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A aplicabilidade do princípio do juiz natural nos processos administrativos disciplinares: a composição das comissões processantes

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4 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O juiz natural, reconhecido como princípio – garantia, está presente no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente, no processo administrativo disciplinar com o objetivo de inibir e exigir que as consequências expostas nos cinco planos, sejam plenamente aplicadas, assegurando aos interessados um processo justo.

Como estudado anteriormente, o primeiro plano, denominado de plano de abrangência funcional compreende ordem de questão objetiva e subjetiva, sendo a primeira relacionada ao fato de que os órgãos ou pessoas responsáveis no processo administrativo disciplinar devem estar com sua competência predeterminada em lei; e a segunda exige que todas as pessoas envolvidas devem agir com imparcialidade.

Conforme aduzido, na ordem objetiva, a competência dos órgãos ou pessoas responsáveis deve estar predeterminada na lei, perfazendo assim o segundo plano, chamado de plano da fonte do qual reserva a lei o dever de estabelecer a competência.

Sobre o assunto correlacionado ao primeiro e ao segundo plano o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, afirmando a "nulidade do procedimento administrativo disciplinar em face de: a) designação dos membros da comissão por autoridade incompetente." (AgRg no MS 14968, REL. MIN. CELSO LIMONGI, JULGAMENTO EM 10-3-10, DJ DE 22-3-10).

Em suma, verifica-se que o agente que designou os membros da comissão, não possuía competência conferida em lei para praticar este ato, infringindo o requisito objetivo preceituado pelo plano de abrangência funcional e o segundo plano disposto, o que consequentemente causou a nulidade do processo administrativo disciplinar.

Quanto ao terceiro plano, nominado de plano de referência temporal tem-se que a Administração Pública, não poderá instituir após a ocorrência do fato – transgressão funcional -, juízos ou órgãos para processá-lo. Essa exigência, a qual determina que os juízos ou órgãos estejam instituídos antes da ocorrência do fato, tem por objetivo inibir a escolha subjetiva, eivada de parcialidade.

O Superior Tribunal de Justiça, a respeito, possui colacionado:

[...] o processo administrativo disciplinar a ser instaurado [...] deverá ser promovido por Comissão Permanente de Disciplina [...] a validade do processo administrativo disciplinar instaurado está condicionada à promoção por Comissão Permanente de Disciplinar, devidamente instituída, em estrita observância aos princípios constitucionais da legalidade e do juiz natural. (MS 13250, REL. MIN. FELIX FICHER, JULGAMENTO EM 5-12-08, DJ DE 2-2-09).

Desta forma, denota-se que a validade do processo administrativo disciplinar está adstrita ao cumprimento do plano de referência temporal, podendo ele inclusive ser conduzido à nulidade, quando inobservado a proibição de juízos ou órgãos com exclusividade ou criados após a ocorrência do fato.

Já no plano da imparcialidade, conforme visto, pretende-se coibir os interesses e conveniências próprias que influenciem no processo como: a parcialidade, os resultados encomendados, dentre outras condutas que desvirtuem a produção de um processo objetivo, consagrado pela verdade e pela justiça.

Ainda, em relação à imparcialidade, outro não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando afirma:

A lei não pode frustrar a garantia derivada do postulado juiz natural. Assiste, a qualquer pessoa, quando eventualmente submetida a juízo [...], o direito de ser processada perante um juiz imparcial e independente, cuja competência é predeterminada, em abstrato, pelo próprio ordenamento constitucional. (HC 73.801-0, REL. MIN. CELSO DE MELLO, JULGAMENTO EM 25-6-96, DJ DE 27-6-97).

Assegurada, desta forma, está à garantia do servidor acusado ser processado perante o administrador imparcial, mesmo porque esta é condição sine qua non da validade do julgamento do processo, conforme ensinado por Bacellar Filho (2003, p. 331).

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O último plano avaliado, denominado de plano da ordem taxativa de competência determina que qualquer modificação de competência deve estar prevista em lei anterior ao fato.

Sobre o tema, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal considerando que "o procedimento de substituição [...] efetuada com fundamento na Lei [...] revela-se plenamente conveniente com o princípio fundamental do juiz natural [...] descaracterizando a alegação de nulidade do julgamento". (HC 69.601-5, REL. MIN. CELSO DE MELLO, JULGAMENTO EM 24-11-92, DJ DE 18-12-92).

Observa-se neste sentido, que se tal alteração de competência não estivesse prevista na legislação, estar-se-ia, novamente, diante de mais uma possibilidade de nulidade do processo administrativo disciplinar.

Com efeito, denota-se que a violação de quaisquer dos planos, que expressam as características e consequências da aplicação do princípio do juiz natural, no processo administrativo disciplinar, pode ocasionar a nulidade de todo o processo, desenvolvido para apurar os motivos da irregularidade praticada pelo servidor ora acusado.

Essencial dispor o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quanto à nulidade do processo administrativo: "É firme o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que somente se declara nulidade de processo administrativo quando for evidente o prejuízo à defesa" (MS 11.221, REL. MIN. FELIX FISCHER, JULGAMENTO EM 14-6-06, DJ DE 28-8-06).

Retrata-se deste modo, que quando ocorrer o descumprimento de algumas das exigências expostas, será indispensável para a declaração de nulidade, a demonstração de efetivo prejuízo ao administrado.

4.1 COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO PROCESSANTE

Instaurado o processo administrativo disciplinar, com a pretensão de verificar os atos irregulares cometido pelo servidor acusado, inicia-se uma nova fase do processo, a instrução, fase esta desenvolvida pela comissão processante, que além dela, ainda realiza, após a defesa do acusado, o relatório.

Esta comissão processante, designada antes da instauração de qualquer processo administrativo disciplinar, compete apurar possíveis fatos irregulares praticados no exercício funcional, e para verificar, se houve ou não transgressão do dever funcional, ela deverá utilizar todos os meios necessários, sem manifestar, abuso ou desvio de poder, e logo após propor a absolvição ou a condenação do denunciado.

Constituídas, portanto, para desempenhar as funções acima elucidadas, elas devem ser formadas, a priori, por três membros ocupantes de cargos de provento efetivo, estáveis no serviço público, com exemplar conduta profissional e de ilibada reputação pessoal, e se possível, com experiência no desempenho do processo administrativo disciplinar, além disso, devem ainda estar hierarquicamente em posição idêntica ou superior ao do acusado.

Sobre o requisito da estabilidade e do grau hierárquico, ensina Gasparini (2008, p.1016) "A estabilidade é necessária para que suas atividades não sejam fraudadas com ameaças de despedimento, e o grau hierárquico superior é relevante para a manutenção do princípio da hierarquia".

Nesta área, deve ser observado também, no que concerne a nomeação dos membros, os impedimentos naturais, ou seja, nenhum agente público poderá compor a comissão processante se possuir por consanguinidade ou afinidade, em linha reta ou colateral, parentesco com o servidor acusado.

Ainda, quanto à composição da comissão processante, expressa Gasparini (2008, p. 1016), "é importante que se diga que o servidor não pode recusar-se ao chamamento para compor uma comissão processante, dado que a aceitação constitui dever funcional, salvo se impedido". Acrescentando, no que diz respeito, à duração do mandato dos membros, que "os estatutos [...] costumam prescrever que a nomeação será por dois anos e que é facultada a recondução".

Portanto, constata-se através dos ensinamentos expostos pelo administrativista, que a função de membro da comissão constitui dever funcional, e que esta competência pode durar por certo prazo determinado, podendo, estes serem substituídos conforme previsão legal.

Constituindo assim, dever funcional, a atividade exercida pelo membro da comissão, este não receberá nenhuma quantia remuneratória adicional pelo desempenho desta, no entanto, poderá ele ser dispensado das atribuições originárias de seu cargo, para executá-las.

No que concerne à presidência do processo administrativo disciplinar, afirma Meirelles (1992, p. 594), que esta deve ser exercitada pelo membro mais categorizado e instruído possível. Já Gasparini (2008, p.1016) atribui que esta deve ser concedida ao "[...] Procurador ou, no mínimo, a servidor formado em direito [...]".

Por fim, percebe-se que o administrador, no momento que institui a comissão processante, através de ato administrativo próprio, que geralmente concretiza-se por meio de portaria, deve constituí-la com servidores efetivos, estáveis, com nível hierárquico igual ou superior a do acusado, instruídos, de confiança da Administração Pública e de boa índole profissional e social, e se possível, por membros que possuam ainda, conhecimento administrativo para desenvolver o processo disciplinar.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Traçar novos rumos nunca foi e dificilmente será uma tarefa fácil, mas muitas vezes necessária, pois para as instituições se manterem vivas e estáveis, é imprescindível primor administrativo na realização dos seus atos públicos.

Em razão disso, busca-se com o presente artigo científico uma maior reflexão acerca do processo administrativo disciplinar, almejando harmonizá-lo nos diversos entes públicos.

Sabe-se que existem várias leis disciplinadoras de processo administrativo disciplinar, distribuídas entre os diversos entes públicos, e que estas não asseguram na maioria das vezes a garantia certificada, aos servidores públicos acusados, através do princípio do juiz natural. Tem-se conhecimento também, que estas falhas e omissões ocorridas pela inobservância dos preceitos constitucionais, podem ser sanadas por meio da busca integradora, com oferecimento de críticas produtivas, que noticiam e discutem os pontos que possam causar ou que atualmente estão provocando erros e dúvidas.

Mas essa situação delicada pode ser solucionada, dependendo do caso, através da interpretação das leis infraconstitucionais nos ditames da Constituição, ou então, quando esta não for possível, que seja realizada a revisão legal.

A interpretação das leis, de acordo com o comando constitucional ou a revisão legal, são duas formas de extinguir eventuais normas infringentes aos ditames do princípio do juiz natural no processo administrativo disciplinar, ou seja, há a oportunidade de interpretar a lei infraconstitucional em consonância com os preceitos constitucionais, ou ainda, quando isso não for adequado ou possível, que se realize a revisão legal, sendo esta uma autonomia de cada ente. Contudo, para que isso possa acontecer, faz-se necessário, que cada um haja com diligência, zelo, para que através de um esforço contínuo, conciliem-se as normas do Direito Infraconstitucional ao Direito Constitucional.

Deste modo, a garantia veiculada pelo princípio do juiz natural deve ser observada e respeitada pelos agentes públicos responsáveis, seja por meio da interpretação ou revisão legal, desde a instauração até o julgamento do processo administrativo disciplinar, para que as pretensões e os desejos corporificados de um Estado Democrático de Direito através da Constituição Federal de 1988, não fiquem restritos apenas ao papel, mas que se torne realidade, promovendo através do direito, da ética, da moral, da imparcialidade a realização de um processo justo tão almejado por todos.

O que se busca é aproximar ao máximo do verdadeiro sentido que a Carta Magna traz acerca do princípio do juiz natural, aplicando-o corretamente nos processos administrativos disciplinares, e consequentemente na composição das comissões processantes, visando garantir aos administrados envolvidos a prevalência da imparcialidade, da competência e da justiça em detrimento da ilegalidade, da imoralidade e dos favoritismos.


REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Charliane Michels

Bacharel em Direito pela UNIDAVI. Pós Graduanda em Direito. Administrativo pelo Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI.

José Sérgio da Silva Cristóvam

Professor Adjunto de Direito Administrativo (Graduação, Mestrado e Doutorado) da UFSC. Subcoordenador do PPGD/UFSC. Doutor em Direito Administrativo pela UFSC (2014), com estágio de Doutoramento Sanduíche junto à Universidade de Lisboa – Portugal (2012). Mestre em Direito Constitucional pela UFSC (2005). Membro fundador e Presidente do Instituto Catarinense de Direito Público (ICDP). Membro fundador e Diretor Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). ex-Conselheiro Federal da OAB/SC. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB Nacional. Membro da Rede de Pesquisa em Direito Administrativo Social (REDAS). Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Público do CCJ/UFSC (GEDIP/CCJ/UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MICHELS, Charliane; CRISTÓVAM, José Sérgio Silva. A aplicabilidade do princípio do juiz natural nos processos administrativos disciplinares: a composição das comissões processantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2838, 9 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18864. Acesso em: 19 dez. 2024.

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