muito graves que atingem a dignidade da pessoa humana, que em muitos casos, não terá como prover as suas necessidades básicas e, também, às necessidades de sua família, ficando o servidor privado de seus bens.

Há que se ressaltar, ainda, que em muitos casos a infração disciplinar configura crime e os autos do processo administrativo disciplinar, obrigatoriamente, devem ser remetidos ao Ministério Público para instauração de ação penal contra o servidor, conforme preceitua o artigo 171, da Lei Federal nº 8.112/90.

Daí, a importância de se proporcionar todas as garantias oriundas do devido processo legal ao servidor que está sendo processado administrativamente, sendo imprescindível a defesa técnica por advogado para que se tenha equilíbrio, paridade de armas, na relação processual entre Administração Pública e o servidor que está sendo processado.

Vale lembrar, mais uma vez, que a Constituição da República não fez distinção no que se refere à observância da ampla defesa e do contraditório para os acusados, tanto na esfera judicial quanto na administrativa e o devido processo legal é de observância compulsória nos processos administrativos, legislativos e judiciais.

Aliás, parte da doutrina, também, tem esse entendimento, conforme lição de Léo da Silva Alves [10]:

A Constituição Federal de 1988 equiparou os processos administrativos aos processos judiciais, como se observa na clara redação do art. 5º, LV. Por conseguinte, não há diferença entre funcionário e réu. As mesmas garantias que tem o réu no processo penal, tem o funcionário no processo disciplinar.

Portanto, o servidor que responde a processo administrativo disciplinar e o réu no processo penal têm as mesmas garantias constitucionais. Regis Fernandes Oliveira [11] tem o mesmo entendimento:

Os princípios constitucionais previstos nos diversos incisos do art. 5º da CF não são de aplicação restrita. Não se aplicam apenas ao réu no processo-crime. Como garantia constitucional, seu conteúdo é o mais amplo possível. Logo, assegura-se a amplitude da defesa, que convive com meios sumários de apuração das infrações. Observe-se que a garantia administrativa não é tão ampla quanto a jurisdicional.

Edson Jacinto da Silva [12] em sua obra Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar, leciona que:

Quando falamos em direito a ampla defesa, é claro, que surge uma indagação: a quem cabe fazer a defesa, o acusado pessoalmente, ou a um Advogado constituído ou nomeado?

Entendemos, que o direito de ampla defesa não deve ser exercido por pessoa leiga, porque a violação desse direito certamente constituirá nulidade insanável, que consequentemente irá determinar a restauração de todos os atos processuais, desde onde a defesa deveria ter atuado, e não atuou.

A Lei 8.112/90 deve ser lida sob o enfoque constitucional. Há que se fazer uma leitura conforme a Constituição dessa lei, conforme já mencionado alhures.

Deve-se interpretar a lei conforme a Constituição e não a Constituição conforme a lei, como ensina Paulo Bonavides [13], sobre o método de interpretação conforme a Constituição.

Convém, todavia, que o intérprete não se afaste daquele princípio estabelecido pelo Tribunal Constitucional da Áustria de que 'a uma lei, em caso de dúvida, nunca se lhe dê uma interpretação que possa fazê-la parecer inconstitucional'. Corre-se não raro com o emprego desse método o risco de transformar a interpretação da lei conforme a Constituição numa interpretação da Constituição conforme a lei ('eine gesetzeskonforme Auslegung der Verfassung'), distorção que se deve conjurar.

A Lei Federal nº 8.112/90 traz o seguinte procedimento para o processo administrativo disciplinar:

Art. 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.

(...)

Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

Art.156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

§ 1º O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.

(...)

Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.

§ 1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles.

§ 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão.

(...)

Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.

§ 1º O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição.

§ 2º Havendo dois ou mais indiciados, o prazo será comum e de 20 (vinte) dias.

§ 3º O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis.

§ 4º No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de (2) duas testemunhas.

A leitura dos artigos acima da Lei Federal nº 8.112/90 revela um tecnicismo só compreensível por quem tem bons conhecimentos jurídicos. Não pode um servidor ou mesmo o seu procurador, desprovido de tais conhecimentos, promover uma defesa ampla, técnica, conforme preceitua o artigo 153 supracitado e o inciso LV, do artigo 5º, da nossa Constituição.

Uma defesa técnica eficiente só pode ser apresentada por advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Este é o profissional que detém, até prova em contrário, o conhecimento técnico imprescindível para a defesa do servidor processado administrativamente pela Administração Pública.

Assim como no processo penal, no processo administrativo disciplinar há, também, que se apresentar defesa técnica por advogado, considerando que as garantias tanto do réu como do servidor são as mesmas diante da Constituição da República Federativa do Brasil.

A defesa técnica ampla exige conhecimentos e experiência de quem a promove em nome do servidor processado. Registre-se que além da defesa de mérito há a defesa processual onde o servidor processado tem o direito de permanecer calado, de não produzir provas contra si mesmo, de protestar pela ordem, de pedir reformulação de perguntas pelo presidente da Comissão, de contraditar testemunhas, de reperguntar, de pedir perícias, alegar a suspeição dos membros da Comissão Processante etc.

Como poderá um servidor, seu procurador ou mesmo um defensor dativo que não seja advogado, que não tenha o conhecimento jurídico, alegar todas essas matérias de defesa durante uma audiência?

Mesmo aqueles que entendem que é possível a autodefesa no processo administrativo disciplinar demonstram preocupação com a qualidade da defesa a ser apresentada no caso de indiciado revel, sugerindo que no caso de nomeação de defensor dativo, se dê preferência a funcionário habilitado em Direito. Observe o que diz Ernomar Octaviano e Átila J. Gonzáles [14]:

A defesa do indiciado tanto poderá ser feita por ele próprio como por procurador legalmente constituído. A falta de defesa do acusado implicará a nulidade do processo administrativo. Tanto que, se, no caso de revelia do indiciado, esgotar-se o prazo de defesa, sem que ele se manifeste, incumbirá à presidência da comissão designar, ex officio, funcionário para a produção da defesa, em nome do servidor revel, correndo, para tanto, novo prazo.

A referida designação recairá, sempre que possível, em funcionário habilitado em Direito. A propósito, o servidor designado não poderá, sem motivo justo, eximir-se da incumbência que lhe foi atribuída, sob pena de responsabilidade funcional.

Aceitar defesa técnica por quem não é advogado é fomentar o exercício ilegal da advocacia, o que contraria o texto constitucional, considerando que:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

A nossa Constituição, ainda, diz que:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

A Lei 8.906/94 que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB diz, expressamente, que:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Toda pessoa processada judicial ou administrativamente tem direito ao devido processo legal conforme já mencionado. A ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes só é possível por meio de uma defesa técnica elaborada por advogado.

Quem apresenta defesa em processo administrativo ou processo administrativo disciplinar, sem ser advogado, ou sem ser representado por esse profissional, na verdade, não apresenta defesa técnica, nos termos exigidos pelo devido processo legal constitucional.

Desse modo, a autodefesa exercida por quem não é advogado, e, também, a defesa apresentada por procurador ou defensor dativo sem inscrição na OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, não caracteriza a defesa técnica exigida pelo princípio da ampla defesa.

O representante que exerce atos privativos de advogado sem inscrição na OAB age de forma ilegal, pois está, sem dúvida, prestando consultoria, assessoria e direção jurídica para o contribuinte ou ao servidor processado administrativamente por infrações disciplinares.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que é indispensável a defesa técnica por advogado nos processos administrativos disciplinares e sumulou, após vários julgados, esse entendimento, nos seguintes termos:

Súmula nº 343. É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Um dos precedentes que retratam bem os fundamentos da exigência de defesa técnica por advogado nos processos administrativos disciplinares, cujos debates deram origem ao enunciado supracitado, foi o julgamento do Mandado de Segurança nº 10.837 – DF, ocorrido em 28 de junho de 2006, no qual a Ministra Laurita Vaz proferiu o seguinte voto vencedor:

LUIZ CARLOS PACHECO DE LIMA impetrou mandado de segurança contra ato do MINISTRO DE ESTADO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, consubstanciado na alegação de inobservância do devido processo legal e da ampla defesa, aos fundamentos de que:

(i) "Não houve, data venia, o exercício do contraditório e da ampla defesa,

pois o advogado somente ingressou nos autos após o encerramento da instrução, contrariando assim direitos constitucionais indisponíveis do impetrante" (fl. 06);

(ii) "O acusado não constituiu advogado, não reinquiriu testemunhas, não

apresentou a mais tênue defesa dos seus direitos. Não foi, principalmente, submetido a perícia médica para aferir o seu estado emocional no dia dos fatos, sua capacidade de discernimento da realidade e determinação diante desta" (fl. 11);

(iii) "sequer a regra da razoabilidade foi seguida pela autoridade julgadora, que preferiu aplicar a pena capital do estatuto do funcionário público, qual seja a cassação da aposentadoria, ao invés de outra menos radical, como a própria lei indica, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto" (fl. 11);

O Ministério Público Federal manifestou-se no sentido da denegação da segurança (fls. 294/298).

O ilustre Relator, Ministro PAULO GALOTTI, proferiu voto pela denegação da ordem.

Pedi vista dos autos para melhor examiná-los.

Infere-se dos autos que o Impetrante foi processado e penalizado disciplinarmente com a cassação de sua aposentadoria, por haver, quando ainda em atividade, apoderado-se de numerário público não-utilizável, consistente em cédulas destinadas à destruição por fragmentação, não logrando êxito na empreitada por circunstâncias alheias à sua vontade, conduta que restou tipificada nos arts. 116, inciso IX, 117, inciso IX e 132, inciso IV, todos da Lei n.º 8.112/90.

Relativamente à tese de ofensa à ampla defesa e ao devido processo legal, cabe trazer à colação o seguinte trecho extraído das informações prestadas pela Autoridade Impetrada, in verbis:

"A defesa no processo administrativo foi amplamente franqueada ao impetrante – foi ele intimado do depoimento de todas as testemunhas ouvidas desde o início das apurações até a ultimação do processo – como se vê às fls. 12 e 73 do proc. 0401273367. Se não contratou advogado para acompanhá-lo no curso do processo, é porque certamente não se interessou. E se não contraditou as testemunhas, argüindo a suspeição do José Carlos (um dos depoentes) – que agora se apresenta, na avaliação da impetração, como inimigo fidagal do impetrante – nem reinquiriu as demais testemunhas, exigindo acareação, foi porque não julgou necessário, uma vez que acompanhou os depoimentos.

[...]

Quanto à perícia psicológica suscitada também pelo impetrante, cumpre trazer à colação a análise da comissão processante sobre esse ponto:

38. ...cabia ao acusado trazer aos autos subsídios que comprovassem estar sob cuidados médicos, como já se disse na análise do item 1 da defesa;

caberia ao acusado comprovar que não estava bem de saúde., de que se encontrava sob o acompanhamento de psiquiatra, psicólogo ou profissional similar médico da área de saúde mental. Viria a esta comissão, inclusive, acompanhado por pessoa de sua confiança.

39. Caberia em sua defesa escrita, por fim, trazer tal atestado médico ou declaração de insanidade mental ou diagnóstico de enfermidade mental que lhe reduzisse o discernimento.

40. Como já dito, o acusado assistiu a vários depoimentos, requereu peças constantes dos autos e agora, com fins procrastinatórios, requer perícia que ateste o seu estado mental no dia dos fatos apurados neste procedimento, que deixa de ser deferida por falta de subsídios motivadores e elementos fáticos para a sua realização.' (Pt. 04001276667 - fls. 117/118);'

[...]" (fl. 102)

Assiste razão ao Impetrante.

Conquanto lhe tenha sido oportunizado o acompanhamento de todo o processo pessoalmente ou por seu procurador legalmente constituído também durante a fase instrutória, tendo sido devidamente notificado para tanto (fl. 119), e inclusive comparecido a algumas oitivas de testemunhas, o Impetrante somente constituiu defensor após finda a instrução, já na fase da defesa final.

Cabe esclarecer que, no decorrer do inquérito administrativo, o servidor que figura como acusado tem o direito de acompanhar o processo, produzir contraprovas, reinquirir testemunhas, consoante estabelecem os arts. 156 e 159, § 2.º, da Lei n.º 8.112/90, em cumprimento ao mandamento constitucional inserto no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal.

Desse modo, apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal –, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. Vale dizer, caso tivesse o Impetrante constituído advogado desde o início do processo, não se poderia cogitar de ofensa ao contraditório, na hipótese de nem o defensor nem o acusado optarem por não comparecer às audiências de instrução. Isso porque, embora os bens jurídicos envolvidos em ambos os casos sejam de valor relevante ("emprego" e "liberdade"), somente este último constitui direito indisponível, daí a obrigatoriedade da presença efetiva do defensor desde o início do apuratório em todos os atos do processo, sob pena de nulidade.

Entretanto, impende esclarecer que a constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental.

Dessa forma, por imperativo constitucional, à luz dos precedentes desta Corte de Justiça, com a qual não se compatibiliza a auto-defesa, em se cuidando de acusado sem habilitação científica em Direito, não há como deixar de reconhecer a nulidade ora pleiteada.

Nesse sentido, os seguintes precedentes, um dos quais de minha relatoria:

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE DEFESA POR ADVOGADO E DEFENSOR DATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA

I - 'A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas litigantes, mas também os acusados em geral' (Precedentes).

II - Independentemente de defesa pessoal, é indispensável a nomeação de defensor dativo, em respeito à ampla defesa.

III - Ordem concedida." (MS 10565/DF, 3.ª Seção, Rel. Min. FELIX

FISCHER, DJ de 13/03/2006.)

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO. PRECEDENTES DESTA CORTE. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

3. Na hipótese, durante a instrução do Processo Administrativo Disciplinar, o Impetrante não contou com a presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo, circunstância, que, a luz dos precedentes desta Corte de Justiça, elementar à garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral. Precedente desta Corte.

4. Ordem concedida para que o Ministro de Estado da Saúde se abstenha de emitir portaria demissória do ora Impetrante em razão dos fatos apurados no Processo Administrativo Disciplinar n.º 25265.007811/2002-21, em decorrência de sua nulidade, sem prejuízo de instauração de novo procedimento, com observância das formalidades legais." (MS 9201/DF, 3.ª

Seção, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ de 18/10/2004.)

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO.

1. A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral.

2. Ordem concedida." (MS 7078/DF, 3.ª Seção, Rel. Min.

HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 09/12/2003.)

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO DE PENALIDADE. ART. 125, § 4º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE ADVOGADO OU DEFENSOR DATIVO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

II - O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência uniforme no sentido de que os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, igualmente incidentes na esfera administrativa, têm por escopo propiciar ao servidor oportunidade de oferecer resistência aos fatos que lhe são imputados, sendo obrigatória a presença de advogado constituído ou defensor dativo. Precedentes.

III - Não havendo a observância dos ditames previstos resta configurado o desrespeito aos princípios do devido processo legal, não havendo como subsistir a punição aplicada.

IV - A declaração da nulidade de parte do procedimento não obsta que a Administração Pública, após o novo término do processo administrativo disciplinar, aplique a penalidade adequada à eventual infração cometida.

V - Recurso conhecido e parcialmente provido para reformar o acórdão a quo, declarando-se a nulidade do processo administrativo, com a conseqüente anulação do ato que impôs a pena ao militar." (RMS 20148/PE, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 27/03/2006.)

Restando caracterizada a violação da garantia constitucional da ampla defesa, mister se faz a declaração da nulidade parcial do Processo Administrativo Disciplinar sub examine.

Em vista da nulidade ora proclamada, a impetração, no mais, mostra-se prejudicada.

Ante o exposto, divirjo do Relator para CONCEDER a segurança, declarando a nulidade do processo administrativo desde o início da fase instrutória, e, por conseqüência, da penalidade aplicada.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Não obstante, a Terceira Seção, em 27 de agosto de 2008, decidiu anular este julgamento por falta de intimação do Procurador do Banco Central do Brasil, determinando o retorno dos autos ao relator originário para reinclusão em pauta, com prévia intimação pessoal daquele.

Ocorreu novo julgamento do Mandado de Segurança nº 10.837 – DF, no dia 11 de março de 2009, já sob a égide da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal. Com a Súmula Vinculante nº 5 os Ministros foram obrigados a denegar a ordem em mandado de segurança.

Com a Súmula Vinculante, fica evidente que o magistrado não pode votar de acordo com as suas convicções, deve seguir o que a súmula determina. Interessante demonstrar, nesse julgamento do dia 11 de março de 2009, o que disse o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho em seu voto.

1. Senhora Ministra Presidente, observo que a Súmula 5, do STF, que vem sendo invocada com grande frequência, diz que a falta de defesa técnica por Advogado não nulifica o procedimento administrativo; penso que está dito que a defesa técnica é necessária, o que não é necessário é o Advogado.

2. Admito que certas matérias são até desenvolvidas com mais profundidade e eficiência por outro profissional que não por um Advogado. A defesa técnica por Advogado é dispensável agora contrariamente, a nossa Súmula dizia.

Então, o Advogado não é necessário, mas a defesa técnica é, por quem tem a qualidade, habilidade, conhecimento e capacidade, digamos assim, de promover a tal defesa técnica ou, então, vamos admitir que possa se aplicar uma sanção sem defesa técnica alguma, o que não é o caso.

3. Penso que a Súmula não diz isso, não diz que se possa sancionar alguém seja com que pena for sem a defesa adequada. O que está dito pela Súmula 5, a meu ver, é que não se exige que seja Advogado, o defensor, mas se exige que haja uma defesa eficiente. Não é assim no processo penal? No processo penal é assim, exatamente assim. Ainda que o réu tenha Advogado, mas se não promover defesa, se tem por nulo o processo ou pelo menos por anulável, quando a defesa não é eficaz, não é eficiente, enfim quando a defesa é nenhuma, mesmo que haja Advogado constituído.

4. Por outro lado, observei da leitura do relatório do eminente Relator que houve a alegação de insanidade do servidor aposentado que veio a ser punido e este aspecto de insanidade não foi sindicado, e não foi porque não tinha Advogado, foi a falta de Advogado que provocou a omissão da pesquisa da insanidade, quiçá da inimputabilidade da pessoa por esta conduta, seja na esfera criminal, seja na esfera administrativa.

5. Então, esse aspecto da insanidade, com ou sem Advogado, não foi sindicado, não foi pesquisado pela douta Comissão que deveria tê-lo feito.

Por que ele não trouxe um atestado? O atestado do médico particular não convence a Comissão nem é aceitável pela Comissão. Teria que se fazer uma perícia no servidor para saber se ele tinha ou não tinha a deficiência mental que foi alegada.

Curvo-me, como diz a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, ao teor da Súmula vinculante 5, mas a compreendo como disse. A defesa técnica é sempre necessária e no caso voto pela concessão da ordem em mandado de segurança para que se submeta o paciente ao exame de saúde, no caso exame de sanidade mental, para se apurar, porventura, que esse servidor sancionado tem deficiência mental, com ou sem Advogado, não é o caso.

6. Pois é, foi indeferida a perícia.

7. Por que a Comissão indefere uma perícia? Por que não tem Advogado? Claro que não, penso que se há uma alegação, uma indicação de que há uma insanidade mental, acredito que a Comissão deve paralisar o processo e mandar fazer, até de ofício, a pesquisa para ver se essa alegação tem ou não tem fundamento. Não estou dizendo que tem fundamento, Excelência, evidentemente, mas que deveria se pesquisar isso para assegurar a amplitude da defesa, mesmo sem Advogado.

8. E assim, Sra. Ministra Presidente, pedindo vênia a V. Exa. e aos votos que já foram manifestados, que voto; reconheço, não podia deixar de reconhecer, a força vinculante da Súmula 5, faço dela a leitura que acabei de anunciar e, no caso, por haver uma alegação de insanidade que não foi pesquisada pela Comissão, voto pela anulação para que se faça essa pesquisa da sanidade do servidor que foi sancionado, concedendo a ordem de segurança.

Veja que o Ministro diz, expressamente, curvar-se diante da Súmula Vinculante, diz que não podia deixar de reconhecer a força vinculante da Súmula nº 5 do STF, porém, fez dela leitura que achou mais condizente com a nossa Constituição.

Observa-se que, na opinião do Ministro, houve omissão por parte da Comissão em sindicar a sanidade mental do servidor que respondeu ao processo administrativo disciplinar. Diz que a insanidade do servidor processado não foi sindicada porque não tinha advogado. Segundo o Ministro, foi a falta de Advogado que provocou a omissão da pesquisa da insanidade, quiçá da inimputabilidade do servidor.

Como já dito alhures, não há como apresentar defesa técnica sem advogado. Há muitas matérias de defesa fora do alcance dos leigos, sendo imprescindível a presença do advogado desde a instauração do processo administrativo disciplinar.

Dizer que é possível a defesa técnica sem advogado é um contrassenso. Todavia, essa é a leitura possível do enunciado da súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Como o próprio Ministro disse, não se pode condenar alguém sem uma defesa técnica eficiente, a defesa técnica é sempre necessária. Porém, esta defesa, nos termos da nossa Constituição, deve ser feita, necessariamente, por advogado.

A Ministra Maria Thereza de Assis Moura votou nos seguintes termos:

Sra. Ministra Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro Relator, denegando a ordem em mandado de segurança, porém faço uma ressalva no que diz respeito à questão da defesa técnica.

Nós, aqui no Superior Tribunal de Justiça, firmamos a compreensão, e que estava posto na Súmula nº 343, no sentido de que a presença do advogado é obrigatória em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Porém, diante do teor da Súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, no sentido trazido aqui hoje pelo Sr. Ministro Relator, de que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição Federal, só me resta fazer a ressalva do meu ponto de vista e, aqui, acrescentando que entendo, embora este seja o teor da Súmula, que a defesa técnica é feita por advogado, e o teor da Súmula parece-me que só pode ser no sentido de que não se faz necessária essa defesa técnica, exercida por bacharel de Direito inscrito na OAB.

Então, entendendo nesse sentido a Súmula, faço ressalva do meu ponto de vista, mas me vejo obrigada a acompanhar o que decidiu o Supremo Tribunal Federal.

Observa-se no voto, com ressalva, da Ministra Maria Thereza de Assis Moura o seu desconforto ao denegar a ordem em mandado de segurança. Veja que a Ministra, obrigada a curvar-se diante do enunciado da Súmula Vinculante nº 5 do STF, fez questão de fazer ressalva do seu ponto de vista, no que se refere à defesa técnica, dizendo que: "só me resta fazer a ressalva do meu ponto de vista e, aqui, acrescentando que entendo, embora este seja o teor da Súmula, que a defesa técnica é feita por advogado."

O voto vencedor do Ministro Paulo Gallotti (Relator), que denegou a ordem em mandado de segurança, baseou-se prioritariamente no enunciado da Súmula Vinculante nº 5. Disse o Ministro que: "Tenho, porém, que a questão hoje está superada com a edição do enunciado nº 5 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal."

Curvando-se diante do enunciado da Súmula Vinculante nº 5, como não poderia deixar de ser, os demais Ministros seguiram o voto do Relator e denegaram a ordem no mandado de segurança nº 10.837-DF.

Sobre o autor
Marcelo Bernardes Batista

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Coordenador do Núcleo de Sindicância e PAD da Prefeitura Municipal de Uberlândia - MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Marcelo Bernardes. O direito ao devido processo legal no processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90.: Súmula Vinculante nº 5 do STF e o direito fundamental à ampla defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2837, 8 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18863. Acesso em: 19 dez. 2024.

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