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A aplicabilidade do princípio do juiz natural nos processos administrativos disciplinares: a composição das comissões processantes

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RESUMO

O estudo aborda a força normativa e vinculante dos princípios jurídicos no ordenamento jurídico brasileiro através do princípio do juiz natural, princípio - garantia que visa assegurar a realização do processo administrativo disciplinar por comissão processante composta de agentes públicos imparciais, independentes, retos e morais, com competência previamente fixada em lei, constituídos em suas funções antes da ocorrência do fato que originou a instauração do processo, além de certificar que toda e qualquer alteração de competência dependerá de lei prévia, garantindo ao servidor público acusado de infringir seus deveres funcionais, o acesso a um processo justo. O referido princípio constitucional, com seu conteúdo material vinculante, por vezes é violado pela Administração Pública, na realização dos processos administrativos disciplinares quando da composição das comissões processantes, o que enseja, se demonstrado o efetivo prejuízo do administrado, a nulidade do processo.

Palavras-chave: princípio do juiz natural, processo administrativo disciplinar, comissão processante.

ABSTRACT

The study intends to analyze the normative force and binding of the juridical principals in the Brazilian juridical law through the natural judge's principle, - a guaranty that seeks to assure the accomplishment of the administrative disciplinary processes for commission lawsuit composed of impartial public agents, independent, straight and moral, with competence previously fastened in law, constituted in your functions before the occurrence of the fact that originated the instauration of the process, besides certifying that all and any competence alteration will depend on previous law, it will guarantee to the public server, accused of infringing his/her functional duties, the access to the a fair process. The referred constitutional principle, with its content binding material, sometimes is violated by the Public Administration, in the accomplishment of the administrative disciplinary processes when of the composition of the commission’s lawsuit, which tries if demonstrated the cash damage of the administered, the nullity of the process.

Key-words: natural judge's principle, administrative disciplinary process, commission’s lawsuit.


1 INTRODUÇÃO

No presente artigo científico, na área de Direito Constitucional e Administrativo, estudar-se-á, "A Aplicabilidade do Princípio do Juiz Natural nos Processos Administrativos Disciplinares: a Composição das Comissões Processantes".

Buscando compreender, com ênfase no processo administrativo disciplinar, o princípio do juiz natural previsto no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal de 1988, do qual repercutem várias situações – desde a instauração do processo administrativo até o seu julgamento final - para a Administração Pública e, consequentemente, para a sociedade que a ela está intimamente vinculada.

Deste modo, procurar-se-á demonstrar como deve proceder o Administrador Público frente às garantias do princípio do juiz natural, desde o instante que compõe as comissões processantes, ou seja, antes e após a instauração de um processo administrativo disciplinar, as quais se não forem observadas poderão causar a nulidade do processo.


2 O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO JUÍZO DE EXCEÇÃO – JUIZ NATURAL

Historicamente, o princípio do juiz natural desenvolveu-se da experiência inglesa, desde a Carta Magna de 1215, a qual preconizava que "nenhum homem livre pode ser preso ou encarcerado, despojado de seus bens, proscrito ou desterrado, de qualquer forma liquidado, a não ser por de seus pares segundo a lei da terra" até a Petition of Rights de 1628 e a Constituição dos Estados Unidos da América de 1776.

Dissertando sobre esse tema Grinover (1983 apud Abreu, 2005) dispõe: "na Petition of Rights e no Bil of Rights o princípio do juiz natural realmente assume a dimensão atual, de proibição de juízos ex post facto". Para a doutrinadora foi a Lei de Organização Judiciária de 1790, resultado da Revolução Francesa, que estabeleceu:

A ordem constitucional das jurisdições não pode ser perturbada, nem os jurisdicionados subtraídos de seus juizes naturais, por meio de qualquer comissão, nem mediante outras atribuições ou avocações, salvo nos casos determinados por lei.

Desta forma, constituiu-se a garantia do juiz natural, a qual assevera Bacellar Filho (2006, p. 323) que: "A garantia do juiz competente constitui-se, nesta primeira fase, sinônimo de liberdade civil, para mais tarde ser compreendida como garantia processual". Tratando-se, atualmente, de um princípio/garantia consagrado na legislação, que veda constitucionalmente através do art. 5º, incisos XXXVII e LIII (BRASIL, 2009) a criação de tribunais ou juízes de exceção e o processamento ou a realização de sentença por quem não tem competência, primando pela imparcialidade e pela pré–constituição do julgador.

Esse princípio que constitui um dos alicerces da consolidação do Estado Democrático de Direito é em sentido formal apontado pela doutrina americana como um instrumento garantidor da efetividade do due process of law, de acordo com Bacellar Filho (2008, p. 227).

Dissertando sobre o assunto, Roza (2006, p.69) afirma:

O juiz natural é o que tem a competência abstratamente prevista, conforme a Constituição, estabelecida antes da ocorrência do fato a ser colocado sob julgamento. Desrespeita-se o princípio do juiz natural, quando forem instituídos tribunais de exceção à regra predeterminada, criados post facto, instituídos ad hoc para o fato em particular, concretamente determinado, que ensejam julgamentos emitidos de modo que possam prejudicar ou favorecer pessoas ou interesses.

Com efeito, denota-se a grande importância que este princípio representa na esfera jurídica, entendendo-se assim, a preocupação dispensada pelos legisladores ao inserirem na Constituição garantias que representem a imparcialidade, a igualdade, a objetividade do julgamento, o limite do poder estatal, e, por conseguinte o direito de cada cidadão ser julgado coberto pelo manto da justiça, procedendo como um princípio – garantia, o qual deve permear em todos os processos.

Assim, tem-se que ele exige autoridade competente para o processamento, desde a instauração até o julgamento final, e quando investido nesta função deve manter-se equidistante entre as partes envolvidas, subordinando-se imperiosamente e exclusivamente às normas, zelando pela imparcialidade- quando na solução dos conflitos.

Segundo Roza (2006, p. 69):

O princípio do juiz natural garante a imparcialidade na pré – constituição legal e inalterabilidade da competência, ao mesmo tempo que garante a igualdade pela proibição de juízes especiais e extraordinários, porque todos têm direito aos mesmos juízes e aos mesmos procedimentos.

No entendimento de Nery Júnior e Nery (2006, p. 133) o princípio do juiz natural é garantia constitucional que proíbe a criação ou designação "de juízos de exceção, posteriormente a ocorrência do fato (ex post facto) ou em razão da pessoa (ad personam)", e ainda assegura que "a causa deve ser julgada por um juiz imparcial, competente, pré-constituído pela lei, isto é, constituído primeiro que o fato a ser julgado".

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Cumpre dispor que a declaração "juízo ou tribunal de exceção", proibida pela Constituição se destina a vedar a criação de órgãos ilegítimos para julgar - sem previsão constitucional direta ou indiretamente, constituídos depois da ocorrência dos fatos, para julgar um determinado caso concreto. Como averba Bacellar Filho (2003, p. 326) "O juiz natural é a autoridade com competência, abstratamente, predeterminada pela lei. Estabelece a proibição dos juízos ou tribunais ex post facto criados especialmente para a resolução de um caso concreto".

Em tema, necessário estabelecer que os juízos ou tribunais de exceção vedados, segundo disposto pelo aludido doutrinador, não se confundem com os tribunais especiais, uma vez que estes últimos são pré – constituídos e criados para facilitar e auxiliar o exercício do Poder Judiciário, atribuindo e dividindo a atividade jurisdicional do Estado entre vários órgãos.

Ainda sobre o princípio do juiz natural, Bacellar Filho (2003, p.325 – 330) incorpora-o em cinco sentidos:

a) Quanto ao plano da fonte, a Constituição institui a reserva absoluta da lei para fixação da competência de juízo. E mais: a lei deve concretizar a competência estabelecida pela Constituição. [...] b) Quanto ao plano da referência temporal, garante-se que ninguém pode ser processando ou julgado por órgãos instituídos após a ocorrência do fato. [...] c) Quanto ao plano da imparcialidade, o juiz natural é a autoridade imparcial. A imparcialidade substancia requisito subjetivo, ligada diretamente à pessoa do julgador. Imparcial é quem julga sem paixão, reto, justo e não sacrifica a verdade ou a justiça a conveniências particulares. [...] d) Quanto à abrangência funcional, o tema envolve questões de ordem subjetiva e objetiva. No primeiro aspecto, o princípio do juiz natural enquadra as autoridades abrangidas pela regras inerentes à imparcialidade (aspecto subjetivo do princípio). No segundo os órgãos e agentes devem ter sua competência pretendida pela lei. [...] e) Quanto ao plano da ordem taxativa de competência, garante-se, entre os órgãos e agentes pré – constituídos, a exclusão de qualquer alternativa deferida à discricionariedade: as modificações de competência devem estar contidas também em lei anterior ao fato.

Como visto, o doutrinador traz acentuadamente a margem de discussão deste princípio - um aspecto subjetivo e outro objetivo, o primeiro diz respeito à imparcialidade e o segundo à competência.

No que concerne à imparcialidade, esta constitui pressuposto necessário para atingirmos a objetividade do julgamento. Pode-se afirmar que a aplicação deste requisito, nos processos, constitui garantia para as partes envolvidas, evitando-se a participação de juízes parciais, acidentais e interessados em resultados, assegurando decisões neutras, justas e independentes, impedindo o julgamento antes da decisão.

Em relação à competência é necessário analisar o significado das expressões "juízo" ou "tribunal" de exceção (art. 5º, XXXVII da CF), "processado" e "sentenciado" pela "autoridade competente" (art. 5º, LIII da CF), conforme assinala Bacellar Filho (2003, p. 328):

À primeira vista, poder-se-ia interpretar restritivamente o princípio a partir da literalidade de seu título – juiz natural. Assim ter-se-ia que o princípio alcança em seu aspecto subjetivo (requisito da imparcialidade) somente o juiz da causa e no aspecto objetivo (predeterminação legal e racional da competência), os juizes e tribunais judiciários.

Na síntese precisa do doutrinador, reflete-se a importância e a necessidade de aprofundar o conhecimento em relação ao nomem iuris do princípio, pois este não corresponde aos termos constantes no art. 5º, incisos XXXVII e LIII da Constituição. Assim, levando-se em consideração as expressões acima referenciadas, é imperioso expor o pensamento de alguns doutrinadores:

Amorim e Clares (2002, p. 31) expõem que a autoridade competente é "autoridade que, por força de determinação legal, ou por delegação de competência tem capacidade funcional para praticar atos inerentes ao seu cargo, no âmbito e destro da abrangência de tal competência".

Theodoro Júnior (2007, p. 239) assenta que "o juiz - detentor do poder jurisdicional – para consecução de suas tarefas necessita da colaboração de órgãos auxiliares, que, em seu conjunto e sob a direção do magistrado, formam o juízo". De uma forma ampla sustenta Bacellar Filho (2006, p.329):

[...] juízo, termo de sentido gramatical não unívoco, que tanto pode significar ato de julgar, julgamento; quanto o foro do tribunal onde se processam e julgam os pleitos, bem como a entidade judiciária constituída pelo juiz singular ou órgão colegiado e até os órgãos do poder executivo quando investidos de funções judicantes nos assuntos de sua pertinência. [...] Se apenas o juiz fosse o responsável pelo "processamento" não haveria sentido na utilização desta expressão. Bastaria a referência a "sentenciado". Processamento significa, objetivamente, que a garantia estende-se a todas as fases do procedimento; subjetivamente, que abrange toda a autoridade a desempenhar funções de processamento, de participação no contraditório. Em conexão lógica, a Constituição refere-se à autoridade competente pelo processamento, indo além do juiz.

Desta forma, levando-se em consideração o entendimento doutrinário, percebe-se que o princípio do juiz natural, que constitui uma garantia fundamental, vai além da função jurisdicional, estendendo a sua aplicabilidade, inclusive, aos processos realizados pela Administração Pública – princípio do administrador competente.

Nos processos realizados pela Administração Pública, denominados de processos administrativos, ou mais especificamente nos processos administrativos disciplinares, foco de estudo, que visam preservar a ordem no serviço público e garantir aos servidores públicos um instrumento equânime, o princípio tem como finalidade primordial garantir as partes envolvidas a imparcialidade e a independência do juízo no processamento do feito.

Importante destacar, que o princípio enfatizado abrange todas as pessoas relacionadas ao processo, atingindo deste modo os responsáveis pela acusação, condução/instrução e decisão, sendo que a não observância deste princípio, poderá causar a nulidade de todo o processo, pois, a execução deste por agentes incompetentes violará as garantias asseguradas ao acusado, através dos princípios da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal, da legalidade dentre outros.

Neste sentido, a realização do processo administrativo garante aos administrados – sejam eles particulares e/ou servidores – a proteção de seus direitos, podendo eles serem ouvidos, julgados com paridade e imparcialidade através de um processo preordenado, aproximando a Administração do cidadão e atribuindo a ela a concretização da justiça através dos princípios constitucionais.


3 CONSEQUÊNCIAS DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Os poderes do Estado, em virtude do conteúdo jurídico limitativo do princípio do juiz natural – garantia constitucional, ficam submissos, no seu exercício, ao teor do princípio, devendo observá-lo e resguardá-lo.

Neste sentido, posiciona-se o Supremo Tribunal Federal:

O postulado do juiz natural, por encerrar uma expressiva garantia de ordem constitucional, limita de modo subordinante, os poderes do Estado – que fica, assim, impossibilitado de instituir juízos ad hoc ou de criar tribunais de exceção -, ao mesmo tempo em que assegura, ao acusado, o direito ao processo perante autoridade competente abstratamente designada na forma da lei anterior, vedados, em consequência, os juízos ex post facto. (AgRg 177313-9, REL. MIN. CELSO DE MELLO, JULGAMENTO EM 24-4-96, DJ DE 17-5-96).

Desta forma, atuando o princípio do juiz natural, como um princípio limitativo do exercício do poder estatal, faz-se necessário, neste momento, estabelecer em que sentido este permeia a sua atuação e o seu conteúdo, analisando suas exigências e restrições, com intuito de auferir de forma cristalina as consequências decorrentes de sua aplicação no processo administrativo disciplinar.

Dispor-se-á para isso, cinco planos que abrangem as consequências da aplicação do princípio do juiz natural, integrando o pensamento de alguns doutrinadores, dentre Bacellar Filho (2003), Dias (1974 apud Roza, 2006, p.79) e Miranda (2006). Os planos dividem-se em: 1) abrangência funcional; 2) fonte; 3) referência temporal; 4) imparcialidade e 5) ordem taxativa de competência. Os itens citados, anteriormente, serão analisados a seguir.

3.1 CONSEQUÊNCIAS QUANTO AO PLANO DA ABRANGÊNCIA FUNCIONAL

Por força do plano de abrangência funcional será assegurado a todo e qualquer servidor acusado de infringir seus deveres/obrigações e proibições funcionais, o direito de ter o seu processo instaurado, conduzido, instruído e decidido por agentes competentes, conforme primado pelo princípio do juiz natural.

Ademais, sobre o assunto afirma o administrativista Bacellar Filho (2003, p. 338):

O plano de abrangência funcional importa a consideração que as diversas matizes do princípio do juiz natural alcançam os agentes responsáveis pelo processamento e decisão do processo administrativo disciplinar. Embora os diversos Estatutos dos Servidores Públicos disponham diferentemente quanto ao exercício da competência disciplinar, a regra tem aplicação geral. O princípio estende-se obrigatoriamente à autoridade que desempenha o ofício da acusação; à autoridade que conduz o processo, ou na acepção técnica, detém competência instrutória; à autoridade com competência decisória, a quem compete definir e aplicar a sanção.

Como leciona o doutrinador, o grande valor do plano de abrangência funcional reside no ponto de que as consequências e os efeitos jurídicos irradiados pelo princípio do juiz natural, não se destinam apenas à pessoa responsável pela instauração e julgamento, mas também aquelas que desempenham as funções de condução e instrução, aqui se incluindo as comissões processantes.

Desta forma, dever-se-á, quando da realização de um processo administrativo disciplinar, ficar adstrito ao plano de abrangência funcional, que compreende todos os responsáveis pela instauração, processamento e julgamento do processo, devendo ainda, estes estarem previamente constituídos por ato próprio, além da incumbência de agirem com independência, objetividade, imparcialidade e isonomia, para que ao fim, possa-se auferir um resultado justo.

3.2 CONSEQUÊNCIAS QUANTO AO PLANO DA FONTE

O plano da fonte exige que o juiz natural - entendendo-se todos os responsáveis pelo processo administrativo disciplinar - possua sua competência fixada na lei.

Dissertando sobre o assunto, assevera Dias apud Roza (2006, p. 79) afirma que "no plano da fonte, o juiz será instituído com sua respectiva competência somente mediante lei".

Conforme salienta o doutrinador, tem-se que apenas a lei constitui-se o meio hábil para instituir e fixar a competência do juiz natural. No entanto, há necessidade de estabelecer que, o Poder Executivo, pode utilizar-se de forma normativa restrita, no exercício da função administrativa, do seu poder regulamentar.

Neste sentido cumpri dispor o pensamento de Bacellar Filho (2003, p. 346):

A lei constitui o instrumento apto para determinar a competência dos órgãos ou agentes responsáveis pelo processo administrativo disciplinar. Tal assertiva não exclui o espaço do poder regulamentar que deve, nada obstante, atuar de modo derivado, limitado e subordinado.

Ainda, sobre o plano da fonte, pondera Miranda (2006, p. 91), que é inconcebível a fixação da competência do juiz ocorrer em ato não definido como lei, pois, "ao admitir tal prática o princípio do juiz natural estaria enormemente enfraquecido, uma vez que poderia ser alterado de acordo com a conveniência do respectivo tribunal, que não raro pode ser motivada por fatos externos".

Desta forma a competência do juiz natural, no processo administrativo disciplinar, deve estar determinada na lei, ficando os agentes competentes pelo processo estruturados nela, de tal forma, que se coordenem e subordinem, exercendo suas atribuições fixadas em consonância com a posição hierárquica administrativa respaldada pela lei.

3.3 CONSEQUÊNCIAS QUANTO AO PLANO DE REFERÊNCIA TEMPORAL

A pré – constituição dos juízos, em consequência a proibição da criação destes ex post facto é exigência estabelecida no plano de referência temporal.

Através do plano de referência temporal se objetiva proibir, no processo administrativo disciplinar, a instituição de comissões processantes após a ocorrência do fato, ou seja, após a conduta transgressora das atribuições funcionais praticada pelo servidor acusado, a Administração Pública por meio de sua autoridade competente nomeia ou institui a comissão processante responsável.

Aduz-se, ainda, que tal ato é defeso, em decorrência de que a designação da comissão processante se concretiza posteriormente ao fato e para ele exclusivamente é criada, não havendo nenhum critério objetivo para a escolha dos membros, ficando este ato apenas ao arbítrio do agente responsável pela instauração do processo administrativo disciplinar, o que de consequência pode ensejar a designação guiada com a intenção de punir ou absolver.

Afirma Bacellar Filho (2003, p. 348), que o ato administrativo que cria o juízo posterior ao fato e privativamente designado para deliberar sobre determinado caso concreto, torna sem efeito a garantia assegurada através do princípio do contraditório e da ampla defesa, pois, abre-se a possibilidade de designar os membros de acordo com a vontade da autoridade responsável por este ato, que será capaz de nomeá-los de tal forma que possa predeterminar o resultado do processo administrativo disciplinar para a absolvição ou condenação, em consonância com a sua intenção. Acrescentando ainda que "o risco do prejulgamento é evidente, capaz de tornar ilusória os efeitos da participação do servidor acusado. O juiz acidental, ao contrário do permanente, gera a presunção da parcialidade".

Na mesma linha Miranda (2006, p.92) enfatiza que segundo o conteúdo do plano de referência temporal:

[...] ninguém poderá ser processado ou julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato, sendo um direito fundamental da pessoa (humana ou jurídica) o de ser julgado apenas por um juízo previamente investido na função de julgar, conforme previsão de lei vigente a época do fato. Logo, não há possibilidade de retroatividade em termos do juiz natural, vedando-se a ilegal figura de juizes post factum.

Neste passo, observa-se a tamanha importância que representa o plano referência temporal no princípio do juiz natural, uma vez que este não estando assegurado à criação das comissões anterior ao acontecimento dos fatos, estaria consideravelmente prejudicada a imparcialidade do julgador, que na maioria das vezes, seria designada com o propósito de prejudicar ou beneficiar o servidor acusado.

3.4 CONSEQUÊNCIAS QUANTO AO PLANO DA IMPARCIALIDADE

O processo administrativo disciplinar instaurado deve ser realizado mediante a garantia da imparcialidade, que obrigatoriamente necessita estar presente em todas as suas fases.

A imparcialidade prima por um processo justo, que não representa apenas um instrumento técnico, mas também ético, pois, as pessoas envolvidas no processo administrativo disciplinar exprimem o seu juízo.

Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 52) relatam que "a imparcialidade do juiz é garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juiz imparcial: e o Estado, [...] tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas".

Como bem acentua os doutrinadores, a imparcialidade é garantia de justiça, que é, ou pelo menos deveria ser assegurada aos interessados no processo administrativo disciplinar.

E por este motivo, devem os membros da comissão processante serem servidores públicos estáveis, de confiança da Administração Pública, e não da autoridade que os designou para ocupar esta função. O objetivo pretendido com a designação destes membros é assegurar a eles e aos interessados segurança jurídica. Pois, como afirma Bacellar Filho (2003, p. 351) "Não seria adequado, [...] a atuação de servidores cujo vínculo com a Administração Pública pudesse ser livremente desfeito. Do contrário, o exercício da competência disciplinar estaria fragilizado pela evidente ausência de segurança em face das pressões dos superiores hierárquicos".

Podendo, conforme aduzido pelo doutrinador, tanto o servidor público acusado ser prejudicado, como o servidor público membro da comissão processante, se não for estável.

Confirma-se então que o plano da imparcialidade protege o servidor acusado e o servidor membro da comissão processante, frente às possíveis influências que possam comprometer a relação jurídica, entendem-se aqui também os impedidos e suspeitos, que possam de alguma forma direcionar o resultado final do processo administrativo disciplinar.

Assim, a imparcialidade constitui um requisito subjetivo dos agentes competentes envolvidos, que não terão interesse na causa – parcial, nem serão designados para apenas um processo – acidental. Além disso, ela vigorará garantindo: autonomia entre as pessoas responsáveis, que não ficarão adstritas à obediência hierárquica; e ainda, apreciação do processo de forma cristalina, neutra, impessoal, independente e objetiva para que racionalmente se alcance uma decisão justa.

3.5 CONSEQUÊNCIAS QUANTO AO PLANO DA ORDEM TAXATIVA DE COMPETÊNCIA

O quinto plano a ser analisado, denominado de plano de ordem taxativa de competência, estabelece que se deva obrigatoriamente prever em lei anterior ao fato, toda alteração de competência que possa ocorrer.

Neste ponto, dispõe Bacellar Filho (2003, p.366), em consequência deste plano: "decorre que o afastamento do juiz natural, por motivo de impedimento ou suspensão, depende de lei prévia regulamentadora". Acrescentando ainda que:

[...] poder-se-ia pensar que não seria necessário que a lei disciplinasse a forma de alteração da competência pois a pessoa nem chegaria a ser nomeada para a função. Ora mesmo os laços familiares podem vir a se formar no curso do processo depois de designada a Comissão, ou serem posteriormente descobertos.

Assim, tem-se que o princípio do juiz natural não impede que o agente público responsável, predeterminado pela lei, seja afastado por ter sido considerado impedido ou suspeito, até porque se prima pela imparcialidade, mas, exige ele que a lei, anterior ao fato, elenque como será realizada a sua substituição, se um destes fatores ocorrer.

Dissertando, a respeito do princípio do juiz natural no plano de ordem taxativa de competência, Dias (2004 apud Miranda, 2006, p. 95) afirma "pretende o princípio vincular a uma ordem taxativa de competência, que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente".

A respeito, assevera Miranda (2006. p 95):

Juiz natural e, portanto, competente, somente poderá ser aquele conforme definido na Constituição Federal ou pela lei, por meio de indicação taxativa das causas a eles atribuídas para processar e julgar, sendo vedada qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja.

O plano de ordem taxativa de competência, desta forma, dispõe e assegura que, no processo administrativo disciplinar, somente atuará quem estiver previamente definido na lei como competente, e apenas poderá ocorrer a alteração desta competência, no decorrer do processo, se esta possibilidade estiver prevista na lei, ficando inibida qualquer arbitrariedade ou discricionariedade no que concerne a esta.

Sobre os autores
Charliane Michels

Bacharel em Direito pela UNIDAVI. Pós Graduanda em Direito. Administrativo pelo Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI.

José Sérgio da Silva Cristóvam

Professor Adjunto de Direito Administrativo (Graduação, Mestrado e Doutorado) da UFSC. Subcoordenador do PPGD/UFSC. Doutor em Direito Administrativo pela UFSC (2014), com estágio de Doutoramento Sanduíche junto à Universidade de Lisboa – Portugal (2012). Mestre em Direito Constitucional pela UFSC (2005). Membro fundador e Presidente do Instituto Catarinense de Direito Público (ICDP). Membro fundador e Diretor Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). ex-Conselheiro Federal da OAB/SC. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB Nacional. Membro da Rede de Pesquisa em Direito Administrativo Social (REDAS). Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Público do CCJ/UFSC (GEDIP/CCJ/UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MICHELS, Charliane; CRISTÓVAM, José Sérgio Silva. A aplicabilidade do princípio do juiz natural nos processos administrativos disciplinares: a composição das comissões processantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2838, 9 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18864. Acesso em: 18 nov. 2024.

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